FRAGMENTOS DA TRAJETÓRIA DE VIDA DE FELIX CARBAJAL, O IDEALIZADOR DO RELÓGIO DO SOL OU
QUADRANTE SOLAR, EM ARARANGUÁ
Foto - Jairo |
Na
década de noventa um cidadão de nacionalidade uruguaia é convidado para
proferir palestra no colégio estadual de Araranguá. O convite foi pelo fato do
mesmo ter sido contratado pela prefeitura para executar projeto de construção
de um relógio do sol, no trevo principal da cidade Alta. O cidadão cujo nome
era Felix Carbajal chamava a atenção de todos pelo modo como se vestia, sempre com
roupas claras, preferência o branco, e pela sua estupenda erudição filológica
em física, astronomia, matemática, filosofia, poesia, arte, etc. Falava
fluentemente o espanhol, inglês, Frances, lia e escrevia em alemão, italiano,
latim, grego e demais idiomas indígenas.
Lembro
que depois de concluída a palestra no auditório da EEBA, eu e minha atual
companheira Elisa o convidamos para tomar um chá conosco. Ficou muito feliz
pelo convite. Foram minutos intensos vividos com o “senhor do tempo”, Félix
Carbajal. Na época, 1994, possuía 89
anos, embora idoso concentrava uma força interna invejável. Na realidade o seu
Carbajal, como era conhecido, era um cidadão do mundo, ou seja, não possuía
lugar fixo, vivia interinamente de um lugar para outro, proferindo palestras em
escolas, universidades e oferecendo os seus projetos de relógios solares.
O
relógio construído em Araranguá chamou a atenção da população local pelo desenho
e tamanho. Impossível passar alguém nas imediações e não se deparar com o
monumento. Entretanto, quase trinta anos depois de sua inauguração é possível
contar nos dedos quem de Araranguá esteve no relógio, sabe como funciona e quem
o projetou. Por que foi edificado naquele local e o que representam os símbolos
ou desenhos registrados em alto relevo em pedaços de concreto ao seu redor.
Há
cerca de um mês fiz uma visita ao relógio e constatei o terrível abandono do
monumento pelo poder público. Além da destruição de uma luminária por vândalos que
projetava luz ao monumento à noite, uma árvore cresceu ao seu redor
prejudicando a identificação das horas. É espantosa como a sociedade brasileira
desprestigia a arte, a cultura, a história. Pesquisando na internet mais
informações sobre o relógio do sol, alguns trabalhos ou pesquisas desenvolvidas
nas escolas do município, consegui acessar três, dois vídeos e um trabalho de
extensão postado na página da instituição responsável pela iniciativa.
O
primeiro que destaquei foi um vídeo produzido em 2014, Projeto extensão Memória
Viva, em comemoração aos vinte anos da construção do quadrante ou relógio do
sol. O segundo, também foi um projeto de extensão do IFSC Araranguá, cuja
proposta foi Conhecer os Lugares de Memória no Município. O terceiro e último,
foi um vídeo produzido por um cidadão e sua família, que visitaram a cidade em
2016. Ficaram tão fascinados,
maravilhados com o monumento que decidiram fazer um curto vídeo, porém, muito
ilustrativo e informativo.
Mas
afinal, o que resultou daquele senhor misterioso, apaixonado pela arte,
pesquisa, ciência, que depois de inaugurado o monumento em Araranguá seguiu sua
jornada como o Lobo da Estepe, obra escrita pelo alemão Hermann Hesse. Vasculhando os vários sites disponíveis, de
repente me deparo com uma reportagem publicada no portal nsctotal.org.br com o
título “Os mistérios do nômade que
espalhou relógios de sol por Santa Catarina”. Além dessa publicação,
encontrei outra reportagem do dia 14 de abril de 2021, no site www.adjorisc.com.br com o título O homem por detrás dos relógios
de sol.
A
verdade que ambas as reportagens tratavam do mesmo assunto, ou seja, a
conclusão de uma pesquisa de doutorado sobre FELIX PEIRALLO CARBAJAL, realizada
pelo professor Ricardo Machado, da Universidade Fronteira Sul. Naquela ocasião,
mês de abril de 2021, o pesquisador estava lançando o livro sobre a pesquisa,
tendo como título O Nomandismo de Félix
Peyrallo Carbajal.
Ansioso
em saber mais sobre a vida e os mistérios daquele cidadão que como um cometa
passou por nossas vidas e desapareceu, acessei a pesquisa do professor Ricardo,
disponível em PDF na rede, lá encontrei uma obra densa de mais de quatrocentas
páginas, trazendo minúcias, detalhes de quem viveu cem anos espalhando
sabedoria para quem quisesse ouvi-lo.
Lendo
fragmentos da obra entendi por que Carbajal era pouco compreendido nos muitos
lugares que passou. Ele estava muito além do nosso espaço e tempo mecânico, que nos estereotipa, liquidifica, escraviza, oprime, como um produto
descartável. A sua busca alucinante por respostas relativas a existência
humana, a vida, lhe transformou em um andarilho, um nômade. A filosofia, a
arte, a musica, a literatura, o cinema, a poesia a matemática, ambas tão estigmatizadas
e relativizadas em culturas amorfas como a nossa, para Felix foram como faróis.
É importante aqui mencionar algumas reflexões feitas
pelo pesquisador Ricardo sobre a essência do pensamento de Felix referente a
obstinação de construir relógios de sol
por onde passava. São essas obras que
refletem exatamente o seu pensamento. “Os
relógios marcarão por séculos a felicidade dos que se libertam e a monotonia
dos que se escravizam à rotina das horas cotidianas”. Para Felix o tempo
moderno, o tempo da máquina, do cronômetro, se difere do tempo cósmico, assimétrico,
instável, imperfeito, assim como ele próprio o era, sempre em movimento.
Os
relógios de sol só existem pela ação de Felix, e por serem fruto de estranho
movimento, sua presença é incômoda, instável. Quantas e quantas vezes Felix não
sofrera algum ato preconceituoso em suas diversas paragens, somente pelo fato
de não estar ajustado aos patrões comportais ditos normais ou normóticos. Claro
que nada disso lhe abatia ao ponto de abandonar os seus planos. Sua inteligência
lhe capacitava compreender as fragilidades humanas, a ponto de ter plantado em
cada cidade visitada “sementes” do conhecimento que germinariam, cresceriam e
dariam frutos. Esse, portanto, foi o
principal legado deixado pelo cidadão Felix Carbajal que, como Don Quixote de
La Macha, lutara bravamente contra os terríveis moinhos de vento da ignorância
e insensatez humana.
Mais
uma vez reiteramos a necessidade de revitalizar o local onde está o relógio do
sol de Araranguá, considerado um dos símbolos artísticos, arquitetônicos e
humanísticos do nosso município. Preservar a memória patrimonial, material e
imaterial, é a maneira que temos para lutar contra os domínios/demônios de
mentes insufladas pelo ego doentio.
Prof. Jairo Cesa
https://linkdigital.ifsc.edu.br/2014/12/09/projeto-de-extensao-do-campus-ararangua-leva-alunos-do-ifsc-e-de-escolas-publicas-da-regiao-a-conhecer-lugares-de-memoria/
https://www.youtube.com/watch?v=24ijx3UJ_v8
2016
https://www.youtube.com/watch?v=FkndQCRoDtk
https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/169095
https://tvjaguari.com.br/o-senhor-do-tempo-e-seus-relogios-solares-24607
http://www.humanasebolivraria.com.br/eventos/558/
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