quinta-feira, 15 de julho de 2021

 

FRAGMENTOS DA TRAJETÓRIA DE VIDA DE FELIX CARBAJAL, O IDEALIZADOR DO RELÓGIO DO SOL OU QUADRANTE SOLAR, EM ARARANGUÁ

Foto - Jairo


Na década de noventa um cidadão de nacionalidade uruguaia é convidado para proferir palestra no colégio estadual de Araranguá. O convite foi pelo fato do mesmo ter sido contratado pela prefeitura para executar projeto de construção de um relógio do sol, no trevo principal da cidade Alta. O cidadão cujo nome era Felix Carbajal chamava a atenção de todos pelo modo como se vestia, sempre com roupas claras, preferência o branco, e pela sua estupenda erudição filológica em física, astronomia, matemática, filosofia, poesia, arte, etc. Falava fluentemente o espanhol, inglês, Frances, lia e escrevia em alemão, italiano, latim, grego e demais idiomas indígenas.

Lembro que depois de concluída a palestra no auditório da EEBA, eu e minha atual companheira Elisa o convidamos para tomar um chá conosco. Ficou muito feliz pelo convite. Foram minutos intensos vividos com o “senhor do tempo”, Félix Carbajal.  Na época, 1994, possuía 89 anos, embora idoso concentrava uma força interna invejável. Na realidade o seu Carbajal, como era conhecido, era um cidadão do mundo, ou seja, não possuía lugar fixo, vivia interinamente de um lugar para outro, proferindo palestras em escolas, universidades e oferecendo os seus projetos de relógios solares.

O relógio construído em Araranguá chamou a atenção da população local pelo desenho e tamanho. Impossível passar alguém nas imediações e não se deparar com o monumento. Entretanto, quase trinta anos depois de sua inauguração é possível contar nos dedos quem de Araranguá esteve no relógio, sabe como funciona e quem o projetou. Por que foi edificado naquele local e o que representam os símbolos ou desenhos registrados em alto relevo em pedaços de concreto ao seu redor.

Há cerca de um mês fiz uma visita ao relógio e constatei o terrível abandono do monumento pelo poder público. Além da destruição de uma luminária por vândalos que projetava luz ao monumento à noite, uma árvore cresceu ao seu redor prejudicando a identificação das horas.   É espantosa como a sociedade brasileira desprestigia a arte, a cultura, a história. Pesquisando na internet mais informações sobre o relógio do sol, alguns trabalhos ou pesquisas desenvolvidas nas escolas do município, consegui acessar três, dois vídeos e um trabalho de extensão postado na página da instituição responsável pela iniciativa. 

O primeiro que destaquei foi um vídeo produzido em 2014, Projeto extensão Memória Viva, em comemoração aos vinte anos da construção do quadrante ou relógio do sol. O segundo, também foi um projeto de extensão do IFSC Araranguá, cuja proposta foi Conhecer os Lugares de Memória no Município. O terceiro e último, foi um vídeo produzido por um cidadão e sua família, que visitaram a cidade em 2016.  Ficaram tão fascinados, maravilhados com o monumento que decidiram fazer um curto vídeo, porém, muito ilustrativo e informativo.

Mas afinal, o que resultou daquele senhor misterioso, apaixonado pela arte, pesquisa, ciência, que depois de inaugurado o monumento em Araranguá seguiu sua jornada como o Lobo da Estepe, obra escrita pelo alemão Hermann Hesse.  Vasculhando os vários sites disponíveis, de repente me deparo com uma reportagem publicada no portal nsctotal.org.br com o título “Os mistérios do nômade que espalhou relógios de sol por Santa Catarina”. Além dessa publicação, encontrei outra reportagem do dia 14 de abril de 2021, no site www.adjorisc.com.br  com o título O homem por  detrás dos relógios de sol.

A verdade que ambas as reportagens tratavam do mesmo assunto, ou seja, a conclusão de uma pesquisa de doutorado sobre FELIX PEIRALLO CARBAJAL, realizada pelo professor Ricardo Machado, da Universidade Fronteira Sul. Naquela ocasião, mês de abril de 2021, o pesquisador estava lançando o livro sobre a pesquisa, tendo como título O Nomandismo de Félix Peyrallo Carbajal.

Ansioso em saber mais sobre a vida e os mistérios daquele cidadão que como um cometa passou por nossas vidas e desapareceu, acessei a pesquisa do professor Ricardo, disponível em PDF na rede, lá encontrei uma obra densa de mais de quatrocentas páginas, trazendo minúcias, detalhes de quem viveu cem anos espalhando sabedoria para quem quisesse ouvi-lo.

Lendo fragmentos da obra entendi por que Carbajal era pouco compreendido nos muitos lugares que passou. Ele estava muito além do nosso espaço  e tempo mecânico, que nos estereotipa,  liquidifica, escraviza, oprime, como um produto descartável. A sua busca alucinante por respostas relativas a existência humana, a vida, lhe transformou em um andarilho, um nômade. A filosofia, a arte, a musica, a literatura, o cinema, a poesia a matemática, ambas tão estigmatizadas e relativizadas em culturas amorfas como a nossa, para Felix foram como faróis.

 É importante aqui mencionar algumas reflexões feitas pelo pesquisador Ricardo sobre a essência do pensamento de Felix referente a obstinação  de construir relógios de sol por onde passava.  São essas obras que refletem exatamente o seu pensamento. “Os relógios marcarão por séculos a felicidade dos que se libertam e a monotonia dos que se escravizam à rotina das horas cotidianas”. Para Felix o tempo moderno, o tempo da máquina, do cronômetro, se difere do tempo cósmico, assimétrico, instável, imperfeito, assim como ele próprio o era, sempre em movimento.

Os relógios de sol só existem pela ação de Felix, e por serem fruto de estranho movimento, sua presença é incômoda, instável. Quantas e quantas vezes Felix não sofrera algum ato preconceituoso em suas diversas paragens, somente pelo fato de não estar ajustado aos patrões comportais ditos normais ou normóticos. Claro que nada disso lhe abatia ao ponto de abandonar os seus planos. Sua inteligência lhe capacitava compreender as fragilidades humanas, a ponto de ter plantado em cada cidade visitada “sementes” do conhecimento que germinariam, cresceriam e dariam frutos.  Esse, portanto, foi o principal legado deixado pelo cidadão Felix Carbajal que, como Don Quixote de La Macha, lutara bravamente contra os terríveis moinhos de vento da ignorância e insensatez humana.  

Mais uma vez reiteramos a necessidade de revitalizar o local onde está o relógio do sol de Araranguá, considerado um dos símbolos artísticos, arquitetônicos e humanísticos do nosso município. Preservar a memória patrimonial, material e imaterial, é a maneira que temos para lutar contra os domínios/demônios de mentes insufladas pelo ego doentio.    

 


     

  Prof. Jairo Cesa

https://linkdigital.ifsc.edu.br/2014/12/09/projeto-de-extensao-do-campus-ararangua-leva-alunos-do-ifsc-e-de-escolas-publicas-da-regiao-a-conhecer-lugares-de-memoria/   

https://www.youtube.com/watch?v=24ijx3UJ_v8 2016

https://www.youtube.com/watch?v=FkndQCRoDtk     

https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/169095

https://tvjaguari.com.br/o-senhor-do-tempo-e-seus-relogios-solares-24607

http://www.humanasebolivraria.com.br/eventos/558/

 

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