sexta-feira, 26 de abril de 2013


O levante popular em defesa da Escola Pública: Balneário Gaivota/SC, um exemplo a ser seguido



Embora os meios de comunicação quase que diariamente procuram noticiar que o governo de Santa Catarina irá investir mais de meio bilhão de reais na revitalização da educação pública, o que se constata quase quatro anos depois da posse são unidades de ensino depredadas, abandonadas, invadidas pelo mato, não oferecendo as mínimas condições de infraestrutura que garanta uma educação digna para os filhos dos trabalhadores. É importante relembrar que na campanha eleitoral de 2010, o atual governo deixou explícito a todos os (as) catarinenses, que eleito daria total prioridade à educação, saúde e segurança. Foi confiando nas promessas que a população lhe deu respaldo garantindo-lhe a vitória no primeiro turno.   Na região do vale do Araranguá o retrato das escolas públicas estaduais é desolador. É comum ouvir de políticos locais muitos dos quais vinculados a atual base governista, dentre eles o PSDB, PSD e PMDB, que o sul do estado em especial o vale do Araranguá é considerado uma das regiões mais atrasadas economicamente do estado, ficando a frente apenas da região do planalto sul.
  
Não estaria tal atraso condicionado a forma como tais representantes do “povo” vêm tratando a educação pública nas últimas décadas, não valorizando os profissionais da educação e a própria população pagadora de impostos que espera do Estado sua retribuição sob a forma de serviços de qualidade para a educação, saúde e segurança. É nítido aos olhos de todos (as) que tais retribuições por parte do governo estão muito aquém do ideal. E a indignação se torna maior quando se observa que o dinheiro público que deveria ser destinado à melhoria das escolas, construção de ginásios de esportes, toma caminhos completamente opostos, sendo o mais comum o financiamento de campanhas eleitorais.
Além do descaso em termos infraestruturais, as escolas púbicas estaduais sofrem também com o descaso de gestão, pois entre os três estados do sul, Santa Catarina é o único entro os demais cujo processo de escolha dos gestores continua sendo por indicação política, ou seja, a cada eleição de prefeitos, vereadores, deputados e governadores, nos municípios entram em ação os “agrimensores da política” encarregados pela demarcação das escolas, um verdadeiro loteamento, cuja vaga de diretor passa a ser de responsabilidade do ou dos partidos da base aliada. Nesse caso, o critério de escolha à vaga seguirá os preceitos do partido, ou seja, apoio político e obtenção de maior número de votos ao candidato eleito.
Em qualquer organização tanto pública como privada, o papel do gestor é imprescindível para o bom andamento da mesma, sendo que sua escolha deve partir de procedimentos rígidos, somando competência, sensibilidade e carisma frente ao grupo na qual atua. Em relação a instituição escolar publica do estado de Santa Catarina, tivemos algumas experiências de gestão participativa na década de 1990, quando a comunidade escolar, num período curto de democracia, participou da escolha dos seus gestores. Por falta de regulamentação de lei estadual que instituiu a gestão democrática nas escolas, o governo não reconhecia os eleitos, gerando um clima tenso entre escola e Estado. Mesmo assim, algumas escolas mantiveram seus gestores respaldados pela comunidade.
É notório que preservando tais mecanismos de escolha dos gestores/diretores escolares o Estado mantém fortalecido sua posição eleitoreira tanto nos pequenos como nos grandes municípios. Porém, essa concepção de hegemonia política dos (as) gestores (as)/diretores (as)  nas unidades de ensino, de acreditar que os (as) mesmos (as) são intocáveis, de que o partido que o (a) colocou no cargo é o único capaz de retirá-lo (la), de que a comunidade escolar é indiferente a tudo que  acontece, não corresponde à realidade.
Cabe lembrar que no passado, as grandes transformações da sociedade não ocorreram a partir de decretos ou projetos de lei encaminhada por um governo dito iluminado. Muito pelo contrário, as grandes revoluções como a francesa tiveram o povo como protagonista, sendo que muitas das conquistas obtidas principalmente o direito de participar da escolha dos governantes ocorreram a partir desses levantes populares. Na educação pública estadual catarinense não foi diferente, tudo que os (as) trabalhadores (as) da educação conquistaram nesses últimos trinta anos ocorreu após grandes enfretamentos com os governos que se sucederam.
E quando se trata de gestão democrática nas escolas, o processo não pode ser diferente. É preciso fazer acontecer e não esperar que algum governo dentro do atual alinhamento político que se estabeleceu em Santa Catarina se sensibilize e tome iniciativa de regulamentação da lei. Pois não há interesse, mesmo sabendo esse processo de gestão/direção vem assegurando há quase um século o poder dos grupos oligárquicos que controlam os currais eleitorais municipais que dão sustentação a estrutura do poder central.
Quando se pensa que o sistema de gestão das escolas públicas estaduais é inabalável, que os educadores, passivamente, têm de “engolir calado” qualquer um indicado para dirigir a escola, na sua maioria sem nenhuma competência para o cargo,  a história tem nos reservado algumas surpresas fascinantes como o fato ocorrido   no município de Balneário Gaivota, cujo levanto popular disse não ao autoritarismo, que resultou na saída da diretora geral da escola por não se adequar aquilo que a comunidade aspirava, ou seja, uma gestora comprometida com a escola e com a comunidade. O que é relevante nesse episódio, que, de repente, de uma situação que para muitos poderia passar despercebido sem nenhuma repercussão maior, pode resultar em profunda ruptura desse modelo de gestão escolar, pipocando em outras escolas e produzindo um efeito dominó de proporções incalculáveis. 
Foi isso que aconteceu e está acontecendo em uma escola pública estadual localizada no município de Balneário Gaivota, no sul do estado de Santa Catarina. De um problema de má gestão administrativa, que não pode ser interpretado como exceção, mas como regra quase absoluta, veio a tona as faces ocultas dos poderes que comandam a educação pública catarinense, refletida na figura da gestora dessa escola que transparece exatamente o modo como é pensada e administrada a educação pelo atual governo do estado.
O que chamou atenção nessa unidade escolar foi o levante da comunidade, envolvendo estudantes, professores, pais e sindicato, convergindo forças em defesa da educação pública e o combate irrestrito às políticas autoritárias adotadas pelo Estado e que é representada pela diretora da escola. A postura dos (as) estudantes quanto ao episódio, demonstrando profunda maturidade política deixou transparecer que o corpo docente vem desempenhando papel importante no processo de construção da cidadania.  Pode-se afirmar que o epicentro no qual gerou ondas de choques de proporções incalculáveis na escola teve início no dia 5 de abril, durante reunião pedagógica, cuja diretora, para justificar sua ausência no encontro alegou tratar a reunião de questões pedagógicas, não havendo necessidade de sua presença, pois, segundo ela, sua atribuição na escola era para coordenar assuntos administrativos.
Diante da postura pouco inteligente da mesma, estudantes e professores decidiram paralisar as atividades como forma de pressionar sua saída. Em contato com representantes da Gerencia de Educação, na qual foram expostos todos os detalhes do episódio, foi acordado que na segunda feira 15 de abril  seria realizada reunião na escola e com a presença da gerente educacional para tratar do assunto e buscar uma solução emergencial. A reunião que teve presença expressiva da comunidade na qual aguardavam com ansiedade a presença de membros da gered, sofreram mais uma decepção  quando receberam notícias de que a gerente de educação Celina Hobbold,  somente participaria do encontro com o retorno das aulas na escola. Diante das incertezas quanto a solução do impasse, um dos pais presentes tomou a iniciativa de entrar em contato com a gerente relatando que ambos estavam a sua espera e que a atitude da mesma de não comparecer  foi interpretada como descaso com a escola e com a própria comunidade. Sendo assim, depois de uma longa conversa,  outro encontro foi marcado para o dia seguinte, 16 de abril, na cede da Secretaria do Desenvolvimento Regional, às 17 horas.
 
 
Na reunião ocorrida na sala do coordenador da SDR, durante quase uma hora, professores, pais e estudantes, relataram de forma minuciosa os fatos que ocorreram na escola nos últimos meses e em especial a situação de abandono do próprio Estado com a unidade de ensino. O que ficou claro na fala dos presentes, especialmente dos (as) estudantes, é que tais problemas estão condicionados a incompetência da gestora da escola.  Após ter ouvido as falas, o superintendente da Secretaria de Desenvolvimento Regional, Heriberto Schimidt, comentou que há, sim, favorecimento político quando se trata de verbas para a recuperação e construção de escolas ou ginásios. Que dependendo da força e articulação política em um determinado município, o mesmo pode ser mais favorecido que outro. Citou exemplo do município de Turvo que foi contemplado com a construção de dois ginásios de esportes, enquanto municípios como Balneário Gaivota e Arroio do Silva estão com seus ginásios interditados.
 

 

 

Embora o principal foco da reunião tenha sido a questão da gestão da escola, os problemas de  infraestrutura da mesma não ficaram de fora. No entanto, nenhuma garantia quanto à melhoria das condições da escola como da própria reforma do ginásio de esportes foram asseguradas. O ponto positivo do encontro foi a certeza dada pelos membros da secretaria de que, até sexta feira, 19 de abril, dariam uma solução definitiva para o caso. Se não for cumprido o acordo, professores e estudantes prometeram novamente paralisar as atividades por tempo indeterminado. Na semana posterior a reunião na Gered, a gerente de educação Celina Hobbold esteve na escola na tentativa de negociar com a comunidade uma solução para o caso. A proposta encaminhada pela mesma e violentamente rechaçada pelos presentes que a impediram de continuar falando, foi de manter a gestora, e durante uma semana membros da SDR permaneceriam na escola para fazer uma “acareação” quando ao andamento dos fatos.
 


 
Com a discordância imediata acerca da proposta lançada pela  gerente regional, na sexta feira, 19 de abril, em reunião realizada entre pais, estudantes e professores, foi deliberado que a unidade escolar encaminharia eleição para homologar a nova gestora da escola, que vinha exercendo a função de  adjunta. Sentindo que a situação cada vez mais ficava insustentável, segunda feira, dia 23 de abril, chegou a notícia de que a pessoa envolvida, pivô do episódio, pedira licença da escola. Estava chagando ao fim um dos acontecimentos que marcou o município de Balneário Gaivota e que, certamente, poderá repercutir positivamente para repensar o modelo equivocado de educação pública que está sendo oferecido pelo estado, que não atende aos interesses da sociedade trabalhadora.  
O que deve ser considerado como ponto positivo acerca do fato ocorrido é a capacidade organizativa da comunidade escolar quando percebeu que seus direitos estão sendo lesados. Uma educação de qualidade, democrática, jamais será garantida pelos governantes se não houver mobilização da sociedade, como ocorreu no Balneário Gaivota. É preciso fazer com que tal acontecimento chegue ao conhecimento de todos os educadores e da sociedade. Está na hora de assumirmos a escola, tornando-a verdadeiramente pública e não propriedade de um conjunto de partidos que a utilizam como instrumento político eleitoreiro.  
     
 Prof. Jairo Cezar




































Desconstruindo pré-conceitos acerca do dia 19 de abril, dia do índio

Com a aproximação do dia 19 de abril expressiva parcela das escolas brasileiras aproveita a data para relembrar a história do que resta de um povo que há 513 anos vem lutando contra o poder dos latifundiários do agronegócio para fazer valer o direito a um pedaço de terra que lhe garanta um mínimo de dignidade. Muitas dessas unidades de ensino devido a escassa preparação de seus profissionais quanto ao tema continuam difundindo conceitos completamente equivocados  que em nada corresponde a realidade das populações indígenas.


                                          

É comum nesse dia, em cada final de turno, estudantes,  especialmente das séries iniciais, saírem às ruas fantasiados, com cocares, arco e flechas e com os rostos pintados, cujos detalhes procuram retratar o cotidiano de um povo que é anterior a chegada dos invasores. Hoje em dia, arco e flecha, cocares e outras indumentárias não estão mais fazendo parte de algumas comunidades, tanto em decorrência da progressiva devastação do ecossistema na qual vivem, como também pela presença cada vez mais freqüente nas aldeias das novas tecnologias como computadores e celulares que estimulam novos hábitos de consumo.
  
Trabalhar a cultura indígena hoje, especialmente a brasileira, exige dos educadores uma extensa e árdua preparação. Porém, são os professores das séries iniciais, com exceções é claro, que carecem dessa base, muitos dos quais tem apenas como fonte de informação os livros didáticos oferecidos pelo estado.  E o resultado é o que se vê, ou seja, uma visão totalmente equivocada, que leva estudantes a acreditarem que índio é tudo igual, que vivem nas florestas, cuja casa é uma oca, que sobrevivem da caça, da pesca, etc. 
 

Se antes da chegada dos invasores portugueses, a população indígena brasileira se aproximava os cinco milhões, hoje, são um pouco mais que trezentos mil distribuídos em 250 etnias que tentam manter suas tradições. Esse número cada vez mais vem decrescendo, pois vive-se atualmente um novo processo de ocupação progressiva de suas terras, não pelos antigos portugueses, mas por fazendeiros do agronegócio que aproveitam as vantagens oferecidas pelo governo para aquisição de terras no Serrado e na Amazônia destinadas à cultura da soja e por barragens que represarão rios importantes como o Madeira e o Xingu para a instalação de hidrelétricas.
   
Diante da brutal investida do capital e com o aval do governo federal, comunidades indígenas não se intimidam e reúnem forças para impedir que projetos como o da Usina de Belo Monte, no Rio Xingu, seja efetivado. São aproximadamente 20 mil indígenas de diferentes etnias que serão diretamente atingidos pelo projeto. Além desses mega empreendimentos que beneficiarão exclusivamente grandes companhias multinacionais como a Alcoa de alumínio, que se instalará nas proximidades da Belo Monte, a expansão da fronteira agrícola em direção ao centro oeste e norte do Brasil contribuirá para o agravamento das tensões entre fazendeiros e indígenas, cujo reflexo são as denúncias freqüentes de ataques de pistoleiros contra lideranças indígenas que resistem a tomada de suas terras.
São temas como estes que os professores devem trabalhar com seus estudantes durante todo ano letivo, proporcionado a ambos uma abordagem mais crítica e reflexiva em relação a seu cotidiano que em nada reflete com a imagem retratada nas escolas. Um exemplo de desrespeito e demonstração de que o índio continua sendo tratado como intruso em sua própria pátria, ocorreu na Bahia, na Aldeia da Serra do Pedreiro, quando fazendeiros atacaram membros da aldeia em represália a demarcação das terras Tupinambás pela FUNAI.
O problema na região foi tão grave, que anos atrás houve campanha como a instalação de outdoors, patrocinada por empresas e fazendeiros cuja tentativa era  intimá-los, colocando a culpa nos mesmos pelo não desenvolvimento da região.       
  
Além desse episódio lamentável e pouco divulgado pela mídia oficial, outros não menos graves e também rapidamente abafado pelo próprio governo estão se abatendo nas inúmeras comunidades indígenas espalhadas especialmente na região centro oeste e norte do Brasil que tentam sobreviver em pequenos territórios que mesmo demarcada, sofrem investidas de grileiros, garimpeiros e pistoleiros. Um dos estados mais emblemáticas no Brasil  e que vem sendo responsável pelo aumento  das estatísticas de assassinatos contra indígenas é o Mato Grosso do Sul. São centenas de casos de lideranças indígenas assassinadas nos últimos anos por pistoleiros a mando de fazendeiros na tentativa de expulsá-los das terras, das quais são pretendidas para a expansão do agronegócio.
  
O que repercute na região e que motivou a presença dos jornalistas Spensy Pimentel e Joana Moncau, sendo que o primeiro é antropólogo e também um dos maiores pesquisadores dos problemas sofridos pelos Guarani-Kaiowa no Mato Grosso do Sul, foi a divulgação de entrevistas feitas com parentes de índios Kaiowa assassinados por pistoleiros, porém jamais encontrados  e que buscam desesperadamente recuperá-los para um enterro digno. Segundo Leonardo Sakamoto, o mesmo escreve no seu blog que o triste é que a ditadura militar acabou, mas o Estado brasileiro continua protegendo por ação direta ou sua inação, os que matam por lucro e poder e escondem os corpos pela garantia de impunidade.
Outro caso um tanto quanto curioso envolvendo a Atriz global Regina Duarte, em 2009, quando, participando de uma feira de exposição agropecuária e comercial em Dourados, Mato Grosso do Sul, lançou total apoio aos fazendeiros que se posicionavam contrários às demarcações das terras indígenas. Como todos acreditam que sabem a atriz global, que também é fazendeira, nas eleições presidenciais quando José Serra era candidato, lançou publicamente seu apoio ao mesmo, admitindo que à vitória do candidato Lula lhe causava medo. Em dourados a mesma assumiu a palavra afirmando que: “confesso que em Dourados voltei a sentir medo”. Sua fala fazia referência às portarias da FUNAI que previa a criação de reservas nas regiões da grande Dourados e sul do estado do Mato Grosso do Sul.  
  
Não podemos permitir que tamanha brutalidade continue sendo praticada contra as comunidades indígenas. Outro exemplo de brutalidade contra o indígena aconteceu em São Paulo, no Zoológico municipal quando foi construída uma Oca para representar desse povo. De acordo com os responsáveis pela iniciativa, a idéia era estimular o respeito e a valorização do índio como um dos pilares culturais e étnicos do Brasil. Não se sabe se foi por ingenuidade ou de propósito a escolha do local que em nata contribui para atingir os objetivos defendidos por seus promotores. O que é verdadeiro acredito, que muitos concordarão comigo, que poderia ter sido escolhido qualquer outro local para exposição como praça pública, jardim, etc, porém jamais um zoológico cujo público freqüentador na sua expressiva maioria são crianças, que passam a construir um imaginário de que índio é um animal perigoso que deve ser recolhido como um elefante, tigre, macaco, etc.  
 
 
Em Santa Catarina, onde no passado as terras eram habitadas por milhares de indígenas pertencentes aos grupos guarani, kaigang e Xokleng, hoje se resumem a poucas aldeias como a do litoral cuja população na sua maioria pertencente ao tronco guarani vem perdendo progressivamente traços de sua cultura e sendo forçados a ingressarem no mercado de trabalho para sobreviver.  Essa perda vem ocorrendo desde a chegada dos portugueses e se agravou mais quando aqui chegaram os imigrantes europeus cujas terras adquiridas eram ocupadas por tais comunidades. Iniciou-se  assim uma brutal ofensiva do europeu munido de armamento pesado contra arcos e flechas. O resultando é o que se vê hoje nos muitos municípios do litaral de santa Catarina, cujos vestígios da presença indígenas são possíveis de comprovar através de restos de artefatos cerâmicos, pontas de flechas e outros artefatos.
  
 
A reconstrução da memória desses povos é compromisso das escolas como forma de mostrar aos educandos que os mesmos possuíam e ainda tentam preservar uma cultura rica cujos traços podem ser encontrados na extensa lista de nomes de origem indígena como Ituporanga, Intaimbezinho, Timbé, Itacurumbi, entre outros.  Sendo assim, a escola de Educação Basica padre Antônio Luis Dias do Bairro Morro dos Conventos, há aproximadamente dez anos vem desenvolvendo trabalho que segue essa tendência, ou seja, reconstruir a memória local, conciliado os aspectos ambientais locais que foram determinantes para que ali se constituísse uma rica cultura que apresenta traços indígenas, luso-açoreanos, italianos, entre outros. O que mais motivou os educadores a estender as atenções para a questão indígena local foi a descoberta na década de 1990 quando da realização de uma escavação para colocação de uma fossa séptica, de  urna funerária guarani em perfeito estado de conservação, cujo artefato foi doado ao museu municipal de Araranguá. 

Em 2010, os professores da unidade escolar sentindo a necessidade de conhecer um pouco mais do cotidiano desse povo que de acordo com a vasta presença de pedaços de artefatos encontrados na região e relatos de pessoas antigas que afirmam ter mantido contato com alguns,  deixa transparecer que o Morro dos Conventos como todo litoral catarinense eram habitados por milhares de indígenas predominantemente de tradição guarani.
Com base nesses vestígios e relatos foi desenvolvida no dia 19 de abril de 2010, ampla atividade na escola onde cada profissional se comprometeu em divulgar aos estudantes alguns elementos da cultura guarani como contos e lendas, danças e a produção de artefatos cerâmicos. Em relação à cerâmica guarani, pois se sabia que a construção dos artefatos para o cozimento dos alimentos e sepultamento dos mortos era tarefa das mulheres, foi decidido promover oficina cerâmica envolvendo todos os estudantes.      Coletar o barro e prepará-lo para a construção dos artefatos foi o primeiro paço. Cada estudante durante um período de aproximadamente duas horas aproveitou o momento para  construiu seu pequeno artefato que depois de finalizado os mesmos foram acomodados na biblioteca para secagem e posterior queima. Essa última etapa ocorreu dois meses depois quando foi aberto próximo da escola um pequeno buraco e ali depositados os objetos para ser queimados.


A conclusão que se chegou foi que a habilidade dos estudantes no processo de construção das peças ficou muito aquém à das mulheres guaranis, sendo que grande parte dos objetos produzidos não resistiram a queima e se desintegraram com o fogo. Que técnicas as mulheres guaranis utilizavam na construção das peças que fez com que resistissem durante séculos como a urna funerária encontrada no bairro? São estas e outras perguntas que invadiram o imaginário dos estudantes. Passado três anos, os professores, não os mesmos da época, pois muitos como eram acts foram para outras escolas, resolveram repetir o trabalho. Durante toda semana que antecedeu o dia 19 de abril, professores e estudantes estiveram envolvidos nos preparativos das atividades à serem apresentadas na escola. A apresentação de dois documentários acerca do cotidiano das populações indígenas foi fundamental para mostrar a todos as dificuldades que passam para sobreviver.
 
No dia 19 de abril de 2013, nos dois períodos foram feitas encenações retratando algumas lendas conhecidas como a do milho, presente na tradição guarani. Outro ponto marcante foi o envolvimento dos estudantes na produção de desenhos com a utilização da técnica rupestre, que são figuras ou símbolos que aparecem nos objetos confeccionados pelos indígenas e que expressam um certo significado. Saber a origem dos indígenas brasileiros, suas localizações no território brasileiro, seus troncos culturais e suas subdivisões como a dos guaranis que habitam o litoral catarinense foi outra importante tarefa desenvolvida na escola. A conclusão do trabalho ocorreu com a oficina cerâmica cujos estudantes tiveram a oportunidade de experimentar um pouco a arte de produzir artefatos com as próprias mãos.  
 
 
São atividades como essa que permite o estudante vivenciar um pouquinho o mundo de um povo ainda pouco conhecido pela sociedade e que pode contribuir para poder repensar a forma como essa mesma sociedade dita civilizada vem tratando o ambiente em que vive. Garantir a sobrevivência dessas sociedades depende das políticas públicas que estão sendo adotadas pelos governantes. O que assusta é que tais políticas não proporcionam nenhuma garantia substancial às comunidades, muito pelo contrário, a única certeza é de que a sobrevivência desses povos está condicionada na integração dos povos, unindo forças para enfrentar os “abutres do capital”, cujo dinheiro e o poder é o que interessa.   

 

  



                   

Prof. Jairo Cezar 




































































sexta-feira, 19 de abril de 2013



Barragem do Rio do Salto/Timbé do Sul: seus impactos e conflitos socioambientais e as incertezas quanto ao futuro da região

Croqui da área a ser ocupada pela barragem do Rio do Salto/Timbé do Sul/SC

A região do Vale do Araranguá apresenta algumas peculiaridades geográficas e geológicas que a caracteriza como uma das mais belas e ao mesmo tempo mais ameaçadas ambientalmente entre as demais pertencentes ao estado de Santa Catarina. Por estar localizada numa vasta planície ladeada pela serra geral a oeste, e o oceano atlântico a leste, a região tem na agricultura especialmente a rizicultura de irrigação uma das suas principais bases econômicas, cultura na qual necessita grande demanda de água para o seu cultivo.
Nos últimos anos a região do extremo sul de Santa Catarina vem presenciando significativas alterações no micro- clima local, com chuvas intensas ou longos períodos de estiagens, cujos impactos já são percebidos com a secagem de rios perenes e de aqüíferos. Já são freqüentes na região, nos ciclos longos de estiagem, a ocorrência de conflitos envolvendo agricultores, criadores de animais e proprietários de empresas pela disputa da água. Tais impasses forçam as empresas distribuidoras de água e o próprio Comitê da Bacia do Rio Araranguá a interferirem nos conflitos impondo critérios quanto à divisão da mesma.     
                                  

                                  
Com a possibilidade do agravamento das tensões sociais motivada pelas disputas pelo controle da água na região, certeza quase eminente devido ao modelo de agricultura que está sendo adotado, que compromete os reservatórios subterrâneos, o Estado de Santa Catarina, através de recursos financeiros advindos do governo federal e do Banco Mundial, está investido na construção de médios e grandes reservatórios de água para ofertar à população.
São projetos caros e ao mesmo tempo impactantes ao ambiente cujas críticas advindas de entidades científicas e organizações não governamentais, alertam a todos que tais projetos são desnecessários. Além do mais reafirmam que o problema da falta d’àgua é política e não técnica, ou seja, sua escassez está condicionada ao modo como a mesma vem sendo utilizada pela sociedade, pautada numa cultura muito difundida nos  séculos  XIX e XX onde os recursos naturais como a água eram infinitos.  
A construção da Barragem do Rio São Bento, no município de Nova Veneza, é um exemplo de obra hidráulica impactante à fauna e a flora local, cuja construção do reservatório teve por finalidade atender as necessidades de abastecimento de  uma vasta região, que antes era abastecida por rios perenes como o Mãe Lusia, Sangão, Criciuma, entre outros, porém, em decorrência da atividades carbonífera tais mananciais foram contaminados, comprometendo o abastecimento humano.
Inúmeras foram às opiniões contrárias à construção do reservatório de água, especialmente de profissionais conhecedores da área vinculados a instituições de ensino como a UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) que após realização de estudos constataram que a obra seria de alto risco para a região em decorrência da vulnerabilidade geográfica, sujeita a catástrofes cíclicas, como também a forte incidência de chuvas ácidas que poderá comprometer a qualidade da água a ser consumida pela população.                     
 
   
A barragem do Rio do Salto/Timbé do Sul, que represará as águas do rio Amola Faca é outro projeto cujos impactos ao ambiente poderão ser iguais ou superiores a do São Bento. Tais previsões são fundamentadas a partir de estudos elaborados por profissionais de diferentes áreas científicas e mediante entrevistas feitas com moradores da região que relataram episódios climáticos catastróficos em épocas passadas. A pesquisa de conclusão do curso de pós-graduação em geografia da UNESC, elaborada pela acadêmica Selma Pereira, em 2008, cujo tema “Dinâmica do Rio Amola Faca e os impactos e riscos da barragem para a transposição do Salto é, sem sobra de dúvida, uma das fontes imprescindível para promover o debate sobre projetos deste porte.
 
O que mais chamou a atenção quando da leitura do trabalho da acadêmica foi perceber que a mesma insistentemente procura alertar da complexidade que é a bacia do Rio Amola Faca, que antes de pensar qualquer projeto para o local é imprescindível conhecer a dinâmica do rio. Questiona os lados fornecidos para FATMA, embora admita haver pontos positivos no projeto como a contenção de cheias. No entanto o projeto peca quando não ressalta a dinâmica hidráulica do rio e eventuais catástrofes, semelhante ao ocorrido na região em 1995.
Segundo Selma, com a formação do lago, haverá uma diminuição da velocidade do rio, intensificando o acumulo de sedimentos na sua extensão. A incidência de sedimentos será maior com a elevação do nível do lençol freático nas encostas dos morros, tornando-as frágeis e com possibilidade de deslizamentos permanentes para o interior do lago. Com a ocorrência de períodos longos de chuvas, os rios transportarão maior quantidade de sedimentos para o leito da represa, na qual exigirá  por parte do empreendedor a contratação de serviços de  drenagens, podendo onerará o aproveitamento da própria represa.
Nas últimas décadas o processo de intervenção humana no fluxo natural dos grandes e pequenos rios brasileiros para a construção de barragens e hidrelétricas vem se tornando rotina, sendo que os impactos às sociedades tradicionais e a biodiversidade do entorno das áreas inundadas são incalculáveis. Embora o Brasil tenha uma das legislações mais completas e complexas no que tange a temática ambiental, o que se constata é a negligência quase que absoluta do poder público em ouvir as populações que serão afetas por essas mega-obras. Há pouco tempo, em 2009, quinze nações indígenas que vivem na região do Rio Xingu, na qual será represado pela Barragem de Belo Monte/Pará, promoveram encontro de cúpula no Mato Grosso do Sul para discutir soluções conjuntas contra o respectivo projeto.
 
 
As comunidades presentes elaboraram documento ou carta, a ser entregue ao Ministro das Minas e Energias Edson Lobão, que na época insistia em afirmar que forças diabólicas conspiravam contra os licenciamentos para as respectivas obras de hidrelétricas. Em Brasília, a comissão representando as quinze nações não foi recebida pelo ministro, deixando transparecer que para o governo a obra em questão é mais importante que as vidas ali existentes. O que se vê hoje em dia no Brasil é a simplificação quanto à liberação das licenças ambientais, muitas da quais apresentam falhas anacrônicas quanto aos estudos e relatórios de impactos ambientais.
Diante de tamanha insensatez dos órgãos que teriam a função de manter uma postura ética quanto a liberação de licenças ambientais e sua fiscalização, no conjunto da sociedade brasileira vai se fortalecendo o sentimento de descrédito sobre tais instituições e ao próprio estado republicano onde a classe política brasileira cada vez mais vem perdendo  credibilidade junto a sociedade. Na extremidade desse sistema contaminado por corrupção, emerge estruturas de organizações civis tão o mais poderosas que as institucionais, que embora não tenham capacidade deliberativa, dependendo da pressão que exercem, podem influenciar os poderes constituídos na tomada de decisões importantes a favor das classes ou grupos sociais marginalizados.
Quando se faz menção as forças que brotam no interior da sociedade, principalmente àquelas ameaçadas pela ganância do capital, a referência é feita as poucas famílias da comunidade de Areia Branca/Timbé do Sul, que ainda encontram energia para resistir bravamente os poderosos que relutam em tomar suas terras para instalação de uma barragem de captação de água para suprir prioritariamente a população e as lavouras de arroz dos municípios do entorno da obra. De acordo com perícia feita pelo Ministério Público Federal, o real objetivo do empreendimento é beneficiar centenas de propriedades de rizicultores dos municípios de Turvo, Meleiro, Ermo, que receberão maior montante de água disponível, ou seja, 97,5%, enquanto que o restante, 2,5%, será disponibilizado para o consumo humano. De acordo com Tadeu dos Santos, o mesmo relata que consta nas diretrizes do Banco Mundial e do Ministério da Integração que a finalidade da barragem é abastecimento humano, havendo assim a possibilidade no desvio de finalidade na aplicação do recurso.      
 
São as famílias que continuam resistindo à investida do capital que merecem respeito e admiração, por não serem ludibriadas e enganadas como foram as já indenizações, que entregaram suas terras na certeza de que o valor pago por cada hectare estava de acordo com suas expectativas e que o destino da água seria para o consumo humano como recomendado. Mesmo vivendo em uma região esquecida pelo poder público cujo cenário atual é desolador assustando todos que por lá passam, as famílias que resistem em permanecer, tentam, com muito sacrifício, sobreviver apenas com o pouco que produzem, pois há anos não recebem qualquer ajuda financeira ou quando assim recebem os prazos oferecidos pelos órgãos financiadores são curtos, não ultrapassando a um ano.
O que causa estranheza e ao mesmo tempo perplexidade acerca da realização da obra é a presença de máquinas escavadeiras no local extraindo matéria prima para abastecer as cerâmicas da região de Criciúma. De acordo com informações fidedignas a jazida do mineral além de ser de excelente qualidade, seus estoques suprirão as cerâmicas por aproximadamente 30 anos.
 
 A intenção de construir uma barragem para represar as águas do Rio Amola Faca já é um desejo antigo, porém, vem adquirindo maior expressividade a cada quatro anos quando da realização de eleições. Hoje o fator que mais contribui para sua realização, motivo de expectativa por expressiva parcela da sociedade, são os freqüentes e cada vez mais curtos ciclos de estiagem que resultam em conflitos entre consumidores e agricultores pelo domínio da água dos rios da região.
O problema da água no entorno da provável barragem vem se intensificando em decorrência do modelo agrícola que está sendo praticado. Por estar a região situada em um vale, a rizicultura de irrigação que está em franca expansão vem proporcionando profunda modificação da geografia local onde áreas antes ocupadas por densas florestas estão sendo sucumbidas, influenciando direta e indiretamente no micro-clima local como também no ciclo das águas superficiais e subterrâneas. 
Não há dúvidas de que a barragem terá como prioridade suprir de água às propriedades agrícolas da região ficando em segundo plano o abastecimento humano. Diante dessa realidade Tadeu dos Santos, membro da ONG Sócios da Natureza, em reunião realizada na comunidade de Areia Branca, Timbé do Sul, apresentou documento contendo alguns condicionantes que deveriam ser incluídos no EIA/RIMA do projeto da barragem, como a ampliação da reserva biológica do aguai; medidas compensatórias para a barragem e a viabilização do uso da água do reservatório aos proprietários que adotarem programas de reflorestamento da mata nativa num patamar superior a 20% da área total da propriedade.
Foi em decorrência da progressiva escassez de água dos mananciais da região e da redução do fluxo das chuvas nas épocas em que a cultura do arroz necessita de maior demanda de água, que as discussões acerca da urgência da barragem tiveram maior ressonância, sendo vislumbrada pela população beneficiada como uma realidade possível. Porém, era de se imaginar que um projeto de tamanha proporção onde o valor orçado beiraria os cem milhões de reais, gerasse tanto impasse envolvendo interesses distintos.
Do dia para a noite o fantasma da desapropriação, do receio de ter suas  propriedades mal avaliadas, de não saber para onde ir, tomou conta do imaginário das quase 100 famílias residentes na área a ser invadida pelas águas do Rio Amola Faca.  O sentimento de preocupação e incertezas acerca do futuro pode ser conferido na fala dramática de Marlene Correia Plácido, moradora de Areia Branca há mais de 30 anos quando disse  que há 30 anos aproximadamente vem sofrendo, de ir dormir e acordar não sabendo o que vai acontecer no outro dia. Agora, eles vêm dizendo que não vai mais existir barragem. Como a gente daqui fica? Nós vamos nos unir e daqui por diante vamos cobrar nossos direitos. Jornal do sul – 23/10/09
Aproveitando a situação de vulnerabilidade na qual as famílias daquela comunidade estavam submetidas, a partir de 2004, as forças políticas pró-barragem do sul de Santa Catarina, pressionadas pelos rizicultores e demais setores interessados, fecharam o cerco lançando ultimato às famílias para que aceitassem imediatamente os valores estipulados pelas indenizações e saíssem imediatamente das terras.
Algumas famílias, não suportado as pressões advindas do empreendedor, acataram os valores oferecidos e abandonaram suas propriedades deixando para trás ruínas e lembranças do passado. Outras famílias, mais precavidas, suspeitando que as avaliações feitas às propriedades em 2008, por uma empresa contratada pela Casan estavam envoltas de falhas, pois os valores atribuídos beiravam o ridículo, tomaram medidas ousadas contratando um profissional independente para avaliar as terras. Os valores orçados foram anexados ao processo e encaminhado ao Ministério Público Estadual, que até o momento não tinha sido ainda sentenciado pelo referido órgão.  
  
 A ação judicial impetrada pelos proprietários das terras contra a Casan exigindo que a mesma revisse os valores oferecidos às propriedades, parte do pressuposto de que a empresa se utilizou de uma metodologia para avaliar as terras que não é reconhecida pelos moradores. A justificativa apresentada por um das pessoas envolvidas na ação, rejeitando a proposta da Casam, parte do princípio que a empresa aproveitou a situação de penúria e incertezas acerca do futuro oferecendo um valor ínfimo cuja justificativa foi a desvalorização das terras.
Em termos comparativos, uma das propriedades da região cuja área avaliada é de aproximadamente sete mil metros quadrados, de solo excelente para o cultivo de arroz, fumo,  milho e com três tipos diferentes de barro para a indústria cerâmica, o valor oferecido pela empresa foi de R$ 540.927.06. A empresa contratada pelos moradores, que adotou metodologia mais consistente, levando em consideração aspectos mais específicos como qualidade do solo e toda infraestrutura construída, o resultado surpreendeu, chegando próximo a R$ 1.500.000, três vezes superior ao valor orçado pela empresa contratada pela Casan.
Diante da ação impetrada na justiça pelos moradores tentando forçar o empreendedor a rever os valores, o processo de construção da barragem foi paralisado, podendo, quem sabe, recomeçar os trabalhos depois de decisão judicial. A empresa responsável pelo empreendimento tendo conhecimento da ação acionou seus advogados encaminhando processo de defesa cuja intenção seria convencer os promotores de que o processo lançado pelos moradores de Areia Branca não corresponde aos fatos.
Nos autos do processo é possível observar alguns itens que tentam convencer a justiça de que os trâmites de negociação com os moradores ocorreram dentro da mais pura tranqüilidade, tendo o acompanhamento de assistentes sociais e outros profissionais. Em conversa com uma das moradoras beneficiadas pela liminar, a mesma afirmou que o processo não ocorreu como alegou a empresa, que os profissionais que participaram das negociações em nenhum momento se sensibilizaram acerca das angústias dos moradores de areia branca.
  
No processo impetrado pela Casan, a mesma tenta convencer o Ministério Público que os valores exigidos pelos moradores estão muito acima do teto estabelecido e pede que seja cassada a liminar na qual impede a continuidade da obra para que a empresa se aposse dos terrenos.  Outro artifício adotado pelo empreendedor nos autos encaminhados à justiça para derrubar a liminar é o Decreto Estadual n. 1.726 de 20/09/2008, que corrige o Decreto Estadual 500 de 06/08/2007, que torna de utilidade pública, todas as áreas que serão atingidas pela barragem.
Se a área em questão tornou-se de utilidade pública deixa transparecer que não houve negociação quanto aos valores dos terrenos como alega o empreendedor nos autos, e que o papel das assistentes sociais não foi de ouvir o que pensam os moradores, mas convencê-los de que a obra será importante e que devem aceitar a oferta oferecida e sair do local para que a “população beneficiada” não seja prejudicada. Nota-se que nos autos o empreendedor chegou ao ponto de solicitar a presença da polícia no local para garantir o prosseguimento das obras caso as negociações não dessem resultados.          
Pouco foram os políticos que se sensibilizaram com a causa da população daquela comunidade, deixando transparecer que era muito mais confortável e seguro defender a execução da obra hidráulica, mesmo sabendo dos equívocos técnicos apresentados, pois, com a sua efetivação a garantia de dividendos políticos era indiscutível. Por que ser contrário a uma obra tão importante politicamente sabendo que trezentas pessoas aproximadas que lá residem, pouco impacto oferecem a uma campanha eleitoral. Talvez seja esse o fator mais convincente para justificar o quadro de abandono da comunidade.
Os primeiro sinais reais de que o projeto se tornaria realidade ocorreram já em 2004 quando a Epagri/SC apresentou EIA/RIMA (Estudos de Impacto Ambiental/ Relatório Impacto Ambiental) para iniciar da obra. Tendo conhecimento do documento tanto a FATMA (Fundação Ambiental Tecnológica do Meio Ambiente) como o MPF (Ministério Público Federal) vetaram  o documento alegando deficiência técnica, pois não constava no texto itens como a definição quanto ao uso da água armazenada; o inventário da flora e da fauna e a não caracterização das APPs. Iniciava a partir desse momento um longo impasse envolvendo CASAN, FATMA e MPF, que se arrasta até dias de hoje.
O fato mais intrigante ocorrido durante a tramitação dos processos para a construção da barragem ocorreu em 2008, a partir de denúncia feita pela advogada Ana Cândido Echevenguá que afirmou existir manobra política junto ao órgão ambiental de Santa Catarina FATMA, cuja tentativa era facilitar a liberação da licença para o empreendimento sem que fossem considerados itens importantes como a definição de áreas de preservação permanente; a política de distribuição da água à população e as medidas mitigadoras, ou seja, ações que o empreendedor deverá promover para reduzir ao máximo os impactos ambientais. Para Echevenguá, a manobra teve início depois da realização de uma (webconferência) em Florianópolis tendo a participação de representantes do Ministério da Integração Social que garantiram a liberação de 58 milhões de reais para que a barragem fosse iniciada em 2010, data que no calendário eleitoral seriam realizadas eleições para o legislativo e o executivo estadual e federal.
Para que fosse viabilizada a liberação dos recursos era compromisso do governo estadual, como exigência Legal, encaminhar licença ambiental. Nesse ínterim entra em ação a FATMA que providenciou o documento sem a apresentação do novo EIA/RIMA, que deveria constar as 22 cláusulas recomendadas pelo judiciário estadual e federal e pela própria FATMA, na qual foi anexado ao relatório como condicionantes da Licença Ambiental Prévia. Para o procurador do Ministério Federal, Darlan Airton Dias, houve leviandade por parte do órgão ambiental, pois bem sabia que a Licença Ambiental Prévia é um instrumento que atesta a viabilidade ambiental, portanto, os estudos ou cláusulas encaminhadas jamais deveriam aparecer como condicionantes da LAP (Licença Ambiental Prévia), mas anterior a mesma. De acordo com o Art. 8, I, da resolução do Conama n. 237/97, a Legislação Ambiental Prévia atesta a viabilidade ambiental do empreendimento. Portanto, a mesma só pode ser concedida após a aprovação do estudo do EIA/RIMA.
A tentativa do governo de burlar a legislação federal quando encaminhou de forma equivocada e proposital a licença ambiental para a construção da barragem com a pretensão de favorecer o empreendedor, CASAN, porém imediatamente anulado pelo Ministério Público Federal, abriu espaço para que fossem proferidas críticas ácidas contra o governo. Segundo Tadeu dos Santos da ONG Sócios da Natureza o mesmo defendeu que tal transgressão mereceria investigação do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, pois configurou uma possível improbidade administrativa e um flagrante favorecimento político.
Sobre o flagrante crime de responsabilidade acerca da liberação da licença, o MPF, denunciou em nota que desde o segundo semestre de 2006 vinha constatando deficiência técnica no EIA/RIMA, e que tais irregularidades já tinham sido comunicadas ao governo, porém, sem que fossem tomadas providências. Continuou o procurador que lamenta que o órgão ambiental de Santa Catarina tenha descumprido a legislação para atender interesses de políticos regionais e do governo do estado.
Em reportagem publicada pelo Jornal Diário Catarinense em 24 de agosto de 2006, Cristiano Rigo Dalcin, cidadão residente em Timbé do Sul, o mesmo não se eximiu de expor sua indignação revelando quem serão os verdadeiros beneficiados com a obra. Segundo ele há por trás do projeto interesses políticos e eleitoreiros e a ganância dos produtores de arroz de municípios vizinhos que usam como justificativa para convencer a população local o histórico de estiagens. Outro argumento importante na fala de Dalci é a discriminação causada pelo decreto, que declarou o vale onde será construída a barragem como de utilidade pública, e que resultou na desapropriação indireta dos moradores.
Na busca de mais informações acerca do projeto da Barragem do Rio do Salto, foi possível ter acesso a inúmeras reportagens publicadas pelos jornais da região nos últimos sete anos. Lendo-as tem-se a sensação de que os mesmos agentes noticiosos mantém uma posição de defesa incondicional da barragem  abordando apenas aspectos positivos do projeto, se eximindo de publicar questões polêmicas e controvérsias como as manobras adotadas pelo órgão ambiental na tentativa de burlar à justiça e garantir a construção da obra. O argumento apresentado pelo empreendedor, teoricamente, atende os preceitos da Lei n. 9.433/97 de Recursos Hídricos na qual determina que o uso da água, em situação de escassez, deverá ser para o abastecimento humano, vindo em segundo os animais e em terceiro, a agricultura. Desobedecendo a tal legislação incorre o responsável pela infração, de crime de responsabilidade.
Como qualquer obra de tamanha envergadura como uma barragem, as legislações brasileiras são severas quanto a sua execução. Em 2006 vieram à tona os imbróglios de um projeto cheio de falhas e confuso cujos interesses políticos se sobrepuseram aos pareceres técnicos na qual obrigavam o empreendedor a cumprir todas as determinações legais. O problema é que tais entidades como a FATMA e CASAN responsáveis pelos estudos de viabilidade e gerenciamento do projeto são pertencentes ao próprio governo e cujos pareceres lançados exibiam nítidas falhas técnicas.
Mais duvidoso ainda são os critérios adotados pelo empreendedor quando da avaliação das propriedades a serem indenizadas, não correspondendo com o discurso apresentado pelo presidente da CASAN, Walmor de Luca, quando esteve na comunidade de Areia Branca em 2007. Na oportunidade o mesmo reafirmou que sua pretensão era fazer as coisas do modo certo para evitar conflitos. Prometeu pagar as indenizações em única parcela e entrar em acordo com os moradores tão logo tivesse recebido parte do dinheiro do Ministério da Integração. Sua promessa de que todas as famílias seriam indenizadas e em conta única, não passou de mais uma das tantas promessas não cumpridas pelo empreendedor. E isso pode ser confirmado em reportagem publicada pelo Clic Tribuna, pertencente ao  jornal a Tribuna de Criciúma em 16,17/07/2011, cuja manchete reafirmava que  o governo promete indenizar restante das famílias atingidas pela barragem. A notícia foi divulgada mediante entrevista realizado com o Deputado Manoel Mota que  foi enfático em afirmar que o governador Raimundo Colombo pagará as 53 famílias restantes em seis parcelas, com início no próximo dia 22 de julho de 2011. A obra está inserida no PAC 2 do governo federal, com recursos na ordem de quase 50 milhões de reais. o governo queria pagar em 12 ou 15 vezes. Pressionei e consegui em 6 meses. 
Se em 2006 o número de famílias a serem indenizadas era de 85, cinco anos depois apenas 32 tinham sido contempladas. A pergunta que todos certamente gostaram de fazer seria a seguinte: Que valores foram pagos por tais indenizações, se ambas ocorreram em parcela única e por que as demais não foram contempladas? O que se soube mediante contato com uma das moradoras da comunidade é que a proposta lançada pelo governo não foi acatada por algumas famílias, pois a mesma fora interpretada  como ridícula. De acordo com Jonas de Oliveira, 19 anos e residente em Areias Brancas, o mesmo relatou que a negociação da terra improdutiva  está em R$ 7 mil o hectare, enquanto que a produtiva o valor estipulado é um pouco maior, ou seja, chega a R$ 10 mil o hectare.  Segundo ele somente a residência vale R$ 110 mil. (jornal de manhã, 31/03/09). Outra moradora, Rosa Maria Inácio, indignada com a situação de penúria na qual se encontra a comunidade desabafa fazendo uma profunda crítica aos políticos da região, segundo ela os políticos falam que aqui só tem pobreza, mas não estamos pedindo ‘bóia’ prá ninguém, temos água boa, vivemos tranqüilas aqui. (jornal de manhã, 31/03/09). Como forma de assegurar tal direito, tais famílias entraram na justiça. Enquanto não for solucionada tal questão todo processo da barragem ficará parado.    Na mesma reportagem do jornal Clic Tribuna o deputado Mota seguiu dizendo que é um sofrimento de 28 anos. Que Fez muita gente chorar com a notícia. Que na próxima sexta feira, o governador virá  para se reunir com a comunidade e repassar a primeira parcela.
Em 2009 a questão das indenizações das famílias ainda não tinha sido resolvida como prometido na época do lançamento do projeto, e a ameaça de perda dos recursos passou a ser divulgada principalmente pelo Dep. Jorge Beira que insistia ameaçando o governo de que  se o mesmo não cumprir o acordo e pagar o que deve às famílias até o dia 20 de dezembro de 2009, os recursos serão destinados para outra obra. No entanto a justificativa do governo para o não pagamento das indenizações é a falta de recursos no caixa da Casan e dificuldades junto aos órgãos ambientais para o licenciamento. Um ano antes de o deputado Boeira fazer ameaça de possível perda dos recursos para barragem, na Assembléia Legislativa do estado os deputados se preparavam para a votação de uma  emenda que ampliaria os recursos do estado para a barragem, certamente tais valores seriam destinados às indenizações das famílias.
 
O que causou estranheza foi à atitude da bancada do PMDB, especialmente dos deputados Manoel  Mota e Ada de Luca que votaram contra a emenda. Nas audiências ocorridas e nas entrevistas concedidas aos jornais e rádios da região sul, ambos parlamentares assinaram termo de compromisso em conjunto com os demais legisladores da bancada do sul que a prioridade seria a barragem. O deputado do PP Valmir Comin, justificou a atitude como lamentável, afirmando também que na hora da votação da emenda, que garantiria mais um milhão e meio no orçamento, o deputado Genésio Goulart (PMDB) não apareceu, enquanto que Manoel Mota, vice-presidente da comissão sobre a barragem e Ada de Luca, esposa do presidente da Casan, Walmor de Luca, votaram contra. No total da emenda, os recursos chegariam a 5,5 milhões, como contrapartida do Estado (jornal correio do sul -16/09/09).
Prof. Jairo Cezar