terça-feira, 20 de setembro de 2022

 

ENCONTRO REGIONAL DE AGROECOLOGIA – COCAL DO SUL: MUITOS OBSTÁCULOS E DESAFIOS A SEREM SUPERADOS  

A agricultara familiar e ou agroecologia são as duas atividades produtivas que em  muitos aspectos se combinam. Num mundo dominado por práticas convencionais, quatro ou cinco variedades de commodities prevalecem, são eles, o milho, a soja, a cana de açúcar e o café.   Hortaliça, dezenas de tubérculos, frutas e geral, que suprem as necessidades de milhões de pessoas, vem de pequenas propriedades familiares. Portanto, não condiz com a realidade o discurso corriqueiro do agronegócio afirmando que esse é o setor que carrega o Brasil nas costas.

Também não é correta a afirmação de que a segurança alimentar do planeta depende somente da existência desse sistema, vista na sua maioria como predatória e insustentável. Repito, se fosse realmente verdade que “carrega” o Brasil nas costas, não haveria tanta gente faminta, doente, por “escassez” de alimento. Se hoje inexpressivas são as políticas governamentais à agroecologia, isso se deve o forte lobbie das grandes corporações de sementes, insumos e agrotóxicos.

Para dar mais vitalidade às tais corporações, o congresso nacional, as assembleias e câmaras legislativas são atravessadas por bancadas com forte poder de barganha. De fato a bancada ruralista sempre predomina nos pleitos eleitorais. Com todo aparato criado para proteger interesses do capital, a agroecologia vem gradativamente rompendo a bolha do agrobusiness, ocupando espaço na preferência dos consumidores mais exigentes. No entanto, a produção e o consumo não são expressivos ainda, motivados por barreiras legislativas, como os elevados subsídios públicos à agricultura convencional. Essas políticas de incentivos tornam os custos de produção de produtos convencionais mais competitivos que os orgânicos.

Porém, é importante afirmar que embora os valores pagos pela couve, alface, tomate, pimentão, ambas convencionais, menores que os orgânicos, os ganhos nutricionais relativos aos convencionais são inferiores, a excessiva carga de insumos químicos e agrotóxicos contribui para isso. No entanto, segundo o adágio popular, o barato pode sair caro, pois as pessoas por carência de nutrientes têm maior tendência de adoecerem. Vale a pena gastar um pouquinho mais com alimentos saudáveis, para não precisar gastar muito mais com medicamentos.

É certo que quanto mais pessoas consumindo alimentos saudáveis terão organismos mais resistentes aos vírus e doenças degenerativas a exemplo do câncer. Mudanças de hábitos alimentares tenderiam a reduzir o número de pessoas nos postos de saúde, UPAS, hospitais, clínicas e farmácias. O fato é que no Brasil campanhas publicitárias desse nível somente ocorrerão quando tivermos governos e legisladores verdadeiramente comprometidos com a vida dos brasileiros.   

Santa Catarina, embora o agronegócio ocupe fatia significativa das terras cultivadas, dia após dia vem aumentando o número de novos adeptos aos cultivos orgânicos. De fato, o crescimento não acontece como um passe de mágica está exigindo muita luta enfrentamento de barreiras e, principalmente, perseverança.  O empenho descomunal de profissionais da área, como técnicos/ agrônomos, com olhares mais sensíveis à proteção dos ecossistemas estão sendo imprescindíveis nessa importante jornada de rupturas de paradigmas para um planeta mais equilibrado.

A criação e o fortalecimento de grupos de produtores agroecológicos vêm se mostrando como estratégias importantes e necessárias ao empoderamento das famílias na tomada de decisões coletivas de todos os estágios produtivos até a comercialização. Os encontros, seminários, congressos, etc, são ações fundamentais para proporcionar às famílias e consumidores, interação e conhecimento sobre espécies crioulas, manejo do solo e a expansão do mercado para variedades orgânicas.

O município de Cocal do Sul, no último dia 13 de setembro de 2022, promoveu importante encontro sobre agroecologia nas dependências da AABB. Foram cerca de cem pessoas, entre técnicos, autoridades e produtores que estiveram presentes durante todo o dia. Além de palestras, mesas redondas, etc, os presentes tiveram oportunidade de conhecer algumas novidades tecnológicas no seguimento orgânico. Paralela a exposição, uma pequena feira foi instalada contendo hortaliças, frutas e produtos diversos cultivados e beneficiados por agricultores familiares.

O ponto alto do encontro foi certamente às palestras e os debates, repletos de informações e novidades acerca do tema agroecologia. O primeiro a proferir palestra foi o engenheiro agrônomo da regional de Itajaí, Euclides Schalemberg, apresentando larga experiência em pesquisas voltadas a atividades agroecológica. O tema abordado pelo pesquisador foi sobre atividade orgânica, sua inserção no mundo e no Brasil. Deixou claro que na metade do século XX, pós a segunda guerra, o planeta passou por grandes transformações no campo, profundamente influenciada pela Revolução Verde. Disse também que esse fenômeno teve seus pontos positivos, porém, para os países periféricos os impactos ambientais foram mais expressivos.

Para contrapor à revolução verde, muitos países iniciaram uma contraofensiva ao crescimento exponencial de alimentos de baixo valor nutritivo devido ao uso de insumos sintéticos e agrotóxicos. O controle biológico de pragas, bem como formas alternativas de manejo do solo e cultivo de plantas, dominaram os debates nos quatro cantos do planeta. Alguns países deram nomes a tais modelos alternativos. Na França se chamou agricultura biológica; na Alemanha de biodinâmica; na Austrália de permacultura; no Japão de agricultura natural. Embora havendo distinções muito sensíveis entre os modelos, todos compartilhavam o mesmo princípio, a re-conexão sinergética do homem com o cosmos.

No Brasil o cultivo e o consumo de alimentos orgânicos passou a tomar pulso a partir da década de 1980 em diante.  Atualmente existem cerca de 25 mil propriedades familiares orgânicas espalhadas pelas cinco regiões brasileiras. Santa Catarina participa com 1.270 propriedades certificadas no MAPA, sendo que 800 são dedicadas exclusivamente no cultivo de hortaliças. Nas décadas seguintes, um complexo conjunto de normas e regras sobre orgânicos começaram a ser efetivadas.  Foi, portanto, em 2003, a aprovação no congresso da primeira legislação, lei n. 10.831/03 voltada a regularizar a atividade orgânica.

Os primeiros experimentos orgânicos no estado catarinense ocorreram em 1996, a partir de cebolas agroecológicas. Tais iniciativas partiram da própria EPAGRI, estimulada pelo desejo de proporcionar a abertura de mercados alternativos e segurança alimentar à população. Além do mais, a agroecologia passou a ser um elemento importante para a proteção dos recursos naturais. Décadas se passaram, porém, a agroecologia ainda enfrenta as agruras das frágeis políticas públicas, principalmente no que tange a política de créditos de baixos juros.

Em 2021, nova legislação foi promulgada sobre cultivos orgânicos. A legislação estabelece que a partir de 2022, até 30% do que é comercializado, principalmente hortaliças, deve ser de sementes orgânicas. O prazo final à adequação no campo à norma será 2026, momento que 100% das sementes cultivadas deverão ser orgânicas. Para ter a certificação de orgânicos, os produtores devem passam por rígido processo de inspeção, ajustando o terreno cultivado de acordo com as recomendações das certificadoras. No Brasil existem hoje 18 entidades certificadoras, sendo a mais conhecida da população a “Produto Orgânico Brasil”.

Na região sul de Santa Catarina, a ECOVIDA é a certificadora com maior número de associados, embora existam outras, é claro. A preferência a ECOVIDA se deve a qualidade ética dos certificadores que são os próprios associados e o baixo custo pago pelo associado. O produtor orgânico consegue hoje inserir sua cultura em pequenos e médios supermercados, possuindo publico cativo que lhe garante renda substancial. No entanto, parcela significativa dos consumidores ainda prefere os convencionais, tendo como fator motivador preços mais módicos.       

Aproveitando as novas tecnologias disponíveis, o agricultor orgânico consegue criar novas formas de comércio, como o E-commerce, venda realizada pela internet. Outra modalidade em alta é a compra direta. Um exemplo é o PNAES, programa federal que garante a compra de produtos da agricultura familiar para incluir na merenda escolar. O agrônomo Euclides revelou que a primeira vez que a revista da EPAGRI publicou artigo sobre orgânico foi em 1994, cuja manchete de capa foi “A agricultura que não envenena”.  Foi somente em 1999 que de fato a EPAGRI publicou a primeira produção orgânica vegetal.

 Foi destacada pelo agrônomo a importância da adubação não sintética no cultivo orgânico. Comentou sobre instalação de biofertilizantes de manejo aeróbico, onde em oito dias já se tem um adubo altamente rico em nutrientes para as plantas. A criação de composteiras também se caracteriza como formas eficientíssimas de transformar resíduos orgânicos em adubos naturais. Por que o adubo orgânico se torna mais eficiente que o sintético? Segundo opinião do agrônomo, enquanto o sintético possuiu alguns nutrientes necessários às plantas, a adubação orgânica é completa, pois apresentam todos os nutrientes que a planta necessita.

Para concluir a apresentação, o agrônomo Euclides fez algumas aferições às pesquisas concluídas e em andamentos sobre cultivares orgânicas. Dentre as cultivares com maior envolvimento da Epagri estão as alfaces, com destaque a variedade Litorânea, que se adaptou muito bem e com boa produção durante os 12 meses do ano. Além da alface, a Epagri também pesquisou e desenvolveu sementes orgânicas de pepino, cenoura, repolho, brócolis, rúcula, tomate, aipim, batata doce.

No período vespertino, curtas experiências sustentáveis vinculadas a agroecologia foram abordadas, como agroturismo e agroecologia; plantas medicinais, bioativas e medicinais; flora apícola, etc. Para finalizar, uma mesa redonda foi montada oportunizando o público a fazer considerações e questionamentos aos palestrantes. Um dos assuntos que mais conflitou o debate foi acerca dos impactos dos agrotóxicos na atividade agroecológica.

O tema eleição também teve espaço no debate. O longo tempo sem a realização de concursos públicos para o preenchimento dos cargos vagos na EPAGRI é algo que preocupa os profissionais da empresa pública. Há fortes indícios que a epagri esteja na pauta de candidatos ao executivo estadual para ser privatizada, caso eleitos. Mais uma vez reitero a necessidade de manter a Epagri pública. Essa garantia depende do nosso voto no dia 02 de outubro próximo. Prestar bastante atenção nos programas de governo dos candidatos ao executivo é imprescindível. Não basta prestar atenção somente no executivo, o legislativo é tão ou mais importante que o posto de governador. Mudanças na estrutura de empresa, até mesmo a privatização terá que pela ALESC, com o voto da maioria.

Também esse alerta serve para as políticas públicas voltadas a agroecologia. Historicamente jamais a assembleia legislativa do estado obteve legislatura com maioria de parlamentares eleitos defendendo pautas sociais, ambientais, educacionais, agroecológicas. Acreditamos que nessa eleição poremos fim definitivo a esse ciclo vicioso de eleger deputados contrários aos interesses da agroecologia e da agricultura familiar.   

Prof. Jairo Cesa

 

 

 

       

                   

 

 

 

 

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

 

FOGO QUE CONSUMIU TEATRO/AUDITÓRIO (EEBA-ARARANGUÁ) FOI MOTIVADO POR DÉCADAS DE DESCASOS DOS GESTORES ESTADUAIS COM A EDUCAÇAO PÚBLICA

Desde a promulgação da primeira carta constitucional e a eleição do primeiro governador e membros do parlamento republicano catarinense, demandas como saúde, segurança e educação sempre foram designadas como prioritárias por esses e outros tantos representantes do povo.  Mais de um século se passou desde a assinatura da primeira constituição, e não houve um governo se quer  entre os quase  cinquenta governadores e outras centenas de parlamentares, que tivessem   cumprindo ao menos um item dessas demandas na sua integridade.  Claro que jamais concretizariam o que fora prometido, pelo fato dos respectivos governadores e parlamentares integrarem ou representarem as poderosas forças oligárquicas.

A existência e a sobrevivência desse importante segmento político conservador sempre se basearam na fragilidade e no sucateamento de serviços sociais importantes, a exemplo da educação pública. O apadrinhamento político, o aparelhamento de toda a estrutura administrativa do Estado, a começar pelo secretário de educação e se estendendo as instâncias regionais e municipais, até a ponta do sistema, com os diretores/gestores, entre outros cargos comissionados, por muitas décadas foram a espinha dorsal desse regime que para manter-se funcionando propugnava a existência de um exército de despossuídos.

 Não há dúvida que para a manutenção por gerações e gerações de um Estado a serviço das classes dominantes foi necessário inviabilizar qualquer instrumente que assegurasse melhorias substanciais às condições de trabalho e remuneração dos profissionais da educação. As rupturas de regimes e governos autoritários ocorridos, sempre se deram geralmente nos países com populações bem instruídas. São essas mesmas sociedades que hoje contemplam bons níveis de desenvolvimento econômico e social.

No estado de Santa Catarina, como em muitos outros tantos da federação, o pouco de dignidade aludida aos trabalhadores das escolas foi em decorrência de permanentes lutas de resistência da categoria contra as políticas de ataques e desmontes de direitos adquiridos, dos currículos e dos ambientes de trabalho das escolares. Nos últimas três ou quatro décadas foram incontáveis as paralisações e greves promovidas pelo magistério, sempre como último recurso possível para reivindicar melhorias salariais e condições dignas de trabalho.

Ainda hoje com raras exceções escolas procuram realizar eventos anuais: festas, rifas, gincanas, até mesmo bazares, com intuito de arrecadar recursos extras para realizar reparos na estrutura, bem como comprar materiais de expedientes básicos. Não fosse o empenho, o amor, a dedicação quase integral dos profissionais, gestores/as, pais, estudantes, etc, pouquíssimas dessas instituições de ensino estariam em condições de funcionando atualmente. O fato é que o problema não está exatamente na falta de recursos do Estado para tais finalidades, mas na não priorização desse setor.

Há cerca de dez anos, o SINTE - Sindicato dos Professores da Rede Pública Estadual da Regional de Araranguá encaminhou ofício ao corpo de bombeiros e as defesas civis dos municípios que integram a 22 GERED da região da AMESC solicitando relatório das condições de infraestrutura de todas as escolas estaduais. Das mais de 40 escolas existentes, somente um município enviou relatório com as devidas informações.

O motivo da ação impetrada pelo SINTE foi em razão de frequentes denúncias vindas de professores e comprovada por integrantes da entidade sindical do estado caótico dessas instituições. Casos de escolas de recém inaugurada já estavam apresentando sinais de deterioração, goteiras, problemas hidráulicos, furtos de fios, de transformadores, etc. Na realidade os  problemas investigados nas escolas públicas da regional  de Araranguá  eram bem superiores ao que se presumia. 

Em 2016 professores e estudantes da EEBA de Araranguá deram início ao projeto ambiental cujo FOCO foi a sustentabilidade energética e hídrica da unidade de ensino. O objetivo da proposta era fazer com que o projeto de reforma da unidade, previsto para acontecer, toda a parte elétrica fosse alimentada com energia fotovoltaica. Infelizmente mesmo com toda a insistência, não foi possível convencer os representantes do governo estadual para incluir tais solicitações ao projeto de reforma.

Para conhecer a realidade elétrica e hídrica da escola, o primeiro passo foi obter cópia de antigos extratos de conta de energia e água da EEBA e durante os meses subsequentes a execução do projeto.  O plano, portanto, era sondar quanto se consumiu e estava se consumindo, os valores pagos e se tudo estava em conformidade com a realidade da instituição. Quando acessamos aos primeiros extratos, ficamos surpresos com os valores elevados pagos em energia elétrica, incompatíveis a demanda  de escola.

Mas o espanto se deu com os extratos de água, principalmente do auditório Célia Belizzaria.  Em um extrato observado, em mês o consumo de água extrapolou os vinte mil reais em água. Detectamos que a exorbitância do valor cobrado tinha relação com problemas de vazamento no sistema hidráulico por falta de manutenção por parte do Estado. Além de falhas do sistema hidráulico, o auditório apresentava outros problemas, como frequentes goteiras, furtos.                

Se a EEBA estava sendo acometida por falhas estruturais e atitudes equivocadas comportamentais que resultavam em desperdícios de energia elétrica e água, havia fortes indícios que tais problemas poderiam estar se repetindo em outras unidades de ensino, como de fato vinha acontecendo. Casos de escolas com 800 a 1000 estudantes, cujos extratos de energia elétrica mostravam valores superiores a 10 mil em um único mês. Outras unidades menores ou de tamanho médio, com gastos de água equivalente a escolas com dois a três mil alunos. O fato é que problemas desse tipo, raras as exceções, persistiram durante os três anos que o projeto esteve em andamento. Inúmeros alertas foram encaminhados à coordenação regional de ensino e aos próprios gestores de escolas para que solicitassem junto aos órgãos competentes os devidos reparos necessários às suas escolas.

A conclusão que se chegou quando o projeto foi finalizado, foi que tais falhas estruturantes e de desperdícios possivelmente estavam se repetindo entre as quase mil escolas distribuídas pelo estado de Santa Catarina. Os cálculos feitos pelos integrantes do projeto, se chegou a conclusão que os valores desperdiçados anualmente na regional de Araranguá, se fossem aplicados planos de contenção de desperdícios, as economias seriam suficientes para reparar todas as 42 escolas da 22 regional de educação. Agora se fosse estendido tais planos de não desperdícios a todas as escolas e demais repartições públicas estaduais, claro que haveria uma economia de milhões de reais/ano. Para quem desejar conferir o projeto escola sustentável, realizado na EEBA de Araranguá, o mesmo está disponível no blog https://eebasutentavel.wordpress.com/

Se tivéssemos tido governos realmente comprometidos com o correto uso do dinheiro público, as escolas estaduais de Santa Catarina, sem exceção, estariam com excelentes infraestruturas, com profissionais da educação valorizados e satisfeitos. E por que isso não acontece? Por que tanto desprezo, tanta repulsa dos governadores de grande parcela dos legisladores eleitos, à escola publica e aos professores? Por que deixar que estruturas se depredem, que denúncias tenham que ser protocoladas às autoridades competentes, denunciando os descasos dos governantes. Só a partir disso que ações de reparos, de pequenos avanços na carreira docente são obtidas.   

Insisto aqui em reiterar que a EEBA, antiga Escola Norma e, depois, Colégio Estadual de Araranguá, exemplo de unidade de ensino quase centenária, que é merecedora de respeito e orgulho dos araranguaenses e dos habitantes do Extremo Sul de Santa Catarina. Por esses e outros feitos que só engrandecem o povo araranguaense, o educandário e seus profissionais não precisavam estar servindo de “bode expiatórios” à inoperância do Estado. Somente depois de inúmeras intervenções da vigilância sanitária e do corpo de bombeiro a pondo de interditarem vários cômodos, que pequenas ações paliativas foram providenciadas para a contenção de goteiras e curtos circuitos elétricos.

Foram mais de dez anos de lutas titânicas, manifestações, protestos, idas e vindas a Florianópolis, para que finalmente em 2019 desse início a tão esperada reforma da unidade de ensino. Por que esperar tanto tempo para que chegasse ao espantoso estágio de depredação. O que causa mais revolta quando o assunto é reformas ou construções de escolas, ginásios ou auditórios, é o desprezo desse mesmo poder público em contingenciar recursos no orçamento público para reparos permanentes desses espaços. Muitas vezes, antes do imóvel ser inaugurado são detectados defeitos estruturais. Claro que isso tem relação com projetos mal elaborados, falta de fiscalização, até mesmo corrupção e desvio de finalidades.

O que era é revoltante é o fato de ter sido criada as SDRs – Secretarias de Desenvolvimento Regionais, mais de trinta ao todo, tendo por um dos objetivos diminuir o distanciamento das decisões entre o executivo e as regionais.  De fato esses espaços foram criados para acomodar os apadrinhados políticos, ou seja, cabides de empregos para cabos eleitorais e outras funções questionáveis aos olhos da população. Se realmente tivessem cumpridas as finalidades apregoadas, as escolas, as rodovias estaduais e outros segmentos de responsabilidade do Estado não estariam permanentemente sob acirradas críticas e ataques da sociedade devido a sua ineficiência. Essas secretarias sugaram milhões de reais dos cofres públicos por décadas.

Em 2015 escrevi texto no qual expõe o lado obscuro de muitas das 36 SDRs. As informações contidas no texto foram fundamentadas a partir de investigações realizadas e publicadas por auditores do TCE (Tribunal de Conta do Estado). Os problemas verificados nas regionais iam desde os cargos comissionados sem a mínima qualificação à função especifica ao não cumprimento de preceitos constitucionais relativos ao repasse de recursos ao ensino público. No relatório do TCE revelou que num período de cinco anos o governo estadual deixou de aplicar 1,1 bilhão de reais à educação, dinheiro necessário à solução de problemas de infraestrutura e remuneração digna aos trabalhadores da educação.

Então, quem ainda acreditava que problemas estruturais envolvendo escolas, ginásios de esportes e teatros/auditórios, a exemplo do Célia Belizzaria que foi consumido pelo incêndio na última sexta feira, foram decorrentes não da má administração de diretores/gestores desses espaços.  Lendo o relatório dos auditores do TCE sobre irregularidades nas SDRs, vai descobrir os meandros desse desmonte institucionalizado. http://morrodosconventos-jairo.blogspot.com/2015/04/auditoresdo-tce-tribunal-de-contas-do.html. Explica também por que tanto tempo de espera para a realização de uma reforma de uma escola como a EEBA de Araranguá, a ponto de ter gerado impasse envolvendo professores e corpo gestor de outra escola, também sob expectativa de inicio de reformas por parte do estado.

O conflito ocorreu quando se soube que os recursos orçados para a reforma da EEBA haviam sido deslocados à respectiva escola. Essa foi mais uma das inúmeras estratégias adotadas pelo Estado em tentar dividir a categoria, um modo perspicaz de desviar o foco de erros e maracutaias praticadas durante as gestões.   Explicações detalhadas desse episódio envolvendo essas duas escolas também podem ser conferidas lendo o texto aqui postado. http://morrodosconventos-jairo.blogspot.com/2015/03/

Porém o caos havia se instalado definitivamente na EEBA a partir de 2013 em diante. A situação chegara ao limite da insustentabilidade. Era tanto problema, que quando chovia o mínimo volume que fosse era suficiente para causar interrupção das aulas, transformando salas, corredores em verdadeiras piscinas. Para não ter interdição completa da escola, em 2015, em caráter de urgência algumas ações paliativas foram realizadas atendendo recomendações do corpo de bombeiro. Troca de telhados, limpeza de calhas, arrumação do assoalho e colocações de equipamentos luminosos obrigatórios, foram ações executadas pelo Estado.

Entretanto, concluído os reparos, na primeira chuva, voltaram os problemas, as goteiras e as preocupações. Os/as professores/as além das pressões diárias decorrentes das limitadas condições técnicas e pedagógicas para o satisfatório desempenho da profissão, tinham que também estar em estado permanente de alerta a qualquer sinal de risco de acidente. Diante desse quadro trágico previsível, de tantos e tantos documentos encaminhados a GERED e ao Estado para que fosse iniciada à reforma do colégio, publiquei texto em meu blog em 16/07/2015 com o seguinte título: EEBA – Um Educandário Com Mais De Cinquenta Anos de História a Espera de Um Milagre - http://morrodosconventos-jairo.blogspot.com/2015/07/. Foi somente em 2019, após mais de dez anos de incessantes lutas de toda a comunidade escolar que finalmente foi dado início ao processo de construção e reforma da EEBA.

Infelizmente, no projeto de reforma ficaram excluídos o ginásio de esportes e o auditório Célia Belizzaria, sem qualquer indicativo ou data para que tais reconstruções fossem realizadas. E não foi por falta de recursos, quem acompanhou os últimos três anos da atual administração estadual, volumes gigantescos de recursos foram economizados devido a Pandemia do COVID 19, principalmente recursos voltados à educação. Foi tanto dinheiro sobrado em caixa do estado que chegou a ser disponibilizado para obras federais, como pavimentação de rodovias. O orçamento do Estado ficou mais polpudo ainda a partir da Reforma Previdenciária dos servidores estaduais aprovada em 2021 na assembleia legislativa. A inclusão de dispositivo no projeto permitiu ao governo estadual o sequestro mensal criminoso de 14% nos vencimentos dos servidores aposentados, relativos ao IPREV (Instituto Previdenciário dos Servidores Estaduais).                        

Se havia tanto dinheiro em caixa do Estado como era noticiado pelo próprio governo, por que não inseriu um aditivo extra do valor orçado da reforma da EEBA, incluindo também as duas construções, o ginásio e o auditório? Se tal medida tivesse ocorrido, de imediato todo o entorno dessas edificações seriam protegidas por tapumes evitando vandalismos e mais preocupações aos professores e ao corpo administrativo da escola. Talvez essas ações não se concretizaram pelo fato do Estado já pretender entregar ao município ou a iniciativa privada.

Agora que o imponente prédio foi quase que consumido pelo fogo vem se discutindo entre o executivo municipal e estadual a reconstrução e sua entrega ao município. Penso que o governo estadual foi ardiloso nessa empreitada. Primeiro deixou o prédio se depredar completamente, depois trabalhou bastante às mídias e o sendo comum para responsabilizar os gestores da escola por má gestão do auditório. Foi criada propositalmente uma confusão quanto aos objetivos do auditório e sobre os verdadeiros gestores? O senso comum apregoa que o espaço é um anfiteatro, que de fato não é. É um auditório, com pouco mais de quatrocentos acentos construído pelo governo do estado e destinado ao corpo docente e discente da EEBA. No entanto, o próprio colégio, pode em caráter de parceria ceder suas dependências à iniciativa pública sem a cobrança de taxas extras.

Acontece que desde a sua inauguração o Estado se eximiu do compromisso legal de fazer a manutenção do referido espaço. O auditório não foi desativado de fato devido ao esforço descomunal do corpo gestor da escola, principalmente devido ao empenho da professora Denise, já falecida. Frequentemente o auditório era cedido para a realização de eventos culturais externos, cujos realizadores, o segmento particular, por exemplo, colaboravam com uma taxa extra. Esse se tornou o único recurso disponível para fazer os reparos necessários daquele ambiente. 

Estranhamente após sinistro no auditório, rapidamente o poder público municipal e o governo estadual se manifestaram discutindo as tratativas de transferência do auditório aos cuidados da administração municipal. Em entrevista concedida a uma radio do município de Araranguá, o prefeito confirmou que o prédio passará a ser do município, e que não será necessário promover licitação para escolher a empresa encarregada da recuperação da estrutura danificada pelo fogo. Em nenhum momento foi citado o nome da EEBA como mantenedora legal do ambiente.

Aqui deve ser esclarecido algo importante. Se a ideia é transferir a gestão do auditório ao município, em primeiro lugar é preciso ter o aceite da escola. Nessa entrevista, a rádio deveria ter convidado para se fazerem presentes junto com o prefeito, representantes da coordenadora regional de ensino e os gestores da EEBA, para ouvir a opinião de ambos. Afinal, foram ou não foram convidados? É bem possível que não houve convite, dando a entender que os tramites estão sendo articulados entre prefeito, algum deputado ligado ao governo do estado e o próprio governador.

Prof. Jairo Cesa

     

        

 

 

            

sábado, 10 de setembro de 2022

 

AGROECOLOGIA E SEMENTES CRIOULAS COMO CONTRAPOSIÇÃO A AGRICULTURA PREDATÓRIA

A domesticação de sementes e animais foi certamente uma das maiores conquistas da civilização, fato que proporcionou a transição da espécie nômade à condição sedentária, diretamente vinculada a sua evolução social. É importante destacar que essa dita revolução civilizatória não se deu de modo pensado, planejado, mas casual e tendo como protagonistas as mulheres, principalmente em se tratando de agricultura. Reduzindo os riscos da fome, a espécie humana passou a se multiplicar e viver mais tempo e relativamente melhor.

Acredita-se que está no fenômeno da germinação de plantas um dos fatores que levou a humanidade desenvolver a sua espiritualidade, ou seja, buscar por meio da crença, da fé, resposta a esse e outros acontecimentos até então inexplicáveis. A relação entre domesticação de plantas e mulheres é bem significativo. Ambos podem dar importantes respostas a uma série de questionamentos relativos às crises cíclicas alimentares como a atual que vem ceifando milhões de pessoas.

Como imaginar a existência de pessoas famintas, quando se sabe que a terra, o solo e seus nutrientes, são recursos sagrados, que fizeram fecundar, germinar, espontaneamente, gratuitamente e em abundância, plantas, frutos, raízes, para saciar a fome de todos/as. Durante milênios dos desafios dos primeiros agrupamentos humanos foi recolher e guardar sementes, de modo que fossem replantadas nas safras seguintes. Certamente essa era uma das práticas repletas de rituais místicos, de agradecimento aos espíritos das florestas, aos deuses, podendo durar dias, com comida, bebida, danças e práticas de oferendas.

Com o passar do tempo, as terras e as sementes foram perdendo seus sentidos de entes sagrados, transformando em produto, mercadoria, com valor de troca/comércio e não mais de uso. Compreender o funcionamento da estrutura metabólica das sementes, na intenção de modificar e controlar sua sequência genética pode ser interpretado como sendo o ápice da sandice civilizatória. Por que essa certeza. Qualquer espécie viva planta em especial, sua sequencia genética, ou DNA, foram necessários milhares de anos para se constituir, onde sofreram processos complexos de adaptações, climatizações, etc.

De repente mudar o seu código, introduzindo elementos de outras sementes, pode estar aí abrindo um caminho perigoso ao desconhecido, ao incontrolável, semelhante a um Frankenstein, romance escrito pela britânica Mary Shelley.  O perigo está no fato de gerar distúrbios em toda a cadeia do sensível e complexo sistema botânico planetário. Além do mais, os organismos vivos, o ser humano em especial, toda a estrutura metabólica: tecidos, ossos e células foram e permanecem sendo moldados pela dieta de geração em geração.

No momento que passamos a consumir tipos de alimentos cujos DNA foram alterados, quais os riscos da ingestão dessas variedades no nosso metabolismo. Ainda hoje as respostas a essas questões são controversas. O fato é que a aprovação do comércio de sementes geneticamente modificadas se deu decorrentes de Lobbies envolvendo autoridades norte americanas, grupos de pesquisadores e corporações ligadas ao mercado de sementes e agrotóxicos.

Frente a tudo isso estão agricultores familiares, movimentos de camponeses, entidades públicas, organizações ambientais, universidades, entre outras, engajadas numa luta titânica de proteção as variedades crioulas de sementes como garantia de soberania e independência à fúria do mercado. Nesse enfrentamento aparecem os Guardiões e as guardiãs de sementes, que dedicam parte preciosa do tempo para proteger acervos de sementes que transportam no DNA toda a ancestralidade, espiritualidade, todos os elementos que constituíram o universo. São muitas as publicidades evidenciando o deus agronegócio como sendo o carro chefe da economia, afirmando até ser o único meio capaz de proporcionar seguridade alimentar à população mundial.  Entretanto, se fosse realmente verdade o que se prega, não teríamos uma multidão de famintos desesperados disputando ossos e restos de alimentos em portas de supermercados, restaurantes, etc.

Se a terra, gratuitamente, fez germinar sementes e recursos adicionais para assegurar a existência e a permanência da espécie humana no planeta, restringir o acesso de milhões de indivíduos à alimentação diária é uma demonstração de que estamos longe de nos tornarmos essencialmente humanos.  O evento realizado no CETRAR – Centro de Treinamento da EPAGRI, em Araranguá, no dia 06 de setembro de 2022, com tema “Encontro de Troca: Sementes, mudas e experiências”, mostrou que há tempo ainda para restabelecer o equilíbrio, a sincronicidade,  a sinergia com a  mãe natureza, tão castigada, violada pelos seus/as filhos/as desvirtuados/as pela cultura.

Embora eu tenha nascido no campo e lá trabalhado até os meus 18 anos, por quase quarenta anos atuei como professor na rede de ensino público estadual. Com o fim do ciclo de professor, retornei às minhas raízes dedicando o tempo livre às pesquisas e aos estudos sobre práticas sustentáveis de cultivo de pitaya e o aproveitamento sustentável do solo, água e outros recursos. O contato com grupos de produtores/as orgânicos/as familiares me fez perceber que muita vida, sabedoria, emoção, amor, pulsavam desses grupos, dando a certeza de que a revolução vem da terra, da troca, do compartilhar experiências. O mais impressionante foi compreender que esse movimento de rupturas tem a mulher como protagonista, como sempre foi desde o começo da civilização.

Na história da agricultura a mulher foi quase que determinante na domesticação das plantas comestíveis. Portanto, o arquétipo feminino sempre se fez presente como instrumento mediador, pacificador, das forças contraditórias que sempre imperaram e ainda imperam no universo. A mãe natureza é a nossa progenitora, aquela que fornece o leite, o primeiro alimento necessário para nutrir nossas células. Degradar rios, florestas, ar, solo, etc, é arquepticamente uma violação à nossa mãe natureza, nossa mãe progenitora, cujo leito produzido, tem menos nutrientes, mais moléculas tóxicas para gerar filhos fracos, doentes.

A presença majoritária de mulheres no auditório do CETRAR naquela manhã de terça feira para participar de um evento cujo tema era troca de sementes crioulas e experiências, me fez refletir ainda mais acerca do conceito de arquétipo entre terra, mãe natureza e mulher. Por que tantas mulheres envolvidas no recolhimento, conservação e compartilhamento de sementes crioulas. A resposta pode estar na própria essência da natureza e seus campos mórficos, conhecidas como campos de padrões ou estruturas de ordens.  Guardar as sementes crioulas e replicá-las, gratuitamente, é, de certo modo, uma maneira de querer reequilibrar os campos cósmicos, masculino/feminino.

Duas importantes palestras foram realizadas no encontro. Claro que a maior atenção foi dedicada a explanação feita por um profissional da EPAGRI que discorreu sobre a vida de Gerson Mauro Ferting, um guardião de sementes crioulas no município de Frei Rogério, no estado de Santa Catarina. Comentou o profissional que o agricultor vem atuando como guardião há mais de quarenta anos, que atualmente tem cerca de trezentas variedades de sementes guardadas.

Vários vídeos foram exibidos mostrando sua propriedade e a metodologia utilizada no cultivo e cuidado dessas sementes. Ouvindo o seu Gerson é possível perceber a sua profunda simbiose com todos os elementos da natureza, além, é claro, grande conhecimento dos segredos do universo contidos nas sementes crioulas. Confessou que sua maior paixão são as sementes de milho, pela sua diversidade de cores, sabores, etc. São cerca de 50 variedades que tem no seu acervo, junto com outras 150 ou mais de outras espécies. Reiterou inúmeras vezes que ter semente crioula é sinônimo de liberdade, independência ao deus mercado.

Pesquisando na internet mais assuntos e eventos sobre o tema semente crioula me impressionou o elevado número palestras, entrevistas, festas e atividades culturais inseridas ao tema. Incrível é que diante de toda essa imensidão de eventos acontecendo, parcela expressiva da população desconhece completamente o assunto. São raros os veículos de comunicação, rádio e TV, que fazem alguma divulgação ou cobertura sobre culturas orgânicas e sementes crioulas. São esses veículos da grande mídia o que menos dão cobertura sobre agroecologia, guardiões de sementes, etc. Claro que não dariam ênfase pelo fato de serem tais veículos patrocinados por grandes corporações ligadas ao agronegócio, como indústrias de agrotóxicos, de sementes transgênicas, equipamentos agrícolas, etc.

Prof. Jairo Cesa    

 

https://www.biodiversidadla.org/Multimedia/Video/O-agricultor-que-guarda-sementes-antigas

https://www.youtube.com/watch?v=cO5a55STY3o

 

 

 

                               

domingo, 4 de setembro de 2022

 

BRASIL: 200 ANOS DE (IN)DEPENDÊNCIA. PARA QUEM?



Trezentos anos de domínio português, um século de controle britânico e outros cem anos de dominação imperialista Norte Americano, esse o Brasil que ainda ousa festejar o bicentenário de sua pseudo (IN)dependência no próximo dia 07 de setembro. É sem dúvida atos bizarro ver milhões de estudantes e outros milhares de pessoas cadenciando passos ao som de tambores, baterias, pelas ruas e avenidas das cidades tomadas por famintos, pedintes sem teto, drogados, esgotos a céu aberto, etc. Além do mais, tende a ser mais bizarro passar “marchando” em frente aos palanques instalados para acomodar políticos e autoridades, muitos das quais protagonistas de todo tipo de desarranjo social e econômico, que insiste manter o Brasil no topo das nações mais desiguais e corruptas do mundo.

São duzentos anos de atrapalhadas históricas, de uma dívida moral impagável para milhões de brasileiros que tiverem tataravôs, trisavôs, transformados em força de trabalho escravo em engenhos de açúcar, de farinha e nos cafezais. Até hoje os reflexos dessa calamidade social é refletida sob a forma de violência exacerbada contra pretos, índios, povos quilombolas, todos, sem exceção, alvos iminentes das selvagerias do sistema capitalista predatório.  Quem acreditou que o sete de setembro de 1822 foi o marco da libertação do domínio português até pode ser verdade.

O fato é que o movimento do dia sete aconteceu a partir de uma articulação envolvendo segmentos da elite cultural, política e econômica mineira do século XVIII. Muito do que está escrito ou desenhado nos livros didáticos e outros documentos que retratam o sete de setembro, não aconteceu de fato. Na verdade as imagens retratadas como o pequeno batalhão de soldados, com Dom Pedro I, ao centro, montado em um cavalo com um braço direito erguido gritando independência ou morte foi pintado quase cinquenta anos mais tarde pelo artista plástico Pedro Américo a pedido em homenagem a proclamação da república. Portanto, o espaço que cada soldado ocupa a posição de Dom Pedro ao centro, as vestimentas, os possantes cavalos, tudo foi pensado meticulosamente inspirado nas batalhas heroicas travadas por Napoleão Bonaparte na Europa.

Concluído o ato de independência, sai de cena a metrópole portuguesa assumindo o comando a poderosa burguesia comercial/industrial inglesa. Convém aqui ressaltar que o sucesso econômico inglês somente aconteceu devido aos infindáveis carregamentos de ouro e prata e outras riquezas vindas das colônias espanholas, portuguesas e das suas espalhadas por todos os continentes. Sem esquecer também que foram os ingleses os principais comerciantes de escravos vindos África, que só deixaram de atuar nessa atividade quando sua indústria estava bem avançada.

Enquanto muitos países da América Latina já haviam abolido a escravidão há décadas, o Brasil insistiu em permanecer por mais tempo, até 13 de maio de 1888, data na qual a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, que oficializou o fim da escravidão.  Mais uma vez esse ato teve o dedo da burguesia britânica, interessada em aumentar o seu comércio de manufaturados no país. Tornar cativos africanos, livres, passou a ser um excelente negócio, principalmente para os antigos senhores da casa grande, agora envolvido no ciclo produtivo de café. O escravo liberto da senzala, agora cidadão de direito, foi transformando em outro tipo de cativo, tão ou mais lucrativos aos senhorios que durante a época da escravidão.   Para sobreviver vendia a sua força de trabalho ao proprietário da fazenda, fábrica em troca de um salário.

O campo se modernizava criando um gigantesco exército de trabalhadores a disposição do sistema capitalista industrial em franca ascensão. Parte dessa população do campo, agora despossuída de trabalho e meios de subsistência, passa ocupar espaços insalubres nas periferias dos centros urbanos em acelerada formação como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife, etc. São os começos de um processo de urbanização assimétrica, com limitada ou mesmo sem a presença efetiva do Estado na concessão de serviços básicos de infraestrutura, educações, saúde, segurança, etc. Um século de “independência” e o Brasil já liderava do ranque mundial entre as sociedades mais desiguais e injustas. 

Fim do século XX, o país que se tornou independente mediado por arranjos e negociatas entre portugueses e ingleses, como a abertura de seus portos marítimos às “nações amigas”, teve o ano de 1964 o envolvimento indireto da CIA (Central de Inteligência Americana) e do capital internacional num espetacular golpe de Estado, onde o comando do Estado brasileiro foi tomado pelo militares por mais de vinte anos. Censura e retrocessos sociais foram os cenários mais comuns nesse período. Quem não conseguiu fugir do país para livrar-se da fúria do regime, teve que ficar e viver o calvário diário de medo e ameaças. Centenas de cidadãos tiveram suas vidas devassadas pelo DOPS, quem teve menor sorte foi torturado e morto, somente pelo fato de se oporem as regras de um regime autoritário e repressor.

O nacionalismo exacerbado sempre imperou em sociedades dominadas por governos pouco ou nada democráticos. Os quinze anos de Getúlio Vargas e outros vinte de regime militar, a exaltação a episódios heroicos, símbolos patrióticos como a bandeira, o hino nacional e da independência sempre tiveram em evidência. Os mais antigos certamente devem lembrar-se da intensa programação alusiva ao dia da bandeira, Tiradentes e sete de setembro nas escolas brasileiras, muitas vezes ocupando espaço significativo de tempo no calendário escolar. Incutir valores e sentimentos patrióticos, heróis nacionais forjados, etc, sem qualquer abordagem reflexiva sobre os fatos foi preponderante nas sociedades dominadas pelas elites políticas burguesas.

Imagine se nas escolas brasileiras temas como o Sete de Setembro, o dia de Tiradentes, a Proclamação da República, entre outras datas ditas importantes, os professores trabalhassem criticamente cada um desses momentos, trazendo à luz versões narradas pelos vencidos, esquecidos e silenciados arbitrariamente. Claro que isso não impediria que tais acontecimentos fossem comemorados. No entanto, o processo festivo tomaria rumos distintos, não de sujeitos passivos, dóceis, indolentes, como querem os donos do poder, mas de cidadãos altivos, críticos, capazes de escolher o bom líder, como o Príncipe de Maquiavel.  

A escola que almejamos autônoma, transformadora, pública e não estatal, ainda está muito longe para virar realidade. Sem dúvida está na nossa estrutura educacional decadente, desde a sua introdução há cinco séculos, o motivo do atraso social e cultural que insiste em permanecer intacta? Entretanto tivemos uma curta experiência de governos populares que teoricamente se mostravam engajados na desconstrução desse modelo perverso de educação reprodutora de saberes e valores dominantes. O poder das oligarquias, dos descendentes da Casa Grande, dos latifúndios improdutivos, etc, ambos permaneceram, se regenerando geração pós-geração. São esses novo-velhos donos do capital, os que criaram ambiente propício para que fosse chocado o ovo da serpente e gerado formas multifacetadas de demônios/domínios, que hoje nos assombram.

O golpe político de 2016 e as eleições de 2018 levaram o Brasil a uma condição assustadora de retrocesso social inimaginável. Pensar em retrocessos em um país que amarga há décadas índices ridículos de avanços educacionais são sem dúvida uma redundância. A eleição de um protofascista ao cargo de presidente da república fez o Brasil virar notícias quase diariamente nos principais jornais, telejornais, redes de TV do mundo inteiro.

As notícias mais corriqueiras ouvidas e assistidas se referem aos desmatamentos e incêndios criminosos na Amazônia, no serrado que, comprovadamente, vem alterando o ciclo das chuvas em toda a América do sul. Outras reportagens também nada agradáveis, como a grilagem em terras públicas, garimpo ilegal, assassinatos de lideranças indígenas e de ambientalistas, entre tantas outras, também viraram manchetes e capas de jornais desses veículos noticiosos.

O atual presidente desde o momento assumiu o posto de chefe do executivo em primeiro de janeiro de 2019 montou uma estrutura de governo similar ao regime militar iniciado em 1964. Embora não tendo havido o fechado o congresso nacional a exemplo do AI cinco em 1969, durante os quatro anos de governo, as duas casas legislativas estiveram sempre a mercê do capitão comandante.

Isso se deve porque tanto a presidência da câmara como do senado, atuaram como fiéis escudeiros do presidente da república.  Como em qualquer regime de traços absolutistas ofuscado pelo manto da democracia burguesa, no Brasil o papel do presidente e dos seus seguidores sempre foi de criar cenários conflituosos, tensos, além, é claro, forjar inimigos imaginários a serem combatidos.

Sequestrar símbolos nacionais como a cor verde amarela da bandeira nacional, por exemplo, fez e faz parte da estratégia golpista bolsonarista de atentar contra as instituições democráticas. Quem se lembra do sete de setembro de 2021 onde foi forjado um real cenário golpista que quase se concretizou. Um país que em quatro anos de bolsonarismo bateu todos os recordes em desmatamentos; de maior consumidor de agrotóxicos do mundo; de voltar a fazer parte do mapa da fome e ter alcançado assustadora marca de quase setecentos mil mortos pelo vírus do COVID 19, é ridículo sair às ruas e festejar o sete de setembro.

Se a justificativa é o bicentenário da independência, menos motivo ainda para festejar. O que mais se coadunaria com essa data seriam atos de protestos, como o grito dos excluídos, organizado por entidades sindicais, religiosas e com a participação da sociedade. Mas parece que atos desse tipo são os menos incentivados a ocorrer durante o dia sete. O que os pseudo patrióticos de plantão  mais desejam é transformar o dia sete em um  palanque eleitoral

A boa notícia é saber que o 28º Grito dos Excluídos irá de fato ocorrer paralelo ao dia sete de setembro, cujo lema desse ano é Vida em Primeiro Lugar. Diferente de outros anos quando a polaridade política não era tão evidenciada, nessa edição, o risco de ações truculentas de grupos fundamentalistas pró bolsonarismo  tenderá a ocorrer. O fato é que não poderemos nos acovardar a esse cenário de medo e ameaças projetado pelo presidente e  seus simpatizantes para o dia sete de setembro. É preciso que todos estejam lá com as nossas bandeiras, nossas faixas, ouvindo os gritos, não o grito do Ipiranga, mas o grito das florestas, das populações camponesas, ribeirinhas, indígenas, quilombolas, negras e de tantas outras vozes caladas, silenciadas ao longo dos séculos.

Prof. Jairo Cesa      

 

https://www.brasildefato.com.br/2022/09/01/7-de-setembro-em-disputa-grito-dos-excluidos-volta-as-ruas-no-bicentenario-da-independencia                         

 

https://www.youtube.com/watch?v=xAFBaccbAkw