ENCONTRO
REGIONAL DE AGROECOLOGIA – COCAL DO SUL: MUITOS OBSTÁCULOS E DESAFIOS A SEREM
SUPERADOS
A
agricultara familiar e ou agroecologia são as duas atividades produtivas que
em muitos aspectos se combinam. Num
mundo dominado por práticas convencionais, quatro ou cinco variedades de
commodities prevalecem, são eles, o milho, a soja, a cana de açúcar e o café. Hortaliça,
dezenas de tubérculos, frutas e geral, que suprem as necessidades de milhões de
pessoas, vem de pequenas propriedades familiares. Portanto, não condiz com a
realidade o discurso corriqueiro do agronegócio afirmando que esse é o setor
que carrega o Brasil nas costas.
Também
não é correta a afirmação de que a segurança alimentar do planeta depende
somente da existência desse sistema, vista na sua maioria como predatória e
insustentável. Repito, se fosse realmente verdade que “carrega” o Brasil nas
costas, não haveria tanta gente faminta, doente, por “escassez” de alimento. Se
hoje inexpressivas são as políticas governamentais à agroecologia, isso se deve
o forte lobbie das grandes corporações de sementes, insumos e agrotóxicos.
Para
dar mais vitalidade às tais corporações, o congresso nacional, as assembleias e
câmaras legislativas são atravessadas por bancadas com forte poder de barganha.
De fato a bancada ruralista sempre predomina nos pleitos eleitorais. Com todo
aparato criado para proteger interesses do capital, a agroecologia vem
gradativamente rompendo a bolha do agrobusiness, ocupando espaço na preferência
dos consumidores mais exigentes. No entanto, a produção e o consumo não são
expressivos ainda, motivados por barreiras legislativas, como os elevados
subsídios públicos à agricultura convencional. Essas políticas de incentivos tornam
os custos de produção de produtos convencionais mais competitivos que os
orgânicos.
Porém,
é importante afirmar que embora os valores pagos pela couve, alface, tomate,
pimentão, ambas convencionais, menores que os orgânicos, os ganhos nutricionais
relativos aos convencionais são inferiores, a excessiva carga de insumos
químicos e agrotóxicos contribui para isso. No entanto, segundo o adágio
popular, o barato pode sair caro, pois as pessoas por carência de nutrientes têm
maior tendência de adoecerem. Vale a pena gastar um pouquinho mais com
alimentos saudáveis, para não precisar gastar muito mais com medicamentos.
É
certo que quanto mais pessoas consumindo alimentos saudáveis terão organismos
mais resistentes aos vírus e doenças degenerativas a exemplo do câncer.
Mudanças de hábitos alimentares tenderiam a reduzir o número de pessoas nos
postos de saúde, UPAS, hospitais, clínicas e farmácias. O fato é que no Brasil
campanhas publicitárias desse nível somente ocorrerão quando tivermos governos
e legisladores verdadeiramente comprometidos com a vida dos brasileiros.
Santa
Catarina, embora o agronegócio ocupe fatia significativa das terras cultivadas,
dia após dia vem aumentando o número de novos adeptos aos cultivos orgânicos. De
fato, o crescimento não acontece como um passe de mágica está exigindo muita luta
enfrentamento de barreiras e, principalmente, perseverança. O empenho descomunal de profissionais da área,
como técnicos/ agrônomos, com olhares mais sensíveis à proteção dos
ecossistemas estão sendo imprescindíveis nessa importante jornada de rupturas
de paradigmas para um planeta mais equilibrado.
A
criação e o fortalecimento de grupos de produtores agroecológicos vêm se
mostrando como estratégias importantes e necessárias ao empoderamento das
famílias na tomada de decisões coletivas de todos os estágios produtivos até a comercialização.
Os encontros, seminários, congressos, etc, são ações fundamentais para
proporcionar às famílias e consumidores, interação e conhecimento sobre espécies
crioulas, manejo do solo e a expansão do mercado para variedades orgânicas.
O
município de Cocal do Sul, no último dia 13 de setembro de 2022, promoveu
importante encontro sobre agroecologia nas dependências da AABB. Foram cerca de
cem pessoas, entre técnicos, autoridades e produtores que estiveram presentes
durante todo o dia. Além de palestras, mesas redondas, etc, os presentes
tiveram oportunidade de conhecer algumas novidades tecnológicas no seguimento
orgânico. Paralela a exposição, uma pequena feira foi instalada contendo
hortaliças, frutas e produtos diversos cultivados e beneficiados por
agricultores familiares.
O
ponto alto do encontro foi certamente às palestras e os debates, repletos de
informações e novidades acerca do tema agroecologia. O primeiro a proferir
palestra foi o engenheiro agrônomo da regional de Itajaí, Euclides Schalemberg,
apresentando larga experiência em pesquisas voltadas a atividades
agroecológica. O tema abordado pelo pesquisador foi sobre atividade orgânica,
sua inserção no mundo e no Brasil. Deixou claro que na metade do século XX, pós
a segunda guerra, o planeta passou por grandes transformações no campo, profundamente
influenciada pela Revolução Verde. Disse também que esse fenômeno teve seus
pontos positivos, porém, para os países periféricos os impactos ambientais
foram mais expressivos.
Para
contrapor à revolução verde, muitos países iniciaram uma contraofensiva ao
crescimento exponencial de alimentos de baixo valor nutritivo devido ao uso de
insumos sintéticos e agrotóxicos. O controle biológico de pragas, bem como
formas alternativas de manejo do solo e cultivo de plantas, dominaram os
debates nos quatro cantos do planeta. Alguns países deram nomes a tais modelos alternativos.
Na França se chamou agricultura biológica; na Alemanha de biodinâmica; na
Austrália de permacultura; no Japão de agricultura natural. Embora havendo
distinções muito sensíveis entre os modelos, todos compartilhavam o mesmo
princípio, a re-conexão sinergética do homem com o cosmos.
No
Brasil o cultivo e o consumo de alimentos orgânicos passou a tomar pulso a
partir da década de 1980 em diante. Atualmente
existem cerca de 25 mil propriedades familiares orgânicas espalhadas pelas
cinco regiões brasileiras. Santa Catarina participa com 1.270 propriedades
certificadas no MAPA, sendo que 800 são dedicadas exclusivamente no cultivo de
hortaliças. Nas décadas seguintes, um complexo conjunto de normas e regras
sobre orgânicos começaram a ser efetivadas.
Foi, portanto, em 2003, a aprovação no congresso da primeira legislação,
lei n. 10.831/03 voltada a regularizar a atividade orgânica.
Os
primeiros experimentos orgânicos no estado catarinense ocorreram em 1996, a
partir de cebolas agroecológicas. Tais iniciativas partiram da própria EPAGRI,
estimulada pelo desejo de proporcionar a abertura de mercados alternativos e
segurança alimentar à população. Além do mais, a agroecologia passou a ser um
elemento importante para a proteção dos recursos naturais. Décadas se passaram,
porém, a agroecologia ainda enfrenta as agruras das frágeis políticas públicas,
principalmente no que tange a política de créditos de baixos juros.
Em
2021, nova legislação foi promulgada sobre cultivos orgânicos. A legislação
estabelece que a partir de 2022, até 30% do que é comercializado,
principalmente hortaliças, deve ser de sementes orgânicas. O prazo final à
adequação no campo à norma será 2026, momento que 100% das sementes cultivadas
deverão ser orgânicas. Para ter a certificação de orgânicos, os produtores
devem passam por rígido processo de inspeção, ajustando o terreno cultivado de
acordo com as recomendações das certificadoras. No Brasil existem hoje 18
entidades certificadoras, sendo a mais conhecida da população a “Produto Orgânico
Brasil”.
Na
região sul de Santa Catarina, a ECOVIDA é a certificadora com maior número de
associados, embora existam outras, é claro. A preferência a ECOVIDA se deve a
qualidade ética dos certificadores que são os próprios associados e o baixo
custo pago pelo associado. O produtor orgânico consegue hoje inserir sua
cultura em pequenos e médios supermercados, possuindo publico cativo que lhe
garante renda substancial. No entanto, parcela significativa dos consumidores ainda
prefere os convencionais, tendo como fator motivador preços mais módicos.
Aproveitando
as novas tecnologias disponíveis, o agricultor orgânico consegue criar novas
formas de comércio, como o E-commerce, venda realizada pela internet. Outra
modalidade em alta é a compra direta. Um exemplo é o PNAES, programa federal
que garante a compra de produtos da agricultura familiar para incluir na
merenda escolar. O agrônomo Euclides revelou que a primeira vez que a revista
da EPAGRI publicou artigo sobre orgânico foi em 1994, cuja manchete de capa foi
“A agricultura que não envenena”. Foi
somente em 1999 que de fato a EPAGRI publicou a primeira produção orgânica
vegetal.
Foi destacada pelo agrônomo a importância da
adubação não sintética no cultivo orgânico. Comentou sobre instalação de
biofertilizantes de manejo aeróbico, onde em oito dias já se tem um adubo
altamente rico em nutrientes para as plantas. A criação de composteiras também
se caracteriza como formas eficientíssimas de transformar resíduos orgânicos em
adubos naturais. Por que o adubo orgânico se torna mais eficiente que o
sintético? Segundo opinião do agrônomo, enquanto o sintético possuiu alguns
nutrientes necessários às plantas, a adubação orgânica é completa, pois apresentam
todos os nutrientes que a planta necessita.
Para
concluir a apresentação, o agrônomo Euclides fez algumas aferições às pesquisas
concluídas e em andamentos sobre cultivares orgânicas. Dentre as cultivares com
maior envolvimento da Epagri estão as alfaces, com destaque a variedade
Litorânea, que se adaptou muito bem e com boa produção durante os 12 meses do
ano. Além da alface, a Epagri também pesquisou e desenvolveu sementes orgânicas
de pepino, cenoura, repolho, brócolis, rúcula, tomate, aipim, batata doce.
No
período vespertino, curtas experiências sustentáveis vinculadas a agroecologia foram
abordadas, como agroturismo e agroecologia; plantas medicinais, bioativas e
medicinais; flora apícola, etc. Para finalizar, uma mesa redonda foi montada
oportunizando o público a fazer considerações e questionamentos aos
palestrantes. Um dos assuntos que mais conflitou o debate foi acerca dos
impactos dos agrotóxicos na atividade agroecológica.
O
tema eleição também teve espaço no debate. O longo tempo sem a realização de
concursos públicos para o preenchimento dos cargos vagos na EPAGRI é algo que preocupa
os profissionais da empresa pública. Há fortes indícios que a epagri esteja na
pauta de candidatos ao executivo estadual para ser privatizada, caso eleitos.
Mais uma vez reitero a necessidade de manter a Epagri pública. Essa garantia
depende do nosso voto no dia 02 de outubro próximo. Prestar bastante atenção
nos programas de governo dos candidatos ao executivo é imprescindível. Não basta
prestar atenção somente no executivo, o legislativo é tão ou mais importante
que o posto de governador. Mudanças na estrutura de empresa, até mesmo a privatização
terá que pela ALESC, com o voto da maioria.
Também
esse alerta serve para as políticas públicas voltadas a agroecologia. Historicamente
jamais a assembleia legislativa do estado obteve legislatura com maioria de
parlamentares eleitos defendendo pautas sociais, ambientais, educacionais,
agroecológicas. Acreditamos que nessa eleição poremos fim definitivo a esse
ciclo vicioso de eleger deputados contrários aos interesses da agroecologia e
da agricultura familiar.
Prof. Jairo Cesa