terça-feira, 20 de setembro de 2022

 

ENCONTRO REGIONAL DE AGROECOLOGIA – COCAL DO SUL: MUITOS OBSTÁCULOS E DESAFIOS A SEREM SUPERADOS  

A agricultara familiar e ou agroecologia são as duas atividades produtivas que em  muitos aspectos se combinam. Num mundo dominado por práticas convencionais, quatro ou cinco variedades de commodities prevalecem, são eles, o milho, a soja, a cana de açúcar e o café.   Hortaliça, dezenas de tubérculos, frutas e geral, que suprem as necessidades de milhões de pessoas, vem de pequenas propriedades familiares. Portanto, não condiz com a realidade o discurso corriqueiro do agronegócio afirmando que esse é o setor que carrega o Brasil nas costas.

Também não é correta a afirmação de que a segurança alimentar do planeta depende somente da existência desse sistema, vista na sua maioria como predatória e insustentável. Repito, se fosse realmente verdade que “carrega” o Brasil nas costas, não haveria tanta gente faminta, doente, por “escassez” de alimento. Se hoje inexpressivas são as políticas governamentais à agroecologia, isso se deve o forte lobbie das grandes corporações de sementes, insumos e agrotóxicos.

Para dar mais vitalidade às tais corporações, o congresso nacional, as assembleias e câmaras legislativas são atravessadas por bancadas com forte poder de barganha. De fato a bancada ruralista sempre predomina nos pleitos eleitorais. Com todo aparato criado para proteger interesses do capital, a agroecologia vem gradativamente rompendo a bolha do agrobusiness, ocupando espaço na preferência dos consumidores mais exigentes. No entanto, a produção e o consumo não são expressivos ainda, motivados por barreiras legislativas, como os elevados subsídios públicos à agricultura convencional. Essas políticas de incentivos tornam os custos de produção de produtos convencionais mais competitivos que os orgânicos.

Porém, é importante afirmar que embora os valores pagos pela couve, alface, tomate, pimentão, ambas convencionais, menores que os orgânicos, os ganhos nutricionais relativos aos convencionais são inferiores, a excessiva carga de insumos químicos e agrotóxicos contribui para isso. No entanto, segundo o adágio popular, o barato pode sair caro, pois as pessoas por carência de nutrientes têm maior tendência de adoecerem. Vale a pena gastar um pouquinho mais com alimentos saudáveis, para não precisar gastar muito mais com medicamentos.

É certo que quanto mais pessoas consumindo alimentos saudáveis terão organismos mais resistentes aos vírus e doenças degenerativas a exemplo do câncer. Mudanças de hábitos alimentares tenderiam a reduzir o número de pessoas nos postos de saúde, UPAS, hospitais, clínicas e farmácias. O fato é que no Brasil campanhas publicitárias desse nível somente ocorrerão quando tivermos governos e legisladores verdadeiramente comprometidos com a vida dos brasileiros.   

Santa Catarina, embora o agronegócio ocupe fatia significativa das terras cultivadas, dia após dia vem aumentando o número de novos adeptos aos cultivos orgânicos. De fato, o crescimento não acontece como um passe de mágica está exigindo muita luta enfrentamento de barreiras e, principalmente, perseverança.  O empenho descomunal de profissionais da área, como técnicos/ agrônomos, com olhares mais sensíveis à proteção dos ecossistemas estão sendo imprescindíveis nessa importante jornada de rupturas de paradigmas para um planeta mais equilibrado.

A criação e o fortalecimento de grupos de produtores agroecológicos vêm se mostrando como estratégias importantes e necessárias ao empoderamento das famílias na tomada de decisões coletivas de todos os estágios produtivos até a comercialização. Os encontros, seminários, congressos, etc, são ações fundamentais para proporcionar às famílias e consumidores, interação e conhecimento sobre espécies crioulas, manejo do solo e a expansão do mercado para variedades orgânicas.

O município de Cocal do Sul, no último dia 13 de setembro de 2022, promoveu importante encontro sobre agroecologia nas dependências da AABB. Foram cerca de cem pessoas, entre técnicos, autoridades e produtores que estiveram presentes durante todo o dia. Além de palestras, mesas redondas, etc, os presentes tiveram oportunidade de conhecer algumas novidades tecnológicas no seguimento orgânico. Paralela a exposição, uma pequena feira foi instalada contendo hortaliças, frutas e produtos diversos cultivados e beneficiados por agricultores familiares.

O ponto alto do encontro foi certamente às palestras e os debates, repletos de informações e novidades acerca do tema agroecologia. O primeiro a proferir palestra foi o engenheiro agrônomo da regional de Itajaí, Euclides Schalemberg, apresentando larga experiência em pesquisas voltadas a atividades agroecológica. O tema abordado pelo pesquisador foi sobre atividade orgânica, sua inserção no mundo e no Brasil. Deixou claro que na metade do século XX, pós a segunda guerra, o planeta passou por grandes transformações no campo, profundamente influenciada pela Revolução Verde. Disse também que esse fenômeno teve seus pontos positivos, porém, para os países periféricos os impactos ambientais foram mais expressivos.

Para contrapor à revolução verde, muitos países iniciaram uma contraofensiva ao crescimento exponencial de alimentos de baixo valor nutritivo devido ao uso de insumos sintéticos e agrotóxicos. O controle biológico de pragas, bem como formas alternativas de manejo do solo e cultivo de plantas, dominaram os debates nos quatro cantos do planeta. Alguns países deram nomes a tais modelos alternativos. Na França se chamou agricultura biológica; na Alemanha de biodinâmica; na Austrália de permacultura; no Japão de agricultura natural. Embora havendo distinções muito sensíveis entre os modelos, todos compartilhavam o mesmo princípio, a re-conexão sinergética do homem com o cosmos.

No Brasil o cultivo e o consumo de alimentos orgânicos passou a tomar pulso a partir da década de 1980 em diante.  Atualmente existem cerca de 25 mil propriedades familiares orgânicas espalhadas pelas cinco regiões brasileiras. Santa Catarina participa com 1.270 propriedades certificadas no MAPA, sendo que 800 são dedicadas exclusivamente no cultivo de hortaliças. Nas décadas seguintes, um complexo conjunto de normas e regras sobre orgânicos começaram a ser efetivadas.  Foi, portanto, em 2003, a aprovação no congresso da primeira legislação, lei n. 10.831/03 voltada a regularizar a atividade orgânica.

Os primeiros experimentos orgânicos no estado catarinense ocorreram em 1996, a partir de cebolas agroecológicas. Tais iniciativas partiram da própria EPAGRI, estimulada pelo desejo de proporcionar a abertura de mercados alternativos e segurança alimentar à população. Além do mais, a agroecologia passou a ser um elemento importante para a proteção dos recursos naturais. Décadas se passaram, porém, a agroecologia ainda enfrenta as agruras das frágeis políticas públicas, principalmente no que tange a política de créditos de baixos juros.

Em 2021, nova legislação foi promulgada sobre cultivos orgânicos. A legislação estabelece que a partir de 2022, até 30% do que é comercializado, principalmente hortaliças, deve ser de sementes orgânicas. O prazo final à adequação no campo à norma será 2026, momento que 100% das sementes cultivadas deverão ser orgânicas. Para ter a certificação de orgânicos, os produtores devem passam por rígido processo de inspeção, ajustando o terreno cultivado de acordo com as recomendações das certificadoras. No Brasil existem hoje 18 entidades certificadoras, sendo a mais conhecida da população a “Produto Orgânico Brasil”.

Na região sul de Santa Catarina, a ECOVIDA é a certificadora com maior número de associados, embora existam outras, é claro. A preferência a ECOVIDA se deve a qualidade ética dos certificadores que são os próprios associados e o baixo custo pago pelo associado. O produtor orgânico consegue hoje inserir sua cultura em pequenos e médios supermercados, possuindo publico cativo que lhe garante renda substancial. No entanto, parcela significativa dos consumidores ainda prefere os convencionais, tendo como fator motivador preços mais módicos.       

Aproveitando as novas tecnologias disponíveis, o agricultor orgânico consegue criar novas formas de comércio, como o E-commerce, venda realizada pela internet. Outra modalidade em alta é a compra direta. Um exemplo é o PNAES, programa federal que garante a compra de produtos da agricultura familiar para incluir na merenda escolar. O agrônomo Euclides revelou que a primeira vez que a revista da EPAGRI publicou artigo sobre orgânico foi em 1994, cuja manchete de capa foi “A agricultura que não envenena”.  Foi somente em 1999 que de fato a EPAGRI publicou a primeira produção orgânica vegetal.

 Foi destacada pelo agrônomo a importância da adubação não sintética no cultivo orgânico. Comentou sobre instalação de biofertilizantes de manejo aeróbico, onde em oito dias já se tem um adubo altamente rico em nutrientes para as plantas. A criação de composteiras também se caracteriza como formas eficientíssimas de transformar resíduos orgânicos em adubos naturais. Por que o adubo orgânico se torna mais eficiente que o sintético? Segundo opinião do agrônomo, enquanto o sintético possuiu alguns nutrientes necessários às plantas, a adubação orgânica é completa, pois apresentam todos os nutrientes que a planta necessita.

Para concluir a apresentação, o agrônomo Euclides fez algumas aferições às pesquisas concluídas e em andamentos sobre cultivares orgânicas. Dentre as cultivares com maior envolvimento da Epagri estão as alfaces, com destaque a variedade Litorânea, que se adaptou muito bem e com boa produção durante os 12 meses do ano. Além da alface, a Epagri também pesquisou e desenvolveu sementes orgânicas de pepino, cenoura, repolho, brócolis, rúcula, tomate, aipim, batata doce.

No período vespertino, curtas experiências sustentáveis vinculadas a agroecologia foram abordadas, como agroturismo e agroecologia; plantas medicinais, bioativas e medicinais; flora apícola, etc. Para finalizar, uma mesa redonda foi montada oportunizando o público a fazer considerações e questionamentos aos palestrantes. Um dos assuntos que mais conflitou o debate foi acerca dos impactos dos agrotóxicos na atividade agroecológica.

O tema eleição também teve espaço no debate. O longo tempo sem a realização de concursos públicos para o preenchimento dos cargos vagos na EPAGRI é algo que preocupa os profissionais da empresa pública. Há fortes indícios que a epagri esteja na pauta de candidatos ao executivo estadual para ser privatizada, caso eleitos. Mais uma vez reitero a necessidade de manter a Epagri pública. Essa garantia depende do nosso voto no dia 02 de outubro próximo. Prestar bastante atenção nos programas de governo dos candidatos ao executivo é imprescindível. Não basta prestar atenção somente no executivo, o legislativo é tão ou mais importante que o posto de governador. Mudanças na estrutura de empresa, até mesmo a privatização terá que pela ALESC, com o voto da maioria.

Também esse alerta serve para as políticas públicas voltadas a agroecologia. Historicamente jamais a assembleia legislativa do estado obteve legislatura com maioria de parlamentares eleitos defendendo pautas sociais, ambientais, educacionais, agroecológicas. Acreditamos que nessa eleição poremos fim definitivo a esse ciclo vicioso de eleger deputados contrários aos interesses da agroecologia e da agricultura familiar.   

Prof. Jairo Cesa

 

 

 

       

                   

 

 

 

 

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