UM OLHAR ATENTO DE DENTRO E DE
FORA DE ISRAEL E TERRITÓRIOS PALESTINOS OCUPADOS
O quadro de instabilidade
política e social que se instalou tanto dentro como fora das fronteiras do
território israelense deve ser analisado considerando a importância geopolítica
regional. Desde o século XIX, o território é palco de ocupações e disputas,
patrocinadas por grandes potências interessadas principalmente nas reservas de
petróleo da região. Além dos episódios que marcaram o final do século XX como
as guerras do golfo, Iraque e Afeganistão, o século XXI, a região continuou
sobre forte tensão social, entrando no circuito dessa vez, países como a Síria,
que vive forte convulsão social, e Israel, que sob o guarda chuva protetor dos
EUA continua com sua política de ocupação e extermínio dos palestinos que
habitam a Cisjordânia e a Faixa de Gaza.
O problema na Faixa de Gaza como
nas demais cidades que juntas constituem o território palestino, os conflitos
que vem se seguindo datam da segunda metade do século XIX quando os judeus
espalhados pela Europa e Rússia, devido às políticas anti-semitas, passaram a
ocupar Israel constituindo colônias agrícolas. Antes da criação do Estado Judeu
em 1947, a região esteve sob o domínio do império Otomano e britânico, isso
proporcionou uma maior ou menor leva de emigrantes judeus para a região. Na
época dos otomanos, o território que estava sob o controle palestino, apenas 60
mil, dos 3.177 milhões de judeus se dirigiram
para palestina. Realidade que em nada se compara a época do domínio britânico, dos 1.750
milhão que emigraram, 487 mil se deslocaram para palestina.
Com o fim do domínio britânico da
região e com o holocausto do pós-guerra, a ONU intercedeu na região tomando
partido na partilha do território, fundando o estado judeu, sem consultar a
população árabe. O modo como foi dividido o território em nada agradou os
palestinos que ali habitavam há séculos. A partilha favoreceu escancaradamente
os judeus, com uma população muito menor que a palestina. As tensões entre os
dois povos a cada dia ficavam mais complicadas, cujo resultado foi a guerra dos
seis dias quando Israel incorporou a península do Sinai, faixa de gaza, a
Cisjordânia e as colinas de Golã, ao seu território.
Diante dessa situação vexaminosa
para os palestinos, surgiram movimentos tanto dentro como fora de Israel em
defesa da criação do estado palestino. Dentre o mais importante foi o FATAH,
partido criado pelo líder Yasser Arafat que defendia a luta armada contra os
israelenses. Em 1964, surgiu, portanto, a OLP (Organização de Libertação da
Palestina). Os impasses e as tentativas de negociações não avançavam. A
situação ficou ainda pior, quando em 1982 milicianos cristãos invadiram campos
de refugiados de Sabra e Chatila, matando cerca de duas mil pessoas. Segundo
informações confirmadas na época, o responsável pela abertura dos campos de
refugiado foi Ariel Sharon, que se tornaria mais tarde primeiro ministro de
Israel.
Durante a década de 1990 as
negociações que rumavam para um possível acordo que resultaria na criação de um
estado palestino, chancelado pelo presidente Ytzhak Rabin, voltaram a estaca
zero quando um extremista ultradireitista judeu assassinou Rabin. As revoltas
de palestinos se estenderam por toda parte, porém, por não possuir armamentos capazes
de combater em pé de igualdade com o exército israelense, como alternativa
utilizam pedras atirando-as contra os solados. Esse levante foi batizado de
Intifada, sendo a primeira ocorrida em 1987.
Na época quando estava se
discutindo a possibilidade da criação de um estado palestino, na verdade, tudo
não passou de um simples jogo de cena criado pelos israelenses para continuar
promovendo os assentamentos. Jamais foram colocadas em prática acordos como a
retirada de assentados de áreas palestinas. O que aconteceu e vem acontecendo é
o aperto do cerco, com o bloqueio das estradas e a construção de enormes muros
mantendo os palestinos confinados como se deu na faixa de gaza, uma área de
aproximadamente 400 km quadrados, onde cerca de dois milhões de pessoas vivem
em condições subumanas. Durante quase um mês a região foi alvo de ataques
aéreos israelenses, matando cerca de duas mil pessoas, na maioria crianças. O
objetivo da ação, segundo os israelenses, era destruir lideranças pertencentes
ao grupo armado Hamas, pró-estado palestino independente.
É claro que a quantidade de
fontes literárias disponíveis sobre
Israel e a palestina dão condições para se ter uma compreensão
satisfatória de toda a complexidade da região. No entanto, nada substitui uma
analise presencial dos fatos. Isso foi possível em 2014 quando visitei o país
três a quatro meses depois de terem cessados os ataques israelenses sobre a
faixa de gaza, com centenas de mortos. O território, hoje dominado militarmente
por Israel, é considerado o berço das três principais religiões monoteístas, o
judaísmo, o cristianismo e islamismo. A igreja do santo sepulcro, cristianismo;
a esplanada das mesquitas, Islamismo; e o muro das lamentações, judaísmo, ambos
estão situados em Jerusalém, território reivindicado tanto pelos judeus quanto
pelos palestinos como seus.
São milhões de pessoas que
visitam aquele território todos os anos, na sua maioria cristãos. O turismo,
portanto, é atualmente um dos principais agentes dinamizadores da economia,
principalmente dos territórios palestinos ocupados, a exemplo de Nazaré, Belém,
onde estão dois dos principais símbolos do cristianismo, a igreja da natividade
e a gruta onde Maria teria dado a luz a Jesus. Na época a quantidade de
turistas visitando esses espaços era pequeno, impactando violentamente a
economia desses territórios. Se o turismo é o meio de sobrevivência de parte da
população palestina, para a população israelense, o impacto desse setor é
ínfimo.
Transitando pela capital Tel Aviv
ou pelo interior do país é possível observar o dinamismo do povo judeu na área
tecnológica, principalmente no segmento agrícola totalmente informatizado.
Entretanto, toda essa pujança vem se moldando a partir de uma política de
pressão sobre os territórios palestinos. Era visível quando transitávamos pelas
rodovias da Cisjordânia a quantidade de edificações em construção de colonos judeus.
Pare se protegerem extensos e enormes muros estavam sendo erguidos. Para
acessar a cidade de Belém, todo o cidadão palestino deveria ser revistado,
exceto os judeus. Ultrapassando o portão, há cerca de duzentos metros do
local estava o escritório da ONU, que
prestava apoio a população palestina, principalmente na construção de novas
residências e a reconstrução daquelas destruídas pela guerra.
Em todos os lugares que passamos
a presença de soldados israelenses fortemente armados era uma constante. Havia
uma sensação de estar sendo vigiado a todo momento. Agora imaginamos viver numa
cidade rodeada por imensos muros, com câmaras de vigilância e soldados
entrincheirados, treinados para atirar a qualquer um que suspeitasse.
Embora Jerusalém seja conhecida
mundialmente por sua forte tradição religiosa, a cidade respira modernidade em
todos os cantos, muito parecida com as cidades ocidentais, como paris, Madri,
Roma, etc. Modernos metros, edifícios e automóveis dividem ruas e avenidas com
milhares de pessoas caminhando de um lado para o outro. Entrando na cidade
antiga de Jerusalém, para acessar aos ambientes históricos sagrados e famosos,
já se percebe, no portão, um clima de
apreensão. Uma longa fila é formada, onde cada cidadão tem de passar por
máquinas de raio xis e forte revista para entrar na área interna.
Postados em frente a um enorme
muro de concreto estavam centenas de pessoas, na maioria cidadãos israelenses trajados
com suas roupas tradicionais movimentando a cabeça e recitando em voz alta passagens do velho testamento. Bem acima do muro estava a esplanada das
mesquitas, lugar sagrado dos muçulmanos. Na realidade, de todos os lugares onde
os palestinos mais abominam a presença israelense é exatamente na esplanada onde
está a mesquita dourada, o segundo espaço mais sagrado depois de Meca.
Foi exatamente nesse ambiente o
epicentro dos últimos conflitos entre judeus e palestinos que se espalharam
rapidamente por todos os territórios ocupados. Na época, lembro que nas escadas
que levava a mesquita algumas senhoras gritavam palavras de ordem contra dois
ou três cidadãos israelenses que transitavam pelo local.
Conversando com o guia israelense
que nos acompanhava ele jamais lançou qualquer opinião de contrariedade ao governo
israelense. Dizia ele que afrouxar as políticas a favor dos palestinos seria
suicídio ao povo Judeu. A região
emancipada poderia atrair levas de extremistas anti semitas. É exatamente esse
o sentimento de milhões de israelenses quando o assunto é reconhecer os
territórios palestinos. Tanto o governo quanto os setores mais conservadores da
sociedade comungam com o mesmo pensamento, varrer do território todos os
palestinos.
O problema que nessa confusão
toda palestinos e israelenses não estão sozinhos. Milhares de mortes, feridos e
destruição das estruturas principalmente do lado palestino, o mais fraco,
poderia ser evitada. Na realidade, é impossível encarar o episódio como uma
guerra. Pois guerra geralmente as baixas são equivalente em ambos os lados. Em
2014 foram mais de 2000 mortos somente na Faixa de Gaza, enquanto os
israelenses tiveram pouco mais de 70.
O atual conflito que explodiu no
dia 4 de maio já registrou mais de uma centena de mortes de palestino e a
destruição de parte da infraestrutura de Gazza por bombardeios israelenses. Mas
aí muitos avaliam como correta a ação do governo de Israel pelo fato do
território judeu, como a capital Tel Aviv estarem sendo alvo de morteiros
lançados por grupos ligados ao Hamas, considerado, pelo ocidente, como entidade
terrorista. A justificativa de Israel
para exterminar os palestinos é exatamente essa atacar alvos onde se presume
estejam escondidos terroristas do Hamas. Para uma cidade que tem um território
tão diminuto, pouco maior que Araranguá,
com mais de dois milhões de habitantes, qualquer alvo atingindo por
bombas resulta em mortos e feridos de civis, principalmente de crianças. Isso
não é genocídio.
A ONU, entidade cujo compromisso
é esse negociar saídas para os conflitos no planeta, simplesmente vem se
omitindo ao terrível banho de sangue contra palestinos. E por que? A
resposta é simples, embora quase todas as nações do mundo tenham assentos na
entidade, apenas cinco estão aptos de aprovar ou vetar ações. Devido aos
estreitos vínculos dos Estados Unidos com Israel qualquer encontro que possa
ocorrer para discutir a situação, o veto desse país a alguma incursão contra os
israelenses já é garantido.
O que vem se observando também é certo
silêncio das autoridades palestinas, principalmente da autoridade máxima,
Mohmud Abbas. Há fortes indícios de divisão tanto dentro do governo quanto
entre os cidadãos palestinos quanto aos problemas na palestina. O grupo Hamas
se apresenta como um grupo ou partido político com forte representação e apoio
de expressiva parcela da população. No entanto é visto com certo ceticismo
pelas autoridades palestinas, com receio de numa eleição conquistar o poder.
Aqui está um dos motivos de não estar existindo eleições na palestina há quinze
anos. Pelo modo como o grupo Hamas vem atuando, acreditam as autoridades
palestinas, o poderoso exército insraelense varreria em poucas horas a
população palestina do território.
Enquanto isso o mundo acompanha
estarrecido as aberrações contra civis indefesos palestinos. Os mísseis
lançados pelo Hamas quase todos são interceptados pelos radares israelenses, onde
são destruídos por foguetes. Na capital Tel Aviv existem abrigos anti bombas.
Depois do acionamento das sirenes a população tem alguns segundo ou minutos
para buscar proteção nesses abrigos. Diferente da Faixa de Gaza onde nada disso
existe, nem escudo antimísseis muito menos abrigos. O pior de tudo é que a
população não tem saída, mar, terra e ar são controlado pela poderosa força
militar israelense. Agora imagine viver numa cidade sabendo que sua casa poder
a qualquer instante ser alvo de um foguete inimigo, a exemplo do que ocorreu
com o prédio de 12 andares em Gaza, que foi ao chão depois de um bombardeio
aéreo.
É exatamente isso que muitos
críticos relatam, uma guerra injusta, envolvendo Sansão e Golias. Não há dúvida que a única saída para esse
imbróglio será por meio da negociação. Quem intermediará? Historicamente os
países árabes sempre tomaram posição de cooperação mútua. Porém o que se
observa hoje é uma divisão entre os países árabes, muitos dos quais se aliando
as potencias ocidentais, como os Estados Unidos. O próprio Emirados Árabes
Unidos reativou relações diplomáticas com o Estado israelense.
A esperança, mais uma vez, de uma
possível negociação para o retorno da paz na região poderá vir do Egito, cujos
laços diplomáticos com Israel são satisfatórios. Mesmo que ocorra um cessar
foto na região, a tensão permanecerá latente. A permanência de Benjamin Natayahu a frente do governo de
Israel tenderá a intensificar os conflitos, devido ao apoio que recebe de
grupos radicais judeus, que não admitem qualquer negociação sobre os
territórios disputados. Somente com um governo mais moderado capaz de sentar
com lideranças palestinas para negociar a partilha do território é que a paz
poderá retornar aquela região e perdurar maior tempo.
Prof. Jairo Cesa