domingo, 22 de janeiro de 2023

 

A CULTURA DOS GOLPES E CONTRAGOLPES NO COTITIANO DA POLITICA BRASILEIRO

Experiências de regimes republicanos associados com sufrágios eleitorais universais são ainda recentes nas sociedades ocidentais, quiçá na América latina e caribe. A Grécia, por exemplo, guardada todas as suas proporções foi a sociedade que viveu a primeira experiência de um regime cujas decisões eram advindas dos “cidadãos”, incipiente fração abastada da população grega. La legitimou as bases teóricas e filosóficas que poria fim antiguidade e o nascimento da modernidade ocidental.

A Revolução Francesa em 1789que se consolidou com a queda da bastilha, símbolo da monarquia absolutista, abriu caminho para que a burguesia francesa e europeia assumisse o controle institucional dos Estados fundamentados a partir dos ideais positivistas de liberdade, igualdade e fraternidade. Figuras como Robespierre, Diderot, Montesquieu, Voltaire, entre outros, foram os precursores dessa utopia política revolucionaria que deixou para traz tudo oque representasse o atraso, o arcaico.

Enquanto França, Estados Unidos, no final do século XVIII passavam por experiências republicanas por meio da divisão dos poderes entre o executivo, o legislativo e o judiciário, a América Latina durante o século XIX viveu seu surto revolucionário, muitas das quais envolvidas em guerra violentas contra os dominadores espanhóis. O Brasil, no entanto, além de ser um dos últimos a conquistar a sua independência da metrópole Portuguesa, também foi um dos últimos a proclamar a Republica, claro que, de praxe, protagonizado pelos militares através de golpe.

Embora livre das interferências da corte portuguesa a partir de 1822, data da independência, tudo no Brasil permaneceu como dantes no Quartel d’Abrantes, um rei com uma corte parasitaria e um parlamento a serviço dos interesses de uma elite agrária sanguessuga. Quem acreditava que todo esse imbróglio administrativo repleto de vícios históricos teria fim com a República proclamada em 1889, deve ter ficado muito decepcionado.

Incrível foi que os vícios eleitorais e administrativos seriam repetidos, sem trégua e com maior   robustez após essa data. O fato e que tudo mudou para que tudo permanecesse inalterado como acontece em todas as republiquetas. Mesmo tendo um governo republicano eleito por sufrágio universal o poder dos governantes se estendia ate os limites permitidos pelas elites agrárias. O povo brasileiro, constituído por milhões de analfabetos, semianalfabetos, sem o mínimo de compreensão dos conceitos de republica e democracia permaneciam marginalizados, vivendo o dia a dia da simplicidade em seus redutos governados por coronelatos medíocres e suas gangues assassinas. Claro que toda essa estrutura havia de ser ratificadas pelo voto e demais instituições, principalmente o judiciário.

Era assim mesmo, a eleição do prefeito, do vereador, do governador, passava em primeiro lugar pelo crivo dos coronéis e de suas gangues de jagunços fortemente armados. Mas não há relatos de que tenham invadido prefeituras, câmaras municipais e sede de comarcas e provocado vandalismo. Geralmente o empossado ao cargo de prefeito não era exatamente aquele que constava na ata eleitoral, e sim o candidato derrotando, pois o que valia mesmo era o mandonismo dos coronéis. Na realidade o que se notava era de se estar vivendo na época em uma republiqueta de um viés provinciano mais rebaixado possível em termos de atraso social. Mesmo existindo as leis, as instituições, quem as faziam e aplicavam sabiam que de fato não exerciam qualquer impacto considerável no cotidiano do povo vivendo nos rincões brasileiros. O que reinava mesmo era o poder incondicional da cruz e da ponta da espada.

O judiciário, guardião dos preceitos republicanos agia a reboque das milícias dos coronéis, subcoroneis, decidindo como cada mortal havia de se comportar, ressalvando os “bem nascidos”, protegidos pelo poder das togas, dos tribunais que movimentavam as peças do tabuleiro conforme o grupo de comando que estava a frente dos municípios. Sobre o escrutínio universal, ocorreu uma curta pausa durante a era Vargas, de 1930-1945 onde sem as eleições de “bico de pena” nos municípios, o procedimento adotado agora foi o do QI, Quem Indica, atribuição dos intendentes estaduais. Pouca coisa mudou, pois nos estados o mandonismo das oligarquias permaneceu, pois eram os chefões dessas castas que decidiam o destino nas instâncias menores, os municípios, transformados em gangorras administrativas. A sorte de permanência no cargo dos chefetes locais seguia a mesma lógica de quem estava no posto de intendente estadual.

A redemocratização do Brasil pós Vargas não conseguiu erradicar os vícios seculares do patriarcalismo selvagem que permanecia incólume nos interstícios de toda a malha republicana. De fato a redemocratização não impediu sucessivas praticas golpistas que assombravam a população brasileira. A segunda participação de Vargas no posto de presidente da republica, sua eleição foi recheada de expectativas de que não haveria a homologação da sua posse. Na década de 194 a oposição a Vargas foi acirrada com a criação do partido da UDN, tendo como líder supremo Carlos Lacerda.

A tentativa de assassinato contra Lacerda por um integrante da guarda de Vargas desencadeou forte tensão institucional e o resultado foi o suicídio de Getúlio Vargas. Apoiadores do presidente morto saíram as ruas protestando e perseguindo opositores, alegando ter sido eles os responsáveis indiretos a ação violenta praticada pelo presidente.  Assumindo o posto de presidente, o vice Café filho adotou estratégia de conciliação, ou seja, oferecer a UDN vários postos dentro do governo para garantir a governabilidade.

A tentativa da oposição nesse ínterim era inviabilizar as eleições de 1955, pois imaginavam que o PSD PTB não representava os seus interesses. O fato que mais aterrorizou a oposição foi quando souberam que o candidato a vice na chapa de JK seria João Goulart, do PTB. Eleito com 36% dos votos, a chapa PSD PTB sofreu forte reação da UDN admitindo que os eleitos eram considerados comunistas. Estava em curso, portanto, outra tentativa de golpe de Estado, que foi frustrada graças a participação do general Henrique Lott que promoveu um contragolpe ou golpe preventivo, atitude que garantiria a posse dos candidatos eleitos.

Além de ocupar os postos chaves do governo federal no Rio de Janeiro, Lott depôs o governo interino de Carlos Luz, que havia assumido por algum tempo a vaga deixada por Getúlio Vargas. Nesse vácuo administrativo que se abateu sobre o executivo nacional, por poucos dias, o posto de presidente foi ocupado pelo senador catarinense Nereu Ramos. Repassando outra vez o posto de presidente ao congresso, café filho lançou outra tentativa de reassumir a presidência, sendo barrado pelos congressistas. Desde então o Brasil foi governado em estado de sitio ate 31 de janeiro de 1956 quando foi finalmente homologada a posse de JK.

A onda golpista não se encerrou com a posse de Jucelino Kubitschek, nas eleições posteriores quando as urnas sagraram Jânio Quadros vitorioso para o quadriênio 1961 1965 a ameaça golpista ressurge no instante que o presidente eleito renuncia nove meses depois da posse. Os motivos do ato inesperado foram diversos, mas cabe destacar um deles que foram suas posições polêmicas, controvertidas, que desagradaram parte significativa de seus apoiadores, bem como de importantes lideranças da UDN. Diante da renuncia de Jânio Quadros, a vaga de presidente seria naturalmente ocupada pelo vice, João Goulart. Aqui deu inicio a todo um movimento articulado pela direita brasileira e forças externas na tentativa de impedir que Goulart assumisse o cargo de presidente.

A justificativa, uma delas e claro, era de que Goulart possuía vínculos com o comunismo, atitude que poria em pratica, no cargo de presidente, de uma extensa e radical agenda de reformas de base, dentre elas a reforma agrária. Foi graças, portanto, da participação atuante de Brizola, na época governador do Rio Grande do Sul, entre outros apoiadores, que fizeram com que fosse respeitada a constituição brasileira, impedindo a ocorrência de um golpe que certamente resultaria em guerra civil.

Houve ate ameaças por parte das forças armadas, sediada no estado gaúcho, de bombardear Porto Alegre, se Brizola continuasse insistindo na posse de Jango. Como forma de neutralizar o ato golpista, Brizola aceitou a proposta dos militares de permitir que Jango assumisse, porém, com restrição de poderes. A ideia era a instalação do parlamentarismo, que teve curta duração. O retorno ao presidencialismo se deu por meio de plebiscito, fato que restaurou os poderes do presidente na execução do seu plano de reformas estruturantes.  Tanto o parlamentarismo quanto o presidencialismo, ambos não foram suficientes para conter as crises envolvendo o governo Jango, chegando ao seu ápice nos primeiros meses de 1964 quando os militares, ajudados pela CIA e pela extrema direita, finalmente tiraram Jango da presidência através de um golpe bem sucedido.

Muitos devem ter percebido que vai e volta, a caserna ressurge das entranhas e toma de assalto o controle do ainda embrionário Estado republicano brasileiro? Desde o fim da era Vargas e a redemocratização brasileira nenhum dos governos eleitos tiveram tranquilidade nas suas gestões, sempre ameaçados por golpistas de plantão.  De fato, tivemos uma longa história forjada por regimes senhoriais, latifundiários que se tornaram como tal pela violência, escravidão, e protegidos pelos sistemas cartoriais. Há de convir que tais características abomináveis como a da subjugação das massas ainda estão latentes no inconsciente coletivo das novas elites.

Durante os vinte anos de regime militar os processos sucessórios dos generais ao posto de presidente/comandante não foram tão harmônicos como poderia se imaginar. Ocorreram disputas e fissuras entre os generais, motivadas por discordâncias no modo como deveria ser conduzido o estado brasileiro. Uma das crises mais contundentes ocorreu já nos momentos finais do regime, reunindo de um lado o grupo liderado pelo General Ernesto Geisel e do outro, o general Silvio Frota.

O motivo do impasse se deu pelo fato da sucessão de Geisel a presidência, cujo nome pretendido era o General João Batista de Figueiredo, o mais indicado para dar inicio ao processo de abertura política controlada. O grupo liderado pelo General Silvio frota, discordava dessa postura, pois como seus parceiros de fardas defendiam o retardamento da abertura política. Havendo tentativa de invasão da sede do governo para derrubar Geisel, sem sucesso, o processo sucessório ocorreu com a posse de João Batista de Figueiredo. Considerado um militar durão, Figueiredo cumpriu com o plano de transição segura e controlada para o regime civil.

Sem grandes estardalhaços, os militares entregaram o governo aos civis. O fato e que os mesmos que atuaram durante o regime de ferro ocuparam cargos nos governos civis sem qualquer risco de responderem pelos crimes cometidos. Igual condição foi dada aos militares, que graças as anistias concedidas, se livraram de sentarem no banco dos réus e sentenciados por todas a barbaridades praticadas contra opositores do regime. E muito provável que a não punição dos militares golpistas, diferente do que aconteceu na Argentina onde muitos foram sentenciados a prisão perpetua, tenha servido de salvo conduto para novas incursões golpistas no futuro.

Se a justiça fosse aplicada com severidade aos militares torturadores, assassinos e outros tantos crimes como de insubordinação, certamente não teríamos experimentado outras tentativas golpistas fracassadas como o que ocorreu no dia 9 de janeiro de 2023. A chegada de um ex-capitão do exército ao cargo de presidente da republica, expulso da corporação por insubordinação, demonstrou que o currículo ou histórico de vida de quem vai presidir um cargo tão importante como de presidente, pouco impacto tem. Tendo sido capitão do exercito com especialidade em paraquedismo, Bolsonaro foi responsabilizado por fazer criticas as forças armadas devido aos baixos recebidos. Porém o fato que mais impactou sua carreira foi de ter sido acusado de arquitetar plano com bombas para explodir os quartéis no rio de janeiro.

Foi eleito vereador para o Rio de Janeiro em 1988, saindo mais tarde do cargo em 1989 para assumir o posto de deputado federal, ficando ate 2019 quando se tornaria presidente da republica. Votou a favor do impeachment de Collor em 1992, sendo também um ferrenho defensor do voto eletrônico, pois afirmava na época ser o meio mais seguro de tornar as eleições limpas. Como deputado federal por mais de trinta anos, constam apenas dois projetos aprovados, sendo eles a redução de IPI para produtos de informática e o segundo que autorizava o uso de fosfoetanolamina, para o tratamento do câncer. Produto considerado sem eficácia para o tratamento do câncer.

Incrível aqui e que algumas de suas bizarrices como a tentativa de explosão dos quartéis e a indicação de medicamentos sem eficácia para o tratamento de certas doenças como a do câncer, também se repetiram no seu paranoico e trágico governo. O pior e que tais maluquices fez sair do “armário” uma legião de seguidores psicóticos que passaram a considerá-lo como um redentor, uma espécie de mito factoide, um tipo de personagem protagonista de histórias em quadrinho de terror. Desde que assumiu o governo em 2020passou a colecionar uma gama de absurdos administrativos, começando pelas escolhas dos nomes para compor os ministérios, muitos dos quais, os da educação e meio ambiente, por exemplos, se mínimo de capacidade a altura recomendada para os cargos.

A militarização do seu governo foi o que deu tom para a sua administração. A pandemia do COVID 19 e a sua aloprada gestão, sem dúvida foi o fato que fez cair a ficha de milhares de eleitores e de apoiadores do Bolsonaro acerca dos erros que cometeram em 2019 quando para ele votaram para presidente da republica. Acredita se que quase a metade das mortes advindas do COVID poderia ter sido evitada se a postura do presidente, do ministério da saúde, entre outros órgãos, não fosse tão atabalhoadas. Lembram do projeto de lei aprovado na câmara de autoria de Bolsonaro quando deputado, autorizando o uso de um medicamento para o tratamento do câncer, sem comprovação cientifica? Pois e, dessa vez foi o caso da Cloroquina, também sem comprovação de eficácia pela ANVISA, para o tratamento da COVID.

Já chegando ao final do seu mandato, Bolsonaro passou a investir todas as suas fichas na reeleição. Entretanto teria que vencer o seu adversário, o experiente e carismático ex sindicalista e duas vezes presidente da republica, Lula. Sempre ameaçando as instituições e dando a entender que não haveria eleições, pois daria um golpe antes, tanto no primeiro quanto no segundo turno a vitória foi de Lula nas urnas. Com os resultados adversos, os bolsonaristas não se conformavam, passaram então articular estratégias para provocar o caos institucional e impedir a posse de Lula.

A participação dos grupos envolvidos na transição de apresentaram relatório confirmando a bagunça generalizada na foi a atabalhoada gestão Bolsonaro. Antes da posse, milhares de apoiadores do ex presidente ocuparam a frente dos quartéis em todo Brasil. Outros grupos como dos caminhoneiros promoveram o fechamento de dezenas de trechos de rodovias federais. Mesmo com todo um clima de ameaças a posse de Lula, o ritual se concretizou em primeiro de janeiro. Acontece que dias que antecederam a posse o presidente Bolsonaro viajou para Miami, nos EUA, não participando, como de praxe, da passagem da faixa presidencial ao novo presidente.

Na véspera do natal, 24 de dezembro, um lunático cidadão bolsonarista foi preso nas imediações do aeroporto de Brasília por ter instalado bombas em caminhão tanque cujo objetivo era explodir o aeroporto. A prisão desse terrorista, a ocupação das frentes dos quartéis e o fechamento de trechos de rodovias davam sinais de que algo pior estava sendo arquitetado, como de um possível golpe de Estado.

Dito e feito, nove de janeiro, um domingo a tarde milhares de insanos golpistas chegaram de todas as partes do Brasil a capital federal e foram escoltados pela policia do DF ata as esplanadas dos ministérios. De repente como cães selvagens, as hordas ensandecidas deram inicio as invasões de depredações do congresso nacional, do STF e o palácio do planalto. A intenção era bem clara, provocar o caos, tomar as sedes dessas instituições e, partindo de la, estimular seus apoiadores a fazerem o mesmo em todo o território nacional, ocupando as prefeituras, câmaras de vereadores, fóruns municipais, entre outros importantes espaços de poder.

Demorou algum tempo, mas a volúpia dos terroristas foi contida pela força policial, sendo centenas destes presos e levados diretamente para a penitenciaria da Papuda e da Colmeia, sendo essa última destinada as mulheres. A decisão da imediata decretação de intervenção federal da segurança publica do DF retirou todos os poderes do governador do distrito federal no controle e já descontrolado sistema de segurança publica Dias depois ao fracassado golpe de Estado, o STF decidiu pela saída de Ibaneis Rocha do posto de governador do Distrito Federal por noventa dias, alegando ser possível facilitador, junto com o seu secretario de segurança, dos atos golpistas no DF.

O que e mais insano no que acorreu foi que ter sido toda baderna praticada na explanada dos ministérios registrada pelos próprios terroristas com seus celulares. A sensação era de que os fatos estavam sendo acompanhados e respaldados pelos seus seguidores pelas redes sociais. A explanada dos ministérios e o local onde estão os prédios mais simbólicos da republica brasileira. Além de sua importância simbólica no campo político, tem também sua importância histórica e cultural.

Em nenhuma parte do mundo se tem noticias de que hordas de arruaceiros cegados pelo ódio tenham invadido espaços como os três poderes no Distrito Federal depredando literalmente acultura material e imaterial de toda uma sociedade. Cabe lembrar que o Distrito Federal e como as pirâmides do Egito ou o imponente santuário arquitetônico de Machu Picchu, no Peru, ambos, patrimônios da humanidade. Destruir esses símbolos e como apagar a memória de um povo. Ficamos nos imaginando o que passa na memória de pessoas que invadem o congresso nacional, a sede executiva e o STF, destruindo tudo o que encontram pela frente.

Fico eu aqui pensando, como professor de história e talvez outros milhares de colegas historiadores, sociólogos, filósofos, etc, espalhados pelo Brasil, onde foi que erramos quando abordamos nas escolas temas como ditaduras, fascismo, nazismo, república, democracia, etc, etc? Cada individuo que esteve naquele trágico 9 de janeiro de 2023 nas esplanadas dos ministérios e cometido aquelas barbaridades transmitidas por suas   redes sociais não imaginou que estava cavando a sua própria cova condenatória.

Qual a justificativa que os terroristas presos darão para os seus filhos, netos e as futuras gerações, que o motivo de ter destruído o mobiliário, o vasto acervo de peças cerâmicas, esculturas e pinturas, como o quadro “As Mulatas” de Di Cavalcanti foi o insano desejo de gerar o caos e promover o golpe de Estado. Devemos permanecer vigilantes para que tudo o que aconteceu não seja interpretado como ensaios para algo pior no futuro.

Prof. Jairo Cesa

 

 

 

 

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

 

PODER PÚBLICO DE ARARANGUÁ E AS POLITICAS ANTIAMBIENTAIS PARA O DESENVOLVIMENTO  SUSTENTÁVEL DO MUNICÍPIO

Nesse primeiro dia do mês de janeiro de 2023 pensei em um tema para abordar que pudesse ser relevante e que provocasse o interesse dos leitores. Imaginei escrever sobre a educação na perspectiva do novo chefe do executivo federal ou na viagem/fuga de Bolsonaro para os EUA dois dias antes de encerrar o seu mandato, mas decidir focar no tema que tenho predileção, a questão ambiental do município de Araranguá. Desde que assumiu o posto de prefeito do município, o chefe do executivo vem afirmando que vai concentrar todos os esforços no turismo como um dos principais vetores para o “desenvolvimento sustentável” do município.

Entretanto, nos dois anos que está à frente da administração vem adotando uma política de “passar a boiada” no que se refere às resoluções e normatizações ambientais criadas para disciplinar as ocupações em toda a extensão da faixa costeira que contempla o projeto orla.  Um dos primeiros atos de sua administração foi suprimir o decreto que criou a APA (Área de Proteção Ambiental) no Morro dos Conventos e reduzir a área de abrangência do MONA-UC (Monumento Natural Unidade de Conservação), também criada por decreto em 2016. A construção do polêmico DEC na orla central do balneário também rendeu severas críticas à administração pelo fato de desconsiderar resoluções ambientais sobre ocupações em áreas de APPs marinhas.

 Em dezembro de 2021 em inspeção realizada no balneário com a participação do MPF e Polícia Ambiental, além de outros órgãos, foram detectadas falhas no projeto de execução do DEC, que deveriam ser ajustadas seguindo as legislações vigentes.  Segundo o MPF os estaqueamentos já fixados sobre as dunas frontais para acomodar a estrutura do DEC deveriam ser desmanchados para evitar prejuízos às dunas frontais. A decisão, portanto era para que os equipamentos de madeiras fossem recuados e instalados sobre o estacionamento lá existente. Uma onde de acusações, de críticas e difamações foi desferida contra ambientalistas, moradores defensores do meio ambiente e ao MPF, alegando que ambos conspiravam contra a administração e o desenvolvimento do balneário.

Foto - Jairo


Foto - Jairo

Mesmo com a tentativa de criminalizar o MPF e a entidade ambiental do Morro dos Conventos, a administração teve que refazer o projeto e executá-lo fora da área de APP. Depois de concluído, novamente a administração foi notificada pelo órgão federal para que promovesse novo reparo no DEC, suprimindo uma das passarelas de acesso a praia e de estrutura construída em frente de um empreendimento particular. A edificação de dois mirantes nas imediações do farol do Morro também motivou criticas contra o poder público. Uns dos fatores das críticas foram a supressão da vegetação nativa na borda da paleofalésia, bem como a fixação das pilastras de um dos mirantes sobre a rocha onde fendas foram avistadas por geólogos com riscos de desmoronamentos.  Mesmo diante dos alertas o projeto foi executado. 







A onda de ações antiambientais não cessou na obra do mirante. Um pequeno deslizamento de rocha ocorrido no corte da falésia que dá passagem a orla do balneário fez com que o poder publica autorizasse a supressão sumária de toda a vegetação fixadora das bordas laterais daquele ponto.  Além de fixadora da rocha, as copas das árvores serviam como amortecedor das chuvas quando precipitadas em grandes volumes, índices esses cada vez mais frequentes ultimamente, basta observar o mapa pluviométrico da região para confirmar. Sem as árvores fixadoras e somadas com as edificações rentes a borda do morro, ambas se tornaram ingredientes adicionais para a instabilidade de toda a estrutura.






A pequena erosão no corte do morro foi o fator determinante para que a administração colocasse em pratica o plano de abertura da estrada entre o Paiquerê e o Balneário. A justificativa pela a liberação da obra do trecho se baseou no princípio da utilidade pública. O estranho é que tudo foi decidido muito rápido. No documento final do projeto orla, o PGI, há dispositivos recomendando que o município realizasse estudos ambientais para avaliar o corte menos impactante ao meio ambiente. Além do mais há recomendações adicionais para que se faça o EIA-RIMA e audiência pública. Foi recomendada também a captura e remoção do local os tuco-tucos, que são pequenos roedores endêmicos em toda a faixa costeira.



É importante esclarecer que no relatório conclusivo do Projeto Orla onde foram elencadas centenas de demandas relativas ao PGI, há um dispositivo que discorre sobre a abertura dessa estrada. No entanto, o que foi aprovado em comum acordo entre as dezenas de entidades participantes no projeto, era de que o poder público faria estudos de viabilidade técnica e ambiental nos três virtuais acessos de ligação das duas praias. Considerando o que foi dito pelo gestor publico de Araranguá durante o encontro com o MPF ocorrido em dezembro de 2021 no Balneário, apenas um trecho seria passivo de estudos, o da beira mar, como de fato aconteceu.



A alegação do prefeito para abertura da rua naquele traçado era de que no passado havia uma estrada e que deveria ser novamente revitalizada. De fato existia uma estrada, porém em pouco tempo o transito de automóveis e pessoas ficaram inviabilizados. As dunas frontais rapidamente tomaram toda a estrada e com o agravante, os dois arroios que escoam as águas do lago dourado e lago do frango ao oceano, que foram soterrados para a construção da estrada, ambos foram completamente erodidos com as ressacas e as fortes chuvas.




Vídeos produzidos há dois ou três anos dos efeitos das ressacas junto a desembocadura do córrego no paiquere mostram que a força das águas do oceano irá romper com facilidade toda a barreira de areia e pedra da rua aberta. Se fosse eu integrante dos órgãos ambientais encarregados pelo licenciamento desse trecho no Morro dos Conventos, dificilmente o deferiria se tivesse acesso aos vídeos e fotos de episódios climáticos extremos como de ressacas mais frequentes e violentas a cada momento. A justificativa por mim apresentada à negação da licença seria fundamentada no princípio da precaução.







Como não tenho poder para impedir tal irresponsabilidade ambiental, o órgão que se encarregou para autorizar a abertura da rua foi o IMA (Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina). O documento de n. 5851 foi expedido em 06 de setembro de 2022 denominado Licença Ambiental Prévia, com dispensa de licença ambiental de instalação. Quando se trata de dispensa de licença ambiental de instalação, se subtende, por ser de utilidade pública, isenta o empreendedor de laudos adicionais ambientais como EIA - Estudos de Impactos Ambientais. O caso em questão, ou seja, a abertura da rua, mesmo sabendo que é de interesse público não deveria ser dispensado o EIA-RIMA, devido a complexidade ambiental do trecho. Se, hipoteticamente, o EIA fosse de fato realizado muito provavelmente o projeto seria abortado por revelar-se altamente impactante.

No documento expedido pelo IMA, na página sobre Controles Ambientais, vale aqui destacar o item 2.3 que traz a seguinte redação: “devem ser observadas as movimentações do solo e os controles ambientais pertinentes para evitar processos erosivos, especialmente nos locais próximos a recursos hídricos, naturais”. Observando o vídeo de uma recente ressaca que se abateu na orla do município, a força e pressão da água do oceano, caso se repita com menos ou mais intensidade, toda a estrutura ou barreira construída sofrerá fortes erosões com enormes prejuízos ambientais e financeiros.







Portanto, o principio da precaução deveria ser considerado nesse caso em específico. Se o problema é criar um caminho alternativo à Rua Caxias, considerado o único canal de acesso á orla do balneário, na hipótese de haver queda de barreira no trecho do hotel, como solução menos impactante ambientalmente e de baixo custo financeiro seria a abertura provisória para veículos, o trecho da orla entre o Morro ao Paiquerê, como já ocorreu diversas vezes. No mês de agosto de 2022 a Comissão Técnica Estadual do Projeto Orla encaminhou relatório contendo analise e parecer do Plano de Gestão Integrada da Orla Marítima de Araranguá. No parecer a comissão recomendou que o município revogasse os decretos que suprimiram o decreto 7.828/2016 que criou a APA (Área de Proteção Ambiental) e parcialmente o decreto 7.829/2016, do MONA (Monumento Natural), cuja área de abrangência foi substancialmente reduzida, passando de 280 ha, para 109 ha de área protegida.

Foi por meio da flexibilização do decreto do MONA que, de certo modo, assegurou ao poder público a viabilização de obras como dos dois mirantes nas imediações do farol. A supressão de vegetação nativa na borda da paleofalésia para a contemplação do oceano seria passivo de denúncia crime ao meio ambiente junto aos órgãos ambientais responsáveis. A ação delituosa do poder público contra o meio ambiente não findou com o corte da vegetação no entorno do farol. No final de novembro de 2022, o poder público municipal realizou podas e cortes de árvores nativas nas laterais da rua Criciúma que dá acesso ao farol.

Tal ação criminosa resultou em denúncia crime protocolada no fórum da comarca de Araranguá. Um dos argumentos que justificou a ação da denúncia foi de para promover podas é necessário o cumprimento de protocolos legais. Normalmente os meses recomendados para esses serviços na nossa região são os meses de maio, junho e julho. Em hipótese alguma essa pratica é permitida no mês de novembro, exceto em caráter emergencial e de utilidade pública, cujo caso em tela não é contemplado. E por que não o mês de novembro? Novembro, dezembro, janeiro e fevereiro são meses de acasalamento e reprodução da complexa fauna do Balneário Morro dos Conventos, principalmente de aves. 

No último dia do ano de 2022 o poder público de Araranguá instalou nas bordas da falésia do parapente baterias de explosivos para serem detonadas na noite do réveillon. Imagine detonar explosivos altamente ruidosos exatamente onde jamais se imagina acontecer, sobre o paredão da peleofalésia. Não sou hipócrita eu gosto e me impressionam com as estéticas produzidas pelas luzes dos fogos. O fato é que municípios brasileiros vêm substituindo a queima de fogos sonoros por equipamentos de baixo ruído como medida para proteger crianças com espectro de autismo e animais que são sensíveis ao barulho. Os fogos detonados na orla do Morro em anos anteriores os impactos ao ecossistema já se mostravam enormes, imaginem agora sendo detonados sobre a borda do paredão do Morro dos Conventos?

Por cerca de 10 minutos mais ou menos centenas de fogos com sonoridade altamente ruidosa foram detonados. É preciso urgentemente que o poder público, ministério público e outros órgãos competentes revejam essa pratica festiva danosa ao ambiente no Morro dos Conventos. Quantos pássaros, quantos mamíferos e outras espécies da fauna abandonaram os ninhos e não mais retornaram.

Prof. Jairo Cesa