terça-feira, 30 de maio de 2023

 

STF DECIDIRÁ DIA 07 DE JUNHO A VALIDADE OU NÃO DO MARCO TEMPORAL SOBRE TERRAS INDÍGENAS

Há cerca de uma semana da retomada do julgamento do recurso extraordinário sobre o Marco Temporal dos territórios indígenas no STF (Supremo Tribunal Federal), o presidente da câmara dos deputados em caráter de urgência desengavetou o PL 490/2007 que dispõe sobre alteração do estatuto jurídico das terras indígenas, que condicionará a demarcação de terras à presença física dos mesmos até 05 de outubro de 1988, data da promulgação da CF. Na realidade a intenção da Câmara Federal, constituída na sua maioria de parlamentares que representam segmentos do agronegócio e do grande capital é tentar tumultuar ou confundir a votação no STF, marcada para reiniciar no dia 07 de junho próximo.

Acredita-se que mesmo o PL sendo aprovado na câmara, que depois terá que passar pelo crivo do senado, não irá mudar o voto dos juízes que tiveram quase dois anos para decidirem manter ou discordar a tese. É pouco provável que a corte se posicionará pela manutenção do marco temporal. É sabido que muitos povos originários foram expulsos de suas terras por atos violentos, que há décadas esperam pela decisão dos governos pelas suas demarcações. Outro detalhe importante, áreas indígenas se constitui em clausula pétrea, que integra o bloco de direitos e garantias constitucionais, não podendo sequer ser objeto de emenda constitucional.  

Era de se imaginar que assumindo o governo, Lula agilizaria demandas históricas importantes como demarcações de terras indígenas e a reforma agrária. Nem uma nem outra estão sendo viabilizadas. O agravante nisso é que ministérios como do meio ambiente e dos povos indígenas estão sendo esvaziados por meio de votações mistas do congresso nacional. A transferência de importantes atribuições como a que trata sobre o CAR (Cadastro Ambiental Rural), para o ministério da agricultura, é vista como extremamente delicada na proteção das florestas. Já em relação ao ministério dos povos indígenas, temas como demarcações de territórios indígenas passam a ser atribuições do ministério da justiça.

O modo como foi configurado o atual governo, com vários ministérios distribuídos a partidos antes aliados ao ex-presidente Bolsonaro, se tornará muito difícil a execução de demandas sociais prometidas durante a campanha eleitoral. A própria aprovação arcabouço fiscal que afetará profundamente o serviço público é uma demonstração cabal de como a gestão lula ficou refém a setores bolsonaristas só para garantir a governabilidade.

A CPI criada para investigar ocupações de terras pelo MST é outro instrumento articulado pelos parlamentares bolsonaristas para fragilizar ainda mais o atual governo. A reação se setores do governo como do próprio ministério da agricultura criticando os atos praticados pelo movimento já demonstrou existir certa crise institucional entre os dirigentes do MST e o governo Lula. A tendência, portanto, é o agravamento desse desgaste caso o governo Lula não modifique os rumos do seu governo. A própria postura a favor do marco por parte significativa dos integrantes dos nove partidos que compõem a base de apoio do atual governo expressa um cenário politicamente turbulento em pastas delicadas como o meio ambiente e dos povos indígenas.

É muito difícil prever a permanência até o fim do mandato do governo lula das ministras Sônia Guajajara e Marina Silva. Ou o governo Lula vira a mesa rompendo definitivamente com essa base de apoio fisiologista, mercenário, alojado no seu governo e no congresso nacional, chamando o povo para governar, ou mais uma vez será responsabilizado por trilhar o caminho para que forças extremistas ultraconservadoras venha assumir o comando do Brasil. 

Para ter noção da força conservadora que é hoje o congresso nacional, na votação da PL 490/2007, no dia 30 de junho, 283 votos foram a favor e 155 contra. Essa aprovação apregoa que, pasmem, na hipótese de haver alterações dos traços culturais das comunidades que ocupam esses espaços poderão as terras serem tomadas pelo poder púbico e encaminhadas ao sistema de reforma agrária. A pergunta é quem farão as investigações, quais critérios a serem aplicados, para saber se tais povos indígenas  tiveram ou não  mudanças nos seus costumes? Reitero aqui que sobre o tema em debate na câmara dos deputados há dois outros textos escritos por mim em 2021 quando o assunto teve repercussão nacional decorrente do início das votações no STF.

Prof. Jairo Cesa

1- A POLÊMICA SOBRE O MARCO TEMPORAL QUE PODERÁ INTENSIFICAR A VIOLÊNCIA ENTRE INDÍGENAS E NÃO INDÍGENAS 

https://www.blogger.com/blog/post/edit/8334622275182680372/4938348461787263994

2- A PL 490/2007 QUE LEVERÁ AO EXTERMINIO OS REMANENESCENTES INDÍGENAS QUE HABITAM O BRASIL

 https://www.blogger.com/blog/post/edit/8334622275182680372/9165948766678585104

   

            

domingo, 28 de maio de 2023

 

COMO COMPREENDER O RACISMO TRILHANDO OS LABIRINTOS OBSCUROS DO CÉREBRO HUMANO

O episódio de racismo envolvendo o jogador de futebol do Real Madri, Vinícius Júnior, por torcedores do Valência no campeonato espanhol não foi um caso isolado nesse esporte e em outras modalidades esportivas. O caso veio a tona e teve repercussões globais pelo fato de se tratar de um jogador famoso e por ter enfrentado dirigentes do clube e da liga espanhol que procuraram colocar panos quentes no terrível fato. Não é de hoje que vemos cenas desse tipo em outras ligas futebolísticas europeias quando torcedores jogam bananas no campo, gritam ou  fazem performance imitando um macaco.

Na história  todos sabemos que o racismo não somente contra negros, mas judeus foi responsável por acontecimentos horripilantes como o holocausto alemão, quando mais de seis milhões de judeus foram mortos pelo nazismo. Nos Estados Unidos, há bem pouco tempo foram criadas legislações que garantem aos negros direitos iguais aos brancos. Entretanto, isso não significa que o racismo contra negros e de outras etnias como latinos, asiáticos, tenham desaparecido. São frequentes os episódios de segregação como a morte por asfixia de George Floyd por policiais brancos há cerca de dois anos.

A áfrica do sul é outro país emblemático quando o assunto é segregação. Por quase três décadas o país viveu sob o regime da apartheid, onde negros eram segregados de direitos e tratados como sujeitos inferiorizados perante aos demais. Nelson Mandela, líder da resistência contra a apartheid, se configurou como um símbolo da ruptura desse regime racista, porém até hoje parcela significativa da população do país ainda vive os fantasmas desse regime perverso. Não há dúvida que existem outros casos semelhantes de racismo e apartheid espalhados pelos quatros cantos do planeta.  

Mas voltando ao caso do jogador do Real Madrid, a pergunta que fica é o que levam as pessoas a demonstrarem tal comportamento de ódio contra alguém pelo simples fato de ter a pela escura? Em primeiro lugar precisamos entender que a Espanha foi um país expansionista entre os séculos XV e XVI, apoderando-se de quase todo o continente americano. A ocupação desse vasto território se deu por meio de um quase genocídio deliberado contra os povos nativos que habitavam o território há milênios. Além do assassinato em massa, os invasores destruíram também os monumentos e os símbolos sagrados.

O tráfico negreiro foi outro modo de acumulação de riquezas promovidas pelas metrópoles portuguesas e espanholas. Centenas de milhares de africanos foram capturados de suas pátrias e transladados às colônias para trabalhar como escrava na agricultura e exploração das minas de ouro e prata das terras ameríndias.  Se a Espanha, Portugal, entre outras nações europeias conseguiram superar suas condições de atrasos econômicos e sociais, se devem a espoliação das riquezas e da força de trabalho escrava em suas colônias.

Para entender esse cenário de preconceito e racismo ocorrido no estádio de futebol em Valença, Espanha se faz necessário recorrer à psicologia, mais especificamente a psicanálise. Isso mesmo a psicanálise, pois é essa área do saber do comportamento humano que tentará explicar que nós seres humanos carregamos no nosso inconsciente fortes cargas de sentimentos e emoções frustrantes de nossos antepassados. Por longos períodos a população espanhola viveu experiências terríveis de repressão, como o Nazismo, cujo general espanhol Francisco Franco, permitiu que o país fosse usado como laboratório para experiências da máquina de guerra de Adolfo Hitler.

 O ódio alimentado contra o outro, ao diferente, ao judeu, ao cigano, ao negro, etc, permaneceu por longo tempo adormecido nas profundezas do cérebro humano. Se tais patologias inconscientes não são tratadas convenientemente por políticas públicas o cérebro sublimará por meio de imposições externas advindas do Estado ou pela educação. O ressurgimento do fascismo no Brasil nos últimos anos tem relação também com nossa história de repressão forjada pela escravidão e de um moralismo religioso exacerbado.  Bastou um gatilho, um elemento motivador, para que o monstro preso nas entranhas da nossa mente se libertasse e provocasse tanto estrago, tanta discórdia, tanta polaridade como foram os quatro anos de governo Bolsonaro.

Embora os estádios de futebol e outros espaços que reúnem grande público sejam considerados ambientes propícios às catarses coletivas, há limites toleráveis de aceitabilidade no que deve ser dito. Chamar o árbitro de uma partida de FDP e outras frases ditas ofensivas resultaria em crime se fosse dita fora do contexto coletivo. No entanto são expressões, digamos, consensualidades, pelo fato de as palavras não terem sentido racional. Porem chamar alguém de negro, macaco, foge a tudo que é racional, pois ataca a essência humana, dando a entender que o outro, o diferente, o que tem pele escura, se exclui desse conjunto humano diverso, cujas distinções acontecem somente pelas cores das peles branca, amarela, vermelha, preta, etc.

Claro que tais manifestações de caráter supremassista de um grupo social específico são construções históricas estimuladas por regimes totalitárias que acreditavam cegamente na possibilidade de ser a pela branca, a ariana, instrumento indutor de superioridade racial. Por que punir severamente os autores de tais perversidades raciais? Primeiro porque movimentos totalitários como fascismo e nazismo tiveram suas sementes germinadas em cenários semelhantes ao que vivemos hoje.

O ressurgimento de grupos ultra direitistas em muitos países europeus ao ponto de conquistar postos importantes de comando político como na Itália, com a eleição de uma primeira ministra que se dizia fã de Benito Mussolini, deve servir de alerta para toda a humanidade. A história, porém, deve ser nossa guia permanente para compreendermos os limites entre o tolerável e intolerável no campo político, social e cultural. Se governos não coibirem com tenacidade atos racistas como o ocorrido na Espanha, poderemos estar trilhando caminho para o ressurgimento de outro holocausto com consequências inimagináveis.

Prof. Jairo Cesa          

  

        

quinta-feira, 25 de maio de 2023

 

A CPI DO MST TRARÁ REVELAÇÕES DA GRANDIOSIDADE DESSE MOVIMENTO QUE GARANTE ALIMENTOS SAUDÁVEIS PARA MILHÕES DE BRASILEIROS

Não há duvidas que a CPI criada pela câmara federal para investigar as ocupações realizadas pelo MST em áreas improdutivas está sendo interpretado como palanque para os deputados bolsonaristas quase imperceptíveis do cenário nacional após a derrota eleitoral da sua principal liderança, Jair Bolsonaro. Na primeira seção dos parlamentares na comissão ocorrida no dia 24 de maio já deixou explícito que o intuito da ala bolsonarista, que é majoritária, seria criminalizar um movimento que há mais de quarenta anos vem fazendo o que estabelece dispositivos da constituição federal, tornar produtivas terras improdutivas.

Não tenho lembrança de ter ouvido ou assistido nas mídias de massas tradicionais informações ou reportagens mostrando o cotidiano desses assentamentos, todo o trabalho que desenvolvem no cultivo sustentável de alimentos e outros serviços de relevâncias sociais. Poucos brasileiros sabem que o MST é uns dos maiores produtores de arroz orgânico da América Latina. Enquanto segmentos do agronegócio durante a pandemia promoviam desmatamentos, queimadas de florestas e outras barbaridades ambientais, centenas de toneladas de alimentos provenientes dos assentamentos do MST eram distribuídas às populações famintas das áreas urbanas do país.

Lembro de ter participado em 2022 de um curso de agroecologia no município de São Pedro de Alcântara, RS, evento coordenador pelo Dr. Sebastião Pinheiro, agrônomo aposentado, que há anos viaja pela América Latina empoderando os movimentos campesinos com técnicas alternativas de manejo do solo e cultivo agrícola. Relatou Sebastião Pinheiro que tem forte envolvimento em atividades sociais no MST, oferecendo-lhes conhecimentos estratégicos importantes.  Diagnosticar a biótica do solo por meio da cromatografia é uma dessas estratégias revolucionária que assegura ao movimento autonomia e independência das corporações que dominam o mercado de sementes e insumos. 

 Essa é uma técnica simples realizada a partir de partículas de solo seco depositadas em um cromatograma com o adicionamento de substâncias como o nitrato de prata. O que é revolucionário nesse exercício é o fato de a experiência ser construída coletivamente. Isso mesmo, cada indivíduo fará a sua e acompanhará as mutações das cores e testuras do seu e dos demais experimentos. No final todos terão respostas da qualidade biótica dos solos analisados e quais as intervenções necessárias para obter boa produtividade em quantidade e qualidade.

Além dessa  técnica, os assentados do MST aprendem também outras dinâmicas de recuperação da vida do solo que dispensa usos de elementos sintéticos como adubos químicos e agrotóxicos. Adubação verde; produção de pó de rocha; paletização de sementes; coleta de microorganismos eficientes; biofertilizantes; águas de vidro; micorrizas; caldas minerais, etc, ambos compõem o pacote de produtos e ferramentas alternativas empregadas por milhares de camponeses e comunidades de assentados em toda América latina e outros continentes como a Ásia.     

 Aqui estão alguns dos motivos pelos quais o grande capital se desespera quando vê o MST se expandindo e recebendo o apoio de parte expressiva da população. Eles sabem que a desconstrução de inverdades sobre o movimento resulta em real ameaça a secular hegemonia de práticas espoliatórias patrocinadas por poderosas corporações transnacionais monopolizadoras dos mercados de sementes, insumos e agrotóxicos.    Criminalizar, destruir as estruturas de comando do MST e de outros movimentos campesinos se constitui como plano primordial dos representantes do agronegócio no Congresso Nacional. A CPI em curso, portanto, tem esse viés destrutivo das forças populares no campo, e isso foi mostrado no dia 24 de maio, na primeira audiência da CPI, na postura assumida pelo presidente da comissão quando repreendeu uma deputada do PSol, cerceando sua fala, por ter lido reportagem do G1 onda cita do deputado por envolvimento nos atos golpistas de 08 de janeiro.

Se prestarmos a atenção acerca da representatividade partidária que compõem a CPI do MST, notaremos que há enorme supremacia de siglas defensoras do agronegócio. Claro que nem todos que fazem parte desse segmento corroboram com práticas usurpadoras de frágeis ecossistemas para expandir seus negócios.  Quem acompanhou os quatro anos de governo bolsonaro deve ter percebido a quantidade de fatos negativos noticiados envolvendo políticos e segmentos do agronegócio.

Ocupações e garimpos em terras indígenas, grilagem, desmatamentos, incêndios criminosos, etc, todos os dias eram noticiados nas principais mídias de coberturas nacionais. Não bastassem todas essas aberrações, quase todos os dias eram noticiados nos telejornais ações da polícia e do ministério público de resgates de trabalhadores em fazendas ou empresas em condições análogas a escravidão. São bem prováveis que os parlamentares que atuam na CPI para criminalizar o MST são os mesmos patriotas, que cobertas com a bandeira do Brasil, ocupavam ou apoiavam os manifestantes acampados nas frentes dos quartéis exigindo intervenção militar.  

Prof. Jairo Cesa                    

sábado, 6 de maio de 2023

 

O QUE DEVE SER ENTENDIDO SOBRE O AJUSTE FISCAL E O PROJETO QUE BENEFICIA O SISTEMA ACAFE E AMPESC QUE TRAMITA NA ALESC

Há muito tempo venho afirmando que os votos dos/as professores/as e demais servidores/as da rede pública de ensino estadual são suficientes para ter na ALESC dois ou mais deputados/as comprometidos/as com a categoria. Além do mais os votos desses/as profissionais e de seus familiares tranquilamente teriam peso na eleição do governador com propostas alinhadas a essa categoria e demais servidores públicos estaduais. Infelizmente em quase cento e cinqueta anos de república em nenhum momento foi quebrado o ciclo vicioso de eleger sempre governadores alinhados às correntes elitistas, de perseguição e ataques aos direitos dos servidores/as

Esse fenômeno inusitado não se deu apenas no executivo, no legislativo essa prática pouco inteligente dos/as servidores/as também se repete eleição pós eleição. Ou é falta de memória histórica ou é gostar de sofrer o que se supõe esteja passando na mente de milhares de servidores estaduais, em especial parcela expressiva dos/as professores/as. Quando falo em gostar de sofrer me refiro exatamente aqueles/as profissionais que decidiram depositar seus preciosos votos nas urnas para eleger o atual governador e os/as candidatos/as a deputados/as  dos partidos de sua  base de apoio na ALESC.

Em pouco mais de três meses de mandato veio à primeira paulada aos servidores com a decisão de congelamento do reajuste dos salários por um ano, ou seja, até maio de 2024. O argumento do executivo ao não reajuste, entre outras medidas, visa equilibrar as contas do estado por meio de um Ajuste Fiscal. A sensação que fica com essas ações do atual governo contra servidores estaduais, que também aconteceu em outros governos no passado, é que a culpa do desequilíbrio das contas publicas é exclusiva dessa categoria.

Em outra oportunidade escrevi um texto tratando desse assunto, onde mencionei o quanto o Estado deixa de arrecadar somente com isenções fiscais e sonegações fiscais. Lembro de ter citado uma grande empresa do setor supermercadista que devia ao estado mais de 250 milhões de reais.[1] Se todo esse recurso desviado, sonegado, fraudado, chegasse aos cofres do Estado, não haveria necessidade de ajustes, muito menos congelamento dos minguados salários recebidos pelos servidores.

A reforma previdenciária sancionada em 2021 pelo governador Carlos Moisés foi outro golpe duro contra os/as servidores/as estaduais. Uma emenda foi incluída no texto base do projeto que autoriza o estado de descontar 14% do salário dos servidores aposentados, a partir de quem recebe 1.200 reais, valor do salário mínimo. Por que golpe? Porque mais de 70% dos/as servidores/as/professores/as recebem menos de cinco mil reais, e o dinheiro descontado é utilizado para compra de medicamentos ou pagamento serviços médicos.

Quando ainda era candidato, o atual governador nas suas entrevistas e comícios afirmava que sendo eleito iria assegurar ensino superior a todos/as os/as catarinenses. De fato, o correto seria elevar investimentos públicos em educação básica, reformando, construindo novas escolas, qualificando e melhorando os salários de todos/as os/as professores/as. E por que não foi esse o encaminhamento do atual governo. Primeiro, porque quem conhece o programa político do PL, seu partido, e outros partidos alinhados sabem que a meta é reduzir o tamanho do Estado, ou seja, Estado Mínimo, entregar serviços como saúde, segurança, educação, saneamento à iniciativa privada.

Para cumprir sua promessa de campanha indicou para o posto de secretário da educação um ex-reitor da UNOESC (Universidade do Oeste Catarinense) e ex-presidente do sistema ACAFE (Associação Catarinense das Fundações Educacionais), que são instituições particulares de ensino superior regidas por leis municipais. Deixar claro que essas instituições nãos são públicas, que cobram mensalidades, porém os recursos arrecadados são investidos na própria instituição. Sabendo que somente o sistema ACAFE seria beneficiado com os polpudos bilhões dos cofres públicos, a AMPESC (Associação de Mantenedoras Particulares de Educação Superior de SC) saiu em defesa das suas instituições, querendo também fatia desse recurso.

O projeto agora está na ALESC para análise dos parlamentares. O que se sabe é que a proposta será implantada de forma escalonada, sendo que em 2026 estará contemplando 100% de todos estudantes matriculados nas 14 instituições da ACAFE e outras dezenas da AMPESC. A alegação dos defensores do projeto é que parcela dos estudantes matriculados no ensino superior particular já é beneficiada pelo artigo 170, que garante bolsas de estudos aos estudantes carentes. O projeto pode enganar muita gente, menos os/as milhares de professores/as da rede estadual que sabem que a proposta visa mesmo é beneficiar os empresários do ensino superior, muitos dos quais financiadores da campanha do atual governador, dos acampamentos em frente dos quartéis e dos atos golpistas de oito de janeiro em Brasília.

No memento que eu estava redigindo esse texto procurei assistir uma das audiências em defesa das universidades comunitárias ocorrida na Unesc/Criciúma. Analisando os convidados presentes e toda a apoteose montada para o evento dá para perceber que houve todo um trabalho bem articulado envolvendo imprensas, segmentos políticos e empresariais para fazer crer que as universidades comunitárias são a redenção do atraso econômico, cultural e social que domina o estado.

É estranho ver no mesmo ambiente figuras carimbadas da política defendendo universidade comunitária, cujo histórico no parlamento catarinense sempre foi de vetar qualquer proposta beneficiava educação pública e da carreira docente. Um auditório lotado de pessoas vestidas com camisetas verdes comungando o mesmo sentimento em defesa dessas instituições. Havia até cartazes com frases do tipo:  “Verbas Públicas para Instituições Públicas e Democráticas”. Quem estava segurando o cartaz talvez não tenha lido a frase, pois verbas públicas são para instituições públicas gratuitas, como escolas públicas, hospitais públicos, etc. Parece que o cartaz tinha um tom de enganação a priori.

 Claro que com todo esse engajamento envolvendo dezenas de segmentos da sociedade dificilmente os objetivos não serão alcançados. Não faltou nem mesmo o representante da União Catarinense dos Estudantes, com discurso afiado. Para aí, até pode ser a destinação de verbas publicas a essas e outras instituições, porém, ambas devem mudar seus estatutos, tornando-as legalmente públicas e seguindo as mesmas regras das municipais, estaduais e federais, como concursos públicos para preenchimento dos cargos e processos licitatórios. 

Vendo a multidão lembrei-me das dezenas de greves ocorridas no estado e promovidas pelo SINTE em defesa da escola pública. Na época buscávamos o engajamento da sociedade, entidades como as que participaram do fórum em defesa das universidades comunitárias, porém, sem sucesso. E qual seria o motivo dessa resistência? Será porque defendíamos o direito à escola pública e de qualidade a todos/as os trabalhadores/as catarinenses. Agora olha o que defendem essa mesma gente, universidades comunitárias, que não são publicas, vale dizer, são particulares, que cobram mensalidades.  Se todo público reunido naquele auditório como de outros tantos auditórios do estado, estivesse brigando por escola pública gratuita, do básico a universidade, acredito que em pouco tempo o estado seria referência no país em qualidade do ensino público.

Prof. Jairo Cesa                   



[1] https://www.blogger.com/blog/post/edit/8334622275182680372/4093523878106174801

segunda-feira, 1 de maio de 2023

 

PRESENÇA DO/S MONGE/S JOÃO MARIA NA REGIÃO DE PASSO FUNDO: O QUE HÁ DE VERDADE E MITO SOBRE O/S PROFETA/S

FOTO - JAIRO


É possível que um em cada dez pessoas nos estados do sul do Brasil já tenha ouvido falar do Monge João Maria e suas profecias. Há relatos de que tenha havido três monges e não um como se apregoa. Ao mesmo tempo em que existem tantas pessoas devotas do monge, até mesmo tendo-o como um santo, um profeta, por que não há nenhuma igreja cristã ou católica contendo o monge João Maria como Padroeiro? Embora já se saiba a resposta da inexistência de tal edificação com o seu nome, o que é sabido é que ainda hoje há uma legião de benzedeiras espalhadas por todos os cantos do sul do Brasil que exercem suas funções intercedidas pelo monge ou monges.

FOTO - JAIRO

Mas quantas são e onde estão essas pessoas? Existem inúmeras bibliografias disponíveis de pesquisas, TCC, dissertações, teses, livros, etc, já desenvolvidas acerca da vida e obras do/os monges. No estado catarinense muitos conhecem sendo um dos lideres do movimento contestado que atuou no oeste e planalto central e norte catarinense por longos anos. O próprio estado do Paraná há incontáveis relatos conhecidos de ter o/s monges por lá transitado, promovido milagres e convergido para si centenas, milhares de devotos. Existem relatos da existência de grutas, fontes de águas milagrosas e curas por eles promovidas por onde passavam. Para entender melhor esse ambiente repleto de mistérios e incertezas, nada melhor que ir à própria fonte e beber a água da sabedoria, dos milagres, das inúmeras pessoas que tiveram suas vidas abençoadas através da intersecção dos monges.

FOTO - JAIRO

O que motivou a embrenhar nesse vasto campo espinhoso e ainda pouco conhecido do público em geral, é adentrar em uma seara que se imagina ainda pouco explorada que são os arquétipos que envolveram e ainda permanecem presentes no imaginário social. É exatamente esse o desafio, estudar os arquétipos ou representações associadas ao monge. As rezas, as grutas, as fontes de água que não secam e promovem milagres, são alguns desses aspectos onde se acredita fazem parte desse roteiro da presença do/os monge/es nos três estados do sul do Brasil.

A pesquisadora Doutoranda Elisa F. Stradiotto, pela Universidade Humanista da Flórida/ EUA, está incumbida nessa difícil busca encontrar respostas que possam elucidar mistérios que envolvem tão enigmáticas personagens míticas. O maior desafio, portanto, é dar cientificidade a algo repleto de misticismo, fé, devoção, impregnada no inconsciente coletivo de diversas gerações. É obvio que a ciência de matriz positivista/cartesiana não responderia muita das indagações lançadas sobre coisas não palpáveis, abstratas, presentes unicamente na imaginação.

A cura através das rezas, uso e consumo de água benta, imagens de santos, símbolo da cruz, ervas e plantas medicinais, são alguns desses arquétipos que devem ser investigados e compreendidos. Investigar se suas manifestações são convergentes ou divergentes no imaginário social dos três estados do sul. Já sabendo que seriam ínfimas as possibilidades de sucesso nessa pesquisa sobre os arquétipos de monge João Maria, tendo como único aporte investigativo as teorias positivistas, a pesquisadora quis ousar adentrando no campo da investigação quântica, cuja mediação filosófica será do psicanalista Carl Yung que abordou o inconsciente coletivo.

O primeiro desafio, portanto, dessa difícil caminhada seria visitar algumas cidades do Rio Grande do Sul onde se sabe teve a presença do monge. Passo Fundo, Lagoa Vermelha, entre outras do entorno, obrigatoriamente teriam que ser visitadas, que como se sabia previamente, suas populações são atravessadas por forte devoção e crença aos monges. Sendo assim era necessário conferir de perto tais reflexões, se realmente o arquétipo do monge permeava ou não o imaginário daquela sociedade e até que ponto ajudava tornar essas pessoas mais felizes.

Chegando a cidade o primeiro local visitado, eu Jairo cesa, historiador, Elisa Stradiotto, pesquisadora e Dr. Daniel, orientador, era a catedral de Nossa Senhora Aparecida, da cidade de Passo Fundo, e conversar com o pároco da mesma, Ari Antônio dos Reis, pois havia informações de ser ele estudioso do monge. Por uma hora mais ou menos, no interior da sala de reuniões, participamos de um intenso e produtivo diálogo, com relatos de sua dedicação na reconstrução da memória dos monges. Além das explanações, o pároco nos forneceu nomes de pessoas e endereços que deveríamos visitar para aprofundarmos nossa investigação.

FOTO - JAIRO

Padre Ari, como é conhecido, que também é professor de uma universidade em Passo Fundo, fez menção ao trabalho pastoral realizado pela igreja a qual atua há longo tempo. Quando concluiu o curso universitário, seu Ari escreveu o seu TCC destacando a saúde e a religiosidade da população cabocla, indígena, no oeste catarinense. Além de Lagoa Vermelha e Passo Fundo, há relatos de terem existido monges na região da grande Soledade/RS, entre os anos de 1936 e 1937, apelidados de monges barbudos. Em uma região de forte presença cabocla, alemã e de grandes proprietários de terras, corriam noticias de que os monges estavam mobilizando os caboclos para se rebelarem contra as instituições. Em 1937 forças policiais invadiram uma igreja onde no seu interior estavam o monge e caboclos. ( PESQUISAR LIVRO DE CIRILO VALVERDE).

Relatou o padre Ari que esteve em Soledade no passado para pesquisar sobre a presença dos monges. Disse que não teve problema em entrevistar os descendentes dos caboclos que tiveram envolvimento direto com os mesmos. Por parte dos descendentes de italianos e alemães o que havia era ironia. Porém, todos os relatos havia consensos de se tratar de um santo. No entanto, segundo o padre, até hoje há duvidas de ter existido mesmo um ou três monges. Partindo desse pressuposto, o mesmo se sentiu estimulado em pesquisar mais sobre os monges. A conclusão que chegou o padre foi realmente ter havido três monges, porém o que permaneceu foi a mística do monge, um personagem que vai circular no imaginário social.

O estereótipo forjado sobre os caboclos de indivíduos passivos é um tanto temerário. Para poder desconstruir tais conceitos vistos como errôneos desses grupos étnicos foi necessário aprofundar investigações dos aspectos econômicos, sociais e religiosos em que estavam inseridos. No campo religioso, a pesquisa tratou de compreender o caboclo, a dificuldade de incorporá-lo ao modelo racionalista de produção, de base capitalista, a sua condição histórica de sujeito incorporado as regras da própria natureza onde vivia.    

Destacou a romaria a nossa senhora aparecida que ocorre no segundo domingo de outubro em Passo Fundo, com forte presença de pessoas pobres. A romaria a São Miguel também foi citada, sendo o santo cultuado pelos negros desde 1871. Essa romaria é considerada uma das maiores e mais importantes do rio grande do sul.  Disse que durante a guerra, são Miguel cuidou de dois negros, sendo um deles Isaias. Que no retorno ganharam uma imagem do santo que os protegeu. Acredita-se que foi são Miguel que os trouxe não o contrario.

A História da romaria aconteceu quando “dois escravos retornaram da guerra do Paraguai, que quando chegou às terras onde fica o atual distrito do pulador, uma pequena estatueta de São Miguel Arcanjo os impediu de continuar. Inspirado pela imagem, nas terras de Bernardo Castanho Rocha, fugindo dos ares urbanos e direcionados para o povo do campo, foi construído, de pau-a-pique e com telhado de capim, uma pequena capela, que foi reformada e tombada como patrimônio cultural”.[1]

É conveniente nesse trabalho discorrer fragmentos da pesquisa realizada pelo Padre Ari Antônio com o título Criação e Recriação do Mito João Maria pelos Caboclos da Região Sul. O trabalho foi apresentado como conclusão de curso de graduação realizada no Instituto de Teologia e Pastoral ITEPA. O pesquisador se muniu em um vasto e rico acervo de informações tecidas a partir de fontes bibliográficas e entrevistas realizadas nos estados do RS e PR. Dividiu a pesquisa em três capítulos, sendo o primeiro dedicado aos três monges; o segundo, os caboclos, e o terceiro a criação e recriação do mito João Maria.

Nem há como compreender a presença dos monges e seus desdobramentos ocorridos nos três estados sem considerar um dos atores protagonistas desse intrincado enredo. Refiro-me aqui a figura do caboclo, constituído a partir da miscigenação do negro, índio com o homem branco. A condição de classe subalterna, explorada já vem desde os tempos vindouros quando seus antepassados foram submetidos à condição de escravidão pelo colonizar.

No sul do Brasil o caboclo ocupava terras devolutas, sobrevivendo do cultivo de pequenas roças ou do extrativismo como a erva mate. De repente suas posses passaram a ser invadidas por pessoas que se diziam proprietárias. Sendo expulsos e empurrados para as margens dos territórios, se vêem novamente ameaçados por companhias encarregadas de construir uma estrada e ferro, bem como a extração de madeiras, araucárias, por exemplo. Sem qualquer expectativa e apoio das autoridades, a desesperança e incertezas tomaram conta, porém, tudo isso foi remediado com a presença dos monges.

Conforme escreveu Ari Antônio; “esse espaço de evangelização é ocupado, em parte, pelo culto a João Maria, que não se dizia seguido de alguma igreja, porém, sua fala e ressonância encontravam junto aos caboclos”. A própria igreja católica não se solidarizou naquele momento com a causa dos caboclos, isso se deve, em parte, da estreita relação que possuía com os grupos dominantes. Uma figura que se despontou do nada oferecendo apoio espiritual, receitando medicamento e dando esperança de vida plena, é claro que convergiria para si essa legião de subjugados, desterritorializados.

Tendo forte relação com os elementos da natureza não foi difícil transformar o monge em uma representação divina, ou seja, e um arquétipo da bondade, da justiça, junto aos pobres e necessitados. Isso também ocorria com os sertanejos, tendo fortes vínculos com as florestas e demais elementos vivos e místicos presentes nesses cenários. Por suas características culturais o caboclo ou sertenaijo acreditava que o que acontecia em suas vidas, boas e ruins, tinham relação direta com os fenômenos da natureza. Sendo assim, não alimentava expectativas de haver rupturas significativas em seu quadro de existência, se tudo é o que é se deve ao fato de existir algo superior, que é Deus, força que rege todo o universo.

Muito se tem percebido o caboclo, o sertanejo esboçando comportamentos que expressavam certo passivismo, conformismo diante do seu destino. A condição de subalterno ao proprietário, ao escravocrata impôs a construção do estereotipo de sujeito passivo. Mas isso tem a ver também pelo papel exercido pela igreja católica durante a época escravocrata na qual atuava como instituição incumbida de assegurar o status quo social. O respeito à autoridade do padre, do patrão, permaneceu latente nos negros e caboclos desterrados do sul do Brasil. Cabe frisar que tanto o passivismo quanto o conformismo deve ser compreendido como sendo estratégias inteligentes de sobrevivência, formas encontradas para não ser perseguido e destruído pelo opressor.

Acreditar na transcendência levava o caboclo a se apegar aos símbolos sagrados, sentos, como símbolos capazes de intermediar ao divino. São esses os mecanismos influenciadores do curso da vida e da natureza. A presença de imagens de santos nos locais onde o monge havia estado são demonstrações da devoção católica dos seguidores ou devotos do monge.  A prática do batismo católico é um desses ritos para oficialização do pertencimento a tal tendência religiosa. Para os pobres despossuídos e ainda hoje da população remanescente, geralmente o rito do batismo ocorre junto a uma fonte d’água, o fato de se batizarem na igreja, lhe da garantia alguns benefícios oficiais.

Sobre o mito de João Maria, presente no trabalho do padre Ari, o mesmo procurou reconstruir o cenário vivido por outro monge que tenha aparecido na região do contestado, estado de santa Catarina. Dissertou que a região, os conflitos se iniciaram na metade do século XVIII durante as disputas de fronteiras entre os estados de SC e RS. A construção da estrada de ferro SP – RS veio elevar ainda mais as tensões sociais, pelo fato de ter expulsado posseiros do trecho construído.

É nesse cenário que aparece o terceiro monge José Maria de Jesus, pessoa dotada de grandes habilidades, carisma e que passou a ajudar o povo pobre, receitando medicamentos, bem como oferecendo apoio espiritual para amenizar o sofrimento do povo. Cada vez mais dezenas, centenas de pessoas passaram a se ajuntar no entorno do monge, fato que gerou certa desconfiança por parte dos coronéis locais, acreditando que ambos estavam articulando algum movimento de tomada da região. Um dos coronéis de Curitibanos mobilizou tropas federais cujo confronto em 1912 provocou a morte do monge José Maria.

A construção do mito ao monge João Maria se atribui a sua personalidade de individuo simples, bom, que entendia as dificuldades vividas pelo povo. Também o mito se deve aos feitos e relatos de profecias praticadas, bem como as narrativas que envolviam o monge. A presentificação do mito João Maria é perceptível diante dos contados ou entrevistas com pessoas que afirmam ter conhecido o monge. Geralmente suas narrativas trazem à lua uma figura boa, calma, que fez algumas profecias e que desapareceu. É comum ouvir relatos de que cruzes de cedro foram fixadas, que brotaram e tornaram-se árvores frondosas. Da existência de fontes de água benzidas pelo monge, onde sempre tem no entorno da fonte uma capelinha com imagem do monge e outras figuras sacras onde peregrinações acontecem para tomar a água, se lavar ou buscá-la para realizar batismos em casa.

Concluída a etapa introdutória da investigação com o padre Ari e a síntese de sua pesquisa de TCC, demos início nossa peregrinação no intuito de contatar pessoas que tiveram algum contato com o monge ou        que exercem praticas de benzeduras com o emprego de ervas e orações. Encontrar a residência de um cidadão conhecido pelo nome de delegado foi nosso primeiro desafio. A informação foi que seu delegado possuía mais de cem anos e havia tido contato com o monge. Com dificuldades de audição seu delegado recebeu a ajuda de sua filha que o intermediava quando seu pai não entendia as perguntas.

Tínhamos expectativas de que conversando com o seu delegado algo novo em relação ao Monge ele nos revelaria. Não foi de fato o que ocorreu, pois o que disse já sabíamos a partir de fontes escritas. Revelou que o monge vivia caminhando, que quando chegou a sua casa pediu couve, fez um foguinho cozinhou e a comeu com feijão. Que caminhava sempre descalço, trajando uma roupa grosseira, que era alto e magro. Sobre as profecias, disse que o monge falava que um dia o céu seria totalmente tomado por arame farpado, que as pessoas não compreenderiam mais.

Fato curioso relatado pelo SEU DELEGADO foi quando disse que certa noite choveu e o fogo aceso pelo monge não apagou, que o local onde ele estava não choveu. Também disse que durante a sexta feira santa não poderia faltar feijão e couve, que era a comida de são João Maria, que todos tinham que comer. Que quando pequeno possuía dores nas pernas, nos quadris, que era só tomar o chá de erva do monge que cessava as dores.

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Seguindo o roteiro, depois de visitar o seu delegado, teríamos agora de ir à residência de Dona Terezinha, afinal era uma pessoa que benze e que era guiado pelo monge João Maria. Foi uma recepção amistosa em sua residência onde nos relatou como chegou ao grau de benzedeira. Deixou bem claro que ter fé é importante, que a mente humana tem poder, que deus intercede por meio da nossa mente. Que a condição de benzedeira é um Dom recebido e que deve ser aceito. Confessou que seu bisavô possuía esse dom, que depois foi transferido para sua vão, sua mãe e que agora ela estava dando continuidade. Sua neta de 11 anos, ela acredita que herdará esse dom, pois o acompanha nos rituais.

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Durante as rezas disse que recebe a bênção de Maria e de Jesus, da família sagrada e de João Maria. Que o monge havia visitado sua avó e lhe ensinado algumas rezas. O monge não entrava nas casas, só pedia comida, quando chovia, o lugar onde estava permanecia seco. Revelou dona Terezinha que seu neto foi diagnosticado com bronquite, que quando bebeu a água da fonte do Monge João Maria, o mesmo ficou curado. Lembrou também do galhinho de cedro, que quando fosse enterrado o mesmo brotava se transformando em uma arvore.

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Crianças com verminose as rezas tem o poder de curar, disse dona Terezinha. Narrou que curou crianças utilizando um ritual de benzimento. O rito se dá pegando uma linha, cortando-as em pedaços e depositando dentro de um copo de água. Se os vermes estão calmos, as linhas vão para o fundo do copo, do contrário, as mesmas permanecem na superfície. A linha deve ser cortada com orações. No final do terceiro corte, deve se oferecer o copo d’água para a criança beber. É preciso deixar a tesoura aberta para que a benzedura tenha sucesso. Se em três dias depois da benzedura não deu certo, deve-se ir novamente, em três em três dias até o nono dia.

Também relatou ter recebido pessoas com dores de cabeça provocadas pelo ar da lua, do sol e das estrelas. Para aliviar a dor, o ritual é colocar um pano branco sobre a cabeça além de um copo de água, que deve ser equilibrado para não cair. Repetir três vezes a benzedura. Foi perguntado a D. Terezinha se houve em algum momento benzedura que teve a interseção do Monge. Respondeu que a mãe de sua nora havia pegado cobreiro no pé.

Que a mesma não acreditava em benzedura. Foi ao médico algumas vezes, porém, o problema do cobreiro não foi resolvido. Certo dia ela foi até dona Terezinha, o cobreiro foi benzido e curou. O uso de ervas é comum nos rituais de cura da benzedeira, pois para cada problema existe um tipo diferente de erva medicinal, como a erva de são João Maria, a erva santa, hortelã, etc. D. Terezinha disse ter uma forte proteção espiritual.

No final da entrevista, Dona Terezinha ensinou algumas das rezas praticadas, como a que procura combater cobreiros. A técnica é ambos fazerem o sinal da cruz, dizer o nome da pessoa e do São João Maria, que o problema está sendo cortado em nome do Monge, que te abençoa. É preciso rezar o pai nosso e tocar o cobreiro com três galhos de arruda, passando três vezes em forma de cruz no problema. Feito isso, os galhos de arruda junto com cobreiro devem ser descartados na rua.

Além da benzedeira Da. Terezinha, tínhamos na pauta o endereço de outra benzedeira no município de Cirilo. Entretanto antes de encontrá-la fomos visitar o tal de capitel, uma espécie de oratório, junto a uma fonte de água, que foi construído para fazer celebrações em memória do Monge João Maria.  Não sabendo exatamente o local exato, chegamos numa a residência de agricultores, na comunidade de São Sebastião da Várzea, para que nos indicasse o caminho. Curiosamente, essa família era devota do monge, na qual conhecia muitas histórias relacionadas ao mesmo, todas semelhantes às contadas pelos demais entrevistados.

A devoção ao monge se deu quando o proprietário dessa casa teve um acidente que ferio a sua cabeça. Fizerem promessa ao monge e o cidadão Antônio Táparo melhorou. A promessa foi paga indo ao capitel e acendendo vela e recitando rezas de agradecimento. Saindo da casa do seu Antônio Táparo fomos ao encontro do capitel, que infelizmente não descobrimos o seu local. Como tínhamos outro compromisso agendado naquela tarde, vimos que seria melhor deixar quem sabe para outra oportunidade a visita ao capitel.

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Agora nos deslocamos para a cidade de Cirilo onde iríamos conversar com D. Elza, que também era benzedeira. Dona Elza nos relatou que o monge havia passado por aquela região, dormia em baixo de arvores, pedia comida e dizia que muita coisa ou profecia, coisas que aconteceriam no futuro. Disse D. Elza que a pandemia era algo previsto pelo monge. Na época de sua passagem ele dizia para as pessoas rezarem para ele, terem bastante fé para que as coisas ruins não acontecessem.

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Informou Dona Elza que começou a benzer quando estava na casa de uma sobrinha em Porto Alegre, que teve dor de dente e foi num benzedor. Chegando lá, ele disse que estava velho e que ela iria continuar o seu trabalho. Quando retornou para sua cidade deu inicio ao seu trabalho de benzedura. Contou uma das rezas que faz para as crianças, contra quebrante, ou mal olhado. “nosso profeta são Joâo Maria, cure, tire esse quebrante dessa criança cujo nome é..... São João Maria te cure, em nome do pai, do filho e do espírito, amem – fazer o sinal da cruz três vezes. Também falar – pelo sinal da cruz da santíssima trindade, nos livre do mal, amém”.

Disse que quando uma criança sofre de quebrante ela não dorme, chora muito e tem dorzinha. Como todas as benzedeiras visitadas, Dona Elza também não cobre pelos serviços prestados, só se o paciente quiser lhe presentear, ai ela recebe. Disse que se for cobrado, o ritual de benzedura não dá certo. Quando crianças são benzidas, D. Elza se utiliza de um tercinho; agora para adultos é necessário galhinhos de cipreste, arruda, alecrim. Disse que também usa erva de são João Maria, porém, é difícil encontrar.

No final de sua narrativa sobre o monge e benzeduras, D. Elsa nos relatou uma de suas rezas oferecidas a pessoas adultas, principalmente para cortar maus espíritos. Assim é a reza: primeiro fazer o sinal da cruz. “São João Maria atenda quem estou benzendo essa pessoa (nome), que são João Maria livre de feitiços, que cure do mal, que as orações de São João Maria defenda de todas as coisas perigosas, maldades, ódios, raivas, e seja levado tudo para o fundo do mar salgado, para o mato ou pântano. Que venha paz, alegria, que abençoe pelo sinal da santa cruza. Gratidão”.

Depois de quase uma hora dialogando com dona Elsa, seu esposo no ofereceu para nos guiar até o capitel de São João Maria, onde estava a fonte de água milagrosa. Em trinta minutos mais ou menos chegamos ao local onde havia uma pequena e simples capelinha erguida para homenagear o monge. Porém, nossa curiosidade era saber onde estava a fonte de água. A alguns metros da capelinha junto a uma capaozinho lá estava a fonte com água cristalina. Segundo o esposo da dona Elsa que nos guiou até o local, ele nos relatou que tentou proteger a fonte com uma barreira de concreto, porem, a água secou. Retiraram o concreto, a água retornou outra vez. Disse também que água não corre para nenhum rio, pois não existe qualquer rio naquela região. Para onde vai a água é uma incógnita.

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Prof. Jairo Cesa