segunda-feira, 18 de agosto de 2014

A quem interessa a criação dos Comitês das Bacias Hidrográficas no Brasil

Durante a realização da Assembleia Geral do Comitê da Bacia do Rio Araranguá, ocorrido em 07 de agosto de 2014, nas dependências do Centrar (Centro de Treinamento) com expressiva participação dos membros integrantes do parlamento das aguas, cujos assuntos debatidos, além das experiências de comitês no Brasil e no mundo, relatadas pelo professor Daniel da Silva da UFSC, foi a situação preocupante da Lagoa do Caverá, que está secando, narrada pelo representante da comunidade, Sr. Elias. Nos instantes finais do encontro, integrantes do comitê apresentaram uma moção, prestando solidariedade à população daquela comunidade pela dedicação prestada ao salvamento daquele manancial.
Antes das intervenções do professor Daniel e do representante da Lagoa do Caverá, foi concedido espaço à empresa perfil, contratada pelo comitê para a realização dos estudos e elaboração do plano de gestão dos recursos hídricos da bacia, para informar aos presentes os trabalhos já desenvolvidos e quais as próximas ações previstas. Deixou claro que na sequência do plano, será avaliada a disponibilidade de água, quais as demandas e suas relações de causa e efeito. Esclareceu que quando a empresa prestou assessoria no Rio Grande do Sul, no planejamento dos comitês, em nenhum momento, nos encontros e assembleias ocorridas, teve a participação dos gestores públicos.
Além do mais, dos comitês criados naquele estado, apenas um está funcionando. Diante dessa realidade preocupante relatada pelo técnico da empresa, um membro do comitê de Araranguá solicitou a palavra proferindo críticas à empresa contratada, denunciando que a mesma prestou um péssimo trabalho no comitê da bacia do rio Tubarão. Diante da crítica recebida, o responsável pela empresa se defendeu afirmando que na época havia uma conjuntura desfavorável à execução do plano, que hoje a empresa adquiriu muita experiência, que está sendo importante para o bom desempenho dos trabalhos na bacia do Araranguá.
Em relação a participação dos seguimentos do poder público municipal, prefeitos e vereadores, há evidências concretas de que o comitê de Araranguá venha sofrer os mesmos problemas vivenciados no RS, pois é inexpressiva a presença de ambos nas reuniões e assembleias. Um exemplo de descomprometi mento do poder público, foi a assembleia do dia 07 de agosto, dos 16 municípios que integram o comitê, apenas o prefeito do município de Forquilhinha se fez presente. Portanto, como promover transformações significativas na região da bacia do Araranguá, cujo comitê nos dez anos de funcionamento não conseguiu reduzir “um milímetro” os níveis de poluição dos rios da região. Para o professor Daniel da Silva, da UFSC, a gestão dos comitês nas instancias federais, estaduais e municipais vem pecando quanto a sua filosofia de atuação, devendo romper o modelo ainda tecnocrático, estatal, de linguagem ainda acadêmica, para uma postura mais pedagógica, didática, que facilite o entendimento de todos os seguimentos envolvidos. 
Quanto às legislações que tratam sobre a gestão da água, o Brasil, comparado aos demais países, é o que possui uma legislação mais completa. Porém, peca no que tange a sua aplicabilidade, não conseguindo ainda solucionar problemas elementares como a redução dos fluxos de poluentes nos principais rios urbanos, como os da bacia do Araranguá.  É necessário, para que os planos de gestão de bacias deem certo, que os comitês concentrem esforços na elaboração de políticas públicas voltadas à educação ambiental. A intenção da educação ambiental é conscientizar a sociedade sobre a importância dos comitês que atende os municípios vinculados a respectiva bacia. Outra etapa importante que o comitê de Araranguá deve concentrar os esforços, antes da realização do cadastramento dos usuários da água, é esclarecer a população sobre a finalidade dos recursos arrecadados e o impacto social resultante dessa política? Partindo dessa metodologia é possível entrar na intimidade de cada cidadão e obter informações mais fidedignas da sua realidade. Como fazer com que o plano de bacia do Araranguá dê certo se seus afluentes situados à margem esquerda, lado norte, vem sendo agredido com o lançamento de resíduos piritosos do passivo ambiental provenientes das carboníferas. Sem contar os demais poluentes, agrotóxicos, esgotos domésticos e industriais, etc., que somados ao carvão, proporcionam a bacia do rio Araranguá o terrível título de uma das mais degradas do Brasil.
Como equacionar tais problemas? Não é papel do comitê, aplicar tecnologias para conter tais passivos ambientais. A função do comitê é pedagógica, ou seja, diagnosticar os problemas e discuti-los com a sociedade, elencando mecanismos adequados que permitam compreender a real complexidade de uma bacia hidrográfica e o modo pelo qual cada indivíduo deve se comportar para protegê-la. Um exemplo de ação na qual o comitê pode engajar-se é debater estratégias de produção de alimentos sem agrotóxicos, como o cultivo de arroz orgânico, que tem tornando o extremo sul do estado a região com maior área cultivada no estado. Seria possível expandir a área de produção orgânica sem comprometer a rentabilidade dos produtores? O comitê tem autonomia para promover essa discussão e avaliar as possibilidades.
Em relação às leis homologadas com vistas a auxiliar no plano de gestão das bacias, três delas são relevantes. A primeira é a lei n. 9795/99 que trata da Educação Ambiental; a segunda é a lei 12.651/12, do Código Florestal, e a última, o Estatuto das Cidades, que enfatiza aspectos referentes ao modo como as cidades devem ser planejadas, determinando os municípios como primeiro parceiro da gestão da agua.  No que pese a Educação Ambiental, os municípios que compõem o comitê deverão desenvolver seus planos para que as informações relativas à água da bacia cheguem ao conhecimento da população, estimulando-as a participarem do planejamento sustentável desse recurso. Sobre o modo como os comitês são concebidos pelo Estado, a sociedade deve ter clareza que sua finalidade é eminentemente mercadológica, ou seja, de conceber a água como produto lucrativo, cujo consumidor deve pagar pelo seu uso. A água, segundo o professor Daniel da Silva, não é um bem estatal que pertence ao governo, ela é pública, portando é de todos. O comitê deve direcionar sua linha de atuação para o pedagógico, educação, e trabalhar incansavelmente para não se tornar uma instância que atenda interesses particulares. 
A água, portanto, tem um valor muito além do social, que é ecológico, cuja função ultrapassa os limites básicos de saciar a cede humana e animal. Tem como princípio elementar, a espiritualidade, que transcende sua própria materialidade líquida. Comprometer sua qualidade é tido como ato de transgressão. O mercado é eficiente quando o assunto é transgredir normas relativas à agua, não a enxerga como algo adicionado ao produto final, apenas o lucro tem visibilidade. Pensar a economia excluindo os aspectos éticos nas relações de produção traduz em danos irreversíveis a qualidade da água consumida, que alimenta os rios, lagos e aquíferos.  O processo de planejamento da água deve ser permanente e pedagógico. Cada líder social que participa do comitê tem que atuar nessa linha ajudando a construir de uma filosofia que converta num novo modelo de organização social pensando a agua como bem social e ecológico. Não material, mercadoria, como vem sendo concebido em países como Chile e EUA.
Sobre as políticas públicas de recursos hídricos, em 1997, o Congresso Brasileiro aprovou a lei n. 9433/97 na qual estabeleceu o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos. Dentre os fundamentos definidos pela lei, o que chamou atenção foi o inciso VI do Art. 1 quando afirma que a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada devendo contar com a participação do poder público, dos usuários e da comunidade. Nos dez anos de existência do Comitê Araranguá, pouco foram os avanços significativos, bem como falhou também quanto ao convencimento dos gestores públicos, prefeitos, para que tivessem maior participação das assembleias. O comitê ainda deixa uma impressão de algo ainda distante da sociedade, pois continuam presas as estruturas burocráticas do Estado, que demonstra pouco interesse de torna-lo atuante, de promover transformações significativas no modo de pensar e lidar com a água, pois compromete economicamente e politicamente alguns seguimentos sociais que se beneficiam deste modelo de organização social que impacta a qualidade da água da região. Afinal, quais os objetivos dos comitês segundo a legislação federal?
Um dos objetivos que deve ser ressaltado e que tem relação com o contexto social da região onde abrange o comitê de Araranguá é assegurar à atual e as futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade, adequadas aos respectivos usos. Mais uma vez deve ser considerado que esse objetivo ainda não foi alcançado nos dez anos de existência do comitê, pois a bacia do Araranguá se mantém na condição de uma das mais degradadas, cuja água, na quase totalidade de sua extensão, mantém índices elevados de acidez.  Durante anos o modelo de produção adotado na região de Criciúma na qual congrega a bacia do Araranguá, primou pela exploração do carvão sem considerar os impactos resultantes para o ambiente. Diante desse passivo ambiental, o comitê tem por desafio trazer para o debate o tema carvão, os impactos e a responsabilidade do Estado e do setor minerador na sua recuperação.   
Segundo o professor Daniel, na região de Araranguá, devido a sua intensa degradação, o tempo necessário para recuperação do passivo ambiental será de aproximadamente dez anos. Isso se for aplicada políticas sérias, responsáveis.  Não há como resolver problemas como da despoluição advinda do setor minerador se os comitês não adotarem ações mais contundentes que despertem as emoções dos membros integrantes e da população perante os problemas existentes. Outro problema que vem resultando em indignação no Brasil é o desperdício da água. Isso porque, o território brasileiro possui a maior reserva de água doce do mundo, contribuindo com 13% do total das reservas disponíveis no planeta.  No entanto é um dos países que mais desperdiça água, chegando a um patamar vergonhoso de 70% do total captado, tratado e distribuído.  
No estado de Santa Catarina, esse índice ultrapassa os 49%. O problema do desperdício é decorrente da falta de políticas públicas sérias que ainda concebam a água como um bem social, finito. É preciso mudar urgentemente essa visão equivocada sobre água. Todos os gestores públicos dever ter a água como tema central das suas administrações, pensada de tal forma que possa estar disponível para as atuais e as futuras gerações. Jamais nos quinhentos anos de nossa historia, foi elaborado um plano de gestão que estabelecesse parâmetros sistemáticos e de longo prazo acerca do uso adequado da água. Essa necessidade de planejamento somente “sensibilizou” os gestores públicos quinhentos anos depois, já nos momentos finais do século XX, quando a oferta de água disponível e de qualidade tornava-se menor que a demanda, tendo como causa diagnostica mudanças climáticas e contaminações por dejetos e substâncias químicas. A busca de solução à crise de abastecimento se deu com aprovação da lei n. 9433/97.
No entanto, mesmo com uma lei tão avançada como a dos recursos hídricos, pouco resultado foi obtido.  É sabido que uma lei somente terá sucesso quando transformações significativas no modo de conceber a água pelos gestores e a sociedade ocorrerem, deixar de ser pensada apenas como mercadoria, mas como produto ecológico, que possui vida. O comitê deve também romper com alguns conceitos ultrapassados, deixar de ser ainda interpretado como um parlamento político da água, que imperam discussões pouco democráticas, prevalecendo a opinião de grupos com maior relevância.  O comitê é um espaço de debate, de criação de consenso, onde se pensa a agua como bem público e não material. Como proposta para tornar o comitê mais eficiente, deveria ser instalada nos rios que cortam os municípios da bacia pequenas estações para monitorar o PH da água.
 Nos instantes finais da assembleia, os representantes da comunidade da Lagoa do Caverá fizeram uma breve exposição da situação do manancial que continua perdendo água, correndo sérios riscos de secar se não forem tomadas providências imediatas. Esclareceu o morador que a postura da FATMA, recomendando a elaboração de um novo EIA/RIMA, é inconcebível visto que o estudo solicitado tem por finalidade avaliar os impactos produzidos pela elevação do volume da água da lagoa a partir da construção do dique de contenção da vasão. Que impacto trará se a barragem tem por finalidade recuperar o nível da lagoa? O que causa indignação é o custo financeiro resultante do estudo dos impactos da obra, alcançando cifras próximas a um milhão de reais, com duração de conclusão de dois anos.
Diante desse impasse, o comitê apresentou moção de apoio aos moradores, bem como encaminhou algumas ações como a solicitação para que o município de Araranguá, através do coordenador municipal da defesa civil, presente no encontro, intercedesse junto ao poder público municipal, para que fosse construída petição solicitando a inserção da Lagoa do Caverá como manancial a ser integrado à bacia do rio Araranguá. Porém, essa proposta de inserção, para ter sucesso, todos os municípios situados no entorno da lagoa deverão dar respaldo, pois a recusa de um deles inviabilizará o processo. A partir da inserção do manancial, a defesa civil poderá decretar situação de emergência da lagoa, podendo, nesse caso, solicitar que o comitê interceda arbitrando sobre a mesma, podendo até acionar judicialmente o próprio órgão ambiental estadual caso comprove atitude negligente sobre o manancial.
Esse dispositivo que garante autonomia aos comitês consta na lei 12.661/12, do Código Florestal, seção II, Art. 8, § 3, onde dispensa a autorização do órgão ambiental competente, nesse caso a FATMA (Fundação Ambiental e Tecnologia do Meio Ambiente) para a execução, em caráter de urgência, de atividades de segurança nacional e obras de interesse da defesa civil destinadas à prevenção e mitigação de acidentes em áreas urbanas.[1] Essa proposta de inserção dos mananciais no grupo da bacia gerenciada pelo comitê de Araranguá foi também sugerida na reunião do dia seis de agosto, no centro comunitário da comunidade da Lagoa.
O que causou estranheza na Assembleia do Comitê foi à ausência de representantes do Legislativo Municipal para respaldarem os líderes da comunidade do Caverá presente no encontro.  Se a intenção do espaço cedido aos moradores da respectiva comunidade era para oficializar o pedido de inclusão do manancial à bacia do Araranguá, o mínimo que se esperava seria a presença da comissão de vereadores que participaram do encontro do dia 06 de agosto. Nada disso ocorreu. O próprio líder da comunidade que participou da assembleia expressou sua indignação alegando descaso das autoridades municipais com o manancial. Enquanto o legislativo municipal e o próprio executivo continuarem mantendo esse comportamento, tratando problemas como do manancial Lagoa da Serra de forma isolada, cada um pensando apenas nos benefícios políticos que terá, a expectativa de solução do problema estará longe de ser resolvida. É preciso deixar de lado as vaidades e os interesses particulares dos vários seguimentos evolvidos no caso e construir redes que potencializem ações que levem no salvamento imediato da lagoa.
Como acreditar que há realmente interesses na salvação da lagoa, se nas reuniões que vêm ocorrendo para tratar do assunto, como a do dia 6 e 12 de agosto, nenhum membro do comitê da bacia foi convidado para se fazer presente? A reunião do dia 12, o jornal Enfoque Popular[2], da edição do dia 13 de agosto, trouxe informações sobre o que foi decidido no encontro. Mais uma vez nada de concreto e imediato foi proposto, apenas, segundo a fala do Procurador do Município, Nazareno de Souza, que representou o presidente do legislativo, “será realizado um requerimento de apoio à reivindicação dos moradores com objetivo de ajuda-los nesse processo”. Esqueceu-se de dizer o procurador que o requerimento não é exclusivamente para ajudar os moradores daquela comunidade, mas de toda uma população que hoje se utiliza daquele manancial.
 Também por ser uma reserva de água doce para as “futuras gerações”, que por estar a mesma conectada com os demais mananciais que caso venha secar comprometerá as demais, em especial o Manancial Lagoa da Serra, que já dá mostras de redução do seu volume de água.   Esqueceu-se de relatar o procurador que na assembleia do comitê, foi proposto e acordado pelos membros, que o município encaminhasse processo junto com os demais municípios integrantes do manancial, solicitando a inserção do manancial na bacia do Araranguá. Com a conclusão dessa etapa, a defesa civil de Araranguá poderia decretar situação de emergência solicitando ação judicial em sua defesa. Na mesma reunião, relatou o jornal que o vereador e presidente da comissão do meio ambiente iria se reunir com o presidente do legislativo e os demais vereadores para repassar as últimas informações obtidas na conversa e sobre o requerimento. No entanto, a única verdade nisso tudo é que o cenário que ora se apresenta em relação ao futuro da Lagoa do Caverá é nebuloso, não tendo nada de concreto que pudesse alentar a angústia vivida pelos moradores do seu entorno. Até quando os moradores da lagoa e a própria população do município continuarão sendo enganadas, ludibriadas, com promessas e mais promessas de salvação da lagoa?
Se expandirmos nossa visão de bacia hidrográfica para um cenário que engloba o território brasileiro, veremos que continua longe de se concretizar as demandas históricas quando o assunto é saneamento básico. Uma dessas demandas na qual seria prioridade de todos os governantes é em relação ao destino dos esgotos produzidos nas cidades. Para se ter noção da gravidade do problema, na região norte do Brasil apenas 13% dos domicílios tem acesso à rede de coleta de esgotos. Não significa que esse percentual de esgoto coletado seja tratado. O caso do esgoto é mais traumático quando comparado o Brasil com os demais países. Dos 200 diagnosticados, quanto ao saneamento, o Brasil está na posição 112. Em 2013, dados da ANA (Agência Nacional de Água) davam conta de que análises feitas em água coletada nas principais cidades brasileiras, 44% delas apresentaram algum problema. Esses dados preocupam porque forçam os municípios e os estados a disponibilizarem de mais recursos públicos para o tratamento da água. Segundo o pesquisador da Escola Politécnica da USP, Rubens La Laina Porto, “resolver os problemas nos serviços de água e esgoto no Brasil não exige adotar ou criar tecnologia nova. É só usar o que já existe e administrar o sistema”.[3] 
Diante de um quadro considerado alarmante, em 2013 o governo brasileiro lançou o PLANSAB (Plano Nacional de Saneamento Básico) que tem por objetivo universalizar os serviços de saneamento e serviços de água até 2033. No entanto, o plano já vem recebendo críticas em decorrência da escassez de recursos previstos para o financiamento dos serviços, bem como da falta de capacidade e comprometimentos dos gestores públicos na implantação dessas políticas. São previstos investimentos de 508 bilhões de reais em saneamento nos próximos vinte anos, ou 13,5 bilhões ano. De 2011 a 2013 foram investidos 8,2 bilhões. Desse montante previsto, o plano estabelece que os municípios, estados e iniciativa privada devam participar com 41%, o restante virá do governo federal.  
Prof. Jairo Cezar




[1]http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm
[2]
[3] Época.globo.com/tempo/noticia/2014/03/o-brasil-pede-baguab.html

segunda-feira, 4 de agosto de 2014


As verdades e inverdades que foram ditas acerca do controverso projeto de fixação da barra do rio Araranguá

Quase três anos depois da realização de audiência pública nas dependências do Grêmio Fronteira onde foi apresentado à população relatório conclusivo dos estudos referentes ao projeto de fixação da barra do Rio Araranguá, no dia 23 de julho de 2014, finalmente o IBAMA lançou parecer definitivo negando a licença prévia para a obra, pois o empreendedor não teria cumprido todas as recomendações propostas pelo órgão ambiental federal. O que se viu nesse três anos de tramitação do projeto foi uma avalanche de informações desencontradas advindas do poder público, ora criticando a intransigência dos órgãos federais quanto às recomendações descabidas, ora afirmando que tudo estava caminhando dentro dos prazos estabelecidos, bastando apenas o licenciamento e o processo de licitação para o início da obra. Foram infindáveis as viagens realizadas à capital federal, arcadas, é claro, pelo honorário público, na tentativa de pressionar o órgão ambiental para que agilizasse o licenciamento.
O que causa revolta é saber que a população araranguaense foi mais uma vez enganada, em especial os moradores das comunidades de Ilhas e Morro Agudo, que alimentavam a expectativa da obra ser realizada possivelmente no final de junho de 2014, como vinha sido divulgado, que os problemas das inundações cíclicas no vale estariam resolvidos. Nada disso se constituiu em verdade. Tudo não passou de uma falácia articulada pelo empreendedor que foi revelada ao público no dia 03 de junho de 2014 quando o Ministério Público Federal encaminhou ao IBAMA informações importantes para que o órgão ambiental federal se eximisse de liberar o licenciamento prévio cujas justificativas impeditivas são muitas.

Em entrevista a uma rádio do município de Araranguá sobre a negativa do IBAMA à obra, o prefeito, ainda estando em Brasília, minimizou os discursos e como sempre vem fazendo na sua administração transferiu toda responsabilidade pelo cancelamento da obra ao MPF e ao Órgão Ambiental Federal por terem adotados posturas equivocadas em relação ao projeto. Além do mais foi corajoso em dizer que lamentou a postura dos dois órgãos que segundo ele adotaram uma postura dissociada da verdade.  Afirmou que das cinco alternativas propostas para a obra, somada as três diagnosticadas, foram negadas todas e que o MPF mantinha sua posição intransigente à construção da obra de fixação. Porém, quando perguntado sobre a desistência o não do projeto, argumentou esperançoso que há uma nova resolução do Conama que transfere as responsabilidades para licenciamentos de projetos como da fixação da barra aos órgãos estaduais, nesse caso para o estado de Santa Catarina, a FATMA (Fundação Amparo e Tecnologia e Meio Ambiente).

Se tal notícia for verdadeira se conclui que a ação do Conama representa um verdadeiro retrocesso à segurança ambiental dos estados, em especial para Santa Catarina quando se sabe que a entidade ambiental, Fatima, vem se caracterizando como entidade que adota postura mais política que técnica nas decisões tomadas em benefício de grupos econômicos. Para exemplificar essa atitude, citamos o caso do manancial Lagoa do Caveira, que está secando e cujo órgão estadual, numa demonstração de negligência e parcialidade, reluta em criar empecilhos à solução do problema.
São extremamente preocupantes e ao mesmo tempo causa irritação quando se constatou que a população araranguaense, nesses quase quatro anos de tramitação dos projetos de fixação da barra, esteve envolvida em uma teia de inverdades, expectativas falsas de que nada impediria que a tão sonhada obra não fosse realizada. O basta definitivo dessa farsa, chamada fixação da barra do Araranguá, ocorreu a partir do momento que o MPF encaminhou ao IBAMA documento contendo quase uma centena de argumentos contrários a obra cujos impactos ambientais e socioeconômicos seriam muito maiores que os benefícios que tanto foram aclamados. Na audiência pública de 4/10/2012, nas dependências do Grêmio Fronteira/Araranguá, quando foi apresentado o EIA/RIMA, foi explicitado que o objetivo da obra era amenizar os impactos das inundações cíclicas na bacia do rio Araranguá. No entanto, o MPF, depois de ter conhecimento do ter do relatório encaminhou parecer técnico justificando que os estudos realizados não mostravam entre outros fatores as causas das cheias muito menos propostas técnicas alternativas para evita-las.
Criticou veemente o município de Araranguá por estar disponibilizando milhões de reais para uma obra de tamanha proporção, que não evitará definitivamente as inundações, que por outro lado, o plano diretor não cria empecilhos às novas construções em áreas inundáveis no perímetro urbano. Diante desse quadro destacou que outras tecnologias precisariam ser estudadas no projeto para contenção das inundações na área central do município. A construção de diques dificultando a entrada das águas, abertura de canais para a acelerar o escoamento das águas e a drenagem permanente da foz natural do rio, seriam uma delas. Insistiu em dizer que as três obras alternativas propostas deveriam ser avaliadas sua funcionalidade e comparadas com a obra principal, os molhes de fixação. Talvez os diques; os canais de escoamento e a drenagem periódica do estuário do rio fossem de tal maneira eficiente que reduzia os impactos da cheias, excluindo desse modo a obra principal.
Destacou ter havido, analisando o EIA, alterações tendenciosas no projeto de construção da obra, pois há omissão de procedimentos citados nos capítulos referentes à análise do projeto. No instante que o EIA eximiu de apresentar estudos técnicos comparativos no perímetro urbano à obra principal, citados no parágrafo acima, infringiu frontalmente a resolução 001/1986 do Conama, que no seu capítulo 5, inciso I determina a necessidade dos estudos contemplares a todas as alternativas tecnológicas e de localização do projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto. Per ser a obra de contenção das cheias do rio Araranguá, complexa, cujo trecho do rio paralelo ao mar possuir uma extensão aproximada de cinco quilômetros, o EIA/RIMA do projeto deveria apresentar outras amostragens, não somente três que foram apresentadas distantes cerca de setecentos metros uma da outra.
Era de se esperar que duas outras amostragens fossem apresentadas como foi sugerida na audiência de 2011, uma frontal a comunidade de ilhas, outra situada mais a norte, próxima a barra velha. No que concerne às inundações, no documento apresentado consta que tais fenômenos têm como um dos principais agravantes fatores astronômicos, ou seja, dependendo das fases da lua, o astro impõe forte influência no movimento e elevação das marés e na consequente dificuldade da vasão das águas. Não consta, portanto, no relatório nada que se refere aos ventos do quadrante leste ou lestão, um fenômeno meteorológico corrente na região que também motivador das inundações represando as águas do rio. Há também o risco, de acordo com o relatório do MPF, que a fixação da barra nas proximidades de Ilhas, a desembocadura da foz irá se constituirá em um braço de rio morto, que poucos meses depois de aberta terá seu leito assoreado formando dunas frontais sobre o depósito. Desse modo, quando da ocorrência de enchentes, o acúmulo de área nesse local resultará em uma enorme barreira impedindo a vazão da água.
Nas simulações computacionais apresentadas não mostra o braço do rio morto assoreado, contrariando assim todas as abordagens técnicas apresentadas. Há fortes evidências que as simulações computacionais que foram apresentadas carecem de veracidade, portanto, é mais um elemento impeditivo à realização da obra. Na audiência ocorrida no grêmio fronteira de Araranguá, quando foram apresentados os estudos acerca do projeto de fixação da barra do rio Araranguá, a EPAGRI alertara que os impactos da obra para a agricultura da região especialmente para rizicultura seriam incalculáveis devido à precipitação da cunha salina. Essa informação foi evidenciada no EIA/RIMA admitindo que em períodos de maré alta o material particulado, sal, alcançaria os afluentes do Mãe-Luzia e rio Itoupaba.   
Sobre o problema da cunha salina, um ano anos da realização da audiência pública, a geóloga Carla de Abreu Aquino[1] apresentou estudos conclusivos sobre o assunto na Universidade Federal do Rio Grande do Sul tendo seu trabalho abordado “os processos de transporte e retenção de sedimentos finos em estuários dominados por rios”. Essa pesquisa poderia ter contribuído para que já na audiência de outubro de 2011 fosse definida a inviabilidade da obra proporcionando economia para os cofres públicos e evitado conflitos generalizados como o ocorrido nas duas comunidades próximas. A pesquisadora Carla Aquino fez estudo minucioso do Material Particulado em Suspensão nos três principais rios do sul do estado, o Tubarão, o Mampituba e o Araranguá, que comparou-os com os MPS Rio do Itajaí-açu com um histórico de fixação mais antigo.  Os dados obtidos nos três rios dão prova que o rio Araranguá e Tubarão a influência da cunha salina é menos atuante que nos rios Mântua e Itajaí-açu ambos já constituídos por molhes.
Outro dado relevante no estudo parte do pressuposto que rios como o Araranguá cuja água possui um baixo PH (índice de acidez) e reduzida turbidez (coloração escura), a mesma contribui para o aprisionamento de sedimentos finos (sal). Nesse sentido, sugere a pesquisadora, a necessidade de realização de amplos estudos acerca do grau de preservação da bacia e o monitoramento do solo quanto a seu uso, avaliando a incidência do material particulado suspenso o mais próximo possível das nascentes. Além da pesquisa de Carla Aquino, outro estudo importante sobre o estuário do Rio Araranguá, avaliando a salinidade e turbidez da água, foi concluído em 2011 por Guilherme Algemiro Manique Barreto. Na pesquisa se chegou à seguinte conclusão que os “estudos com séries temporais de salinidade e turbidez em superfície e fundo podem produzir resultados ainda mais esclarecedores sobre a hidrodinâmica e circulação do estuário da bacia do rio Araranguá”.  
Diante das agravantes apresentadas em relação à salinização da água, o Ministério Público Federal destacou no documento encaminhado ao IBAMA que o empreendedor não mencionou as medidas mitigatórias que seriam adotadas para atenuar a incidência de sal na montante da bacia, ou seja, próximas as nascentes. Quando da abertura do canal que serão afixados os molhes, o EIA/RIMA não apresentou canal alternativo para a navegação, menos ainda para dar vazão à água na hipótese de ocorrência de cheias. Esse é sem dúvida um dado relevante, visto que o prazo de conclusão da obra está previsto para no máximo 17 meses ou dois anos. Outro alerta apresentado pelo Ministério Público Federal é sobre a inexistência de medidas concretas voltadas ao desassoreamento do canal vertedouro da barra. Anualmente, após a conclusão da obra, o município deverá ter disponível no orçamento cerca de dois milhões de reais para custear serviços de dragagem removendo aproximadamente cento e vinte mil metros cúbicos de areia anualmente. Se o respectivo trabalho de desassoreamento deixar de ser realizado, o canal certamente entrará em colapso comprometendo sua eficácia.
De acordo com análises empíricas dos ventos na orla, nos meses de novembro e dezembro, a incidência do vento nordeste ou nordestão no trecho da orla é enorme, chegando atingir cifras aproximadas de sessenta a setenta quilômetros horários, influenciando no movimento das ondas do mar e na modelagem do solo arenoso. Por conta disso, o EIA deveria apresentar estudos completos dessa variável meteorológica, mostrando apenas dados relativos aos ventos avaliados nas estações meteorológicas do interior da planície onde o comportamento, velocidade e direção são distintos ao do local da obra. Se a predominância do vento nordeste é considerável e afeta a dinâmica da geografia e da geologia do entorno da obra, o relatório deveria apresentar também os impactos sobre o sistema eólico (dunas) nas proximidades do Morro dos Conventos.
Qual o impacto, portanto, que seria resultante na dinâmica dos ventos a partir da construção dos molhes? Poderia o vento afetar a incidência de areia reduzindo significativamente seu abastecimento a ponto de extinguir as enormes dunas depositadas frontalmente na falésia do Morro dos Conventos? Mais uma vez o EIA não sugere qualquer medida mitigatória, muito menos recursos para sua efetiva implantação visando atenuar tais impactos nesse que é, inegavelmente, uma das mais belas e raras paisagens naturais do sul do brasil. É importante frisar que todo esse esplendor estético paisagístico são as falésias do Morro dos Conventos tem sua proteção assegurada pela constituição brasileira, segundo o Art. 216, “quando ressalta que constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem”.
No mesmo artigo 216 é mencionado o inciso V, que trata “dos conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”. Em relação ao mesmo assunto, há outras leis que dão total garantia à preservação desse patrimônio paisagístico como a lei 12.651/12, sobre o código florestal; a lei 6.513/77 que dispõe sobre a criação de áreas especiais e de locais de interesse turístico e a lei 7.661/88 que enfatiza o plano nacional de gerenciamento costeiro. Sobre o mapeamento das APPs nas áreas limítrofes à obra da obra de fixação, o relatório do EIA demonstra estar incompleto, pois não sugere a criação de uma unidade de conservação como medida compensatória prevista pela lei 9.985/00, no seu art. 36 que diz onde diz que “nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório - EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei”.
  Descumpre também o empreendedor a resolução 371/06 do Conama, no seu Art. 10, quando obriga que nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório - EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de Unidade de Conservação do Grupo de Proteção Integral. Com a definição de que a obra de fixação ocorrerá nas proximidades de ilhas, que com a abertura do canal principal a tendência é pela obstrução total do atual canal transformando-se em um rio morto cujos impactos sócio econômicos serão sentidos pelas comunidades tradicionais que tem suas vidas pautadas nesse importante estuário que é a barra do rio Araranguá. O impacto mais evidente se dará no complexo mangue de Ilhas que reúne uma rica biodiversidade servindo de berçário para a reprodução de espécies responsáveis pela perpetuação da pesca na comunidade. Diante disso era de se esperar que o EIA/RIMA apresentasse estudo sobre os possíveis impactos à vida local, que não o fez.  Além do impacto econômico, admite-se que a população local correrá sério risco contrair doenças decorrente do acúmulo de entulho e animais mortos no braço morto do rio.
Deixa clara a postura tendenciosa das análises feitas pelo empreendedor que supervaloriza os aspectos positivos da obra, que são inexpressivos. Basta ressaltar que a proposta da obra seria para evitar as cheias, que não é verdadeira. A fixação apenas minimamente ameniza os efeitos das inundações que continuarão ocorrendo, porém, com uma atenuante, o tempo de permanência das áreas inundadas é menor. Estudos apresentados em fevereiro de 2011 pela Acquaplan Tecnologia e Consultoria Ambiental, aponta que a vazão do rio Araranguá é baixa durante longo período, atingindo 6m³/s cúbicos por segundo, excetuando em épocas de cheias extremas, poucos dias por ano, cuja vazão chega a 3000 m³/s.  Esses dados são importantes, pois se conclui que em decorrência da pouca vazão da água, somada ao intenso movimento das dunas, há grande acúmulo de sedimentação ao longo da desembocadura do rio.  Em relação aos problemas oriundos da obra, os documentos pouco apresentam medidas que possam evitar o assoreamento e a eutrofização do antigo leito que afetará toda uma comunidade.  Referente a todos os problemas apresentados, o Ministério Público Federal já alertara em 2011, quando encaminhou recomendação n. 32/2011 ao IBAMA para que se abstivesse de conceder licença sem que antes o empreendedor providenciasse alterações necessárias do parecer técnico 054/2011.
Diante disso, atendendo as recomendações do MPF, o IBAMA encaminhou novo parecer técnico n. 68/2011 que foi analisado pelos técnicos do Ministério Público resultando em novo documento n. 038/2011. Dois anos depois de o Ministério Público ter encaminhado o parecer técnico 038/11, o empreendedor, em 12 de abril de 2013, divulgou nota esclarecendo que tinha concluído os trabalhos resultando em documento no qual reunia elementos suficientes para que fosse concedida licença prévia para a obra. Mesmo com a negativa do órgão ambiental federal sobre a concessão da licença prévia, o empreendedor ousava em divulgar na imprensa que o processo de licitação para contratação de empresa que realizaria os serviços de construção da obra já estava para começar bastando apenas um pequeno detalhe, o licenciamento do IBAMA. O que causou ainda mais surpresa e indignação ao ministério foi quando na leitura do jornal da manha do dia 30/05/14 deu conta que o município de Araranguá promoveu lançamento edital de licitação para as obras de fixação estimado para começa em junho de 2014.
Com esse argumento, várias viagens foram realizadas a Brasília, onerando ainda mais os cofres públicos, cujo argumento defendido para justificar a viagem era para pressionar o órgão ambiental para que agilizasse a liberação da licença. Tendo essas informações, o MPF despachou oficio à Caixa Econômica Federal para a não liberação dos recursos na hipótese de uma eventual concessão de licença previa por parte do IBAMA. Em fevereiro de 2014 novas informações foram divulgadas afirmando que o empreendedor não teria cumprido as recomendações quanto aos novos estudos ambientas propostos referentes à obra. Além do mais, havia outro agravante, que comprometeria ainda mais a execução do empreendimento. O Ministério do Meio Ambiente; Instituto Chico Mendes, CEMAVE, (Centro Nacional de Pesquisa de Aves Silvestres) elaboraram nota técnica n.003/14, alertando os impactos às aves migratórias decorrentes da fixação.
Prof. Jairo Cezar



[1] http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/36789/000817914.pdf?Sequence=1