segunda-feira, 30 de setembro de 2019


FRAGMENTOS DE QUATRO DÉCADAS DE VIDA PROFISSIONAL DE UM PROFESSOR HISTORIADOR

Durante minha carreira de docente, nas escolas onde lecionei, sempre, de uma forma ou de outra, buscava trazer e aplicar aos estudantes o gosto pela investigação científica. Isso acontecia geralmente com saídas de campo e atividades pedagógicas ao ar livre. Na época, as dificuldades de inserir essa dinâmica metodológica nos currículos das escolas eram enormes. Habitualmente um dos principais obstáculos enfrentados quando o assunto era pesquisa ou saída de campo, era o financeiro, pois tais ações requeriam aporte de recursos, algo que nenhuma das escolas públicas das quais trabalhei dispunham.  
Isso jamais foi um obstáculo intransponível para a execução dos meus objetivos. Um dos caminhos possíveis à execução de tais atividades eram as famosas vaquinhas. O custo da viagem era dividido e cada um contribuía com uma pequena soma. Muitas vezes, por serem muitos dos estudantes dessas escolas excessivamente necessitados, o montante dos custos da excursão era por mim coberto.
Foram dezenas de atividades desse gênero cujos resultados eram perceptíveis tanto nas atitudes quanto nos resultados das atividades pedagógicas. O sucesso do bom desempenho pedagógico deve-se considerar que não depende somente a tais metodologias inovadoras, a postura dos gestores e do segmento técnico pedagógico conta muito nos resultados.  Sensibilização e trabalho focado na investigação desses profissionais são também determinantes no sucesso. Mas não era essa a realidade de muitas escolas da época.
O apadrinhamento político e a vinculação política partidária eram regras na escolha de quem iria gerenciar as escolas. Às vezes, por sorte, uma determinada escola recebia um gestor com perfis acima citados. Vencer os obstáculos da postura autoritária e arrogante de certos gestores foi também decisivo para levar em frente o gosto pela ciência. A participação ativa em eventos como congressos, seminários e a incessante necessidade de querer aprender mais e mais me impulsionaram a galgar outros desafios e horizontes. A experiência de ter trabalhado como professor em uma universidade aos vinte e cinco anos de idade foi importante.
Atuar nas áreas ambientais, sindicais e políticas, enriqueceu ainda mais meu currículo e meu desejo por novos desafios tanto profissional quanto na vida pessoal. A conclusão do mestrado em 2004, na UDESC, teve papel importante para redimensionar minha trajetória profissional, pois faltavam poucos anos para minha aposentadoria. Trabalhar na UNIBAVE (Universidade Barriga Verde) no município de Orleans, por cerca de dez anos e lecionar para estudantes em vários cursos, em especial pedagogia, foi, sem dúvida, um dos grandes desafios que enfrentei.
 Emoções, decepções, desilusões, estafas, talvez tudo isso somando se traduziram em num dos maiores recuos profissionais e pessoais em minha vida. Uma forte crise depressiva tentou me nocautear e apagar todos os meus sonhos. Nada disso, um ou dois anos de tratamento e insistentes terapias restabeleceram meu ânimo, permitindo que eu retornasse a labuta diária, de continuar sonhando e acreditando que era possível transformar a educação e a sociedade. A despeito de não ter exercendo diretamente a função de professor em sala de aula, passei a me dedicar à função que sempre me deixou muito a vontade, a coordenação de trabalhos e projetos com professores e estudantes.
Os quase cinco anos que atuei na Escola de Ensino Fundamental Padre Antônio Luiz Dias, no bairro Morro dos Conventos, Araranguá, foram cruciais para redimensionar minha visão no campo da pesquisa. É quase impossível mensurar aqui a diversidade de trabalhos que tive participação direta e indireta nessa escola. Porém, cabe destacar dois que para mim foram categóricos para elevar ainda mais a certeza de que é possível sim acreditar na escola pública, na autonomia e capacidade criativa de estudantes que conseguem mesmo com poucos recursos transformar suas vidas e dos demais.
A participação que jamais me esquecerei de uma professora de língua portuguesa marcará para sempre aquela escola. Sua habilidade criativa e capacidade de síntese revolucionaram as vidas de um grupo de estudantes. Por apresentar a população do bairro forte traços das etnias açorianas e lusas brasileira, com uma simples máquina fotográfica e criatividade de sobra, a professora e o grupo de estudantes do sétimo e oitavo anos produziram um rico documentário, de cerca de dez minutos, narrando um pouco da geografia, história, lendas e demais tradições daquela comunidade.
Na época, um dos fatores importantes na concretização desse ousado trabalho foi a existência de um laboratório de informática em bom estado de uso e a habilidade da professora em manipular tais ferramentas. Infelizmente a professora, dois anos depois, abandonou a carreira de docente, decepcionada, por enfrentar resistência e falta da estrutura técnica e pedagógica nas escolas que trabalhou. O meu retorno à escola do bairro onde nasci e iniciei minha carreira no Estado trouxe à memória o passado de alegrias, frustrações, decepções e o esforço quase subumano de poder equilibrar o trabalho com minha vida pessoal.
 Foi ali que a paixão pela pesquisa brotou quando, no começo da década de 1990, num belo dia, estudantes chegaram a minha casa carregando um artefato estranho. Notei que era uma espécie de urna funerária guarani, isso mesmo, um objeto pré-histórico importante encontrado no bairro que mostrou ter sido ali o local habitado por grupos indígenas, dentre eles os guaranis. Rapidamente me apoderei do artefato e o transportei à UNESC, pois naquele momento eu exercia a função de professor de prática de ensino em estudos sociais, no curso de história, cujo coordenador da área, Edi Balod, possuía formação em antropologia, tendo o mesmo montado um pequeno museu em sua sala.
A entrega daquele artefato a UNESC ocorreu pelo fato de o município de Araranguá não possuir ainda um museu. Mais de vinte anos depois de ter trabalhado na EEF Padre Antônio Luiz Dias, lá retornei, com intuito agora de levar a frente algo inacabado, o levantamento arqueológico, histórico e cultural do bairro. Nesse mesmo período que lá cheguei o município de Araranguá finalmente estava inaugurando seu museu.
Em 2010, tive a felicidade de coordenar um projeto ousado e cuja realização se deveu ao empenho dos colegas professores também instigados pelo gosto da pesquisa. Jamais esquecerei o apoio incondicional do qual tive da coordenadora pedagógica Viviane Vieira, de uma professora das séries iniciais na qual não lembro o seu nome e do professor hoje doutor em história, Luciovânio Moraes.
É claro que os demais integrantes daquela unidade de ensino foram decisivos no sucesso do empreendimento.  Durante semanas a escola ficou envolvida na construção desse projeto cuja temática escolhida foi a reconstrução da memória cultural do bairro. Quando se tratava da memória do bairro, a ideia era extrapolar o tempo histórico, estendendo antes da presença lusa brasileira a partir do século XV.
O desafio era adentrar em períodos mais longínquos, mil, dois mil e quem sabe ainda mais remotos ainda. Durante um dia inteiro estudantes, professores e membros da comunidade tiveram envolvidos numa série de atividades focada na cultura local. Sem desmerecer outras ações importantes nesse dia, o que realmente marcou e transformou a vida dos estudantes certamente foi a oficina cerâmica guarani.
Proposta foi fazer os estudantes experimentarem algo que para eles era inédito, porém, para os povos guaranis fazia parte de sua rotina diária, a confecção de artefatos, panelas, urnas, entre outros objetos feitos de barro. O processo da oficina seguiu todas as etapas, desde a extração da argila, preparação, confecção, secagem e a queima. Entretanto a conclusão que chegamos era de que a habilidade manual das mulheres guaranis mostrava-se superior a nossa, onde muitos artefatos depois de secos não resistiram o calor no momento da queima, formando fissuras. Todavia o resultado final serviu para que refletíssemos sobre o enorme conhecimento acumulado por essas culturas hoje extintas na região. Temos muito que aprender ainda com esses pequenos grupos que tentam subsistir diante de excessiva pressão do capital.
Naquele momento o grupo foi convidado a expor o trabalho no centro cultural, local que hoje abriga o museu de Araranguá. Dezenas, centenas de pessoas transitaram por aquele recinto para prestigiar um pouco da história e cultura de uma região rica paisagisticamente e culturalmente, porém pouco valorizada. Toda essa dedicação contribuiu para que o projeto memória do bairro fosse escolhido nas duas etapas regionais da feira interdisciplinar. A maior alegria e orgulho do grupo foi que souberam que o projeto havia sido selecionado à etapa estadual, onde também foi premiado.
Em 2013, recebemos a visita de um professor e estudantes da UFSC, Campus Araranguá, que estavam interessados em desenvolver um documentário narrando a prática do boi de mão na escola. De imediato aceitamos o desafio, fato que resultou em um rico trabalho cultural que certamente deve ter orgulhado e elevado a autoestima dos membros daquela escola e da comunidade.[1]
 Minha etapa naquela escola, portanto, findou-se em 2015, quando retornei à EEBA onde havia me efetivado há cerca de vinte anos.  Atuando na biblioteca, da qual serviu como um QG, ali comecei a articular estratégias com alguns professores para levar adiante o projeto iniciado na escola do bairro Morro dos Conventos.  Os desafios, porém, tornaram se bem maiores que o esperado, pelo fato do tamanho da escola e do modelo de ensino ainda apostilêstico, mediando pelos resultados quantitativos. Mas nada disso impediu que eu continuasse acreditando e insistindo, até que em 2016, finalmente, um projeto teve início, focado nas questões ambientais da escola.
No primeiro ano o desafio foi assentar os tijolos de uma construção que seria longa, porém, duradoura, impossível de ser desmanchada ao longo do tempo. Construir uma cultura pedagógica na escola embasada na investigação científica seria, com certeza, um dos principais desafios que eu teria de enfrentar a partir daquele instante. No segundo ano de trabalho, o apoio tido da competente professora de geografia, Maria de Fátima Maccarini, foi imprescindível à continuidade do projeto.  Contenção de desperdícios de energia elétrica e água na EEBA foi a proposta que norteou nosso trabalho.
 Conseguimos, com todas as dificuldades enfrentadas no percurso, chegar em 2018 com o projeto cheio de resistência. Foram cerca de três anos para conquistar o apoio e a credibilidade de um grupo de estudantes que passaram a atuar nas atividades programadas. Finalizou o ano de 2018, o ano letivo de 2019 despontou tendo pouca certeza da continuidade ou não do projeto. Primeiro motivo foi a saída da minha co-coordenadora por motivo de aposentadoria. Esse episódio elevou a preocupação com o futuro da proposta, pois no mês de setembro de 2019, também estaria me aposentando, depois de 37 anos de atividade docente.
O tempo corria incessante e era necessário convencer algum colega da escola a abraçar o projeto. Seria uma luta quase em vão pelo fato de que todos estavam sobrecarregados com tarefas corriqueiras em suas inúmeras turmas. Quase que diariamente, na biblioteca da EEBA, recebia a visita de um professor da área de educação física, onde transpirava um desejo incessante pela pesquisa. Nos poucos ou longos momentos que passávamos juntos conversando, muitas ideias e estratégias foram pensadas na tentativa de mudar a forma de ensinar e aprender na escola.
Seu desejo era entrar no mestrado, porém faltava encontrar um tema específico. No entanto sua mente não relaxava, borbulhava insatisfação e ao mesmo tempo desejo de transformar o quadro quase estático da escola e da sociedade. Ele sabia que a investigação científica seria o caminho necessário para assegurar o futuro da EEBA e das demais escolas públicas, ao contrário ambas seriam engolidas pelo capital. Nessa mesma ocasião, duas professoras e três estudantes estiveram na biblioteca apresentando uma proposta de pesquisa, cuja temática estava vinculada ao projeto sustentabilidade.
Aos poucos ia percebendo que os quase quatro anos de existência do projeto sustentabilidade, quando já acreditava no seu fim súbito, me apareceu essas pessoas reacendendo as esperanças de que nada estava perdido. Já fora da escola, não deixei de acompanhar o cotidiano do grupo de pesquisa que escolheu como tema investigativo o Diagnóstico do Consumo de Água das Escolas Estaduais do Município de Araranguá. A capacidade de articulação e síntese das duas professoras coordenadoras do projeto me impressionava a cada reunião que estive presente.
Isso proporcionava segurança e ânimo aos orientandos que passaram a abraçar a idéia de forma assustadora. Já que a proposta da pesquisa era a participação na feira interdisciplinar da EEBA, ambos foram convidados para expor a pesquisa em um evento internacional, o EXPOMATRIX, que ocorreu numa escola particular do município. De dezenas de trabalhos avaliados, o grupo da EEBA obteve a medalha de prata, sendo indicado a participar de outro evento de maior envergadura que o EXPOMATRIX, o MOSTRATEC, que ocorrerá em outubro em Novo Hamburgo, RS.
Lá serão expostos cerca de 700 trabalhos entre cerca de vinte países participantes. Antes desse evento, o grupo teria outro desafio, a feira interdisciplinar escolar e a regional, essa última programada para o dia 27 de outubro de 2019, na escola Dolvina Leite de Medeiros. Na feira interdisciplinar que ocorreu na EEBA, fiquei extremamente feliz quando me deparei com o professor de educação física, o mesmo dos incontáveis encontros na Biblioteca, coordenando a exposição de um trabalho que estava sendo apresentado por dois estudantes. 
O professor não teve noção o tamanho da minha satisfação de estar num ambiente onde dois ricos trabalhos, que de uma forma ou de outra tive alguma participação. Aquilo realmente foi emocionante. Agora o passo seguinte era a feira regional. Apenas esses dois trabalhos da EEBA haviam sido inscritos para o evento.  Ambos estavam contados para ficar entre os primeiros entre os participantes. Quando veio o resultado que a pesquisa coordenada pelo professor Rafael da EEBA havia obtido o primeiro lugar, me senti lisonjeado como devem ter sentido os demais integrantes do grupo e o professor. 
É claro que no semblante dos estudantes e da professora do outro projeto representando a EEBA, havia certo ar de decepção. Quando me aproximei para parabenizá-los pelo empenho, a professora me relatou que a participação do grupo no evento de Novo Hamburgo estava descartado. A resposta foi a falta de aporte financeiro para custear a inscrição e os estudantes nos dias que ficariam na cidade gaúcha.  Naquele momento, me senti um tanto frustrado, pois a desistência poria em Xeque toda a expectativa do grupo em permanecer na pesquisa.
Há poucos dias outra professora coordenadora do grupo havia me dito que somente cinco escolas catarinenses haviam sido selecionadas para o encontro em Novo Hamburgo. Tendo Araranguá, duas indicações, uma pública, a EEBA, e outra particular. É claro que a escola particular jamais deixará de estar num evento dessa magnitude, pois a pesquisa faz parte da sua filosofia.
Aí senti o motivo pelo qual o abissal atraso da educação brasileira em comparação a de outros países que prezam a pesquisa. Era função do Estado de Santa Catarina disponibilizar recursos para iniciativas desse tipo, fazendo jus o que determina os planos nacionais e estaduais de educação que estão focados no estímulo a investigação científica como forma de transformação social.
A indicação do projeto “Paradesporto: Estudo de Caso na EEBA de Araranguá, vencedor na feira interdisciplinar regional, pode, quem sabe, ajudar a revolucionar o modo de pensar educação naquela instituição. Cada vez mais fica explícito que a pesquisa deve fazer parte do cotidiano das escolas públicas do Estado. Mas para isso é preciso repensar e reestrutura o modelo de escola e ensino ainda praticado.
Prof. Jairo Cezar

segunda-feira, 23 de setembro de 2019


A EEB DE ARARANGUÁ É UM EXEMPLO DE ESCOLA PÚBLICA QUE COMPROVA QUE A PESQUISA CIENTÍFICA PODE TRANSFORMAR PESSOAS E O MUNDO

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Historicamente as experiências de projetos científicos desenvolvidos em escolas públicas catarinenses e que permaneceram ativos depois de pleitos eleitorais, são ínfimas. A história nos revela que nos últimos trinta ou quarenta anos de educação brasileira, a duração dos projetos científicos teve o mesmo período de tempo dos partidos ou governos a frente de administrações, ou seja, quatro anos. São contadas nos dedos, as escolas que se superaram as descontinuidades de políticas educacionais nada relevantes às mudanças de paradigmas, pautadas em modelos autônomos, críticos, sem ou com o mínimo de apoio dos governos nas suas execuções. 

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A EEBA de Araranguá é um exemplo de instituição de ensino que pode servir de referência às demais escolas espalhadas pelo estado e o país.  Mais uma vez ratifico a afirmação que o mérito reconhecido a essa unidade de ensino em se tratando de projeto de pesquisa se deve a ousadia e insistência do corpo gestor, discente e docente, que desafiaram as adversidades e descontinuidades políticas para se consolidar como uma das pioneiras no campo da inovação pedagógica.  
O que ficou explícito quando desafiamos as amarras políticas pedagógicas nada producentes e transformadoras, que a pesquisa nas escolas não se materializou pelo fato de estar nela o antídoto da ruptura do modelo de escola que aprisiona a criatividade. O projeto sustentabilidade na EEBA cuja temática proposta foi investigar o consumo e os desperdícios de energia e água na instituição demonstrou que a pesquisa na escola é capaz sim de melhorar os níveis de aprendizagem como também elevar a autoestima de toda a comunidade escolar.

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A elaboração de um plano de trabalho bem consistente e a montagem de uma equipe responsável e participativa foi o primeiro estágio para o sucesso da empreitada iniciada em 2016. O registro por meio de relatório e imagens de todas as ações desenvolvidas durante a trajetória da pesquisa impediu que o grupo andasse em círculo, repetindo ações já executadas. Esse é, portanto, um dos grandes pecados cometidos pelas escolas, o não registro das atividades e o pouco hábito de realizar reuniões permanentes para avaliação e tomada de decisões. Três anos na coordenação do projeto sustentabilidade na EEBA possibilitou compreender que as escolas públicas catarinenses e brasileiras estão longe de se igualar a de países que conquistaram níveis de excelência em educação.
As escolas brasileiras ainda permanecem engessadas, atreladas as tarefas repetitivas e nada producentes socialmente. O PNE e a BNCC embora trazendo um discurso inovador e até mesmo transformador, ambos esbarram no modo como as escolas estão estruturadas, produção em séria de mão de obra barata para o mercado de trabalho. A escassez de recursos para a recuperação de escolas e aquisição de equipamentos pedagógicos me fez refletir sobre buscar soluções a tais demandas sem impactar financeiramente os cofres públicos.
Vendo que a temática ambiental permeava os debates e programas de ensino das escolas, surgiu a ideia de aproveitar a oportunidade e adentrar num campo quase despercebido aos olhos de todos nas escolas, porém, estratégico ao satisfatório funcionamento das mesmas. Refiro-me ao uso eficiente ou não da água e energia elétrica na instituição. Intrigava uma escola pública tradicional como a EEBA, cujos extratos das contas de luz e energia elétrica demonstravam que algo de errado vinha ocorrendo nesses seguimentos, que os valores pagos pelo estado aos órgãos fornecedores estavam acima da normalidade.

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Não havia dúvida que parcela significativa dos valores cobrados era decorrente de desperdícios, que bastava ter em mãos os extratos para comprovação. Diante disso, o projeto elencado na escola teve como objetivo investigar o consumo e desperdícios de tais demandas nos últimos cinco anos. Se na EEBA o problema dos desperdícios foi confirmado, era de prever que nas demais escolas da rede estadual havia também indícios de desperdícios.
Não foi necessário muito esforço para comprovar que as escolas estaduais da regional de Araranguá também sofriam com os desperdícios e que era necessário alertar as autoridades para contê-los. Embora o tema do projeto água e energia tenham possibilitado a abertura para outras frentes afins, o eixo central permaneceu. Parcerias com instituições importantes como a UFSC e CELESC deram um UP de credibilidade a tal iniciativa.

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Palestras, debates, feiras interdisciplinares e saídas de campo, passaram a fazer parte do cotidiano da escola, se traduzindo em regra e não mais em exceção como é corrente nas unidades de ensino. A insistência era para que o projeto adquirisse identidade própria, que pudesse se consolidar como eixo central da escola, que todas as demais áreas orbitassem no seu entorno como uma força de atração gravitacional. Enquanto não fosse consolidada tal temática no cotidiano da escola, havia a expectativa de repetição do ciclo vicioso de projetos não concluídos no passado.

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     Com a aposentadoria de uma das coordenadoras do projeto e com todas as dificuldades impostas por uma escola ainda imatura no campo da pesquisa, o ano letivo de 2019 passou a dar sinais de que as chances do projeto permanecer ativo eram mínimas. Há poucos dias para seguir o caminho de minha companheira, coordenadora do projeto, a aposentadoria, fui surpreendido com a alegre notícia de que duas colegas professoras estavam interessadas em desenvolver um tema ligado a sustentabilidade ambiental para a feira interdisciplinar programada para o mês de setembro de 2019.

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A notícia reavivou as esperanças da permanência do projeto, pois sabia que essa seria a oportunidade de fazer com que o projeto continuasse. Uma reunião foi realizada na biblioteca com a presença das duas professoras e três estudantes. Depois de uma breve explanação do projeto, o grupo decidiu abordar a temática água. A proposta elencada pautaria primeiro no levantamento do consumo per capta de água em seis escolas estaduais no município de Araranguá. Para ajudar a pesquisa, o grupo obteve os extratos das contas de água dessas escolas do órgão fornecedor do município, o SAMAE.
Embora a proposta motivadora da pesquisa fosse a feira interdisciplinar da EEBA, o grupo se inscreveu para apresentar os resultados do trabalho num importante evento internacional, o INFOMATRIX, que ocorreu no município de Araranguá, nas dependências da Escola Murialdo.  Os trabalhos apresentados de diferentes escolas do estado, Brasil e de outros países, tiveram caráter competitivo.

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Pela relevância e qualidade da pesquisa desenvolvida pelo grupo que representava a EEBA, os integrantes obtiveram a medalha de prata, sendo a proposta indicada para outro evento similar previsto para outubro, em Novo Hamburgo, a 34ª MOSTRATEC (Mostra Brasileira e Internacional de Ciência e Tecnologia). Nesse evento estarão expostos mais de 750 trabalhos classificados, representando vinte países, dentre eles o projeto da EEBA, Diagnóstico do Consumo de Água das Escolas Estaduais do Município de Araranguá, SC.

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Antes de participar da MOSTRATEC em outubro, o projeto foi apresentado na feira interdisciplinar da escola EEBA para estudantes e toda a comunidade escolar. Em contato com uma das professoras coordenadoras da pesquisa, a mesma revelou que Santa Catarina é um dos estados da federação que menos investe em pesquisa científica nas escolas. A comprovação disso pode ser comprovada com o ínfimo número de unidades de ensino do estado inscritas para a MOSTRATEC em Novo Hamburgo, cinco escolas apenas.

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A presença da EEBA em um evento de tamanha importância como foi o INFOMATRIX e agora indicado ao MOSTRATEC, é um importante indicador de que a pesquisa transforma pessoas e o mundo. Não há dúvida que para os protagonistas do projeto suas vidas jamais serão as mesmas. Agora imaginemos essa experiência transformadora sendo multiplicada para centenas, milhares de estudantes no estado e no país? Embora o cenário político brasileiro atual não seja tão promissor nesse sentido, o que temos a fazer é unificar as forças para resistir aos violentos ataques desferidos pelo governo federal às escolas públicas.  
Prof. Jairo Cezar























sábado, 21 de setembro de 2019


LEGISLATIVO DE ARARANGUÁ DESRESPEITA COMITÊ GESTOR DO PROJETO ORLA APROVANDO LEI QUE COMPROMETE ÁREA DE PRESERVAÇÃO INTEGRAL NO MORRO DOS CONVENTOS

De 2014 a 2016 representantes da sociedade civil organizada, organizações ambientais, segmentos empresariais e integrantes do poder público municipal e estadual, entre outros, estiveram envolvidos em dezenas de encontros e oficinas, onde foram discutidas e executadas uma série de demandas relativas ao projeto orla da faixa costeira de Araranguá. No final dos encontros em 2016, foi elaborado um PGI (Plano de Gestão Integrada), onde constam inúmeras demandas, divididas em classes de importância e com prazos para o seu cumprimento. Já que o ano de 2016 era final de governo, gestão 2012/1016, e algumas leis do plano diretor seriam votadas até dezembro, dentre elas uso e ocupação do solo envolvendo também o Morro dos Conventos.
Como já vem sendo praxe em várias administrações onde a pressão dos particulares ou grupos de interesses se sobrepõe ao coletivo, na calada da noite, as vésperas da votação da lei do plano diretor, emendas aditivas para mudar dispositivos do projeto foram acrescidas e aprovadas pelo legislativo. Essa postura nada democrática do legislativo municipal deixou um rastro de apreensão e dúvida no ar, pois de acordo com o regimento do projeto orla, qualquer alteração, supressão ou aditivo no PGI, deve partir primeiro de realização de reunião com os membros do grupo gestor do projeto orla, criado em 2017.  
Embora inúmeras demandas do PGI não contemplassem integralmente as entidades ligadas ao meio ambiente, um ponto positivo e visto como uma grande conquista para o município foi a sansão por parte do executivo municipal de três decretos criando três unidades de conservação (RESEX, APA E MONA-MONUMENTO NATURAL) em toda área que integra o projeto orla. A partir da criação dessas unidades caberia ao município por parte grupo gestor do projeto orla, a escolha dos chefes das unidades de conservação, data essa que expirou em 2018.
Durante o ano de 2017 varias reuniões com o grupo gestor ocorreram, porém, o governo municipal e o próprio legislativo sempre se mostraram um tanto reticente a autonomia do grupo gestor com estatus de poder para deliberar e vetar tudo que afronta o PGI. No final de 2018 o presidente e a secretária do comitê gestor do projeto orla solicitaram desligamento da entidade pelo fato de ambos terem pedido demissão dos seus cargos na administração municipal.
 Daquele momento em diante, apenas um encontro com o novo presidente e o comitê ocorreram, porém, nada foi deliberado for insuficiência de quórum. Não há dúvida que a administração municipal não demonstra qualquer interesse em dar continuidade com os encontros para o comprimento das metas do PGI.  Enquanto isso, o Morro dos Conventos e toda a extensão de cobertura da APA vêm sofrendo alterações e ocupações do seguimento imobiliário com impactos visíveis aos ecossistemas locais.
A regulamentação das três unidades de conservação através de um plano de gestão sistematizado iria definir regras claras sobre tipos de habitações e níveis mínimos de impactos ambientais.  Aquilo que temíamos sobre os riscos dos decretos sofrerem alguma alteração para torná-los mais permissivos ao capital, aconteceu. Em 2017 o decreto relativo a APA teve um de seus artigos suprimidos relativos a vegetação de restinga.
O agravante é que a mudança se deu no COAMA, sem ter passado por uma discussão mais ampla no comitê gestor. Se mudanças no decreto de uma das unidades foram possíveis sem qualquer reação contrária, era possível que daquele momento em diante outras interferências do executivo e legislativo viesse a ocorrer no PGI ou Plano Diretor das zonas que estão integradas ao projeto orla.
Não demorou muito veio a notícia de que na câmara de vereadores um projeto de lei tramitava para alterar dispositivo do plano diretor favorecendo interesses particulares. Numa das seções da câmara que seria votado o projeto de lei, n. 017/2019, a pressão de alguns legisladores fez com que a proposta fosse tirada da pauta para maiores discussões. Um ofício foi destinado ao presidente da câmara de vereadores solicitando que o mesmo enviasse o projeto de lei ao comitê gestor para a apreciação dos delegados.
No entanto, o respectivo legislador desconsiderou o documento enviado, cuja votação e aprovação com 9 votos a favor e 5 contras, ocorreu em sessão da câmara no mês de agosto. Não há dúvida que a respectiva lei aprovada é passiva de anulação, pois além de passar por cima do comitê gestor, com status de poder para deliberar sobre tal matéria, a mesma lei desconsiderou o decreto que inclui a respectiva área modificada como pertencente ao MONA-UC (Monumento Natural Unidade de Conservação).
O agravante nessa lei é que é que a unidade de conservação afetada é de uso integral, ou seja, para promover qualquer alteração deve primeiro partir do plano de manejo, que ainda não foi sancionado. Somente através do plano de manejo que é possível solicitar a inserção de um novo zoneamento. Portanto, não é constitucional a câmara de vereadores deliberar matéria sobre áreas do projeto orla, sem prévia consulta com o comitê gestor do mesmo.
Os legisladores que votaram a favor da aprovação da matéria agiram de má fé contra uma sociedade inteira, que por quase quatro anos estiveram representadas por seus delegados, que ajudaram a construir um plano de ocupação sustentável do solo. Muitos dos vereadores, que votaram pele deferimento do projeto, possivelmente não têm qualquer compreensão do que foi o projeto Orla e o PGI elaborado.
Mais uma vez repudiamos a atitude desses vereadores e do presidente da câmara por não ter atendido a solicitação dos delegados do comitê gestor para realização de encontro visando discutir a proposta de lei que tramitava na casa. Se a respectiva lei não foi derrubada pela justiça, estará em xeque todo um árduo trabalho de anos de dedicação e elevado custo financeiro. O morro dos conventos e toda faixa costeira do município de Araranguá são o nosso rico e complexo patrimônio, porém, por ser frágil exige enorme cuidado por parte de todos nós. O exemplo desse cuidado deveria partir primeiro do seguimento administrativo e dos legisladores, que infelizmente estão deixando muito a desejar.
Prof. Jairo Cezar                     

sábado, 14 de setembro de 2019


COMPREENDER A HISTÓRIA PARA QUE ERROS COMETIDOS NO PASSADO NÃO SE REPITAM

Até o momento beira o estranhamento o fato de mais da metade da população brasileira ter decidido eleger um candidato à presidência da república com sinais visíveis  que seria um perigoso retrocesso social. Embora, porém infrutífero os insistentes alertas do risco que seria votar em Bolsonaro, toda a pressão não foi suficiente para que a população não fosse acometida por um tipo de patologia na qual ofuscou os olhos, cegando-as momentaneamente.
O fato é que a patologia produziu uma espécie de hipnose a tal ponto que muitas atribuíram e atribuem a imagem do presidente a um mito, uma divindade, que se coloca superior aos mortais, acima do bem e do mal. Não há outra explicação cabal fora do parâmetro disfuncional àqueles que insistem reverenciar uma figura caricata, patética, que se orgulha em expressar admiração a certos torturadores do regime militar, até mesmo de ex-ditadores sanguinários que tanto mal provocaram à humanidade.
Como explicar essas manifestações difusas do comportamento humano, que de tempo em tempo faz surgir líderes carismáticos, alguns lunáticos, que chegam atrair para junto de si uma grande legião de seguidores fanáticos. A história mostra que episódios similares a atual realidade brasileira, ocorreram em países como a Alemanha e a Itália na primeira metade do século XX, cujo resultado foi a morte de milhões de judeus em campos de concentrações. Estaria o Brasil se preparando para protagonizar um novo holocausto na mesma proporção vivida na Europa?
A violência contra homossexuais, o feminicídio, o genocídio contra povos indígenas e o crescimento abrupto da intolerância e o ódio são indícios de que o Brasil está trilhando um caminho perigoso e de futuro incerto. Na Alemanha, quando Hitler assumiu o status de comandante do país, um dos instrumentos eficazes por ele utilizado para divulgar sua política nazista foi a mídia, especialmente o cinema. Na realidade a Alemanha havia saído há poucos anos destroçada da primeira guerra mundial, sendo assim a população passou ver Hitler a figura de um redentor supremo.
Diferente de Bolsonaro, Hitler concentrou todos os esforços para o fortalecimento do Estado, transformado-o em instrumento capaz de impulsionar a infraestrutura produtiva do país. Milhares de postos de trabalhos foram criados e o país passou a viver o pleno emprego. Entretanto, não demorou em que a nação entrasse em crise econômica, cuja culpa foi atribuída aos judeus, considerados proprietários de expressiva parcela da estrutura produtiva do país e influenciadores na alta e baixa cotação da moeda nacional, o marco.
A perseguição contra judeus, ciganos, negros, o desejo cego e doentio de criar uma “raça pura”, mostrou como uma mente insana age quando um sujeito se torna escravo do seu próprio ego. Já que o desejo de Hitler era propagar sua doutrina e conquistar os corações e mentes do povo alemão, nada melhor que censurar ou usar as mídias para disseminar sua doutrina. Para concretizar seu intento, contratou uma das melhores cineastas alemãs na qual produziu uma das melhores obras já realizadas com o intento de transformar o Fhurer, bem como o partido nazista em sinônimos de grandeza, orgulho e sucesso frente ao povo.
O documentário intitulado O Triunfo da Vontade, com quase duas horas de duração, traz trechos dos discursos de vários membros do partido, imagens de soldados, perfilados, em formação, marchando ou descontraídos. São inúmeras as cenas destacando o povo, quase em transe, se acotovelando em todas as ocasiões que Hitler aparecia em público.  
Porém antes de sua ascensão ao cargo de chanceler da Alemanha em 1933, ninguém levava a sério os seus discursos, era considerando uma personalidade patética, cujas idéias defendidas eram tão surreais e malucas, que rapidamente caía no vazio. Entretanto, com o tempo, Hitler passou a atrair cada vez mais adeptos atraídos pelas suas propostas. Por estar a Alemanha naquele momento sob uma forte crise econômica, a população culpava as políticas e os políticos tradicionais pela situação caótica do país.
Nesse sentido Hitler compartilhava o mesmo sentimento, defendendo outro modelo de administração, bem como outro tipo de sociedade fundamentada nos princípios de pureza racial. Admitia que a sociedade estava sob uma forte crise moral, que contaminava os valores tradicionais da família tradicional alemã. Enquanto no Brasil, o PT e o comunismo foram figuras demonizadas para justificar as políticas de caráter neofascista durante a campanha eleitoral de Bolsonaro, na Alemanha, Hitler jogou a culpa nos Judeus e também no comunismo à crise institucional.
São muitas as coincidências entre o governo de Bolsonaro e em alguns aspectos das políticas de Hitler que resultou no holocausto.  Há quem acredita que o chefe do poder executivo brasileiro tem se inspirado ou lido a sua obra para servir de modelo nas suas ações. O modo simplista de se expressar, o agir politicamente incorreto e a defesa cega aos bons costumes judaicos cristãos são alguns exemplos de posturas que se assemelham ao enfadonho regime nazista alemão.
Que toda essa abordagem reflexiva acerca do atual governo brasileiro e o nazismo alemão não seja concebida como verdade, que as propostas e o discurso do líder maior do executivo brasileiro não tenham qualquer relação ou inspiração ao sórdido regime nazista. Porém se tal reflexão tiver caráter de veracidade, esperamos que não, a sugestão é dar um passo atrás às maluquices de quem acredita que somente a ditadura poderá solucionar a crise econômica e institucional a qual passa o Brasil.             
  Todos nós sabemos que no instante que um regime ditatorial assume o controle político de um país, é muito difícil dissolvê-lo. O caso da Alemanha/Itália (nazismo/fascismo), o Brasil durante o regime militar, entre outros tantos que ainda sobrevive em varias partes no mundo, são exemplos para refletirmos sobre o perigo que ronda sobre nossa república.
Prof. Jairo Cezar