sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Breve síntese conjuntural do Brasil pós-regime militar: as políticas reformistas e as desigualdades sociais

Depois de vinte anos de regime militar, a década de 1980 posterior a eleição de José Sarney pelo colégio eleitoral se configurou como a fase preparatória para a redemocratização política, um momento importante da história política recente no qual a população depositou o voto escolhendo Fernando Collor de Mello para presidente da República. O fato inusitado foi que dois anos passados da eleição a mesma população que o elegeu saiu às ruas pedindo o impeachment por denúncias de corrupção no interior do próprio governo. Itamar Franco teve o desafio de concluir o mandato tampão e entregar o governo ao seu sucessor em 1994. É, portanto, a partir de Collor, que se iniciou um novo processo de reestruturação do sistema capitalista global, cujos governos subseqüentes seguiram a risca o receituário proposto pelo Banco Mundial e outros organismos financeiros ajustando sua economia como forma de minimizar o papel do Estado no financiamento de serviços essenciais à sociedade como educação, saúde, segurança etc.
Por outro lado, foram intensificadas as ações repressivas contra os movimentos sociais impondo cada vez mais obstáculos legais ou cooptando suas lideranças oferecendo cargos de direção nas instâncias do poder executivo. A eleição de Fernando Henrique em duas ocasiões encerrou o ciclo de reformas estruturais. Além da desnacionalização de empresas importantes do setor de mineração, telecomunicação, bancos, entre outros, implantou uma ampla reforma social afetando a classe trabalhadora arrochando os salários e suprimindo direitos historicamente conquistados através de lutas.
A inserção de um receituário neoliberal arquitetado por intelectuais e representantes do grande capital deu ao sociólogo Fernando Henrique Cardoso a primazia de inaugurar uma nova etapa do capitalismo em âmbito nacional. Como uma de suas primeiras medidas autorizou os seus ministros da área econômica a elaborem um plano que fosse capaz de quebrar a “coluna dorsal” das centrais sindicais como a CUT, limitando suas ações como a promulgação da Lei n. 5.483 que alterou o Art. 618 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Esse novo dispositivo legal permitia que as decisões tomadas sobre reajustes salariais, férias e outros tantos direitos dos trabalhadores passassem a valer segundo critério de negociações com os seus sindicatos de classes e por setor. Ou seja, o que passa valer a partir da lei é aquilo que for negociado, não o que está na legislação, na CLT. Desde a apresentação do projeto de lei pelo executivo à sua aprovação no senado, transcorreram-se apenas dois meses.
Ainda não satisfeito, no governo FHC ainda foi instituída a Emenda Constitucional n. 19/98 possibilitando que servidores estáveis fossem demitidos por insuficiência de desempenho na Administração Pública. Essa emenda foi um prenúncio do que viria mais tarde quando da aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal n. 101/2000, como forma de punir os administradores públicos que gastassem acima do percentual previstos.            
Durante o período FHC, os partidos de esquerda e os movimentos sociais tiveram papéis importantes impondo críticas ásperas às políticas econômicas e sociais excludentes em curso, que resultaram na derrocada do que se acreditava ser definitiva de um modelo de administração antipopular, bem como o começo de um novo ciclo de desenvolvimento com ampla participação popular. A ascensão de Lula ao poder e com ele a esperança de milhões de brasileiros, em pouco tempo o entusiasmo, o otimismo deram lugar às dúvidas e decepções. De repente, o desencantamento.  Ninguém acreditava que com a eleição de um representante das classes populares, jamais se presumiria que comporia um governo indicando para o ministério e secretarias de órgãos públicos importantes personalidades questionáveis vinculadas a partidos historicamente combatidos pelo PT com vasto currículo de práticas ilícitas, repressivas, sendo, por isso, cúmplices pela atual conjuntura social onde milhares de cidadãos (ãs) continuam submetidos a condições de extrema pobreza. Não deve ser esquecido que esta prática nefasta adotada pelo executivo também se estendeu nas instâncias do  sistema legislativo nacional através das barganhas de alianças na disputa dos principais cargos no congresso.
 A justificativa adotada para ratificar tal postura estaria na defesa e garantia da governabilidade, ou seja, criar certo clima de estabilidade política limitando ao máximo eventuais reações do campo opositor.  Poderia ter tido o governo Lula, cumprido o que prometera e respeitando no mínimo os princípios escritos no próprio estatuto do partido dos trabalhadores, onde se postula a construção de um projeto de sociedade mais igualitária e de ampla participação dos movimentos sociais e da população. Nada disso se verificou, optou pelo caminho que para o processo político em curso seria mais conveniente, isto é, a cisão de alianças com setores conservadores vinculados ao agronegócio, mineração, bancos, construção civil, etc. No entanto, aproveitando de sua astúcia e carisma de ex-líder sindical, não podia contentar apenas um setor, o da burguesia, excluindo os seguimentos marginalizados da sociedade. Ao mesmo tempo em que disponibilizou milhões de reais oriundos do BNDS a juros baixos, para investimentos em projetos estruturais, sancionou planos assistencialistas de transferência de renda para programas sociais como a balsa família, minha casa minha vida, entre outros, que tiveram importância estratégica na sua reeleição e de seu sucessor, Dilma Rousseeff.
A expectativa dos eleitores de Lula, na sua esmagadora maioria trabalhadores e populações marginalizadas eram de que imporia um fim definitivo nos programas de reformas neoliberais iniciadas pelo antecessor. De repente a euforia da militância petista que saiu às ruas para comemorar à vitória eleitoral, deu lugar à frustração com a continuidade dos planos de ajustes estruturais iniciados por FHC.  O próprio ministro da fazenda do governo Lula, Antônio Palocci decidiu, como ele próprio se referiu, promover uma grande “Faxina na CLT”, pautando pela reforma sindical onde prevaleceria o negociado sobre o legislado. Era a continuidade do projeto de reformas profundas que somente seriam viabilizadas a partir do enfraquecimento dos seus organismos de luta coletiva. Não bastava apenas enfraquecer os movimentos de lutas dos trabalhadores, era necessário ir mais a fundo e mexer na constituição brasileira, alterando leis sobre a aposentadoria, estendendo o tempo de contribuição dos ativos, bem como punir os inativos através da cobrança de taxas. Para viabilizar a reforma de um seguimento tão complexo que alteraria as regras de aposentadoria dos trabalhadores, o presidente da república se utilizou de sua extraordinária habilidade política influenciando os ministros do Supremo Tribunal Federal a votarem a favor da reforma.
Entretanto, por um triz os projetos assistencialistas não foram suficientes para assegurar a reeleição de Dilma, pelo fato do valor recebido pelas famílias não mais cobrirem os custos da cesta básica, cada vez mais inflacionado. Teria tido também relevância no resultado que por pouco não lhe tirou a vitória, o sentimento de frustração e repugnância da sociedade brasileira diante da avalanche de denúncias de corrupção envolvendo personalidades históricas do PT e de outros partidos da base de apoio que solaparam bilhões de reais dos cofres públicos. O resultado dessa festança descabida com o dinheiro público e outras tantas práticas que tornavam a vida do brasileiro difícil, foi o aumento das tarifas do transporte coletivo e o sucateamento de outros serviços públicos como o da saúde, que resultaram nas manifestações populares de junho de 2013.  
A própria burguesia que durante a eleição de Dilma teria se aliado ao candidato oposicionista, Aécio Neves, do PSDB, no primeiro mandato da presidente, “nunca antes na história desse país” obteve fabulosos lucros subsidiados pelo Estado. Não há como negar que o governo Lula, durante seus oito anos de mandato, se apresentou travestido e com a caricatura do seu antecessor, FHC, pois poucos foram os atos administrativos que os distinguiam especialmente em relação ao extraordinário apoio ao agronegócio. Tal semelhança também é possível de ser vista em relação aos assentamentos do programa reforma agrária, pelo fato de ambos terem dedicado inexpressivo apoio a esse seguimento.

O primeiro mandato de Dilma e o agravamento da violência no campo

O pior é que na gestão Dilma, o desempenho também foi pífio, isso se deveu a princípio ao processo de supervalorização da terra, que elevou substancialmente os custos das desapropriações. Desse modo o governo passou a adotar a estratégia de proceder desapropriações apenas em situações especiais quando assim houvesse conflitos pontuais, que colocassem em risco a ordem social. Essa postura negligente da presidente com relação ao programa de reforma agrária contribuiu para o avanço da violência no campo, que somente em 2014 foram registrados 34 assassinatos, entre sindicalistas, assentados mortos por fazendeiros, etc. Não constam nessas estatísticas os milhares de ameaças e tentativas frustradas cujo número superaria em muito ao dos mortos. No decurso de posse, a Ministra da Agricultura Kátia Abreu, teve a ousadia de afirmar que não há mais latifúndio no Brasil, uma clara declaração de que, a frente do seu ministério, tudo fará para dificultar ao máximo novos assentamentos, bem como viabilizar as políticas de demarcação de terras indígenas e populações quilombolas.
Além da aberração de que não há mais latifúndio no Brasil, a ministra da agricultura teve a audácia de dizer que “os mesmos saíram das florestas e passaram a descer nas áreas de produção”. Ou seja, uma postura xenófoba, de explícito desrespeito contra uma categoria que há mais de quinhentos anos vem lutando bravamente pelo direito de ter suas terras demarcadas dando condições para a preservação de sua cultura. Esqueceu de dizer à ministra que não é o índio que está descendo às áreas produtivas, são os latifúndios, grileiros, pistoleiros, garimpeiros, entre outros tantos, que há mais de quinhentos anos continuam invadindo suas terras, desmatando-as, poluindo os rios com pesticidas, com mercúrio e outras substâncias provenientes dos garimpos clandestinos, levando doenças e outros tantos males. Cabe afirmar que as populações indígenas continuam ainda hoje submetidas às políticas genocidas iniciadas há mais de quinhentos anos. Tudo isso vem ocorrendo sem que o próprio Estado tome medidas mais consistentes impedindo tal barbárie. Outra polêmica que esteve envolvida Kátia Abreu durante o discurso de posse e que foi veemente repudiada pelo CEMI (Conselho Indígena Missionário) ocorreu quando reforçou que fará de tudo para viabilizar a aplicabilidade da PEC 215, que está no Supremo Tribunal de Justiça para ser julgado o mérito.[1] 
       
O agronegócio e a contaminação do ambiente pelos agrotóxicos

Não há dúvida, a opção pelo agronegócio se constitui em um modelo de produção altamente deficitário e insustentável devido ao custo elevado para sua produção, sem contar os enormes impactos decorrentes dessa atividade ao meio ambiente. Grande parte das sementes utilizadas no cultivo, especialmente os transgênicos, é controlada por grandes corporações multinacionais como a Monsanto, que por consequência monopolizam a produção e o comercio de fertilizantes e agrotóxicos, tornando a agricultura cada vez mais dependente dessas tecnologias. Para piorar, novas espécies invasoras de plantas, lagartas, fungos, vêm se tornando ainda mais resistentes aos pesticidas conhecidos, forçando o agricultor à compra e aplicação de substâncias com teor de toxidade mais elevado, que além de encarecer a produção, compromete a qualidade da água, do solo, das florestas e dos alimentos. Outro agravante observado no mundo dos agrotóxicos é o envolvimento do governo federal baixando portaria para liberação de certas substâncias ou agrotóxicos que há anos estão proibidos de serem comercializados em muitos países.  
No Brasil, o percentual de agrotóxicos aplicados na agricultura chega a média absurda de 5,2 litros por pessoa. Somente no estado do Mato Grosso esse percentual extrapola os 50 litros, são 150 milhões de litros aplicados. Dentre os pesticidas fabricados pela indústria química e altamente difundindo nas culturas de todo território brasileiro, se destaca a Abamectina, Acefato e o Glifosato. Segundo João Victor Santos, do Instituto Humano da UNISINUS em artigo publicado na pagina virtual Carta Maior sobre o percentual de agrotóxico aplicado no Brasil, dentre as três variedades acima mencionadas e de maior comercialização, o Glifosato é o campeão em uso, não somente no campo, assim como nas áreas urbanas, para combater ervas invasoras.[2]
O Brasil continua alto dependente do mercado externo na aquisição de insumos importantes para a agricultura dentre outros o adubo químico, cuja oferta internacional da matéria prima para sua produção é cada vez menor. A resposta para poder reverter esse problema estaria na elevação dos investimentos na agricultura familiar. No entanto a realidade desse setor comprova o pouco empenho dos governos. Enquanto o agronegócio abocanhou 80% do montante dos recursos públicos destinados ao seu financiamento, a agricultura familiar foi contemplada, pasmem, com parcos 0,5%. Muito pouco para um governo e um partido que tive no campo importantes contribuições históricas, principalmente dos movimentos campesinos, para sua formação e permanência no poder por quase vinte anos.
Os reflexos das políticas anti-sociais da atual presidente afetam em cheio o seguimento familiar, com a incapacidade de pagamento dos financiamentos para compra de máquinas e insumos. O resultado são as falências de pequenas propriedades rurais e o conseqüente êxodo rural.  Há mais de quinhentos anos o Brasil vem insistindo num modelo de produção altamente insustentável, ou seja, a exportação de commodities agrícolas e mineração altamente suscetível às crises cíclicas. Nesse caso, atualmente o Brasil é um dos principais parceiros econômicos da China, um país em franco crescimento econômico, que a qualquer ameaça de crise no seu modelo terá um efeito dominó nas demais economias do resto do planeta, inclusive e com mais intensidade a economia brasileira.

Os novos ministros e o corte de gastos previstos por Dilma

Na gestão Lula e Dilma ambos tiveram papéis preponderantes no esvaziamento dos movimentos sociais, como os sindicatos de grande expressão nacional, cada vez mais burocratizado e suas lideranças cooptadas para assumirem postos de expressão dentro do próprio governo. Cessaram os debates sobre o Brasil que queremos sistemas de governos, concepções ideológicas, que sempre fizeram parte das agendas políticas, se constituindo em acontecimentos ímpares nos encontros e congressos do partido dos trabalhadores.
O sistema capitalista de produção ou de mercado, numa visão moderna, é o que vem dando as coordenadas da sociedade brasileira. Manter a todo custo o superávit primário, baixar custos de produção e outras atribuições vêm se tornando a tônica dos dirigentes políticos e salvaguardado por movimentos sindicais importantes. Em relação ao superávit primário da balança, que grosso modo seria elevar as sobras do governo para o pagamento da dívida pública, terminando o pleito eleitoral e definida a escolha dos novos ministros, a presidente divulgou na imprensa o montante dos cortes previstos provocando ainda mais a ira do seguimento social que declarou voto à candidata na expectativa de que cumprisse o que prometera em campanha.
A própria escolha do ministro da Fazenda Joaquim Levy é prenúncio nada otimista acerca do modo como se comportará o governo Dilma, que seguirá a risca as políticas da austeridade fiscal como forma de cumprir os compromissos de pagamento da dívida pública. Isso já o fez com primazia no início do governo Lula quando exerceu o cargo de secretário do tesouro nacional, que lhe rendeu o cômico apelido de “Levy mãos de tesoura”, uma analogia ao filme Eduard Mãos de Tesoura. Dentre as inúmeras medidas que coordenou na pasta que assumiu, a mais polêmica foi à viabilização da Reforma Previdenciária.  
Porém, o que não se imaginava era que tal austeridade fiscal fosse outra vez ocorrer num governo petista, e que as medidas amargas mais uma vez se recaíssem sobre os trabalhadores. Dito e feito. No dia 30 de dezembro de 2014, já eleita, a presidente Dilma surpreende os brasileiros com as sansões das medidas provisórias 664 e 665 no qual estabelecia cortes substantivos do orçamento público alcançando os 18 bilhões de reais. Além disso, no começo de janeiro novos cortes do orçamento foram divulgados atingindo, em cheio, direitos conquistados pela classe trabalhadora como o seguro desemprego; auxílio doença; pensão por morte; abono salarial, entre outros. Se a estratégia é economizar para elevar o superávit primário da balança comercial, porque o governo não adotou outras estratégias que não penalizassem os trabalhadores. Poderia se assim o quisesse, ter elevado os impostos sobre as grandes fortunas, cuja arrecadação proporcionaria uma boa sobra de caixa.
A alegação do governo em cortar os benefícios dos trabalhadores é que poderá comprometer a previdência social. Isso não é verdade, em 2013 a instituição teve superávit de 72 bilhões de reais. O pior é que todo esse dinheiro que sobrou que deveria reverter em benefícios aos segurados foi utilizado para cobrir as despesas com a dívida pública. Se está faltando dinheiro, está nas mãos dos empresários beneficiados com as isenções fiscais que totalizaram 92 bilhões de reais. Não há motivo também do governo ter aumentado o número de ministérios, 39.
Dentre os ministérios mais afetados pelos cortes está o da educação que terá uma perda anual de sete bilhões de reais. O que é paradoxal nisso tudo é o fato da presidente ter declarado no discurso de posse que o lema do seu governo será “Brasil, Pátria Educadora”. Desde novembro de 2014 estudantes bolsistas de pós-graduação do CAPES não vem recebendo seus salários. E o problema que se vislumbra no horizonte político, só está começando. Qual a relação dos cortes de investimentos de um setor tão importante como a educação com a indicação de Cid Gomes para o Ministério da Educação, cuja passagem pelo governo do Ceará lhe rendeu severas críticas especialmente de profissionais das Instituições de Ensino Superior Estadual que mantiveram uma greve de mais de dois meses, sem que o governo se sensibilizasse e atendesse suas reivindicações.
Outros episódios negativos na sua administração podem ser destacados respaldando assim sua indicação ao respectivo ministério. Além da sua extraordinária habilidade de enrolar os trabalhadores da educação durante 64 dias de greve, se destacou em âmbito federal por criar no estado do Ceará o Programa Alfabetização na Idade Certa, que foi incorporado ao MEC através do PNAIC. Na verdade é um programa que segue a agenda empresarial que visa minimizar ao máximo o processo de alfabetização seguindo parâmetros semelhantes aos que foram adotados nas décadas de 1970, ou seja, a decodificação de letras desvinculadas do uso social. O resultado é uma avalanche de indivíduos agora ditos alfabetizados que apresentam dificuldades enormes para a compreensão crítica do que está lendo. Muito aquém do que defendia teórico como o educador Paulo Freire, cujo método por ele criado sempre foi interpretado pelos antigos petistas e hoje no governo como um modelo revolucionário a ser incorporado no PNE (Plano Nacional de Educação).
No lugar do que seria um projeto pedagógico transformador e emancipador, o que se anuncia é uma política educacional conservadora que parcamente se limita a redução das taxas vergonhosas de analfabetismo em cumprimento aos preceitos recomendados pelos organismos financeiros internacionais. Diante dessa realidade sombria, o atual ministro deixou claro que a educação será a prioridade das prioridades, que irá concentrar todos os esforços para promover uma ampla reforma no ensino médio. Segundo ele, afirma que o atual modelo curricular é extremamente abrangente com pouco foco nas competências instrumentais como português e matemática. Se a população estudantil, pouca habilidade possuem nessas duas áreas, que segundo ele são essenciais, as demais competências como arte, ciências, cultura seriam desnecessárias. É preciso esclarecer que muito dos argumentos proferidos pelo ministro, são reproduções do que já consta no Plano Nacional de Educação aprovado em 2014, que é uma cartilha educacional que segue as recomendações do Banco Mundial.
E não para por aí as muitas justificativas condenáveis na escolha de um ministro cujo currículo como governador envergonharia em especial os professores petistas que ainda alimentam esperanças de mudanças significativas na educação pública. Há de se ressaltar também a sua posição acerca lei 11.738/08 que estabeleceu o Piso Nacional dos Trabalhadores em Educação. O processo lá muito se assemelhou ao que ocorreu em Santa Catarina. Para que os professores cearenses tivessem direito ao piso foram necessários 64 dias de greve. Mesmo com a concessão do piso, o governo Cid Gomes participou junto com outros cinco estados, RS, PR, MS e SC do encaminhamento de uma ADIN (Ação de Inconstitucionalidade) junto ao Supremo Tribunal Federal para a derrubada da lei.
Depois de algum tempo de tramitação o supremo julgou a ação dando ganho de caso aos educadores desses estados. Sobre o direito de um terço de jornada de trabalho, Cid Gomes defendeu que o professor deverá trabalhar quarenta horas completas, sem qualquer tempo para o preparo das aulas. Outra frase lançada pelo ministro quando ainda governador do Ceará certamente jamais será apagado da memória dos educadores daquele estado, quando disser durante a greve: “quem quer dar aula faz isso por gosto, e não pelo salário. Se quer ganhar melhor, pede demissão e vai para o ensino privado”.
Apenas para elucidar o que representa para educação pública a escolha desse ministro, na gestão do tucano Lúcio Alcântara, no governo do Ceará, o orçamento destinado para educação foi de 38,25%, enquanto na administração Cid Gomos, o percentual se limitou a 18,06%. Imagine o que fará o ministro na sua pasta agora com os expressivos cortes de sete bilhões do orçamento para o setor. Certamente seu exemplo será seguido pelos demais governos e secretários de educação de todos os estados. O ano letivo de 2015 seguramente irá começar conturbado com calorosas discussões da categoria do magistério acerca de quais os caminhos a serem adotados para fazer valer o cumprimento da lei do piso, cujo aumento foi de 13%, sendo o vencimento previsto para 1.910 reais. Quando muitos prefeitos e governadores tiveram conhecimento acerca do valor a ser pago aos professores, a chiadeira foi total, alegando que não há como cumprir a lei por incapacidade financeira. Se compararmos o valor do piso do magistério com o salário mínimo estabelecido pelo Dieese, a diferença supera os mil reais acima do piso do magistério, ou seja, 2.975 reais.
 Na sequência dos cortes orçamentários divulgados foram contemplados também outros ministérios como o da Cidade, com 144 milhões, mês; o de desenvolvimento social, com 140 milhões; do desenvolvimento agrário, com 44 milhões e ciência e tecnologia com 131 milhões. Se a escolha de Kátia Abreu para a agricultura se constituiu em um acontecimento que surpreendeu até os militantes mais fanáticos do PT, o que dizer do ministro Aldo Rebelo para a Ciência e Tecnologia, quando se sabe que na função de deputado federal foi relator do projeto de lei do controverso Código Florestal, aprovado e extremamente criticado por diversos seguimentos sociais em especial a SBPC (Sociedade Brasileira para o Desenvolvimento da Pesquisa e da Ciência) por não ter incluído no documento proposições importantes em benefício do ambiente.       
Diante disso, os setores governamentais e o congresso nacional aproveitam da inércia desse seguimento para levar adiante projetos de flexibilização de direitos como a previdenciária e trabalhista. Outra estratégia levada a diante pelos governos lula e Dilma foi amplificar a ideologia do consumo de bens duráveis, automóveis e eletrodomésticos. Estimuladas pela redução de IPIs e outras tentações como obtenção de créditos fáceis, uma expressiva parcela da sociedade se tornou endividada e extremamente vulnerável a uma possível crise econômica. Esse é um modelo que está condenado no mundo todo. Não há como sustentar um padrão de consumo pautado na exploração dos recursos naturais cada vez mais escassos, dentre eles a água já limitada em várias partes do planeta, como na maior metrópole brasileira, São Paulo.
    
Crise da água como reflexo das políticas neoliberais

Convém destacar que o problema da escassez de água poderia ter sido amenizado se o governo do estado e os prefeitos dos municípios situados às margens dos mananciais executassem algumas medidas importantes.  Dentre elas, o empenho dos órgãos fiscalizadores contra o desmatamento nas cabeceiras, o desperdício e investimentos no tratamento dos esgotos lançados nos leitos dos rios e dos mananciais que abastecem a população da capital. Sobre a crise da água em São Paulo se faz necessário desconstruir alguns conceitos equivocados e divulgados pela mídia e pelo próprio governo que procuram omitir os verdadeiros motivos da redução do volume dos mananciais, cujos maiores prejudicados são a população de baixa renda.
Acredito que ninguém deve ter assistido ou lido na grande imprensa alguma reportagem citando a Represa da Cantareira que teve 80% do seu território desmatado, inclusiva nas suas margens. Além do mais, em 1991, foi instituída a lei estadual n. 7.4380/91, que transformou toda área da represa numa APA (Área de Preservação Ambiental), que possui um órgão gestor, porém, não existe nenhum plano de manejo da área. O resultado são as atividades industriais e agrícolas inadequadas nas proximidades da represa que comprometem ainda mais a reposição da água no manancial.
As represas de Guarapiranga e Billings sofrem os mesmos problemas identificados na Cantareira. Diante dessa realidade de escassez de água para o consumo humano, animal e industrial, houve o aumento desproporcional de perfurações de poços artesianos no entorno da bacia do Rio Tietê. Das dez mil perfurações realizadas, 70% são consideradas ilegais não sujeitas a nenhum controle de exploração. Sendo assim, os mananciais subterrâneos cujas reservas que se acreditava estarem disponíveis somente para as futuras gerações, com a captação da água desses aqüíferos de modo insustentável, há riscos evidentes de que a crise hídrica em São Paulo irá se prolongar por muitos anos, podendo até resultar em convulsões sociais graves semelhantes a que ocorreu em junho de 2013.
As medidas divulgadas pelo governo paulista para amenizar a crise com custos orçados em quase dez bilhões de reais, seriam desnecessárias, se houvessem maior empenho do estado no combate dos desmatamentos e na implantação de políticas de manejo sustentável dos mananciais, bem como o tratamento dos esgotos domésticos e industriais e maior controle contra os desperdícios. A cidade de Tell Avive, capital de Israel devido à escassa oferta de água vem desenvolvendo há décadas planas com vistas a maximizar o uso da água para o consumo humano, industrial e agrícola. Somente a capital 100% da água dos esgotos são tratadas e transportadas a uma distância aproximada de 100 km, no deserto de Neguev, onde é utilizada para irrigação do solo.
Diferente dos demais países ditos desenvolvidos, Israel reaproveita 72% da água consumida. O país que mais se aproxima a Israel no reaproveitamento da água é a Espanha, cujo índice é de 15%. Quanto ao uso racional da água, nos centros de tecnologia também são desenvolvidas variedades de plantas resistentes ao sal que são capazes de sobreviver a partir da irrigação com água salobra.  Para um país cuja precipitação pluviométrica anual, na parte norte, chega a 600 mm, e no sul, aproximadamente 30 mm, o aproveitamento desse precioso líquido tornou-se necessário. Diante disso foram construídos em todo território israelense, no total 225 reservatórios de águas, semelhantes às cisternas do nordeste brasileiro.
O exemplo de Israel poderia ser seguido por muitas cidades brasileiras que já sofrem a escassez de água. Não são projetos faraônicos, caros e de elevado impacto ambiental como a transposição das águas da bacia do São Francisco e as mega-obras previstas para a capital de são Paulo que irão solucionar problemas crônicos advindos da má gestão histórica dos recursos hídricos. Investir em educação ambiental, para instruir a população a utilizar a água de forma racional; construção de usinas de tratamento dos esgotos; instalação de cisternas em residências, indústrias e prédios públicos para captação da água da chuva e um plano de manejo integrado semelhantes aos comitês de bacias, são medidas eficientes, de baixo ou nenhum impacto ambiental e de custos relativamente inferiores aos projetos bilionários cujos beneficiados são as grandes construtoras muitas das quais denunciadas de envolvimentos em negociatas fraudulentas com empresas públicas como a Petrobrás.
A crise de escassez da água já é uma realidade presente nas muitas cidades nordestinas, região sudeste e sul do Brasil, como a que ocorreu em 2011 e 2012 na região do extremo sul de Santa Catarina, onde a precipitação de chuva foi uma das menores da história, fato que resultou na redução do volume de água dos mananciais e aqüíferos, forçando os administradores públicos a adotarem ações emergenciais como a contratação de carros pipas para transportar água à população do interior. Os sinais de que o clima do planeta terra vem sofrendo mudanças já é uma realidade. Embora os efeitos da falta de chuva já tenham minimizado o que se percebe é o volume menor de chuvas nos últimos dois anos, quantidade ainda insuficiente para suprir os mananciais e aqüíferos. Outro aspecto preocupante observado nos vários municípios como Araranguá são os planos de desenvolvimento propostos que leva em consideração a demanda de água disponível. Todos os mananciais que abastecem o município não estão inseridos em programas de manejo sustentável onde são perceptíveis as agressões ambientais como a ocupação das margens, o assoreamento, a poluição da água por rejeitos orgânicos, entre outros.
Na hipótese dos mananciais virem a secar a médio ou longo prazo, as águas subterrâneas e do rio Araranguá, que poderiam ser uma alternativa natural, estão descartadas. Isso porque a quantidade de metais pesados, nitratos e outros elementos detectados nos aqüíferos impossibilitam o consumo humano. Enquanto que o Rio Araranguá, cujas nascentes estão a menos de cem quilômetros de distância, seu uso também está comprometido devido à elevada acidez da água, bem como a presença de outros poluentes como pesticidas, esgotos domésticos e industriais.
Prof. Jairo Cezar                                             



[1] A PEC 215 é uma proposta a ser inserida na Constituição Federal garantindo ao Legislativo o direito de apreciar as demarcações de áreas indígenas, da mesma forma com que se aprecia a demarcação de áreas de proteção ambiental ou de qualquer projeto de lei. 
[2] O Glifosato provoca os seguintes efeitos: toxicidade subaguda (lesões em glândulas salivares), toxicidade crônica (inflamação gástrica), danos genéticos (em células sanguíneas humanas), transtornos reprodutivos (diminuição de espermatozoides e aumento da frequência de anomalias espermáticas) e carcinogênese (aumento da frequência de tumores hepáticos e de câncer de tireoide). Os sintomas de intoxicação incluem irritações na pele e nos olhos, náuseas e tonturas, edema pulmonar, queda da pressão sanguínea, alergias, dor abdominal, perda de líquido gastrointestinal, vômito, desmaios, destruição de glóbulos vermelhos no sangue e danos no sistema renal. O herbicida ainda pode continuar presente em alimentos num período de até dois anos após o contato com o produto. Em solos pode estar presente por mais de três anos, dependendo do tipo de solo e clima. Apesar da classificação toxicológica que recebe no Brasil, o produto é considerado um biocida. Tanto que já foi banido de países como a Noruega, Suécia e Dinamarca. João Victor Santos – Instituto Humanas Unisinus. http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Meio-Ambiente     

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

A COP 20 (Conferência das Partes sobre o Clima no Planeta), em Lima, Peru, e a realidade brasileira frente aos acordos firmados até o momento.


Passados 24 anos da realização da Conferência Sobre o Clima no Rio de Janeiro, a Rio-92, e 18 anos depois da Terceira Conferência das Partes (COP-3), no Japão, que resultou na assinatura do Protocolo de Kyoto, entre outros tantos encontros para tratar sobre o tema aquecimento global, poucos foram os avanços significativos alcançados, cujos efeitos já são observados principalmente no Brasil, com o aumento expressivo de eventos climáticos extremos como as estiagens prolongadas, enchentes, vendavais, etc. De 1880 até hoje a temperatura média do planeta aumentou 085° Celsius, sendo que a concentração de gás na atmosfera está sendo uma das maiores em 800 mil anos.

 

As COPs (Conferências das Partes) se notabilizaram como parte dos acordos estabelecidos na Rio-92 onde, anualmente, os países membros se reúnem para avaliar, discutir e lançar propostas com objetivo de fazer valer acordos firmados em defesa do clima da terra. De lá para cá já ocorreram 20 conferências, cada uma delas com duração aproximada de duas semanas, custeada pela ONU e com uma sucessão de proposições acordadas, porém, o que se constata são frequentes reportagens mostrando o aumento gradativo das emissões de gases na atmosfera ano após ano. Depois de quase 20 anos da promulgação do acordo de Kyoto, os países membros discutem agora a proposta de assinatura de um novo protocolo de intenções, cuja previsão para sua criação está prevista para 2020. Até lá todos os países integrantes deverão cumprir algumas metas estabelecidas das quais serão discutidas na capital francesa, Paris, em 2015. No entanto, os preparativos da COP-21 já iniciaram em Lima, Peru, em dezembro de 2014, quando 196 países estiveram reunidos para tratar dos compromissos que cada um e de grupos levarão para Paris. Antes do encontro principal em novembro, duas rodadas de reuniões serão realizadas, uma em fevereiro, em Genebra, Suíça, outra em junho, em Bonn, Alemanha.


Diante de todos os preparativos e encontros previstos, a COP-20 já deu uma demonstração que as dificuldades serão estratosféricas para se chegar a um acordo razoável entre as partes visando reduzir para ZERO, até 2100, a emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa. No Peru uma das propostas apresentadas e vista com antipatia pelos países desenvolvidos foi em relação às metas mais ambiciosas recaídas para ambos, na tentativa de limitar a emissão de poluentes. O que causou repúdio entre ambos foi pelo fato de interpretarem a medida como uma espécie de punição pelo histórico processo de nações poluidoras. Não concordavam com tais medidas, pois admitiam que ambas penalizariam suas economias, beneficiando países do segundo grupo, China, Índia, etc., que são extremamente poluidores. Por fim o documento apresentado no último dia do encontro deixou uma sensação de derrota no ar pelo fato de que nada de concreto foi assumido, muito menos mencionando ações, índices de redução, referências, que cada integrante deverá se comprometer para reduzir a emissão de gases poluidores até 2020.


Dentre as medidas elencadas foram estabelecidos planos de redução do desmatamento das florestas tropicais; transferência de tecnologias para o países mais pobres, está última foi a proposta acordada na Rio 92. Quanto ao item que trata sobre transferência de tecnologias, uma forma de oportunizar as nações menos desenvolvidas na adoção de estratégias produtivas sustentáveis, o respectivo item foi criticado pela China argumentando que tal medida poderia colocar em risco sua segurança nacional. Tantos os países ricos como os em desenvolvimento, ambos não tiveram boa receptividade acerca do relatório ratificado, pelo fato do custo financeiro elevado para sua execução, ou seja, os investimentos em tecnologia limpa e outras ações estão estipulados em 100 bilhões de dólares ano até 2050. Há fortes indícios também que a partir de 2020, não havendo cumprimento das metas, as mudanças climáticas afetarão as economias dos países vulneráveis forçando-os a adaptarem seus orçamentos anuais levando em consideração os desastres ambientais



O Brasil na 20ª Conferência de Lima apresentou proposta intitulada “Diferenciação Concêntrica” na qual divide as responsabilidades sobre as ações em favor do clima em três categorias. Na configuração da proposta, no círculo central da esfera ficariam os países mais ricos, com a obrigação de promoverem cortes mais ousados em todos os setores da economia; o segundo nível, os emergentes, Brasil, China, África do Sul, Índia, etc., que seriam oferecidos mais opções não restringido em demasia os investimentos que comprometa o crescimento da sua economia; o último círculo está os países vulneráveis que estão livres de empreenderem grandes investimos para esse fim. O embaixador brasileiro em Lima, José Antônio Marcondes, que representou o governo brasileiro na Conferência, afirmou que os resultados do encontro não produziram nenhuma certeza concreta quanto a sua aplicabilidade. Dentre os cinco gargalos citados que certamente servirão de barreiras no cumprimento das metas destacou a falta de ambição dos países mais poluidores em frear o aumento da temperatura e a não clareza quanto às metodologias que serão adotadas para conter as emissões de gás até 2020.


Embora o representante brasileiro tenha feito incisivas críticas às propostas da conferência é importante evidenciar que o governo Brasileiro também vem deixando a desejar quanto aos compromissos que assumiu referente à redução do desmatamento especialmente na Amazônia. Os últimos levantamentos apresentados dão prova que entre agosto de 2013 a julho de 2014 o desmatamento na região foi de 4.848 quilômetros quadrados, equivalente a 690 campos de futebol. Tal realidade não confere com o discurso apresentado pela Ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, na COP 18, em Doha, Catar, quando disse que Estava orgulhosa dos esforços pela redução do desmatamento na Amazônia. Que estava sendo cumprido tudo o que foi comprometido, de acordo com a convenção. (WWW.mma.gov.br/informma)


As estatísticas acerca dos desmatamentos destacam os estados do Para, Mato Grosso e Rondônia, como os que mais perderam cobertura vegetal. São regiões que estão inseridas em grandes projetos desenvolvimentistas como obras de barragens e o agronegócio que se expande em áreas ocupadas pela floresta amazônica. Somente no estado do Para e Rondônia estão em andamento duas das principais obras de geração de energia elétrica, a Hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira, e a de Jirau, na capital de Rondônia, Porto Velho.


Tais projetos estão produzindo transformações significativas no cenário geográfico e social dessa região. Além dos desmatamentos para dar lugar às obras, milhares de pessoas estão migrando para aquela região, especialmente trabalhares operários contratados para a execução das obras de barragens. Junto com os operários, é claro, seguem as famílias, se instalando nas periferias das cidades, com pouca ou nenhuma infraestrutura para acomodá-las. Os resultados são a escassez de saneamento básico, a intensificação da violência, a especulação de terras, grilagem, conflitos fundiários e outros males advindos. O resultado, somado a essas adversidades, é o conseqüente aumento do desmatamento. Somente a cidade de Altamira, no Pará, onde está o canteiro da Belo Monte, no censo populacional de 2010, a população pesquisada foi de 77 mil habitantes. Atualmente, o número chega a 120 mil habitantes. Com um aumento vertiginoso de 43 mil pessoas em quatro anos, não há como o município ou qualquer outro município brasileiro oferecer serviços públicos de qualidade para toda essa gente, agravando principalmente as condições de vida da população local, já penalizadas pela falta serviços públicos essenciais. O que dizer de Porto Velho, que em quatro anos, sua população pulou de 428 para 494, são 66 mil pessoas a mais. http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Noticias/Altamira-e-Porto-Velho-sao-campeas-de-desmatamento/

 
Nem as áreas consideradas Unidades de conservação estão isentas das investidas dessa nova leva de invasores da região amazônica. O pior é que não há fiscalização suficiente para conter os desmatamentos. O que se salva nessa investida insana dos depredadores são as terras indígenas que vem se configurando como aliadas da preservação. De acordo com informações do Greenpeace foram constatadas apenas 1,5 % de desmatamento, ou seja, 69 quilômetros quadrados. Com base nesses números deixa claro por que a tamanha resistência do próprio governo em demarcar o restante das terras reivindicadas por grupos indígenas, bem como os motivos explícitos e implícitos de entregar o Ministério da Agricultura a uma das principais lideranças do agronegócio, Kátia Abreu.
 

A futura ministra da agricultura seu convite para exercer essa importante pasta se deve talvez pelo simples motivo, como senadora e presidente da CNA Confederação Nacional da Agricultura, ter se configurado em instrumento de articulação entre governo, setor do agronegócio e a bancada ruralista do congresso na execução de ações favoreceram a categoria. O que dizer da aprovação do Código Florestal Brasileiro, no item que ressalta a anistia aos desmatadores.  Atualmente, o setor do agronegócio está constituído por 205 deputados e senadores, para próxima legislação esse número deverá se elevar podendo chegar a 273 representantes. Tudo indica que será uma gestão promissora para o setor que mais contribui para o desmatamento e os conflitos sociais no campo. Só para elucidar o “excelente” desempenho de Kátia Abreu, quando senadora, em 2009, foi relatora da medida provisória 458 que tratava da regularização das terras ocupadas na Amazônia, ou seja, terras públicas invadidas por grileiros e outras tantas formas irregulares conhecidas. A ação tramitou na justiça no qual a medida provisória foi julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal.

Fazendo uma reflexão acerca da proposta brasileira lançada na COP-20 para conter a emissão de gases poluentes na atmosfera, concorda-se que são proposições ousadas, porém, paradoxais diante do modo como a atual presidente vem tratando o tema meio ambiente no seu governo. São políticas totalmente descompassadas que não garantem a segurança das florestas, muito pelo contrário, abre um amplo precedente para novos desmatamentos sem que os antigos e novos criminosos sejam punidos. Esse argumento um tanto quanto pessimista está fundamento no novo Código Florestal aprovado em 2012 que anistia todos aqueles que cometeram crimes ambientais antes de 2008. Quem duvida que daqui a 10 ou 15 anos um novo código florestal possa ser aprovado anistiando todos os infratores de 2008 em diante. Tudo pode quando se tem uma bancada ruralista com quase trezentos parlamentares e amparados por uma Ministra formada na sua base.


Outro aspecto negativo que deve ser considerado nos quatro anos de gestão Dilma Roussef foi quanto à criação de novas unidades de conservação. Enquanto na era Fernando Henrique Cardoso foram formalizados oito milhões de hectares, e na era Lula 20 milhões, a presidente criou apenas 0,7 milhões. Muito pouco para um governo que prometeu pautar seu programa político em defesa de projetos centrados na sustentabilidade, do reconhecimento e demarcação das terras das comunidades tradicionais, especialmente as indígenas. A resposta talvez pelas insignificantes áreas que viraram Unidades de Conservação não estaria no modo como foi constituído o executivo e o congresso nacional, articulando alianças com seguimentos políticos financiados pelo agronegócio e setor madeireiro? A destruição da floresta amazônica continua em ritmo acelerado. Ela se dá de forma silenciosa e agressiva. A própria imprensa pouco espaço oferece nos seus telejornais para tratar desse assunto. São raras as notícias de madeireiros autuados por cortes ilegais de madeira. Uma máfia se forma nesse seguimento cujo propósito é forjar documentos, licenciamentos ambientais visando legalizar uma prática irregular.


Nos últimos meses toda a imprensa brasileira dedicou enormes espaços de noticiários escritos e telejornais acerca da estiagem que atinge a região sudeste com destaque na capital paulista cujos mananciais que abastecem estavam secando. Falaram-se muito sobre obras mitigatórias, planos de racionamento, cobrança pelo uso da água, porém, pouca ênfase se deu a um fator que, baseado de estudos científicos, se acredita ser um dos principais responsáveis por tal fenômeno da seca, o vertiginoso desmatamento na Amazônia. É tão verdade isso que quando os telejornais apresentam os mapas com a previsão do tempo, especialmente quando prevê chovas para o centro sul do país, destacam o corredor de umidade saindo da Amazônia que resultam em chuvas. O jornalista Danilo Di Gorgi, em texto publicado na revista eletrônica Correio da Cidadania, intitulado “São Pedro Mora na Floresta” afirma que na Amazônia existem aproximadamente 900 bilhões de árvores, que as de maior tamanho proporcionam a evapotranspiração, liberando cada uma na atmosfera, por dia, cerca de mil litros de água. Todo esse volume acumulado, 200 milhões de litros por segundos, que é a vazão do Rio Amazonas, são transportados pelo ar. http://www.greenpeace.org. Esse processo é conhecido como “rios voadores” cuja umidade é canalizada pela cordilheira dos Andes indo em direção sul, levando chuva para toda essa região.  Portanto, pensar na preservação da Amazônia não parte apenas do papel que desempenha no seqüestro de carbono da atmosfera, mas também na sua importância estratégica na dispersão da umidade por todo planeta, fator preponderante no equilíbrio do clima. 
      

Recentemente, em reunião envolvendo os integrantes da ONU, o governo brasileiro se recusou a assinar a declaração de Nova York que determinava o fim do desmatamento em escala mundial. Por que dessa posição? Poderia talvez, com a homologação da declaração, comprometer seu programa de governo que tem por meta a expansão da agricultura comercial? Até que ponto são verdadeiras as declarações de representantes do governo, da ministra do meio ambiente entre outros, que participam de importantes encontros como as COPs prometendo adotar políticas de redução da emissão de gases poluentes? É preciso pensar em tudo isso. Este é um item importante a ser questionado. E o setor de produção de energia, qual sua contribuição nesse processo? De acordo com seu programa de estímulo a produção de energia no Brasil, 70% do plano previsto deverá atender os combustíveis oriundos de matrizes não renováveis, ou seja, fósseis. Para o setor renovável, eólica, fotovoltaica, biodiesel, etc. os investimentos previstos são de apenas 9,2%. Para não deixar nenhuma margem de dúvidas quanto aos números citados, é só observar o número de barragens para grandes hidrelétricas previstas, que inundam milhões de hectares de terras e florestas, que com a sua decomposição emitirão ainda mais gases poluentes.    


Por um triz, no apagar das luzes do Congresso Nacional, 2014 poderia ser lembrado na história como o ano em que um grupo de parlamentares do agronegócio obteve a aprovação de uma PEC controversa que, ai sim, colocaria o Brasil numa posição ridícula frente às demais nações que defendem a redução dos gases do efeito estufa. Estamos no referindo a Projeto de Emenda Constitucional 215 que retira do executivo e transferem para o legislativo a prerrogativa de formalizar terras indígenas, unidades de conservação e quilombolas. Deve-se ressaltar, todavia, que os parlamentares articuladores do respectivo projeto de Emenda Constitucional suas campanhas eleitorais foram financiadas por doações e empresas ao agronegócio e a mineração. Vale destacar que a derrota do seguimento pró PEC e seu arquivamento, é apenas momentâneo. Ninguém impede que outro projeto possa ser elaborado e apresentado às comissões para apreciação e aprovação. Caso isso se sustente, o modo como o futuro congresso poderá se constituir, com o aumento expressivo de parlamentares ruralistas, em comparação a atual legislatura, e com uma ministra do setor na pasta da agricultura, está muito próximo do Brasil vir a ser lembrado pelas futuras gerações como um território conhecido e respeitado no mundo por ter tido grandes florestas, que desaparecem por ganância e negligência política.
Prof. Jairo Cezar