Breve
síntese conjuntural do Brasil pós-regime militar: as políticas reformistas e as
desigualdades sociais
Depois
de vinte anos de regime militar, a década de 1980 posterior a eleição de José
Sarney pelo colégio eleitoral se configurou como a fase preparatória para a redemocratização
política, um momento importante da história política recente no qual a
população depositou o voto escolhendo Fernando Collor de Mello para presidente
da República. O fato inusitado foi que dois anos passados da eleição a mesma
população que o elegeu saiu às ruas pedindo o impeachment por denúncias de
corrupção no interior do próprio governo. Itamar Franco teve o desafio de
concluir o mandato tampão e entregar o governo ao seu sucessor em 1994. É,
portanto, a partir de Collor, que se iniciou um novo processo de reestruturação
do sistema capitalista global, cujos governos subseqüentes seguiram a risca o receituário
proposto pelo Banco Mundial e outros organismos financeiros ajustando sua economia
como forma de minimizar o papel do Estado no financiamento de serviços
essenciais à sociedade como educação, saúde, segurança etc.
Por
outro lado, foram intensificadas as ações repressivas contra os movimentos
sociais impondo cada vez mais obstáculos legais ou cooptando suas lideranças
oferecendo cargos de direção nas instâncias do poder executivo. A eleição de
Fernando Henrique em duas ocasiões encerrou o ciclo de reformas estruturais.
Além da desnacionalização de empresas importantes do setor de mineração,
telecomunicação, bancos, entre outros, implantou uma ampla reforma social afetando
a classe trabalhadora arrochando os salários e suprimindo direitos
historicamente conquistados através de lutas.
A inserção
de um receituário neoliberal arquitetado por intelectuais e representantes do
grande capital deu ao sociólogo Fernando Henrique Cardoso a primazia de
inaugurar uma nova etapa do capitalismo em âmbito nacional. Como uma de suas
primeiras medidas autorizou os seus ministros da área econômica a elaborem um
plano que fosse capaz de quebrar a “coluna dorsal” das centrais sindicais como
a CUT, limitando suas ações como a promulgação da Lei n. 5.483 que alterou o
Art. 618 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Esse novo dispositivo
legal permitia que as decisões tomadas sobre reajustes salariais, férias e
outros tantos direitos dos trabalhadores passassem a valer segundo critério de
negociações com os seus sindicatos de classes e por setor. Ou seja, o que passa
valer a partir da lei é aquilo que for negociado, não o que está na legislação,
na CLT. Desde a apresentação do projeto de lei pelo executivo à sua aprovação
no senado, transcorreram-se apenas dois meses.
Ainda
não satisfeito, no governo FHC ainda foi instituída a Emenda Constitucional n.
19/98 possibilitando que servidores estáveis fossem demitidos por insuficiência
de desempenho na Administração Pública. Essa emenda foi um prenúncio do que
viria mais tarde quando da aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal n.
101/2000, como forma de punir os administradores públicos que gastassem acima
do percentual previstos.
Durante
o período FHC, os partidos de esquerda e os movimentos sociais tiveram papéis
importantes impondo críticas ásperas às políticas econômicas e sociais excludentes
em curso, que resultaram na derrocada do que se acreditava ser definitiva de um
modelo de administração antipopular, bem como o começo de um novo ciclo de
desenvolvimento com ampla participação popular. A ascensão de Lula ao poder e
com ele a esperança de milhões de brasileiros, em pouco tempo o entusiasmo, o otimismo
deram lugar às dúvidas e decepções. De repente, o desencantamento. Ninguém acreditava que com a eleição de um
representante das classes populares, jamais se presumiria que comporia um
governo indicando para o ministério e secretarias de órgãos públicos
importantes personalidades questionáveis vinculadas a partidos historicamente combatidos
pelo PT com vasto currículo de práticas ilícitas, repressivas, sendo, por isso,
cúmplices pela atual conjuntura social onde milhares de cidadãos (ãs) continuam
submetidos a condições de extrema pobreza. Não deve ser esquecido que esta
prática nefasta adotada pelo executivo também se estendeu nas instâncias do sistema legislativo nacional através das barganhas
de alianças na disputa dos principais cargos no congresso.
A justificativa adotada para ratificar tal
postura estaria na defesa e garantia da governabilidade, ou seja, criar certo
clima de estabilidade política limitando ao máximo eventuais reações do campo
opositor. Poderia ter tido o governo
Lula, cumprido o que prometera e respeitando no mínimo os princípios escritos
no próprio estatuto do partido dos trabalhadores, onde se postula a construção
de um projeto de sociedade mais igualitária e de ampla participação dos
movimentos sociais e da população. Nada disso se verificou, optou pelo caminho
que para o processo político em curso seria mais conveniente, isto é, a cisão de
alianças com setores conservadores vinculados ao agronegócio, mineração,
bancos, construção civil, etc. No entanto, aproveitando de sua astúcia e
carisma de ex-líder sindical, não podia contentar apenas um setor, o da
burguesia, excluindo os seguimentos marginalizados da sociedade. Ao mesmo tempo
em que disponibilizou milhões de reais oriundos do BNDS a juros baixos, para
investimentos em projetos estruturais, sancionou planos assistencialistas de
transferência de renda para programas sociais como a balsa família, minha casa
minha vida, entre outros, que tiveram importância estratégica na sua reeleição
e de seu sucessor, Dilma Rousseeff.
A
expectativa dos eleitores de Lula, na sua esmagadora maioria trabalhadores e
populações marginalizadas eram de que imporia um fim definitivo nos programas
de reformas neoliberais iniciadas pelo antecessor. De repente a euforia da
militância petista que saiu às ruas para comemorar à vitória eleitoral, deu
lugar à frustração com a continuidade dos planos de ajustes estruturais
iniciados por FHC. O próprio ministro da
fazenda do governo Lula, Antônio Palocci decidiu, como ele próprio se referiu,
promover uma grande “Faxina na CLT”, pautando pela reforma sindical onde
prevaleceria o negociado sobre o legislado. Era a continuidade do projeto de
reformas profundas que somente seriam viabilizadas a partir do enfraquecimento
dos seus organismos de luta coletiva. Não bastava apenas enfraquecer os
movimentos de lutas dos trabalhadores, era necessário ir mais a fundo e mexer
na constituição brasileira, alterando leis sobre a aposentadoria, estendendo o
tempo de contribuição dos ativos, bem como punir os inativos através da
cobrança de taxas. Para viabilizar a reforma de um seguimento tão complexo que
alteraria as regras de aposentadoria dos trabalhadores, o presidente da
república se utilizou de sua extraordinária habilidade política influenciando
os ministros do Supremo Tribunal Federal a votarem a favor da reforma.
Entretanto,
por um triz os projetos assistencialistas não foram suficientes para assegurar
a reeleição de Dilma, pelo fato do valor recebido pelas famílias não mais cobrirem
os custos da cesta básica, cada vez mais inflacionado. Teria tido também
relevância no resultado que por pouco não lhe tirou a vitória, o sentimento de
frustração e repugnância da sociedade brasileira diante da avalanche de denúncias
de corrupção envolvendo personalidades históricas do PT e de outros partidos da
base de apoio que solaparam bilhões de reais dos cofres públicos. O resultado dessa
festança descabida com o dinheiro público e outras tantas práticas que tornavam
a vida do brasileiro difícil, foi o aumento das tarifas do transporte coletivo
e o sucateamento de outros serviços públicos como o da saúde, que resultaram
nas manifestações populares de junho de 2013.
A
própria burguesia que durante a eleição de Dilma teria se aliado ao candidato oposicionista,
Aécio Neves, do PSDB, no primeiro mandato da presidente, “nunca antes na
história desse país” obteve fabulosos lucros subsidiados pelo Estado. Não há
como negar que o governo Lula, durante seus oito anos de mandato, se apresentou
travestido e com a caricatura do seu antecessor, FHC, pois poucos foram os atos
administrativos que os distinguiam especialmente em relação ao extraordinário
apoio ao agronegócio. Tal semelhança também é possível de ser vista em relação
aos assentamentos do programa reforma agrária, pelo fato de ambos terem dedicado
inexpressivo apoio a esse seguimento.
O primeiro mandato de Dilma
e o agravamento da violência no campo
O pior
é que na gestão Dilma, o desempenho também foi pífio, isso se deveu a princípio
ao processo de supervalorização da terra, que elevou substancialmente os custos
das desapropriações. Desse modo o governo passou a adotar a estratégia de proceder
desapropriações apenas em situações especiais quando assim houvesse conflitos
pontuais, que colocassem em risco a ordem social. Essa postura negligente da
presidente com relação ao programa de reforma agrária contribuiu para o avanço
da violência no campo, que somente em 2014 foram registrados 34 assassinatos,
entre sindicalistas, assentados mortos por fazendeiros, etc. Não constam nessas
estatísticas os milhares de ameaças e tentativas frustradas cujo número superaria
em muito ao dos mortos. No decurso de posse, a Ministra da Agricultura Kátia
Abreu, teve a ousadia de afirmar que não há mais latifúndio no Brasil, uma
clara declaração de que, a frente do seu ministério, tudo fará para dificultar
ao máximo novos assentamentos, bem como viabilizar as políticas de demarcação
de terras indígenas e populações quilombolas.
Além
da aberração de que não há mais latifúndio no Brasil, a ministra da agricultura
teve a audácia de dizer que “os mesmos saíram das florestas e passaram a descer
nas áreas de produção”. Ou seja, uma postura xenófoba, de explícito desrespeito
contra uma categoria que há mais de quinhentos anos vem lutando bravamente pelo
direito de ter suas terras demarcadas dando condições para a preservação de sua
cultura. Esqueceu de dizer à ministra que não é o índio que está descendo às
áreas produtivas, são os latifúndios, grileiros, pistoleiros, garimpeiros,
entre outros tantos, que há mais de quinhentos anos continuam invadindo suas
terras, desmatando-as, poluindo os rios com pesticidas, com mercúrio e outras
substâncias provenientes dos garimpos clandestinos, levando doenças e outros
tantos males. Cabe afirmar que as populações indígenas continuam ainda hoje
submetidas às políticas genocidas iniciadas há mais de quinhentos anos. Tudo
isso vem ocorrendo sem que o próprio Estado tome medidas mais consistentes
impedindo tal barbárie. Outra polêmica que esteve envolvida Kátia Abreu durante
o discurso de posse e que foi veemente repudiada pelo CEMI (Conselho Indígena
Missionário) ocorreu quando reforçou que fará de tudo para viabilizar a
aplicabilidade da PEC 215, que está no Supremo Tribunal de Justiça para ser
julgado o mérito.[1]
O agronegócio e a
contaminação do ambiente pelos agrotóxicos
Não
há dúvida, a opção pelo agronegócio se constitui em um modelo de produção
altamente deficitário e insustentável devido ao custo elevado para sua
produção, sem contar os enormes impactos decorrentes dessa atividade ao meio
ambiente. Grande parte das sementes utilizadas no cultivo, especialmente os
transgênicos, é controlada por grandes corporações multinacionais como a
Monsanto, que por consequência monopolizam a produção e o comercio de
fertilizantes e agrotóxicos, tornando a agricultura cada vez mais dependente
dessas tecnologias. Para piorar, novas espécies invasoras de plantas, lagartas,
fungos, vêm se tornando ainda mais resistentes aos pesticidas conhecidos, forçando
o agricultor à compra e aplicação de substâncias com teor de toxidade mais
elevado, que além de encarecer a produção, compromete a qualidade da água, do
solo, das florestas e dos alimentos. Outro agravante observado no mundo dos
agrotóxicos é o envolvimento do governo federal baixando portaria para
liberação de certas substâncias ou agrotóxicos que há anos estão proibidos de
serem comercializados em muitos países.
No
Brasil, o percentual de agrotóxicos aplicados na agricultura chega a média
absurda de 5,2 litros por pessoa. Somente no estado do Mato Grosso esse
percentual extrapola os 50 litros, são 150 milhões de litros aplicados. Dentre
os pesticidas fabricados pela indústria química e altamente difundindo nas
culturas de todo território brasileiro, se destaca a Abamectina, Acefato e o
Glifosato. Segundo João Victor Santos, do Instituto Humano da UNISINUS em
artigo publicado na pagina virtual Carta Maior sobre o percentual de agrotóxico
aplicado no Brasil, dentre as três variedades acima mencionadas e de maior comercialização,
o Glifosato é o campeão em uso, não somente no campo, assim como nas áreas
urbanas, para combater ervas invasoras.[2]
O Brasil
continua alto dependente do mercado externo na aquisição de insumos importantes
para a agricultura dentre outros o adubo químico, cuja oferta internacional da
matéria prima para sua produção é cada vez menor. A resposta para poder
reverter esse problema estaria na elevação dos investimentos na agricultura
familiar. No entanto a realidade desse setor comprova o pouco empenho dos
governos. Enquanto o agronegócio abocanhou 80% do montante dos recursos
públicos destinados ao seu financiamento, a agricultura familiar foi
contemplada, pasmem, com parcos 0,5%. Muito pouco para um governo e um partido
que tive no campo importantes contribuições históricas, principalmente dos
movimentos campesinos, para sua formação e permanência no poder por quase vinte
anos.
Os
reflexos das políticas anti-sociais da atual presidente afetam em cheio o
seguimento familiar, com a incapacidade de pagamento dos financiamentos para
compra de máquinas e insumos. O resultado são as falências de pequenas
propriedades rurais e o conseqüente êxodo rural. Há mais de quinhentos anos o Brasil vem
insistindo num modelo de produção altamente insustentável, ou seja, a
exportação de commodities agrícolas e mineração altamente suscetível às crises
cíclicas. Nesse caso, atualmente o Brasil é um dos principais parceiros
econômicos da China, um país em franco crescimento econômico, que a qualquer
ameaça de crise no seu modelo terá um efeito dominó nas demais economias do
resto do planeta, inclusive e com mais intensidade a economia brasileira.
Os novos ministros e o corte
de gastos previstos por Dilma
Na
gestão Lula e Dilma ambos tiveram papéis preponderantes no esvaziamento dos
movimentos sociais, como os sindicatos de grande expressão nacional, cada vez
mais burocratizado e suas lideranças cooptadas para assumirem postos de
expressão dentro do próprio governo. Cessaram os debates sobre o Brasil que queremos
sistemas de governos, concepções ideológicas, que sempre fizeram parte das
agendas políticas, se constituindo em acontecimentos ímpares nos encontros e
congressos do partido dos trabalhadores.
O
sistema capitalista de produção ou de mercado, numa visão moderna, é o que vem
dando as coordenadas da sociedade brasileira. Manter a todo custo o superávit
primário, baixar custos de produção e outras atribuições vêm se tornando a
tônica dos dirigentes políticos e salvaguardado por movimentos sindicais
importantes. Em relação ao superávit primário da balança, que grosso modo seria
elevar as sobras do governo para o pagamento da dívida pública, terminando o
pleito eleitoral e definida a escolha dos novos ministros, a presidente
divulgou na imprensa o montante dos cortes previstos provocando ainda mais a
ira do seguimento social que declarou voto à candidata na expectativa de que
cumprisse o que prometera em campanha.
A
própria escolha do ministro da Fazenda Joaquim Levy é prenúncio nada otimista
acerca do modo como se comportará o governo Dilma, que seguirá a risca as
políticas da austeridade fiscal como forma de cumprir os compromissos de
pagamento da dívida pública. Isso já o fez com primazia no início do governo
Lula quando exerceu o cargo de secretário do tesouro nacional, que lhe rendeu o
cômico apelido de “Levy mãos de tesoura”, uma analogia ao filme Eduard Mãos de
Tesoura. Dentre as inúmeras medidas que coordenou na pasta que assumiu, a mais
polêmica foi à viabilização da Reforma Previdenciária.
Porém,
o que não se imaginava era que tal austeridade fiscal fosse outra vez ocorrer
num governo petista, e que as medidas amargas mais uma vez se recaíssem sobre
os trabalhadores. Dito e feito. No dia 30 de dezembro de 2014, já eleita, a
presidente Dilma surpreende os brasileiros com as sansões das medidas
provisórias 664 e 665 no qual estabelecia cortes substantivos do orçamento
público alcançando os 18 bilhões de reais. Além disso, no começo de janeiro
novos cortes do orçamento foram divulgados atingindo, em cheio, direitos conquistados
pela classe trabalhadora como o seguro desemprego; auxílio doença; pensão por
morte; abono salarial, entre outros. Se a estratégia é economizar para elevar o
superávit primário da balança comercial, porque o governo não adotou outras estratégias
que não penalizassem os trabalhadores. Poderia se assim o quisesse, ter elevado
os impostos sobre as grandes fortunas, cuja arrecadação proporcionaria uma boa
sobra de caixa.
A
alegação do governo em cortar os benefícios dos trabalhadores é que poderá
comprometer a previdência social. Isso não é verdade, em 2013 a instituição
teve superávit de 72 bilhões de reais. O pior é que todo esse dinheiro que
sobrou que deveria reverter em benefícios aos segurados foi utilizado para
cobrir as despesas com a dívida pública. Se está faltando dinheiro, está nas
mãos dos empresários beneficiados com as isenções fiscais que totalizaram 92
bilhões de reais. Não há motivo também do governo ter aumentado o número de
ministérios, 39.
Dentre
os ministérios mais afetados pelos cortes está o da educação que terá uma perda
anual de sete bilhões de reais. O que é paradoxal nisso tudo é o fato da
presidente ter declarado no discurso de posse que o lema do seu governo será “Brasil,
Pátria Educadora”. Desde novembro de 2014 estudantes bolsistas de pós-graduação
do CAPES não vem recebendo seus salários. E o problema que se vislumbra no
horizonte político, só está começando. Qual a relação dos cortes de
investimentos de um setor tão importante como a educação com a indicação de Cid
Gomes para o Ministério da Educação, cuja passagem pelo governo do Ceará lhe
rendeu severas críticas especialmente de profissionais das Instituições de Ensino
Superior Estadual que mantiveram uma greve de mais de dois meses, sem que o
governo se sensibilizasse e atendesse suas reivindicações.
Outros
episódios negativos na sua administração podem ser destacados respaldando assim
sua indicação ao respectivo ministério. Além da sua extraordinária habilidade
de enrolar os trabalhadores da educação durante 64 dias de greve, se destacou
em âmbito federal por criar no estado do Ceará o Programa Alfabetização na
Idade Certa, que foi incorporado ao MEC através do PNAIC. Na verdade é um
programa que segue a agenda empresarial que visa minimizar ao máximo o processo
de alfabetização seguindo parâmetros semelhantes aos que foram adotados nas
décadas de 1970, ou seja, a decodificação de letras desvinculadas do uso
social. O resultado é uma avalanche de indivíduos agora ditos alfabetizados que
apresentam dificuldades enormes para a compreensão crítica do que está lendo.
Muito aquém do que defendia teórico como o educador Paulo Freire, cujo método
por ele criado sempre foi interpretado pelos antigos petistas e hoje no governo
como um modelo revolucionário a ser incorporado no PNE (Plano Nacional de
Educação).
No
lugar do que seria um projeto pedagógico transformador e emancipador, o que se
anuncia é uma política educacional conservadora que parcamente se limita a
redução das taxas vergonhosas de analfabetismo em cumprimento aos preceitos
recomendados pelos organismos financeiros internacionais. Diante dessa
realidade sombria, o atual ministro deixou claro que a educação será a
prioridade das prioridades, que irá concentrar todos os esforços para promover
uma ampla reforma no ensino médio. Segundo ele, afirma que o atual modelo
curricular é extremamente abrangente com pouco foco nas competências
instrumentais como português e matemática. Se a população estudantil, pouca
habilidade possuem nessas duas áreas, que segundo ele são essenciais, as demais
competências como arte, ciências, cultura seriam desnecessárias. É preciso esclarecer
que muito dos argumentos proferidos pelo ministro, são reproduções do que já
consta no Plano Nacional de Educação aprovado em 2014, que é uma cartilha
educacional que segue as recomendações do Banco Mundial.
E
não para por aí as muitas justificativas condenáveis na escolha de um ministro
cujo currículo como governador envergonharia em especial os professores
petistas que ainda alimentam esperanças de mudanças significativas na educação
pública. Há de se ressaltar também a sua posição acerca lei 11.738/08 que
estabeleceu o Piso Nacional dos Trabalhadores em Educação. O processo lá muito
se assemelhou ao que ocorreu em Santa Catarina. Para que os professores
cearenses tivessem direito ao piso foram necessários 64 dias de greve. Mesmo
com a concessão do piso, o governo Cid Gomes participou junto com outros cinco
estados, RS, PR, MS e SC do encaminhamento de uma ADIN (Ação de
Inconstitucionalidade) junto ao Supremo Tribunal Federal para a derrubada da
lei.
Depois
de algum tempo de tramitação o supremo julgou a ação dando ganho de caso aos
educadores desses estados. Sobre o direito de um terço de jornada de trabalho,
Cid Gomes defendeu que o professor deverá trabalhar quarenta horas completas,
sem qualquer tempo para o preparo das aulas. Outra frase lançada pelo ministro
quando ainda governador do Ceará certamente jamais será apagado da memória dos
educadores daquele estado, quando disser durante a greve: “quem quer dar aula faz isso por
gosto, e não pelo salário. Se quer ganhar melhor, pede demissão e vai para o
ensino privado”.
Apenas
para elucidar o que representa para educação pública a escolha desse ministro,
na gestão do tucano Lúcio Alcântara, no governo do Ceará, o orçamento destinado
para educação foi de 38,25%, enquanto na administração Cid Gomos, o percentual se
limitou a 18,06%. Imagine o que fará o ministro na sua pasta agora com os
expressivos cortes de sete bilhões do orçamento para o setor. Certamente seu
exemplo será seguido pelos demais governos e secretários de educação de todos
os estados. O ano letivo de 2015 seguramente irá começar conturbado com
calorosas discussões da categoria do magistério acerca de quais os caminhos a
serem adotados para fazer valer o cumprimento da lei do piso, cujo aumento foi
de 13%, sendo o vencimento previsto para 1.910 reais. Quando muitos prefeitos e
governadores tiveram conhecimento acerca do valor a ser pago aos professores, a
chiadeira foi total, alegando que não há como cumprir a lei por incapacidade
financeira. Se compararmos o valor do piso do magistério com o salário mínimo
estabelecido pelo Dieese, a diferença supera os mil reais acima do piso do
magistério, ou seja, 2.975 reais.
Na sequência dos cortes orçamentários
divulgados foram contemplados também outros ministérios como o da Cidade, com
144 milhões, mês; o de desenvolvimento social, com 140 milhões; do
desenvolvimento agrário, com 44 milhões e ciência e tecnologia com 131 milhões.
Se a escolha de Kátia Abreu para a agricultura se constituiu em um
acontecimento que surpreendeu até os militantes mais fanáticos do PT, o que
dizer do ministro Aldo Rebelo para a Ciência e Tecnologia, quando se sabe que na
função de deputado federal foi relator do projeto de lei do controverso Código
Florestal, aprovado e extremamente criticado por diversos seguimentos sociais
em especial a SBPC (Sociedade Brasileira para o Desenvolvimento da Pesquisa e
da Ciência) por não ter incluído no documento proposições importantes em
benefício do ambiente.
Diante
disso, os setores governamentais e o congresso nacional aproveitam da inércia
desse seguimento para levar adiante projetos de flexibilização de direitos como
a previdenciária e trabalhista. Outra estratégia levada a diante pelos governos
lula e Dilma foi amplificar a ideologia do consumo de bens duráveis, automóveis
e eletrodomésticos. Estimuladas pela redução de IPIs e outras tentações como
obtenção de créditos fáceis, uma expressiva parcela da sociedade se tornou
endividada e extremamente vulnerável a uma possível crise econômica. Esse é um
modelo que está condenado no mundo todo. Não há como sustentar um padrão de
consumo pautado na exploração dos recursos naturais cada vez mais escassos,
dentre eles a água já limitada em várias partes do planeta, como na maior
metrópole brasileira, São Paulo.
Crise da água como reflexo das
políticas neoliberais
Convém
destacar que o problema da escassez de água poderia ter sido amenizado se o
governo do estado e os prefeitos dos municípios situados às margens dos
mananciais executassem algumas medidas importantes. Dentre elas, o empenho dos órgãos fiscalizadores
contra o desmatamento nas cabeceiras, o desperdício e investimentos no
tratamento dos esgotos lançados nos leitos dos rios e dos mananciais que
abastecem a população da capital. Sobre a crise da água em São Paulo se faz
necessário desconstruir alguns conceitos equivocados e divulgados pela mídia e
pelo próprio governo que procuram omitir os verdadeiros motivos da redução do
volume dos mananciais, cujos maiores prejudicados são a população de baixa
renda.
Acredito
que ninguém deve ter assistido ou lido na grande imprensa alguma reportagem
citando a Represa da Cantareira que teve 80% do seu território desmatado,
inclusiva nas suas margens. Além do mais, em 1991, foi instituída a lei
estadual n. 7.4380/91, que transformou toda área da represa numa APA (Área de
Preservação Ambiental), que possui um órgão gestor, porém, não existe nenhum
plano de manejo da área. O resultado são as atividades industriais e agrícolas
inadequadas nas proximidades da represa que comprometem ainda mais a reposição
da água no manancial.
As
represas de Guarapiranga e Billings sofrem os mesmos problemas identificados na
Cantareira. Diante dessa realidade de escassez de água para o consumo humano,
animal e industrial, houve o aumento desproporcional de perfurações de poços
artesianos no entorno da bacia do Rio Tietê. Das dez mil perfurações
realizadas, 70% são consideradas ilegais não sujeitas a nenhum controle de
exploração. Sendo assim, os mananciais subterrâneos cujas reservas que se
acreditava estarem disponíveis somente para as futuras gerações, com a captação
da água desses aqüíferos de modo insustentável, há riscos evidentes de que a
crise hídrica em São Paulo irá se prolongar por muitos anos, podendo até resultar
em convulsões sociais graves semelhantes a que ocorreu em junho de 2013.
As
medidas divulgadas pelo governo paulista para amenizar a crise com custos
orçados em quase dez bilhões de reais, seriam desnecessárias, se houvessem
maior empenho do estado no combate dos desmatamentos e na implantação de políticas
de manejo sustentável dos mananciais, bem como o tratamento dos esgotos
domésticos e industriais e maior controle contra os desperdícios. A cidade de
Tell Avive, capital de Israel devido à escassa oferta de água vem desenvolvendo
há décadas planas com vistas a maximizar o uso da água para o consumo humano,
industrial e agrícola. Somente a capital 100% da
água dos esgotos são tratadas e transportadas a uma distância aproximada de 100
km, no deserto de Neguev, onde é utilizada para irrigação do solo.
Diferente dos demais países ditos desenvolvidos, Israel
reaproveita 72% da água consumida. O país que mais se aproxima a Israel no
reaproveitamento da água é a Espanha, cujo índice é de 15%. Quanto ao uso
racional da água, nos centros de tecnologia também são desenvolvidas variedades
de plantas resistentes ao sal que são capazes de sobreviver a partir da
irrigação com água salobra. Para um país cuja precipitação pluviométrica
anual, na parte norte, chega a 600 mm, e no sul, aproximadamente 30 mm, o
aproveitamento desse precioso líquido tornou-se necessário. Diante disso foram
construídos em todo território israelense, no total 225 reservatórios de águas,
semelhantes às cisternas do nordeste brasileiro.
O exemplo de Israel poderia ser seguido por muitas cidades
brasileiras que já sofrem a escassez de água. Não são projetos faraônicos,
caros e de elevado impacto ambiental como a transposição das águas da bacia do
São Francisco e as mega-obras previstas para a capital de são Paulo que irão
solucionar problemas crônicos advindos da má gestão histórica dos recursos
hídricos. Investir em educação ambiental, para instruir a população a utilizar
a água de forma racional; construção de usinas de tratamento dos esgotos;
instalação de cisternas em residências, indústrias e prédios públicos para
captação da água da chuva e um plano de manejo integrado semelhantes aos
comitês de bacias, são medidas eficientes, de baixo ou nenhum impacto ambiental
e de custos relativamente inferiores aos projetos bilionários cujos
beneficiados são as grandes construtoras muitas das quais denunciadas de
envolvimentos em negociatas fraudulentas com empresas públicas como a
Petrobrás.
A crise de escassez da água já é uma realidade presente nas
muitas cidades nordestinas, região sudeste e sul do Brasil, como a que ocorreu
em 2011 e 2012 na região do extremo sul de Santa Catarina, onde a precipitação
de chuva foi uma das menores da história, fato que resultou na redução do
volume de água dos mananciais e aqüíferos, forçando os administradores públicos
a adotarem ações emergenciais como a contratação de carros pipas para
transportar água à população do interior. Os sinais de que o clima do planeta
terra vem sofrendo mudanças já é uma realidade. Embora os efeitos da falta de
chuva já tenham minimizado o que se percebe é o volume menor de chuvas nos
últimos dois anos, quantidade ainda insuficiente para suprir os mananciais e
aqüíferos. Outro aspecto preocupante observado nos vários municípios como
Araranguá são os planos de desenvolvimento propostos que leva em consideração a
demanda de água disponível. Todos os mananciais que abastecem o município não
estão inseridos em programas de manejo sustentável onde são perceptíveis as
agressões ambientais como a ocupação das margens, o assoreamento, a poluição da
água por rejeitos orgânicos, entre outros.
Na hipótese dos mananciais virem a secar a médio ou longo
prazo, as águas subterrâneas e do rio Araranguá, que poderiam ser uma
alternativa natural, estão descartadas. Isso porque a quantidade de metais
pesados, nitratos e outros elementos detectados nos aqüíferos impossibilitam o
consumo humano. Enquanto que o Rio Araranguá, cujas nascentes estão a menos de
cem quilômetros de distância, seu uso também está comprometido devido à elevada
acidez da água, bem como a presença de outros poluentes como pesticidas,
esgotos domésticos e industriais.
Prof. Jairo Cezar
[1] A PEC
215 é uma proposta a ser inserida na Constituição Federal garantindo ao
Legislativo o direito de apreciar as demarcações de áreas indígenas, da mesma
forma com que se aprecia a demarcação de áreas de proteção ambiental ou de
qualquer projeto de lei.
[2]
O
Glifosato provoca os seguintes efeitos:
toxicidade subaguda (lesões em glândulas salivares), toxicidade crônica
(inflamação gástrica), danos genéticos (em células sanguíneas humanas),
transtornos reprodutivos (diminuição de espermatozoides e aumento da frequência
de anomalias espermáticas) e carcinogênese (aumento da frequência de tumores
hepáticos e de câncer de tireoide). Os sintomas de intoxicação incluem
irritações na pele e nos olhos, náuseas e tonturas, edema pulmonar, queda da
pressão sanguínea, alergias, dor abdominal, perda de líquido gastrointestinal,
vômito, desmaios, destruição de glóbulos vermelhos no sangue e danos no sistema
renal. O herbicida ainda pode continuar presente em alimentos num período de
até dois anos após o contato com o produto. Em solos pode estar presente por
mais de três anos, dependendo do tipo de solo e clima. Apesar
da classificação toxicológica que recebe no Brasil, o produto é
considerado um biocida. Tanto que já foi banido de países como a Noruega,
Suécia e Dinamarca. João Victor Santos – Instituto
Humanas Unisinus. http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Meio-Ambiente
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