quinta-feira, 8 de maio de 2014

Considerações sobre a Audiência Pública ocorrida  na comunidade de Canjiquinha/Araranguá, que tratou sobre o polêmico projeto de Casas Populares para famílias de baixa renda


A data de 24 de abril de 2014 certamente será lembrada e entrará para a história como o dia em que famílias das comunidades vizinhas Morro dos Conventos e Canjiquinha, historicamente marcadas por laços de parentesco e amizade, se confrontaram quando da apresentação pelo poder público de projeto de casas populares para pessoas de baixa renda. Episódio como esse ocorrido nas dependências do salão de festas da comunidade de canjiquinha requer cuidadosa análise quanto às inúmeras falas expressadas no evento. Cada frase dita, cada manifestação de vaias e aplausos refletiu claramente o modo como cada um se vê e é visto na sociedade aflorando tanto sentimentos de aversão e medo do outro como de cooperação, gratidão e solidariedade. Enfim, deve-se ter clareza que as falas traduziram sentimentos de uma coletividade, constituída na sua maioria de famílias de trabalhadores explorados, oprimidos, manipulados e desassistidos pelo poder público, que geralmente são lembrados apenas em épocas eleitorais quando pequenas benfeitorias são realizadas no bairro em troca de voto.
São necessárias, portanto, essas breves considerações, para poder discorrer e opinar sobre a audiência ocorrida, as reações do público presente, os possíveis equívocos cometidos pelos expositores e as proposições encaminhadas no final. Com a presença de um público aproximado de quinhentas pessoas presentes, o coordenador Chico fez a apresentação das autoridades que lá estavam e uma breve explanação acerca do teor do projeto, os beneficiados e o porquê da escolha do Morro dos Conventos para sua implantação. Frisou que desde o momento que foi instituído o programa Minha Casa Minha Vida, em 2009, nenhum projeto de casas populares foi executado em Araranguá, apenas parecido como o residencial Campo Belo para atender famílias situadas em área de risco oriundas da Barranca e Baixadinha. Acentuou também que a eleição de um governo popular, no caso de Araranguá, tem por obrigação oferecer moradia digna à população carente como forma de amenizar as desigualdades e preconceitos que se abatem sobre esses grupos marginalizados. Além do mais insistiu em dizer que se a administração não tiver como foco a solução do passivo habitacional local, o governo do partido dos trabalhadores terá sido em vão.
O próprio Presidente da Câmara de Vereadores Ozair da Silva ressaltou que o momento é importante para a comunidade, que jamais houve no município projeto semelhante que está sendo apresentado, ouvindo as opiniões das pessoas e de que modo deve ser implantado sem causar prejuízos às famílias que já residem no entorno. Realçou que a especulação imobiliária no município é imensa, que o projeto de casas para população de baixa renda procurará resolver o problema habitacional. Concluiu afirmando que a política do governo municipal é fazer política habitacional, que no final da apresentação todos decidirão se a proposta é viável ou não.   Deixou claro que a câmara de vereadores deverá antes de iniciar as obras discutir e votar a homologação da área de interesse social no Morro dos Conventos. Sobre a especulação imobiliária realçada por Banha, os projetos de casas populares pretendidas para serem construídas distantes do perímetro central da cidade, não seria uma forma mascarada de “limpeza” desses espaços, ou seja, deslocar populações marginalizadas do Buraco Quente e Uca para dar lugar a conjuntos residenciais e do complexo centro administrativo e esportivo, no Mato Alto? Quando se ouvia alguém da plateia mencionar que o Morro viraria uma favela, poderia estar essa expressão condicionada a possível transferência dessas famílias para o Morro, uma forma de interiorização da miséria social. Há fortes indícios de que grandes construtoras do setor imobiliário estejam inseridas nesse processo. Que pode haver relações entre empreiteiras e poder público para que terrenos hoje ocupados pela prefeitura, quartel, delegacia de polícia civil, entre outros, situados na área central da cidade, estejam sendo pretendidos por tais empresas, que em troca dos terrenos se comprometerão com a construção de todo o complexo no Mato Alto.  Não seria estético para os olhos de quem vem de fora e para a própria elite araranguaense, transitar pelo futuro complexo esportivo, administrativo e educativo, tendo no entorno a “feiura” de uma favela.
O coordenador salientou que no ano de 2009 o prefeito Mariano Mazzuco abriu inscrições para cadastrar 1.500 famílias, porém, no período não foi feito nenhum projeto de casas populares para o município. A partir do momento que assumiu a Secretaria de Bem-Estar-Social, o Secretário Chico iniciou processo para viabilizar políticas visando atender as populações mais necessitadas, articulando encontros com empreendedores, cooperativas habitacionais e instituições financeiras para alocar financiamento que viabilizasse tais iniciativas. Três projetos foram aprovados para o município de Araranguá, dentre eles O Residencial Bela Vista, em fase de construção no bairro Araponga, para 256 famílias, e o que está sendo previsto para o Morro dos Conventos. Foi categórico em afirmar que os projetos em questões seguem etapas rígidas que devem ser cumpridas especialmente quanto às categorias sociais a serem atendidas obedecendo três critérios para cadastramento: o primeiro é priorizar a mulher, chefe de família, o segundo moradores em área de risco e, por último, portadores de necessidades especiais.
Esclareceu que 70% dos moradores que queiram ser contemplados com as casas populares deverão comprovar residência no bairro, os 30% restantes seguirão a mesma condição, proximidade do local do empreendimento. Já estão cadastradas até o momento para a aquisição das casas, 19 famílias. Na apresentação dos slides, mostrando alguns equipamentos como a creche, salão comunitário e academia ao ar livre, iniciaram as vaias e insultos, uma demonstração de reprovação, não especificamente contra o projeto como se notou cujas reações foram até positivas, mas contra a administração por não ter oferecido até o momento os mesmos equipamentos e benefícios para a população residente no bairro.  
Diante da dificuldade de dar sequência a exposição do empreendimento, o secretário Chico retrucou veemente aqueles que vaiaram, salientando que “cada um aqui está defendendo seu ladinho”. Os cochichos se alastraram por todos os cantos do recinto, destacando-se uma voz que fez o seguinte comentário: “nós não queremos favela no Morro”. Dentre as pessoas que faziam críticas e lançavam piadas à apresentação, destacou-se uma cidadã, cuja postura irônica e de desdém revoltou o secretário Chico que a retrucou afirmando “ter tido muita honra de participar como secretário da câmara na última gestão”. Pediu aos mesmos, respeito. Essa postura adotada refletiu em vaias das pessoas próximas ao casal. Sobre a postura da cidadã achincalhando, ironizando Chico, cabe fazer alguns esclarecimentos. Sendo a mesma esposa do cidadão antes presidente da câmara de vereadores e que exerceu por vários anos o cargo de vereador, cuja campanha que lhe garantiu votos às vagas, sempre esteve condicionada à troca de favores, portanto, sem compromisso efetivo com a comunidade, seus comentários e críticas não tiveram eco, isso porque, se a comunidade carece de serviços básicos, o problema vem se arrastando ano após anos e o próprio ex-vereador acima mencionado é passivo de responsabilidade, por desconsiderar os problemas da comunidade e usá-los como moeda de campanha. Já visivelmente abatido com as críticas e vaias de grande parcela dos presentes, continuou com a apresentação, garantindo que iniciando a construção das casas o material e a força de trabalho serão buscados na própria comunidade.    
As vaias se intensificaram, atitude que revoltou o vereador Banha que intercedeu pedindo calma aos presentes, dizendo que todos que ali estavam se conhecem e que terá um momento específico para o debate onde todos poderão expressar suas opiniões, críticas, etc. Citou como exemplo o Loteamento Paiquerê, cujos problemas ora evidenciados são frutos da irresponsabilidade das administrações passadas, que o mesmo erro não ocorrerá com o empreendimento ora em discussão. Frisou que se não for discutido o projeto, a administração pode executá-lo a revelia da comunidade. Como pode afirmar que o loteamento em questão não incorrerá dos mesmos erros, se a legislação brasileira em vigor estabelece que todos os empreendimentos desse porte tenham entre outros equipamentos uma estação de tratamento de esgotos, que não está contido no projeto. O embargo do Paiquerê pelo MPF foi pelo simples motivo do empreendedor não ter cumprido as determinações estabelecidas no projeto, como a não ocupação de dunas, APPs rente ao córrego, limite de trezentos metros referentes à área da marinha, Arborização com espécies nativas, etc. Deverá o empreendedor ajustar o loteamento às exigências do órgão federal, bem como, comprometer o poder público na construção do sistema de tratamento do esgoto, como determina a legislação federal. O município de Araranguá tem até 2015 para concluir definitivamente a instalação da sua estação de tratamento, com riscos de retaliações e punições financeiras por parte do governo federal. É bem possível que o município não cumprirá em tempo o cronograma estabelecido, haja vista os problemas que se sucederam na execução do projeto da estação da Vila São José, devido a falhas técnicas, cujos equipamentos adquiridos que somaram mais de dez mil reais foram descartados e estão se deteriorando no mato onde seria a estação.
Após a fala de Banha, o empreendedor retomou a apresentação. Revoltou-se diante da fala de um cidadão que disse que seria criada uma favela no Morro. Respondeu que todas as favelas construídas pela cooperativa no estado apresentam as mesmas características da que está sendo proposta para o Morro. Falou que há projetos semelhantes em execução no Turvo, Ermo e outros municípios do estado como Chapecó, etc., que a política adotada pela cooperativa não visa lucro. “A população do Morro que se diz rica, aqueles que estão vaiando, por que não se organizam para ter creche de qualidade”. 
Concluída a fase de apresentação iniciaram os questionamentos e debates acerca do projeto. Uma das indagações apresentadas foi em relação à destinação do esgoto. Respondeu o diretor do Samae esclarecendo que no município todo o sistema de esgoto, independente do local e da classe social, é constituído por fossa, filtro e sumidouro, portanto, o sistema de esgoto do loteamento popular vai seguir o mesmo princípio. Outro sistema diferente do que já existe, somente a partir da implantação da rede de tratamento do esgoto.  O projeto que está sendo discussão cumpre as normas ambientais, ou seja, respeitando a distância dos cem metros da lagoa, que mesmo com a fossa e outros equipamentos, o risco de contaminação do lençol freático ainda se torna possível. No entanto, o empreendedor terá por obrigação fazer estudo amplo do solo, do lençol freático, etc. Simon completou esclarecendo que a rede pluvial deverá ser direcionada para além do loteamento do Delci, que também será beneficiado, impedindo que a água escorra para lagoa.
O próprio Chico ratificou o que o Simon disse, acrescentando que todo bairro do Morro a rede pluvial tem como destino a lagoa. Há evidências concretas de que o problema de contaminação da água da lagoa como a proliferação de algas e outros elementos contaminantes tenha relação direta com o sistema de esgotamento existente, que poderá se agravar com o novo loteamento, com um agravante, o terreno onde serão construídas as casas é sujeito às inundações, que pela proximidade do lago, comprometerá ainda mais a qualidade da água. Sobre o esgotamento, o novo plano diretor, ainda não concluído, estabelece que os novos loteamentos em tela devam se adequar a legislação em vigor, ou seja, além dos equipamentos já mencionados, o poder público terá que garantir o tratamento do esgoto. Chama atenção à pressa do poder público de querer encaminhar o mais rápido possível projetos como do Morro dos Conventos, sem que sejam concluídas as discussões do plano diretor que tratam sobre uso e ocupação do solo e mobilidade urbana.  A morosidade quanto à retomada dos debates do plano diretor não estaria ocorrendo propositalmente, pois o mesmo apresenta inúmeros dispositivos que condicionam a criação de novos loteamentos populares segundo alguns critérios: proximidade do perímetro central da cidade e o tratamento do esgotamento. Em reunião ocorrida no salão de festas do Morro dos Conventos o próprio Banha foi enfático em afirmar que encaminharia até março do corrente ano projeto de lei para a criação do Conselho Habitacional para acompanhar as discussões dos projetos habitacionais no município, com autonomia junto com o poder público de definir as políticas que tais projetos deverão seguir.      
Outro questionamento levantado foi em relação às condições de trabalho, saúde, segurança da população que se instalará no loteamento. Quanto à saúde, a Secretaria Cida Costa frisou que a população será atendida pela unidade de saúde existente, que será aumentada o efetivo de agentes para dar melhor atendimento às famílias. Elogiou o atual médico contratado, que permanecerá na comunidade por um ano. Em relação ao comentário foi sobre a possível favelização do Morro, argumentou que morou próxima a comunidade do Buraco Quente, hoje Samaria, que atualmente reside na Coloninha, na linha de tiro de uma das comunidades mais carentes, que isso não a torna pior do que ninguém. Que entristece sabendo que moradia é um direito de todo cidadão, que não adianta seguir princípios cristãos, dobrar joelhos, se não há respeito ao outro, como ser humano, de ter o mesmo direito”. Essa postura resultou em vaia. Quanto ao transporte coletivo, à resposta dada pelo Secretário Fernando Marcelino, foi de que o transporte público é uma concessão da prefeitura. Que em 2012 foi concedida concessão para a empresa que hoje atua, com validade para um ano. Deixou claro que o município discutirá uma nova política de concessões, sendo que o projeto ainda está tramitando na câmara, no qual prevê aumento da linha de ônibus, etc.
Mais perguntas foram feitas dentre elas as condições das pessoas de pagarem as passagens se ambas são consideradas de baixa renda. Esse questionamento irritou outra vez o Secretário Chico que pediu encarecidamente que não expressasse mais o termo Buraco Quente, uma atitude preconceituosa e discriminatória. O cidadão conhecido por Mineiro argumentou que as famílias contempladas com as casas serão mais beneficiadas que as residentes no bairro há mais tempo em decorrência dos equipamentos que receberão. Disse que admirava a política do PT, porém, quando assumiu o governo municipal vem se decepcionando, visto que ideologia do partido não combina com sua prática. Exigiu que a comunidade fosse tratada com respeito, que garanta escola descente para os filhos dos trabalhadores estudarem.
Na sequência, Murilo seguiu a mesma linha do cidadão conhecido por Mineiro, reafirmando que a saúde no bairro é precária, tendo apenas três agentes de saúde para atender uma grande demanda, que não há farmácia e os horários de ônibus são insuficientes. Concorda com o projeto, porém, nesse momento não há como viabilizá-lo, talvez daqui a vinte anos. O próprio Cristiano argumentou que morou nas proximidades do Buraco Quente, que o problema lá existente, violência, tráfico de drogas, etc., decorre não dos moradores residentes, mas daqueles que vieram de outros lugares. Destacou que o Morro é o bairro que possui o menor índice de criminalidade do município, que tal estatística tem relação com a condição de parentesco dos habitantes locais. Se o projeto é para atender famílias carentes, e sabendo que a população do próprio bairro possui necessidades, não há como poder “dividir o pouco que tem com quem não tem nada”.
Rodrigo Lima declarou que as demandas da comunidade como de todo município não estão atendendo as expectativas da população, como coleta do lixo, educação, saúde. Afirmou que no Morro 90% da população é constituída de trabalhadores, no entanto, uma pequena elite que morra no bairro, não quer nenhuma mudança porque se beneficia dessa precariedade. Concordou com a opinião dos que o antecederam quando afirmaram que a população que residirá no bairro sofrerá os mesmos problemas ou tenderão a se agravar. Não é possível que a prefeitura venha na comunidade apresentar o projeto e não traga nenhuma proposta para minimizar os problemas do entorno. Quanto ao programa mais médico, é inadmissível que não tenha solicitado profissional para o município. Carlos destacou o problema da creche existente, que há uma demanda de 12 crianças na fila, bem como o transporte coletivo que também merece atenção. Propôs que o programa atenda especificamente as poucas famílias necessitadas, em vez da construção das 120 casas.
Gisele (Sasso) comentou que se vive numa democracia, que o projeto é bonito, portanto, que se faça um plebiscito para ver a opinião da população, quem é contra ou a favor. É da mesma opinião de Carlos quando disse que o projeto atenda prioritariamente as famílias necessitadas do Morro. Nereu comungou com as opiniões anteriores, criticou Chico sobre a quantidade de casas propostas, que é pessimista em relação ao projeto, que a administração ou a população do Morro vão pagar um preço alto com a efetivação do projeto. Chico argumentou que não há como pulverizar o projeto, pois o programa minha casa minha vida estabelece critérios rígidos que devem ser seguidos como a aquisição de terrenos cujo valor do empreendimento seja acessível às pessoas carentes.
Os terrenos ou lotes não podem ultrapassar o limite dos cinco mil reais, e as construções terão um custo máximo de sessenta mil reais. Como forma de encaminhamento, Gerson propôs que as inscrições para novos interessados aconteçam no bairro tendo o acompanhamento das entidades locais que avaliarão os cadastrados, se os mesmos se adequam aos critérios exigidos. Sobre o comentário de que os 30% das inscrições são para pessoas de outras comunidades, Chico respondeu que “quem falou está mentindo”. Evandro argumentou que as pessoas do Morro tem receio acerca das novas pessoas que virão para cá, que é preciso unir ao paço municipal para saber quem são as famílias. Se o projeto for aprovado, exigir que as melhorias sejam feitas também no bairro e que contemplem toda população. Pediu que os vereadores presentes ficassem atentos ao que foi dito na reunião. Em relação à água, Su reafirmou que a mesma apresenta problemas, que mancha as roupas. Polaco questionou se foi feito alguma reclamação acerca do problema ao Samae. Vorlei respondeu que as denúncias procedem e que já foram feitas para a bióloga Suzana, do Samae, que nenhuma providência foi tomada. Concluindo a reunião, Chico afirmou que se comprometerá em chamar as entidades do bairro para discutir os novos procedimentos de cadastramentos que serão efetuados.
Prof. Jairo Cezar