domingo, 28 de outubro de 2018


EXPOSIÇÃO SOBRE ESCRAVIDÃO EM ARARANGUÁ REVELA UM PASSADO POUCO CONHECIDO DA POPULAÇÃO LOCAL

Foto - Jairo

Cento e trinta anos depois da assinatura da controvertida lei áurea, jamais, em um passado recente, se ouviram tantas reportagens envolvendo fazendeiros ou empresários acusados de estar utilizando mão de obra análoga a escravidão.  A sensação que se tem hoje é que trabalho escravo no Brasil jamais teve fim. Outro detalhe importante, a escravidão descrita nos livros didáticos e ensinada nas universidades e escolas básicas remonta um sistema quase que exclusivo da região sudeste e nordeste brasileiro. São mínimas as pesquisas ou fontes bibliográficas que realçam esse perverso modelo produtivo na região sul do Brasil.
Santa Catarina como Rio Grande do Sul, ambos tiveram sua história moldada a partir de uma economia de traço mercantilista para o abastecimento regional, das áreas de mineração no sudeste brasileira e dos países do cone sul. A pecuária, a farinha de mandioca e o açúcar foram atividades econômicas que se destacaram no sul do Brasil, sendo responsáveis pelo afloramento de vilas importantes nos dois estados do sul que, depois, se transformaram cidades pólos regionais como Laguna, Araranguá, Lages, etc.

Foto - Jairo

Quando nos referimos a Araranguá estamos nos remontando a um município cuja área territorial até 1925 lhe credenciava como uma das mais extensas do estado de Santa Catarina. O que poucos sabem é que essa vastidão de terras na extremidade sul do estado estava concentrada em mãos de poucas famílias abastadas, cujo trabalho na lida diária no campo e nos engenhos de farinha de mandioca e açúcar era quase que exclusiva de trabalhadores escravos, negros africanos.
Durante décadas documentos que revelaram a existência de cativos no Grande Araranguá ficaram esquecidos quase que propositalmente dentro de caixas em salas insalubres no fórum da comarca de Araranguá. A quantidade e a relevância historiográfica da documentação foram de tal magnitude que despertou a atenção do professor Cesar Antônio Spriccigo, que não relutou em iniciar sua pesquisa de mestrado pela UFSC, resultando na dissertação e posterior livro com o título: Sujeitos Lembrados e Sujeitos Esquecidos.

Foto - Jairo

Cada linha, cada capítulo da obra inédita na região traz informações reveladoras de um cenário de intensa movimentação de proprietários de terras, negociadores de escravos, de farinha, de açúcar e demais produtos, transportados em carro de bois por trilhas e estradas de terra.   O comércio de escravos tornou-se tão atraente e lucrativo que, aquele que possuísse dois ou três plantéis, lhe asseguraria capital suficiente para a aquisição de braças de terras e equipamentos para os engenhos.

Foto - Jairo

A pesquisa do professor Cezar rompeu com a historiografia tradicional que excluía o sul do Brasil do roteiro comercial escravagista. Descortinar tais fatos de um território distante do eixo produtivo e exportador nordeste/sudeste, trouxe subsídios que comprovam que o Grande Araranguá, como era conhecido na época, foi entre a metade do século XIX até as primeiras décadas do século XX uma das regiões mais dinâmicas e prósperas do estado de Santa Catarina.

Foto - Jairo

Essa invisibilidade à presença africana no estado de senta Catarina, em particular no sul do estado por longo tempo, teve como motivação o fluxo imigratório europeu, que fora forjado por narradores para designar o italiano, alemão, etc., como protagonistas da nossa história. É comum hoje em dia a difusão de estereótipos sobre o estado catarinense, dentre eles a falsa versão de ser a mini Europa brasileira. Povos sambaquianos, guaranis e outros tantos agrupamentos sociais, deixaram evidências de terem aqui chegando centenas, milhares de anos atrás. Já o negro africano, os lusitanos e os açorianos, também transitaram e ocuparam essas terras muito tempo antes da chegada das primeiras levas de imigrantes europeus.

Foto - Jairo

A presença desses grupos étnicos pode ser confirmada visitando algumas comunidades do litoral sul do estado como Garopaba, Laguna, Ilhas e Morro dos Conventos. Além dos aspectos culturais materiais - artesanato e instrumentos de trabalho, têm-se os imateriais - rituais religiosos e o folclore local, que dão clarividência que a região apresenta identidade própria, que permanece viva até hoje. A presença africana no extremo sul do estado se mostra ter acontecido muito antes dos primeiros imigrantes europeus, cujos registros datam da segunda metade do século XIX.

Foto - Jairo

Atualmente, alguns bairros de Criciúma e da região têm relevante concentração de famílias cujos antepassados foram cativos de pequenos e médios proprietários de terras. Araranguá, não fugiu a regra dos demais municípios. No município de Araranguá foram constituídos pequenos aglomerados de famílias descendentes de africanos em locais pouco visíveis aos olhos da sociedade. Embora não se caracterizem como um agrupamento quilombola, nos moldes da vila de São Roque, município de Pedra Grande, a vila Samaria, em Araranguá, apresenta traços nítidos de que muitas das famílias que ali residem seus antepassados foram escravos.
Entretanto, tanto essa comunidade como outras no município com maior presença de população negra, ambas retratam um cenário parecido de discriminação e presença permanente do Estado como agente repressor. A pobreza, a violência, o trafico de drogas, são práticas constante, não excluído também outros bairros pobres que também sofrem com o aumento da violência.  

Foto - Jairo
             
Tanto Araranguá como outros municípios antes integrados ao grande Araranguá, são o que são hoje, alguns mais outros menos desenvolvidos, devido ao seu processo de ocupação. Portanto, pouco ou muito, índios, caboclos, portugueses, açorianos, negros, italianos, alemães, tiveram alguma contribuição na construção da nossa cultura. São alguns desses aspectos, como a participação negra na economia regional do século XVIII e XIX, que procura descrever o livro do professor César, que agora faz parte de uma exposição no museu do município, com fotografias, instrumentos de trabalho, meio de transporte, objetos pessoais e fragmentos de expressões colhidas nos documentos pesquisados que estão redigidas em banners.

Foto - Jairo

Quem for a exposição no museu certamente será motivado a ler a obra Sujeitos Esquecidos Sujeitos Lembrados, onde compreenderá que muito do que sabemos sobre o passado mais remoto da região, foram descritos por cidadãos brancos, muitos dos quais clérigos católicos, descendentes de europeus. Todo o discurso, talvez de forma tendenciosa, procurava superestimar as famílias de imigrantes como heróis desbravadores das terras do interior, resignando índios, caboclos e negros em meros coadjuvantes do processo ocupacional.

Foto - Jairo

Quando uma sociedade inteira deprecia sua cultura material e imaterial, não reagindo a deterioração de seu valoroso patrimônio, etnias, por exemplo, estamos certos que a resposta disso são gerações fragilizadas, passivas e subservientes de governos tiranos. Uma exposição do porte e importância que é Sujeitos Esquecidos e Sujeitos Lembrados no museu de Araranguá, qualquer nação com grau cultural pouquinho mais elevado, sobrecarregaria agendas de visita de museus, tamanha presença de público.

Foto - Jairo

A visita que fiz ao museu de Araranguá para apreciar a exposição sobre a escravidão em Araranguá, quando perguntei à monitora do espaço sobre o fluxo de apreciadores, respondeu que estava abaixo das expectativas. São dezenas de escolas somente no município de Araranguá, cujos professores, de história, por exemplo, teriam a obrigação profissional e ética de levar seus estudantes até o museu e fazê-los refletir sobre diversidade cultural na região, incluindo a africana, que teve participação decisiva na construção da nossa identidade social.

Foto - Jairo

O contato com a memória desse povo, subjugado por um modelo econômico perverso, possibilitará novas reflexões que desconstruirá equívocos históricos que permearam o imaginário social por séculos. Dentre eles a ideia de que não haver distinção entre sujeito e objeto de trabalho, ou seja, corpo desprovido de sentimento, alma, tão ou mais valorizado que terras e animais. Outro aspecto importante da exposição é poder pensar modos comportamentais entre proprietários e seus escravos, casamentos, batizados, acúmulo de recursos para compra de alforrias, etc.  
 Além do mais, permitirão pensar outras tantas formas de escravidão em evidência hoje no Brasil, que não se dá unicamente com negros, inclui também brancos pobres marginalizados. Por fim, lendo os nomes de inúmeros cidadãos/ãs mantidos/as invisíveis na história como Euzébios, Marias, Anas, e agora lembrados/o na pesquisa, muito outros tantos Euzébios, Marias, Anas, Felisbertas, Severinos, estão próximos de nos compartilhando o mesmo espaço, porém nada sabemos sobre suas dores, frustrações, sonhos, esperanças.

Foto - Jairo

Além de ouvi-los, por que não oportunizar os estudantes a contatar com cidadãos ganeses, argelinos, senegaleses, entre outros, que vieram para o Brasil em busca de esperança. Caminhando pelo calçadão de Araranguá é possível visualizá-los trabalhando como camelôs. Levá-los à escola para uma conversa poderá enriquecer muito nossa cultura, desconstruindo preconceitos que ainda dominam nosso pensamento.
Prof. Jairo Cezar




























terça-feira, 16 de outubro de 2018


OUTRORA SER PROFESSOR/A ERA SINÔNIMO DE ORGULHO E PRESTÍGIO, E HOJE?

Se perguntarmos aos nossos avós/avôs ou pessoas com idade superior a 60 ou 70 anos como foi sua educação escolar e como os/as professores/as eram vistos ou tratados, certamente as respostas seriam unânimes, ah os/as educadores/as eram respeitado/a e valorizado/a como se fossem a extensão da família... vistos como  um guia, líder, um sacerdote, até mesmo se igualando a um padre ou outro líder religioso da comunidade.    Hoje em dia, certamente as respostas para essa pergunta seriam completamente opostas, ou seja, são violados diariamente com perdas de direitos, sofrem todo tipo de descaso diante da profissão, que ainda não está consolidada e, pior, com risco até de extinção.
Enquanto países como França, Alemanha, entre outros, a profissão docente teve sua regulação como carreira docente pública em meados do século XIX, no Brasil o processo aconteceu recentemente, após a homologação da última LDB, lei n. 9394/96. Dessa data em diante, tanto no Brasil como Santa Catarina, em especial, foram dezenas de paralisações/greves, algumas longas, para pressionar governos que cumprissem dispositivos da legislação relativos à valorização da carreira docente. Anos após ano, o que se vê é um violento processo de fragilização, de ataque à carreira, subjugando professores/as à função de reprodutor funcional e não de sujeito construtor do conhecimento.
Na Finlândia, o acesso ao magistério exige do/a candidato/a, o preenchimento de inúmeros requisitos, principalmente competência. Isso faz com que os salários pagos aos mestres sejam iguais ou superiores até de médicos, advogados, engenheiros, etc. Aqui, muitos professores/as, mestres ou doutores/as de escolas públicas, tem vergonha de exibir seus contra cheques tamanhos falta de sensatez dos governos com o magistério. Não bastasse o descaso com os docentes, os professores/as são desafiados/as diariamente a suportar toda pressão dentro e fora dos muros da escola. O ambiente escolar é como uma antena receptora tende a captar as tensões, angústias e mazelas do mundo externo.
O professor, além de educador, tem de se transformar em babá, psicólogo, pai, mãe, etc. Na realidade, o professor vem se transformando num bode expiatório dos governos, na medida em que os investimentos para o setor vão encurtando. A resposta disso é baixa qualidade no rendimento dos estudantes, cuja culpa pelo fracasso no ensino é transferida quase que exclusivamente ao professor.
Quantos pais ou mães alguma vez saíram às ruas expressando palavras de ordem em defesa dos/as professores/as por melhores salários e condições dignas de trabalho? Nos 36 anos de carreira docente e de greves quase anuais, jamais presenciei mobilizações de pais ou da própria sociedade bloqueando entrada de escolas, ruas, ADR, etc., em protesto às péssimas condições de infraestrutura das escolas de seus filhos/as.
Em se tratando de governos e da grande imprensa elitista, os fatos comprovam que os ataques contra os movimentos dos professores foram extremamente contundentes. Buscava-se de todas as maneiras criminalizarem os/as profissionais do magistério na tentativa sempre de jogar a sociedade contra a digna luta, não mais por salário, mas por direitos adquiridos. As mobilizações da categoria jamais foram em vão, isso porque, se hoje há um plano de carreira, não como idealizávamos, foi decorrente da forte resistência desses/as guerreiros/as, que não se acovardaram diante das ameaças, fechando pontes, secretarias, sedes do governo e assembléia legislativa, com um único propósito, fazer ouvir suas vozes, bradando por uma educação pública e de qualidade.
Quantas e quantas vezes vêm se ouvindo as mesmas falas de políticos oportunistas com promessas demagógicas que jamais serão concretizadas. Não se concretizará pelo fato da educação estar inserida num modelo de produção, que requer mão de obra barata com o mínimo de reflexão crítica. É isso mesmo, escola que reproduz a mais valia do capital. Desqualificar o/a profissional do magistério com baixos salários e fraca qualificação faz parte desse perverso pacote de reformas guiadas pela elite burguesa, que se torna mais forte e poderosa, alimentada de um cenário de fragilidade e desacredito no campo educacional.
O que mais incomoda no dia dos/as professores/as são aqueles/as profissionais que quando convidados/as para alguma homenagem no seu dia se prestam a fazerem discursos alienantes, romantizados, sem mencionar a luta da categoria e daqueles que deram a vida em defesa da causa. Isso, porém, ocorre com mais frequência nos municípios menores, principalmente nas câmaras legislativas, quando vereadores convidam professores/as para serem agraciados/as, com troféus e placas condecorativas.
Sentiria-me envergonhado participar de uma homenagem desse porte numa câmara de vereadores às vésperas de votação importante, onde direitos conquistados estão sendo ameaçados, retrocedendo ainda mais uma profissão carregada de preconceitos. O pior é quando se sabe que muitos daqueles legisladores que verbalizaram discursos inflamados favoráveis aos/as professores/as, votarão pela extinção de direitos, ou pelo agravamento da precarização da educação pública no município, especialmente o ensino infantil.
Fiquemos atentos às tentações do ego que nos perturbam. Precisamos sempre nos posicionar como profissionais da educação, críticos e leitores atentos da sociedade. Em certos momentos devemos sim ficar endurecidos, porém, nunca, jamais perder a ternura com aqueles que esperam de nós um sinal, uma luz, uma saída do escuro túnel que cega milhões e milhões de brasileiros/as.
Prof. Jairo Cezar           
                      

domingo, 14 de outubro de 2018

CIENTISTAS ALERTARAM NA CÚPULA DO CLIMA, COREIA DO SUL, QUE FALTAM 12 ANOS PARA SALVAR O PLANETA DE UM POSSÍVEL HECATOMBE CLIMÁTICO


Acredito que muitos devem ter na mente a triste lembrança de nomes como Harvey, Irma, Maria, José, Kátia e Florence, que batizaram poderosas tempestades tropicais, algumas avassaladoras que devastaram ilhas do caribe e a costa leste dos Estados Unidos nos últimos dois anos. Há indícios claros que tais fenômenos climáticos extremos estejam vinculados ao aquecimento do clima global, ou seja, do aumento da temperatura média do planeta por gases poluentes.  
Os Estados Unidos, que possivelmente já devem ter gasto bilhões de dólares na recuperação dos prejuízos dessas tempestades, a primeira ação tomada pelo presidente Donald Trump, depois de eleito, foi romper com o acordo de Paris, de 2015, onde 175 países, incluindo os EUA, se comprometeram em executar medidas emergenciais para conter a elevação da temperatura média da terra acima de 1.5 graus até 2030.  A saída dos Estados Unidos do acordo de Paris trouxe preocupação internacional pelo fato de ser o segundo, depois da China, em níveis de emissão de CO2 à atmosfera.
O futuro do planeta terra tornou-se uma incógnita, pois havia expectativa, com a presença dos Estados Unidos, de os índices de gases poluentes cairiam em 45%, até 2030. Esse percentual teria de ser em relação ao volume liberado em 2010. Havendo o cumprimento dessa etapa, os 175 países assumiriam o desafio de num prazo de 20 anos os níveis de CO2 emitidos reduzissem para 0%.
No dia 08 de setembro de 2018, no encontro em Incheon, Koreia do Sul, cientistas do mundo todo presentes no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC), lançaram relatório contendo 400 páginas sobre o clima global.  O documento é como se fosse um ultimato aos governos para que cumpram o acordo de Paris ou o planeta sofrerá as conseqüências irreversíveis que comprometerá a própria sobrevivência humana. O alerta não é direcionado exclusivamente aos maiores poluidores como China, EUA, Índia, Rússia e Japão, o Brasil também foi alertado, pois concentra no seu território parcela significativa de toda floresta tropical do planeta, que continua sendo dizimada.
Antes do encontro de Paris os relatórios apresentados recomendavam ações um tanto discretas em tecnologias limpas, pois o sinal de alerta do clima permanecia amarelo. O encontro da Koreia, portanto, a luz do clima já se mostrava vermelha, ou seja, o tempo estava se esgotando, que as metas estabelecidas até 2030, deveriam agora ser cumpridas de forma emergencial. Os investimentos em tecnologia limpa, antes pensados anualmente, agora deveriam ser multiplicados por cinco. Desmatamento zero, fontes de energia renováveis, entre outros investimentos terão que fazer parte das plataformas de governos de todos os países.
Atualmente, 25% da energia produzida no planeta são oriundas de fontes renováveis. O compromisso será, até 2050, elevar esse percentual para 70% a 85%. Alguém acredita que tais metas serão realmente cumpridas, conforme as agendas pré- estabelecidas? A impressão que se tem é que os encontros de cúpulas são uma espécie de “ilha da fantasia”, um mundo do faz de conta, onde se gasta milhões de dólares para promovê-los, que fora desse mundo fantasioso, pulsa o deus petróleo, o deus carvão e outros deuses poluidores.
Nunca se explorou e se vendeu tanto petróleo como ultimamente. Países produtores como Arábia Saudita, Rússia e até mesmo o Brasil vem aumentando ano após ano seus volumes de barris extraído. Lembram do Pré-sal? Na época da descoberta desse poço quase interminável o que mais se falou foi autonomia no setor, superávit, desenvolvimento, etc., etc., não é mesmo? Alguma vez, algum políticos falaram em riscos ambientais, aquecimento global, etc, todo esse petróleo queimado provocaria ao planeta? Nada.  Os próprios governos vêm incentivando essa atividade. Pior, entregaram quase tudo, quase de graça, às grades corporações.   A pergunta que não quer calar é: como alcançar a meta de emissão zero até 2050, ou seja, daqui a pouco mais de 30 anos, se a economia do mundo depende hoje quase que exclusivamente do petróleo para movimentar fábricas, veículos, usinas, etc.?
Mais uma vez o mundo estará atento aos desdobramentos de outro encontro de cúpula sobre o clima, que ocorrerá dessa vez na cidade de Katowice, na Polônia, em dezembro de 2018, na COP 24 (Encontro das Partes). Centenas de representantes de governos, ambientalistas e cientistas estarão discutindo na Polônia, como fazer acontecer um milagre, convencer países poluidores e o capital de que não havendo mudanças em seus portfólios propondo uma nova estrutura de produção, baseada na emissão zero de CO2 até 2050, a terra deverá ser um planeta quase estéril, com populações vagando de um lado para o outro em busca de água e ar limpo para sobreviver.
Prof. Jairo Cezar                     

sábado, 13 de outubro de 2018


O VÍRUS ULTRALIBERAL ROMPE O CASULO E SE ESPALHA COMO UMA EPIDEMIA SEM CONTROLE.

Alguns teóricos respeitados mundialmente como Paulo Freire, Jorge Orwell e José Saramago escreveram excelentes obras literárias futuristas que devem ser revisitadas para entender o atual cenário político e social brasileiro.  Paulo Freire, renegado pela elite acéfala é tido como herói em muitos países por ter contribuído com sua pedagógica na supressão do analfabetismo. Escreveu obras emblemáticas onde afirma que a escola que temos “fabrica” sujeitos oprimidos e maleáveis, sob o controle das elites.
Tanto o currículo formal quanto o informal, ambos são pensados para reproduzir conceitos, idéias e valores de aprovação àqueles/as que nos oprimem. Essa insana natureza existencial repressora insiste em se materializar no inconsciente coletivo, onde o sofrimento passa ser compreendido como um fenômeno naturalizado e, portanto, passivo de ser suportado.
Portanto, pode estar aqui à resposta de um fenômeno social singular nesse século de tantos horrores no território nacional, espetáculo midiático que deve ser compreendido a partir da obra de Saramago, Ensaio Sobre a Cegueira. O fenômeno é uma figura caricata, que apresenta todos os adjetivos possíveis que o credencia como alguém com perfil político dos mais retrógrados, que mesmo assim abocanhou quase 70% dos votos dos eleitores do Estado de Santa Catarina. Em estado, cuja mídia corporativista não se cansa de vender a imagem lá fora de um dos melhores IDH e bem estar social.  
Não há dúvida que o colapso do tradicional modelo político tem como elemento motivador as praticas sorrateiras de políticos e partidos que solapam parcela significativa do dinheiro dos contribuintes sem qualquer retorno à altura dos cargos que ocupam. Já houve várias tentativas de combater essas gastanças e privilégios, ajustando os cargos ao modelo de países como a Suécia, no entanto, sempre é barrado por grupos fisiológicos que a cada eleição se multiplicam e se entranham nas esferas do poder, resistindo, tenazmente, às tentativas de perda de privilégios.  
São os políticos corruptos que tornaram o cenário da política brasileira, terra arrasada. Conseguiram nivelar por baixo o trabalho de 580 parlamentares, cujo cargo conforme descrito na constituição é servir os interesses da sociedade e não de grupos apadrinhados. Uma sociedade com quase 80% de analfabetos estruturais é muito fácil forjar cenários, de tal modo que milhões de desatentos, como “birutas” ao vento, passem a agir consensualmente, como desejam certos veículos de comunicação de massa.
Se refletirmos um pouquinho percebermos que a população brasileira na sua trajetória histórica sempre foi forjada por falsos heróis, aqueles fabricados pelas elites, que cobriram as mazelas e falcatruas das classes dominantes. Tiradentes, Duque de Caxias, Getúlio Vargas, entre outros tantos, que receberam nomes a ruas, prédios públicos, que perpetuam no imaginário popular até hoje.
Já vivemos cenários parecidos com o que estamos presenciando hoje, porém, tudo continuou igual ou pior quando o povo, desiludido, decidiu por um salvador da pátria. Lembram do cidadão fabricado Fernando Cólor de Mello, que prometera cassar marajás com golpes de karatê? Então, foi eleito e dois anos depois foi deposto por um impeachment. O problema brasileiro, é bom que se diga, está no modelo econômico aqui instituído, controlado pelo capital, que sobrevive da exploração de milhões, que resulta fome, ódio, intolerância, violência.
Quem ousa atacar essa ferida histórica e quase crônica não tem êxito, é destituído pela via legal ou intervenção militar, a exemplo de 1964. Historicamente o povo brasileiro sempre teve expectativa de um messias, de um salvador da pátria, que solucionasse os problemas da nação. Esse sentimento é motivado pelo forte traço patriarcal que dominou e domina nossa cultura desde a ocupação pelos portugueses. Outro aspecto importante a ser ressaltado é a falsa ideia criada de povo gentil, ordeiro, solidário, tolerante, difundido pelas mídias corporativas e, até mesmo, nas letras no nacional (se o penhor dessa igualdade), ou seja, uma obrigação assumida.
Não demorou muito para que esse mito viesse à tona expondo a face nua e crua de uma nação forjada na escravidão e na cultura de um patriarcado moralista e intolerante. Bastou surgir uma figura fabricada, forjada à imagem e semelhança da nação nada solidária que veio a tona século e séculos de repressão e ódio escondidos nas profundezas do inconsciente coletivo. É claro que toda essa repressão, ódio, permaneceu sublimada por séculos, acobertados por templos que ser erguiam majestosos, frustrando o ímpeto dos demônios desejosos em se libertar e alçar vôos.
Qualquer sociedade que se sinta reprimida tende a buscar possíveis responsáveis para poder exorcizar os demônios da insatisfação que atordoam a mente de seus cidadãos. Na Alemanha foram os negros, ciganos, judeus, etc., cassados como ratos e lançados sem piedade nas fornalhas dos campos de concentrações. Na Itália, também não foi diferente. Outras tantas experiências no mundo mostram que esses processos extremos de intolerância tiveram seu início em situações semelhantes a do Brasil hoje.
Muitos vão dizer, ah mas aqui é diferente, aqui jamais acontecerá porque somos uma democracia solidificada, falamos o mesmo idioma, cultuamos o mesmo deus, etc., etc. Os últimos episódios mostram que essa democracia não existe ou nunca existiu, de fato. A crise econômica, o avanço da miséria, a precária educação estão escancarando as chagas de um Brasil violento, dividido, amaldiçoado pelo deus dinheiro, governos e políticos corruptos, que se aproveitam da ingenuidade alheia.
Do mesmo modo que nos Estados Unidos do século XIX, um violento e longo conflito colocou de lados opostos sulistas e nortistas, no Brasil contemporâneo, da pseudo democracia racial, outro conflito vem se desenhando - nordestinos e sulistas. Mais uma vez se buscam bode expiatório à crise que avassala a dignidade do povo. Há, sim, um consenso burro que permeia o imaginário de parcela significativa da população que responsabiliza os irmãos nordestinos, nortistas, imigrantes, pelas mazelas dos serviços oferecidos pelo Estado.
A expectativa de vitória de um salvador da pátria já no primeiro turno frustrou milhões de brasileiros, cegos pelo ódio, no instante que o resultado final de pleito assegurar realização de segundo turno. Entretanto, isso foi à gota d’água para descambar uma onda agressões nas redes sociais, principalmente contra aqueles que se diz de esquerda, não importando se são militantes petistas ou de outras siglas oposicionistas ao candidato que se revela um salvacionista, que usa o tema Brasil Acima de Tudo e Deus acima de Todos, como grito de guerra. Na Alemanha Nazista, Hitler também se utilizava da expressão Alemanha Acima de Tudo, como propaganda eleitoral. Qual foi o resultado? Todos sabem, não é mesmo?  
Os casos mais graves de intolerância e ofensa vêm se dando contra grupos nordestinos, como se todos que lá vivessem fossem responsabilizados/as pelas investidas neoliberais. O ataque não acontece exclusivamente contra um único grupo, se espalha como uma praga atingindo mulheres, feministas, gays, negros, imigrantes, indígenas, etc. As políticas neoliberais dos governos que se sucederam contribuíram para que se chegasse a esse momento tenso e preocupante. À perda de direitos e o enfraquecimento da resistência dos/as trabalhadores/as deu fôlego para o recrudescimento da burguesia ultra liberal.
A decadência do sistema educacional público é um dos vetores na massificação de idéias completamente fora de foco como a crença insana de que nazismo nasceu mesclado com conceitos de esquerda. Foi esse o processo ocorrido na Alemanha quando grupos ultra liberais liderados por Hitler criaram o partido Nazista (Nacional Socialismo) inspirado no comunismo. Na realidade tal inspiração omitia sua verdadeira face de morte, contra todos/as que não se encaixassem ao modelo político ultraconservador, que espalhou terror por todos os cantos.  
Tanto lá quanto aqui, quando pessoas fazem tais interpretações equivocadas entre nazismo e comunismo é um sinal explícito da profunda decadência do ensino formal. Valores como solidariedade, gratidão, se perdem, abrindo brechas para um individualismo doentio. Uma sociedade com fraca instrução se torna preza fácil de seitas religiosas oportunistas, de líderes carismáticos toscos, fanáticos, que passam a controlar as mentes e corações de pessoas, como manadas de bois caminhando direto para o matadouro.
Num momento confuso como esse o que se poderia esperar seria uma forte resistência dos movimentos organizados como os sindicatos. Por que isso não vem ocorrendo? A resposta pode estar no modo como essas organizações se comportaram nos últimos anos, no lugar de fortalecer a resistência, atuaram na desmobilização.
Não há dúvida, que o projeto pensado pelo candidato do PSL é, sem dúvida, o ataque frontal às conquistas históricas dos trabalhadores. Mostra-se tão claro que um dos primeiros setores em decidir apoiá-lo foi o do agronegócio. Após sua credencial no primeiro turno, ambos promoveram verdadeira romaria à sua residência no Rio de Janeiro, para beijar-lhe os pés e felicitá-lo. E por que será? Lembram o que o candidato vem falando sobre temas como meio ambiente, terras indígenas, áreas de preservação etc? Essa é a resposta da empolgação e da romaria a cada do candidato.
A divulgação de nomes que poderão ocupar alguns ministérios, já é um sinal de que a eleição já está ganha. Dentre os listados está o polêmico Paulo Guedes, um ultra liberal, instruído pela Escola de Chicago, Estados Unidos, a mesma que lançou os fundamentos para o golpe militar no Chile, o primeiro pais do mundo a implantar o neoliberalismo. Mais uma vez é bom que se diga que o Nazismo nasceu diretamente da derrota dos trabalhadores.
A onda Ultra liberal no Brasil parece ser mais contundente no centro sul do Brasil. E isso não é de hoje. Os movimentos separatistas são um bom exemplo dessa tentativa de fracionar o território Brasil. Reservada as proporções, o centro sul e em especial os três estados do sul concentram leva enorme de descendentes Europeus, alemães e italianos, que ainda tem recrudescidos sentimentos nazifascistas. Como um vírus encubado, bastou um fragmento externo para que rompesse a membrana e se espalhasse, cegando todos/as que estavam desatentos/as.
Como explicar votação acachapante obtida pelo candidato Bolsonaro no estado catarinense, destacando municípios como Treze de Maio, São Martinho, Rio Fortuna, Timbó, Turvo, Criciúma, com percentuais próximos a 100%? A resposta poderia estar no discurso ultraconservador e moralista do candidato que se encaixa com o que pensam e desejam as famílias que habitam esses municípios? Quando dizemos que é um vírus encubado, que rompeu a membrana e se espalhou contaminando mentes, no passado tivemos o MOVIMENTO INTEGRALISTA semelhante a atual onde ultraconservadora.[1]
No extremo sul do estado de Santa Catarina, nas eleições municipais de 1936 em Araranguá, por uma diferença de 500 votos, o candidato liberal Caetano Lummertz derrotou o Integralista Jaime Wendhausem. No mapa eleitoral da época foi possível ver os redutos onde o candidato integralista obteve os maiores sufrágios.
O curioso é que aparecia o distrito de Turvo, o mesmo que hoje com o candidato do PSL. Dos 269 votos depositados na urna, 185 foi para o candidato integralista, uma proporção bastante grande. Na eleição de 2018, esse percentual seguiu a mesma proporção, 78,95%, o décimo entre os 295 municípios do estado com maior votação ao candidato de cunho integralista.         
O que aspecto merecedor de atenção é o modo como a onda ultra liberal vem se comportando frente ao principal símbolo brasileiro, a bandeira nacional. O que era para ser um símbolo de unificação social, como tem sido desde a sua criação, muitos ultraliberais insanos usam-na como marco de identificação, distinção dos demais. Desfraldar o manto, desfilar em carros, estender em fachadas de casas ou prédios, é se identificar com as “mudanças”, se opondo ao tradicional, velho, à continuidade, àqueles que defendem à liberdade, à diversidade de gênero, à educação transformadora, etc.
Prof. Jairo Cezar                                             



[1] Dentro de sua filosofia, a Ação integralista, brasileira, se fundamentava na concepção do universo e do homem, na imortalidade da alma, ou seja, na vigilância e defesa dos fundamentos religiosos da pátria. O integralismo estava fundido em quatro conceitos fundamentais: A FAMÍLIA, alicerce da vida nacional; a AUTORIDADE DO CHEFE DA FAMÍLIA; O CULTO DAS VIRTUDES CRISTÃS; PROTEGER A FAMÍLIA DOS COSTUMES MATERIALISTAS E PRINCIPALMENTE DO COLETIVISMO TOTALITÁRIO; NA PROPRIEDADE, que visava manter os direitos de propriedade até os limites impostos pelo bem comum. A propriedade tem um fim social, mas se torna ilegítima, se não atende aos reclames do enriquecimento da nação e a distribuição de benefícios sociais. O INTEGRALISMO é contra o LIBERALISMO, pois este promete a liberdade, mas somente garante aos mais fortes, aos detentores das riquezas; é ANTICOMUNISTA, pois este cria uma casta de exploradores do trabalho; é defensora da LIBERDADE RELIGIOSA, a COOPERAÇÃO DO ESTADO para com a RELIGIÃO pelas mudanças que melhor convir a ambas as partes. O Integralismo tem também uma atitude de REFORMISMO SOCIAL, ou seja, reestruturar as estruturas da nação, a planificação da economia pelo Estado, a socialização da indústria de base, a reforma agrária que se dever tornar um projeto necessário. Para os integralistas, o Estado tem como função a organização da nação. Portanto era preciso construir um ESTADO FORTE, com uma NOVA ELITE, com uma organização corporativa. Para o homem se realizar plenamente, deve ser levado em consideração três aspectos: HOMEM RELIGIOSO, HOMEM ECONÔMICO E HOMEM POLÍTICO. No Brasil, os integralistas formularam campanhas anticomunistas, como a rejeição ao marxismo baseado na socialização dos meios de produção, ameaça comunista compreendendo o futuro da América Latina, condenação da Revolução em Cuba e a defesa da propriedade privada.


quarta-feira, 3 de outubro de 2018


ÁFRICA DO SUL, O APARTHEID SOCIAL AINDA MANTÉM CERCA DE 80% DA POPULAÇÃO EXCLUÍDA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Lixos, casas e a fumaça saindo do chão de galeria de carvão abandonada | Foto: Carol Gomide 

Em 2017 durante 10 dias participei junto com outros 20 brasileiros de um tour pelas principais cidades e áreas turísticas da África do Sul. Com exceção a comunidade de Soweto, segregada socialmente e um dos redutos mais densamente povoadas do mundo, os demais locais visitados, discretamente expõem as feridas sociais e econômicas que afetam cerca de 90% de uma população constituída majoritariamente por indianos/asiáticos (2,6%); mestiços (8,8%) e negros (79%). A população branca no país representa 9,6%, formada por colonizadores das etnias alemãs, holandesas, inglesas, etc.  
Como tantos outros países de economia pautada no extrativismo mineral, petróleo, carvão e outras commodities para exportação – diamante, platina e ouro, a África do Sul não apresenta uma estrutura industrial significativa, tornado-se dependente quase que exclusivamente desse setor. Se o lucro obtido pelo país em 2017 nas exportações de carvão, petróleo, ouro, platina, cromo, vanádio, manganês, diamante, etc, foi de 33 bilhões de dólares, era de se prever que toda essa riqueza resultasse em benefícios para os seus 56 milhões de habitantes.
Nada disso, hoje ampla parcela da atividade mineradora no país é controlada por grandes corporações multinacionais, a exemplo da transnacional Anglo American Platinun que atua no país há 101 anos. Somente no setor de mineração de carvão, são cinco empresas que controlam 80% da produção. Quase todo o carvão extraído na África do Sul é de superfície. Transitando pela rodovia que leva ao Parque kruger, situado na fronteira com Moçambique, leste do país, a visibilidade da auto-estrada era afetada pela fumaça expelida por dezenas de chaminés de usinas carboníferas espalhadas por toda a região.
Outro aspecto curioso observado foi a imensa concentração de residências próximas as áreas mineradoras, sendo as mesmas habitadas pelos trabalhadores das minas. Não há dúvida que o percentual de pessoas afetadas por doenças resultantes da inalação de partículas tóxicas do carvão mineral devam ser absurdamente elevados. A certeza se dá pelo fato de o país ter se recusado em participar do acorde de limitação da emissão de gases causadores do efeito estufa.
Os lucros exorbitantes das empresas do setor de mineração têm vínculo direto com as relações de trabalho impostas aos mineiros. Um exemplo para elucidar o modo como se processa a exploração da mão de obra do trabalhador das minas é o seguinte: um trabalhador negro é 600 vezes mais pobre do que a minoria de 1% dos trabalhadores brancos miseráveis. Outro aspecto necessário para entender a atual realidade do país é o “extinto” regime do Apartheid, no qual predominou no país de 1948 a 1994, ou seja, durante 46 anos.
Durante esse longo período, uma constituição segregacionista foi outorgada estabelecendo regras de comportamento e conduta distintas entre brancos e os demais grupos étnicos. Claro que essa constituição veio assegurar benefícios ilimitados à minoria branca, identificados por Africâner.
Protegidas por esse regime tirânico, o lucro das empresas do seguimento das commodities cresceu de maneira estratosférica. Com o fim do regime do Apartheid, episódio que levou ao poder o ativista antiapartheid Nelson Mandela, a população trabalhadora sul africana, especialmente os mineiros, tiveram asseguradas alguns benefícios sociais, como a redistribuição de 54% dos lucros das empresas aos salários.
Com o fim da era Mandela, a África do Sul passou a viver um longo ciclo de retrocessos de direitos comparados à época do Apartheid. A atividade mineradora continuou se sobrepondo às outras atividades de força de trabalho, na sua grande maioria formada por estrangeiros de Moçambique, Zimbábue e do interior do país. Esse foi um dos fatores pelo rebaixamento violento dos salários pagos e o aguçamento da xenofobia. Com um exército de trabalhadores disponíveis, os proprietários das minas passam a adotar a chantagem para espoliar ainda mais o trabalhador sul africano.
A prática de trabalho terceirizando já é algo rotineiro nas minas Sul Africanas. Esse novo sistema de contratação flexível jogou os trabalhadores num abismo interminável. Antes de haver alguns reparos na legislação, o trabalhador contratado permaneceria na empresa por seis meses. Expirado o tempo, o funcionário deveria ser efetivado ou demitido. Atualmente, o tempo de contratação foi reduzido para três meses. Com essa promiscuidade legal, quando o empregado da companhia completa o seu tempo, é demitido sem direito algum.
Por serem estrangeiros, na sua maioria, ilegais, construíram seus barracos próximos as mineradoras. São solos cobertos por camadas e mais camadas de rejeitos de carvão incandescentes, que, de repente, abrem crateras engolindo tudo que estiver sobre o terreno. São verdadeiras cidades sem o mínimo do mínimo de infraestrutura. Falta tudo, principalmente água que abastecida por carros pipa.
O cenário dessas comunidades é comparável a alguns bairros de Criciúma, Siderópolis, cobertos por detritos de carvão. Porém, com um detalhe, aqui vários projetos de reparos desses passivos ambientais estão sendo executados, tendo a participação de empresas mineradoras, ministério público e governos municipais.  Na África do Sul, não há qualquer política desse porte sendo aplicada.
Sem qualquer fiscalização das autoridades, as corporações deitam e rolam no país criando suas próprias regras, aonde, rotineiramente, trabalhadores vêm sendo submetidos a humilhações.  Os casos rotineiros acontecem principalmente nas minas de processamento de platina. Todos os dias os operários são submetidos a exames de raios-X abdominal para verificar se os mesmos ingeriram algum metal precioso. Pessoas ouvidas nos bairros revelaram o aumento de doenças psíquicas devido às tais práticas de desrespeito a dignidade humana.    
No centro e no entorno da cidade de Johanesburgo estão espalhadas as várias montanhas de rejeitos das minas de ouro. É, sem dúvida um cenário nada agradável à quem não está familiarizado com a cultura da mineração. Algo que chama atenção no centro da capital é a existência de uma mina cuja abertura ocorreu no final do século XIX, porém desativada há décadas.  
Dezenas ou até mesmo centenas de pessoas hoje em dia acessam os seus profundos labirintos para garimpar fragmentos de ouro. Para chegar ao seu interior são necessários quatro dias. Muitos permanecem lá por longo tempo, quatro meses ou mais. É um sistema de trabalho subumano e não reconhecido pelo Estado. Muitos mineiros quando retornam das profundezas, suas poucas pedras de ouro encontradas são roubadas ou comercializadas no mercado negro a preços abaixo do mercado. O desespero por dinheiro leva a tal situação.
Os costumes, os rituais, as festas e a própria violência social em Johanesburgo e outras cidades foram forjados pela mineração do ouro. Muitas das estatuas edificadas em pontos estratégicos das cidades importantes homenageiam colonizadores ou heróis brancos que violaram leis em favor dos poderosos.  Há pouco tempo estudantes quebraram uma estatua colocada nas imediações da Universidade na Cidade do Cabo.
A revolta dos estudantes e da própria população são reflexos das políticas anti-sociais de governos em benefício dos donos do capital. O afrouxamento violento das regras trabalhistas por meio políticas de terceirização é um dos fatores do rebaixamento dos salários e a elevação da miséria social.  Em 2017, em diversas oportunidades os guias que acompanhavam o grupo de turistas na viagem pela pelo país ressaltavam as dificuldades vividas pela população diante do atual governo acusado de envolvimento em crime de corrupção.
A insatisfação e a pressão dos movimentos sociais atingiram níveis insuportáveis que em fevereiro de 2018, quando o presidente Jacob Zuma decidiu renunciar ao cargo. Na vacância da vaga assumiu o seu vice, Cyril Ramaphosa. Embora tendo nascido no bairro pobre de Soweto e um dos braços direito de Nelson Mandela no movimento antiapartheid, seu carisma e aceitação junto ao povo pobre do país estavam muito aquém de quando era líder sindical. Em pouco tempo se tornou uma das pessoas mais ricas da África do Sul. Hoje acumula uma fortuna que supera os 540 milhões de dólares, adquiridas em vários negócios como a mineração.
É acusado de um dos responsáveis pela chacina que vitimou 35 mineiros em 2012, quando da realização de uma greve envolvendo trabalhadores da empresa britânica LONMIN, que atua no setor de mineração.  Esse episódio está pondo em xeque à democracia racial pós-apartheid. O risco de um colapso social pode se intensificar pelo fato dos envolvidos nos crimes não terem sido julgados. Algo importante que vem marcando os trabalhadores na África do Sul é o seu poder de organização. Nos últimos dez anos o número de greves e protestos se espalhou pelas regiões mineradoras controladas pelas empresas que atuam no setor como a multinacional Anglo American.
Diante desse espectro nada favorável às empresas, com perdas de lucros bilionários devido as paralisações por greves, corporações como a Anglo American estão alterando seus portfólios internacionais.  Em vez de continuar explorando ouro, platina e outros minerais em países como a África do Sul, com forte mobilização sindical, estão transferindo suas plantas para países como o Brasil, explorando o ferro, manganês, bauxita, etc. Outro fator importante às empresas aqui é a fraga organização sindical dos trabalhadores do setor.    
A estratégia do capital é sem dúvida reagir com violência quando vê os lucros ameaçados. Em muitos casos na África do Sul as companhias mineradoras estão se utilizando de outras estratégias como a cooptação dos líderes religiosos para manter suas empresas funcionando assegurado lucros.  Preocupados com isso, movimentos vem se replicando no mundo, com a atuação até do vaticano, mobilizando ONGs e demais organizações, na tentativa de conciliarem mineradoras, religiosos e ONGs para tornar a atividade mais humanizada. O movimento Rede de Igrejas e Mineração, o papa denominou “grito contra as mazelas”, termo que propõe sensibilizar a sociedade sobre todos os males oriundos da mineração.
A África do Sul embora considerada um dos países mais ricos do continente africano é também um dos mais desiguais do planeta. O Aparthaid mesmo oficialmente destituído em 1994, a divisão de classes entre brancos e não brancos ainda permanece tão forte quanto antes. Para um país onde menos de 10 da população é branca, onde 1 a 2% delas tem o controle de mais 80% das riquezas, as greves e a mobilização da classe trabalhadora, hoje cada vez maior, tenderá elevar ainda mais o grau de consciência do povo na tomada do poder. Que tudo isso sirva de exemplo para o Brasil.
Prof. Jairo Cezar

https://www.brasildefato.com.br/2018/09/03/especial-or-exploracao-mineral-dor-e-miseria-na-africa-do-sul/ 
https://www.brasildefato.com.br/2018/08/31/29mineradoras-tentam-cooptar-igrejas-acusa-padre-da-rede-igrejas-e-mineracao/