PESCA
NO BRASIL – A ESCULHAMBAÇÃO TOTAL
Nas
últimas semanas a imprensa e as redes sociais vêm mostrando reportagens, vídeos
e imagens de pescadores entusiasmados recolhendo suas redes repletas de
tainhas. Eu mesmo conferi essa cena misturada de empolgação e apreensão no
último domingo, 21 de maio, na orla do Morro dos Conventos, quando um único
barco capturou aproximadamente de dez mil quilos dessa espécie em um único
arrastão. Reitero minha preocupação pelo fato de existir relatórios que confirmam
redução acentuada dessa espécie anos após anos.
É
interessante aqui relatar que a captura da tainha é uma atividade secular praticada
bem antes da chegada dos europeus. Entretanto ela se dava de maneira rudimentar
voltada exclusivamente à subsistência das populações indígenas envolvidas. Há
relatos que confirmam que os Tupinambás quando um grupo pescasse peixes das
necessidades o excedente era dividido entre os pescadores com baixa captura. Com
o passar do tempo a pesca da tainha e de outras espécies foi adquirindo caráter
de profissionalismo. Para disciplinar essa atividade um complexo arcabouço de
legislações e resoluções foram criadas, que doravante tornaram-se insuficientes
para conter os abusos praticados, como uso de equipamentos de pesca proibidos,
pesca em período de defeso, etc.
Em
relação à pesca da tainha, o que preocupa pesquisadores e ambientalistas é o
fato dessa atividade acontecer exatamente no período da desova. Enormes
cardumes saem dos estuários de rios e lagoas da Argentina, Uruguai e do Rio
Grande do Sul aproveitando as correntes oceânicas frias, vindo até o sul e o sudeste
para lançar os seus ovos. Durante um ano esses alevinos permanecem no oceano,
vindo posteriormente se dirigir até os estuários para concluir o seu ciclo de
desenvolvimento de mais quatro ou cinco anos. Embora existam legislações e
órgãos fiscalizadores para regrar a atividade pesqueira no Brasil, o que
acontece de fato é uma explicita esculhambação nesse setor, agravado mais a
partir do governo Bolsonaro.
Embora
a atividade pesqueira não tenha um ministério específico e sim uma secretaria
executiva vinculada ao ministério da agricultura, a escolha do secretário dessa
pasta sempre incorre em expectativas aos milhões de pescadores no Brasil
inteiro. Sendo ou não cargo político o que prevalece de fato no momento da
escolha do gestor é que no mínimo o titular tenha alguma qualificação técnica e
isenção de atos ilícitos.
Não
é o que aconteceu durante os três anos de governo Bolsonaro na secretaria
executiva da pesca onde foi indicado um cidadão de Santa Catarina ligado a
indústria pesqueira com uma extensa lista de denúncias de crimes ambientais
cometidos pela empresa de sua família. A lista vai desde a pesca de espécies em
extinção, pesca em períodos de defeso e navegar por uma semana com o sinal de
rastreamento desligado da embarcação.
Conforme
relatórios de estudos divulgados sobre a tainha, a população total dessa
espécie atualmente no planeta é de 16,5 mil toneladas. Anualmente são
capturadas nove mil toneladas, o dobro do que seria considerado sustentável
para a preservação da espécie. Se o ritmo de captura permanecer nesse patamar
em dez anos mais ou menos essa prática secular no sudeste e sul do Brasil
permanecerá somente na memória da população.
Portanto
todas as informações aqui explanadas confirmam minha e de muita gente quanto ao
risco da atividade pesqueira da tainha. As legislações determinam que haja um
rigoroso controle durante o processo de captura do pescado. O que é sabido é
que o controle, fiscalização são exercido pelo IBAMA. Acontece que o órgão vem
sofrendo um processo de desmonte desde a posse de Jair Bolsonaro. Atualmente o IBAMA
tem três barcos para monitorar 7.300 km de costa.
O
que é um tanto estranho quando o assunto é pesca da tainha é que todos os
comentários sobre arrastos ou outros meios com dezenas de toneladas capturadas
são só positivos. É explicito que há algo confuso e pouco esclarecido nesse cenário
festivo refletido pelos pescadores no instante que suas redes quase
quilométricas cercam milhares de tainhas. As portarias assinadas confirmam que não há
limites de peixes a serem pescados por pescadores que usam barcos para o cerco
dos cardumes.
No
município de Araranguá centenas de famílias praticam a pesca artesanal através
do uso de pequenas embarcações, principalmente canoas movida a remos. Por ser a
barra do rio Araranguá um estuário acredita-se que muitas das espécies de
tainhas que transitam pela costa tendem a entrar no rio para lançar seus ovos.
O fato é que aqueles peixes/tainhas que poderiam adentrar a barra são cercados
e aprisionados pelas inúmeras redes distribuídas em todo o trecho de praia.
Mais
de 90% das embarcações que varrem o fundo do oceano na orla de Araranguá são de
outros municípios. Nenhum comentário é feito sobre quais os impactos dessas
pesadas redes à fauna oceânica. É possível que quando ocorre o arrasto todo o
fundo do oceano é removido, destruindo ovos e larvas de espécies endêmicas como
a papa terra. É visível o número pequeno dessa espécie pescada a cada ano no
litoral sul de Santa Catarina.
Quando
se afirma que a pesca no Brasil é uma esculhambação não precisamos ir muito
longe para confirmar tal certeza. Aqui bem pertinho de nós, boca da barra do
rio Araranguá, pescadores de bem, sem licenciamentos, lançaram suas redes
desrespeitando os limites de um quilômetro da foz. Feita a denúncia, polícia
ambiental e um helicóptero do SAER foram até o local e apreenderam todos os
equipamentos de pesca, um caminhão e aplicaram multa de 200 mil reais aos
infratores.
Assa
apreensão e multa aconteceu por sorte também, pois a polícia ambiental, cuja
sede é maracajá, tem um plantel bem reduzido de profissionais para atender uma extensa
área de atuação, de Laguna a Praia Grande, extremo sul do estado. Não tem como
o órgão fiscalizar estar todos os dias monitorando toda a extensa orla. Posso estar
enganado, mas acredito que poucas são as embarcações realmente em condições
legais para o exercício da atividade. No
dia posterior a ação da polícia na foz do rio Araranguá nenhum caminhão com
barcos na carroceria foi visto transitando pela orla do Morro dos Conventos,
muito menos pescadores com suas pequenas redes de correr. Por que será?
Também
cabe aqui algumas reflexões sobre o elevado número de atos ilícitos na captura
da tainha em menos de um mês do começo da temporada. Se temos um governo que
desde a posse vem, insistentemente, dando maus exemplos de desrespeito as
legislações, é claro que essa atitude seria replicada por muitos,
principalmente por seus apoiadores. A crença na impunidade, no enfraquecimento
dos órgãos fiscalizadores, IBAMA, ICMbio, Policia Ambiental, etc, são
combustíveis suficientes para alimentar
o desejo de subversão as regras da pesca da tainha e de outros pescados.
Prof.
Jairo Cesa
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-08-21/brasil-naufraga-no-controle-da-pesca-de-arrasto.htmlhttps://brasil.elpais.com/brasil/2021-08-21/brasil-naufraga-no-controle-da-pesca-de-arrasto.html
https://agoralaguna.com.br/2022/05/toneladas-de-tainha-sao-apreendidas-e-multa-ultrapassa-r-200-mil/
https://tnsul.com/2022/geral/tainhas-pescadas-irregularmente-sao-apreendidas-em-ararangua/