sexta-feira, 12 de maio de 2017

A PL (PROJETO DE LEI) 6442/16 QUER REVOGAR A LEI  ÁUREA DE 13 DE MAIO DE 1888


No final do século XIX, a virtual herdeira do trono brasileiro, a princesa Isabel, atendendo pressões da ascendente burguesia agrícola e industrial brasileira instituiu a lei Áurea, dispositivo régio que estabeleceria a partir daquela data, 13 de maio de 1888, o fim oficial da escravidão no Brasil. Quando se afirma que o fim da escravidão se deu apenas de forma oficial, a resposta está fundamentada no contexto desses grupos sociais, que se mantiveram excluídos de direitos, prevalecendo à escravidão velada.
Por estar a população concentrada na sua maioria no campo, é claro que os ex-escravos negros, como os próprios imigrantes europeus, permaneceriam enclausurados nas fazendas, agora como meeiros ou assalariados, porém, sem jamais verem a cor do dinheiro, pois se endividavam com o proprietário, tornando-se submissos a tutela, aos mandos e desmandos dos proprietários durante toda a existência.
Com o passar dos anos as legislações se tornaram mais restritivas e punitivas a qualquer forma de trabalho aviltante onde submetesse o trabalhador a todo tipo de situação degradante, especialmente contra crianças e mulheres. A constituição de 1988 se transformou, oficialmente, em um dos principais legados históricas no mundo do trabalho, ratificando acordos internacionais como da Convenção n. 29 da OIT, cujo Brasil, em 1957, havia se comprometido em combater todo tipo de trabalho escravo. Em uma cultura que historicamente prevaleceu no campo e no urbano o mandonismo de famílias abastadas, sobretudo nos seguimentos de comando político e econômico, atualmente tais práticas degradantes e condenáveis de trabalho vão sendo paulatinamente restabelecidas por meio de reformas estruturais, como a PL 6442/16.
A insensibilidade, a ganância por lucros é tamanha, que mesmo com a inclusão de centenas de emendas que mudam prá pior as regras trabalhistas e previdenciárias a favor dos empresariais, dos banqueiros, do agronegócio, entre outros, tramita na câmara dos deputados o projeto de Lei 6442 de 2016, de autoria do deputado Nilson Leitão, do PSDB do Mato Grosso do Sul, um dos principais representantes do agronegócio brasileiro, que pretende legalizar as práticas de servidão e escravismo no campo.
É inaceitável que uma proposta tão brutal e de tamanha violência contra o cidadão do campo continue tramitando e com possibilidades de aprovação pelos respectivos deputados. Dentre as propostas condenáveis no texto estão a permissão do contratante ou empregador, pagar pelos serviços prestados com alimentação, parte da produção realizada ou até mesmo moradia, facultando o pagamento por meio de salário em espécie como determina a CLT. Inúmeros dispositivos contidos na reforma trabalhista já estarão inseridos nessa PL como jornada de 12 horas de trabalho e o fim do descanso semanal.
O próprio trabalhador poderá também vender integralmente as férias que lhe é de direito. Um cidadão que já reside no campo como empregado, distante da cidade e cuja morada lhe é concedida pelo próprio proprietário, há de se convir que o cidadão não terá o mínimo de liberdade de escolha, permanecendo submetido aos mandos e desmandos do empregador. Isso poderá agravar ainda mais, na hipótese do agricultor assalariado contrair dívida com o proprietário, podendo permanecer em débito durante toda a existência.
A PL também assegura a possibilidade de que os pontos do contrato sejam decididos mediante negociação entre empregador e empregado. Não haveria necessidade de participação de sindicato intermediando as partes, como estabelece a legislação hoje. Esse instrumento fragilizaria ainda mais as parcas regras trabalhistas em vigor tornando trabalhadores, sindicatos e a própria justiça do trabalho reféns do agronegócio e das corporações que estão representadas nas instâncias do poder.  
Nos últimos anos o ministério público bem como as organizações nacionais e internacionais que atuam no combate ao trabalho escravo, vem denunciando corriqueiramente práticas escravistas no campo, geralmente em fazendas de políticos e parlamentares que atuam nas instâncias das assembléias e no congresso federal. Somente em 2014, mais de 50 mil trabalhadores foram resgatados das fazendas onde viviam em situações degradantes. Esses proprietários foram incluídos nas listas sujas da justiça, podendo sofrer as penalidades conforme as legislações em vigor.
Se as próprias leis vigentes, muitas das quais não cumpridas, são elaboradas pelos próprios parlamentares listas sujas, como acreditar que serão punidos, quando se sabe que são os próprios que fazem as leis para se beneficiar. Tramitam atualmente no congresso nacional três projetos de lei para reduzir o conceito de trabalho escravo, ou seja, termos que hoje são interpretados como infrações, que para os infratores são vistos como exageros, verdadeiras aberrações institucionais. Um dos projetos foi elaborado em 2012, os demais são mais recentes como o trata da atualização do art. 149 do código penal, e o último o projeto que procura regulamentar a emenda 81/2014 que autoriza o confisco de terras que comprovam o emprego de trabalho escravo.
Em relação a atualização do artigo referente ao código penal, o objetivo é suprimir expressões como trabalho forçado, servidão por dívida e condições degradantes. A intenção é considerar atividade como sendo escrava aquela em que for comprovado que cidadão esteja sendo mantido recluso em senzala e amarrado pelas mãos e pés num pelourinho recebendo chicotadas do proprietário. Há fortes indícios de que o que pretendem os escravocratas modernos é a revogação da lei áurea, bem como da lei sexagenária que assegurou a alforria aos escravos quando completassem 65 anos de idade. Não seria mera coincidência com a atual proposta de reforma de previdência que permitira a aposentadoria dos trabalhadores pobres quando completarem também essa idade? O sentimento que se tem é que a intenção tanto do executivo quanto do congresso nacional a é um retorno festivo do Brasil Império.

Prof. Jairo Cezar
ESCOLA E SOCIEDADE: O IMENSO "MURO" POLÍTICO/ PEDAGÓGICO QUE INSISTEM EM MANTÊ-LAS SEPARADAS

Quem transitou pelas escolas públicas brasileiras como professor, gestor ou atuando em outra função educacional nos anos 1980 e 1990, deve se lembrar dos inúmeros encontros, palestras, congressos, conferências, ambas sobre conjuntura educacional, currículos, avaliações e projetos políticos pedagógicos. Nas universidades, nos cursos de pedagogia, em especial, obras importantes de intelectuais renomados como Piaget, Vigostsky, Wallon, Emília Ferreiro, Michael Apple, Dermeval Saviani, Moacir Gadotti, Paulo Freire, entre outros tantos, faziam parte do acervo de leituras obrigatórias e exaustivamente debatidas durante todo o percurso acadêmico.
Santa Catarina, no final da década de 1990, instigada pelos ventos da redemocratização política e pressão das massas e de intelectuais, os governos eleitos promoveram reformas educacionais inovadoras como a Lei 170 que dispõe sobre o sistema estadual de educação e a proposta curricular de 1998.  A Proposta Curricular, no entanto,  foi avaliada pelos educadores e demais profissionais da educação como avançada, considerado o momento político em que quase todos os estados foram eleitos governadores populistas/conservadores.
Durante os anos subseqüentes às reformas de base na educação, ensaios propondo “inovações” no ensino foram tentados, porém, enfrentaram todo tipo de resistência de educadores e integrantes dos governos ditos populistas tentando manter imutáveis regras pedagógicas tradicionais. Insistentes tentativas talvez de construir uma cultura de ensino transformadora, especialmente no nível médio, ocorreram mais tarde, em 2005, quando foi apresentada aos educadores da rede pública estadual a proposta curricular que sobre estudos temáticos, que guiaria os professores para direcionarem seus planos de ensino de forma mais contextualizada.
Para o nível infantil e fundamental, milhares de manuais e cartilhas foram encaminhas às escolas brasileiras apresentando diretrizes relativas ao novo aprendizado que seguiria o método do letramento.  Mais uma vez pecaram os governantes e os corpos gestores das escolas de não terem oportunizado os educadores à compreensão sistematizada dessas resoluções, pois isso incorreria em mudanças significativas de paradigma no modo de ver o mundo e ensinar.   
 Seguindo as transformações no campo das relações sociais e comportamentais, mais uma vez os dirigentes do estado de Santa Catarina reúnem seus intelectuais, alojados na SED, ADRs, Universidades e Escolas, para a elaboração de mais uma “nova” proposta curricular, cuja publicação ocorreu em 2014.  Comparando-a as propostas anteriores, esse documento preservou preceitos teóricos e filosóficos humanistas e cuja aplicação proporcionaria transformações significativas na educação pública do estado. Que não é exatamente a intenção do governo muito menos do seguimento empresarial, principal parceiro dos planos em execução.
Das poucas vezes que ocorreram encontros nas escolas para debater a proposta, não se fez qualquer reflexão mais detalhada, correlacionando princípios filosóficos, metodológicos e a realidade escolar, ainda refém de resoluções, pareceres, entre outras tantas normatizações impositivas, questionáveis e contraditórias. A cada início de ano letivo, durante a semana de preparação, que ocorre geralmente em fevereiro, professores, gestores são apavorados com decisões que impõem mais e mais obrigações burocráticas e menos tempo para pensar, estudar e planejar. Algumas prerrogativas, até podem ser consideradas progressistas como a portaria 189, que normatizaria o sistema de avaliação para 2017, deixando de ser sete, passando agora para seis.  
Além desse novo coeficiente mínimo para aprovação, a portaria estabelecia também avaliações paralelas àqueles estudantes que não alcançassem a média recomendada mediante recuperação paralela. Nos três primeiros meses que entrou em vigor as resoluções e portarias, ambas mudaram a rotina da escola, gerando enorme stress nos professores e transformando-os em meros operadores de tecnologias ineficientes, com o preenchimento de chamadas e notas de avaliações nos diários online. Outro aspecto avaliativo visto pelos professores como torturante foram as chamadas recuperações paralelas, que dobrou o tempo de trabalho dos mesmos na escola e em casa.   
Finalmente chegou o momento tão esperado, quando professores, gestores, pais e estudantes estariam frente a frente, reunidos nos conselhos de classes repetindo antigos vícios como transformar salas em tribunais de inquisições ou, o que era esperado, o começo de uma grande transformação na educação. A participação como ouvinte do conselho durante os dias de realização, gradativamente transformou empolgação, entusiasmo em decepção. Como poderia que depois de exaustivos anos de debates, do acumulo de informações e teorias progressistas e revolucionárias, tudo permanecia o mesmo.
O que se percebia por parte dos professores era a repetição quase sincrônica de vocábulos já desgastados pelo tempo como: nota da prova; vou dar ponto, tirar ponto; ele é preguiçoso; ele é bom em humanas e ruins em exatas; ele vai melhorar; não tem capacidade intelectual semelhante aos outros; sucesso e insucesso; entre outras tantas expressões que não mais condiz o atual momento, muitos menos com os planos e programas curriculares.  
O que é verdadeiro é que as escolas públicas permanecem ainda estagnadas no tempo, reproduzindo fidedignamente o mesmo modelo de escola de 40, 50, até mesmo 60 ou mais anos atrás, pautada em paradigmas de ensino e avaliação tecnicista, conteudista, quatitativista, que fortalece comportamentos individualistas, competitivos, de subjugação e de exclusão social. Tudo bem que hoje a conjuntura é outra, que é necessário inserir os indivíduos no mundo do trabalho ou assegurá-los acesso ao ensino superior. Mas, jamais devem esquecer os educadores que a função política e filosófica da escola pública é construir sujeitos críticos e capazes de intervir na sociedade para sua transformação. E isso não está sendo feito.
Em nenhum momento durante o conselho, e acredito que a mesma atitude deve ter se replicado em quase todas as escolas estaduais, de algum professor ter levantado questionamento acerca do tipo de conteúdo que está sendo ensino e se o mesmo está auxiliando o estudante à compreender as contradições da sociedade brasileira atual. Quantas e quantas vezes, em todos os momentos quando os professores se reuniam para discutir seus planejamentos e avaliações, era quase que obrigatório a presença no recinto de obras de intelectuais críticos como Paulo freire servindo de guia na condução dos trabalhos.
A não obrigatoriedade da adoção de livros didáticos e cartilhas padronizadas garantiam ou proporcionavam aos professores maior liberdade sobre a produção do conhecimento. Leituras eram mais freqüentes, e isso permitia que durante os intervalos ou nos corredores ambos tecessem comentários sobre trechos de obras lidas. A absorção dessas teorias tornava os encontros e conselhos de classes mais instigantes, momentos de aprendizagem e conhecimento mútuo, pois o professor além de mais politizado ainda detinha o saber.       
Ao mesmo tempo em que os sindicatos da categoria tornavam-se mais fortes e combatentes aos descasos dos governos com a educação, os governos que se revezavam a cada quadro anos no poder foram adquirindo experiência e aprendendo como neutralizar os movimentos articulados pela categoria. Uma das estratégias adotadas e com sucesso foi limitar ao máximo o tempo livre dos profissionais, aprisionando-os em tarefas improdutivas, alienantes e burocráticas nas escolas. O preenchimento de diários online, com chamadas, números e mais números de avaliações estressantes, vem sobrecarregando os professores e desestimulando ainda mais os estudantes, pois não conseguem vislumbrar na escola o caminho seguro para o sucesso profissional e pessoal.   
Querer transformar os professores em bode expiatório do insucesso profissional do estudante é uma das jogadas dos governos e de seu complexo aparato de apoio. É claro que um conselho de classe tem sua importância, até mesmo as piadinhas e expressões maldosas contra estudantes poderiam ser justificadas se os ambientes escolares oferecessem totais condições de infraestrutura para o satisfatório desempenho das atividades educacionais. Têm momentos que os professores esquecem que também são tratados como servos ou escravos da educação, tão ou mais explorados que os próprios pais dos estudantes, que também sofrem violência, preconceito. Na realidade, em uma educação opressora da qual estamos submetidos, não seria nem um pouco estranho o professor adotar práticas pedagógicas e comportamentais também opressoras.
O modo de avaliação que vem sendo aplicando, poder ser interpretado como opressor ou libertador? Afinal o seria ensino e avalição libertadora? Nas palavras de Paulo Freire, ensinar, antes de tudo, é um ato de amor, humildade e fé nos homens, no seu poder de fazer e refazer, de criar e recriar. A recuperação paralela segue os princípios de Paulo Freire, de criar e recriar? A avaliação jamais pode ser utilizada como um instrumento de seleção, de incluir certos saberes em detrimento de outros, aquele do qual o estudante traz para o interior da escola, suas vivências do dia a dia.
Todas as escolas que adotam seus programas de ensino embasados em sistemas de avaliação nacional como o Enem, incorrem no risco de estarem excluindo ou desvalorizando todo um rico acervo de saberes acumulados de certas culturas. O uso de livros didáticos ou apostilas podem promover a subjugação de culturas menores.  A construção de um programa de ensino participativo que envolvesse todos os cidadãos, cada um apresentando suas demandas e transformando-as em temas principais, produziria um extraordinário impacto positivo na educação como um todo e na sociedade. O grande destaque aqui são as demandas sociais: violência, desemprego, poluição, exploração, recursos hídricos, sustentabilidade, etc., que estariam inseridas nos planos de ensino, onde cada área de conhecimento, a partir de seu postulado teórico e filosófico faria a intervenção.
É no campo da sustentabilidade, na humanização do humano, que as respectivas instituições de ensino deveriam intervir de forma mais incisiva. A construção de hábitos sustentáveis irá permitir a revitalização do ser humano e do planeta num todo. A escola deve assumir esse compromisso ético e moral com a sociedade e o planeta. Repensar o currículo, conteúdos, avaliações e metodologias, seguindo preceitos sustentáveis, já deveria constituir a agenda de temas obrigatórios no dia a dia das escolas, não como atividades paralelas e segmentadas. Um exemplo de inovação do ensino são os "aulões" promovidos aos sábados na escola. Tanto os temas como as metodologias aplicadas deveriam, obrigatoriamente, integrar o currículo. São temas como Nutrição: Vida Saudável, abordado no sábado, 13 de maio, entre outros, apresentados anteriormente como sexualidade e gênero, que realmente fizeram a diferença no processo pedagógico. Há de se convir que todos/as que acompanharam os aulões, suas vidas, suas atitudes em relação a sexualidade, alimentação, nutrição, jamais serão as mesmas.   
Persistindo o atual modelo de escola funcionalista, compartimentada, com estudantes distribuídos em filas, como meros expectadores, a tendência, portanto, é manter-se ainda distante e incapacitada de intervir no mundo real como agente de transformação. O projeto escola sustentável, visto como uma maneira salutar de começar envolver as instituições de ensino em ações capazes de romper os muros que as separam do mundo real deve redimensionar seu campo de ação fortalecendo seu compromisso com a vida do planeta, além dos bancos estressantes das salas de aulas.                    
A escola além de ser um ambiente apropriado para o desenvolvimento das potencialidades e habilidades do ser humano, cognitiva, afetiva e psicomotora, também é um espaço político, tanto para reproduzir as relações de dominação, exploração e poder, ou de sua superação. Nas palavras de Paulo Freire, “a aprendizagem é sempre uma ação transformadora, e transformar, nesse sentido, é utilizar o aprendizado para qualificar as intervenções do cotidiano”.   
Prof. Jairo Cezar




sexta-feira, 5 de maio de 2017

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O MUNDO DO TRABALHO E A REFORMA TRABALHISTA EM CURSO NO BRASIL


Quarta feira 26 de abril de 2016, no futuro essa data terá espaço nos livros didáticos e lembrados por todos como o dia “D”, o dia em que 296 parlamentares, todos eleitos com o voto popular, que através de um simples toque de dedo, golpearam de morte um documento com quase cem anos de história, a CLT. São atitudes perversas que suprimem artigos e parágrafos conquistados depois de séculos de escravidão colonial, monárquica e semi-escravidão republicana, retroagindo outra vez a vida de milhões de pessoas às mesmas condições terríveis do passado.
Pesquisando os anais da história o que se constata é que as legislações que garantiram alguns benefícios aos trabalhadores não se deram de forma homogênea em todas as civilizações e países. A própria concepção de trabalho adquiriu interpretações distintas. No período grego/romano, trabalho era concebido como algo degradante, imoral, reservado aos “menos aptos”, aos escravos. Os nobres, políticos e artistas, tinham funções políticas e de lazer, ou seja, formas dissimuladas de manter o povo alienado, entretido e submisso ao estado nação. Alguns filósofos da época como Platão e Aristóteles tinham suas concepções em relação ao trabalho. O primeiro, dizia que era próprio de um homem “bem-nascido” desprezar o trabalho. O segundo, Aristóteles, sua reflexão partia do pressuposto de que havia pessoas predestinadas ao trabalho e outras à liberdade.
Com as transformações sociais ao longo do tempo e espaço, o conceito de trabalho adquiriu outros significados. Aquilo que era admitido como degradante e indigno aos ditos sujeitos livres, de repente adquire caráter de respeito e de valor moral irretocável. O que é moral agora é exercer algum trabalhar, porque o “trabalho dignifica o homem”. Na realidade por traz desses conceitos havia toda uma construção ideológica, de reproduzir valores burgueses, de estratificação social, de dominar ou subjugar uma classe social sobre a outra. Embora visto como digno, o modo de produzir e as relações de trabalho nesse período continuaram iguais ou até mesmo piores que no mundo antigo.
A Revolução Industrial intensificou as condições de exploração sem precedentes. Sem legislações especificas que disciplinassem o mundo do trabalho, as jornadas se prolongavam por longas e estafantes 15, 16 ou mais horas diárias. Não eram poupadas nem mesmo mulheres e crianças. Com cerca de trinta anos de vida, o trabalhador das minas de carvão estava com sua saúde completamente comprometida. Outro fator desse comprometimento da saúde são as péssimas condições sanitárias dos locais de trabalho e de residência, submetidos a riscos constantes de doenças endêmicas que levavam a morte milhares de vidas.
As primeiras legislações trabalhistas que se tem notícia no mundo ocidental que asseguraram direitos aos cidadãos urbanos e rurais foram instituídas no México, com a revolução mexicana, em 1917, e na Alemanha, em 1919, com a constituição de Weimer. Tais legislações, especificamente a mexicana, proporcionaram aos trabalhadores jornada diária de trabalho de 8 horas e o recebimento de um salário mínimo. No Brasil, foi no final do século XIX que ocorreram, embora ainda insipientes, os primeiros movimentos reivindicatórios de trabalhadores, que anos mais tarde, na constituição de 1934, governo Vargas, foram ordenadas e transformadas em leis específicas. É muita pretensão afirmar que no Brasil algumas conquistas importantes dos trabalhadores ocorreram por vontade própria de Vargas, sem que houvesse pressão de partidos de esquerda e dos movimentos sociais já organizados.
O fato é que Getúlio, como administrador astuto, manteve o controle tanto dos sindicatos como das massas trabalhadoras aprovando leis e decretos de interesse popular como férias anuais e o início da elaboração de um documento em 1934 que se converteria na primeira lei previdenciária. Foi a partir dessa legislação que se deu a proibição do trabalho infantil para menores de 12 anos. No entanto, ao mesmo tempo em que Getúlio era ovacionado pelas massas, era odiado por lideranças sindicais, jornalistas, entre outros, devido ao regime de terror imposto, perseguindo, prendendo e torturando todos que ousassem opor-se ao seu governo.   
Nove anos depois da promulgação da constituição getulista de 1934, Getúlio dá um golpe de estado e institui o Estado Novo, que lhe assegurou poderes absolutos. Dentre suas medidas de cunho populista estão, a criação do salário mínimo nacional em 1940 e a promulgação da CLT, que embora tenham sofrido alguns ajustes ao longo do tempo, manteve preservada sua estrutura original como a garantia de direitos aos trabalhadores; a organização sindical e a justiça do trabalho.
 Depois do fim do regime de Vargas, o Brasil passou por um processo de redemocratização, no qual deu origem a constituição de 1946, identificada como uma das mais democráticas entre todas conhecidas. Observe que já nessa época havia o reconhecimento da necessidade de assegurar direitos imprescindíveis aos trabalhadores, como o compartilhamento dos lucros da empresa; jornada de 8 horas; proibição do trabalho de crianças menores de 14 anos; assistência ao desempregado; seguro acidente de trabalho; assistência maternidade; direito de greve e educação como um direito de todos.   
É claro que muitos desses direitos sofreram alguns reveses nos governos que se seguiram, mas foi no período de João Goulart, 1961 a 1964, que se ensaiou uma das maiores rupturas com o secular regime de opressão e exploração dos trabalhadores. As grandes reformas de base que estavam em curso, como a agrária e a educacional, poderiam recolocar o Brasil nos trilhos do desenvolvimento, combinando distribuição equitativa de renda e justiça social. Um momento inusitado no regime de João Goulart foi o convite que o mesmo fez ao Educador Paulo Freire para que coordenasse a Campanha Nacional de Alfabetização. No entanto, a ousada experiência encabeçada por Freire durou cerca de 80 dias, quando os militares tomam de assalto o poder.  
Quando tudo conspirava a favor de uma possível revolução social, veio o golpe militar, a censura aos meios de comunicação, o fechamento dos sindicatos, do congresso e a institucionalização do bipartidarismo. Foram vinte e um anos de opressão à massa trabalhadora. A redemocratização com anistia aos presos políticos e a legalização partidária e sindical, realimentou as esperanças de se construir outro Brasil, mais justo e democrático. Vieram às diretas já e a constituição de 1988.
Collor se elege primeiro presidente da república com o popular depois do regime militar. No entanto, dois anos depois de eleito, sofre impeachment. Durante seu curto mandato, segue os preceitos neoliberais reduzindo o tamanho do estado em benefício do grande capital. Tais políticas reformistas tiveram continuidade nos governos de FHC, Lula e Dilma, sendo que nos governos petistas as reformas em curso não tiveram tanta resistência dos movimentos sindicais, bem como do próprio partido dos trabalhadores, como era esperado.       
Mas desde o período Collor em diante, o que as elites articulavam e desejavam era a fragilização das leis trabalhistas contidas na CLT e o ataque à previdência social. Seus argumentos partem do princípio de que tais legislações são extremamente generosas e protecionistas diante de um cenário social e econômico que não mais comporta tais benesses. Pequenas mudanças são realizadas em vários artigos e parágrafos da CLT durante os quase 20 anos em que o Brasil foi governado pelo PSDB e PT e os inúmeros partidos que compunham o arco de alianças. Nos últimos dez anos, o capital transnacional, cada vez mais voraz por lucros, impõe aos países periféricos políticas estruturantes da economia, onde o principal alvo do ataque são os trabalhadores cada vez mais ameaçados com a perda de direitos constitucionais.         
O impeachment contra o governo entreguista de Dilma em meados de 2016 era o que o capital vinha articulando algum tempo para golpear de vez o trabalhador. Em pouco mais de um ano no poder, Temer e seus aliados do congresso conseguiram promover um dos maiores ataques contra os direitos dos trabalhadores, conquistados há décadas e que resistiram a todos os tipos de intempéries políticas. Depois do fatídico 26 de abril, quando se deu a votação do projeto em planária na câmara, tivemos mais um capítulo no dia 03 de maio, quando o texto foi apreciado e aprovado na Comissão de Constituição e Justiça.   
Uma pena que milhões de cidadãos não tiveram durante aquela fatídica tarde e noite de quarta feira, 26 de abril, oportunidade de acompanhar pela TV Câmara as manifestações acaloradas, favoráveis e contrárias ao projeto de reforma trabalhista. É claro que isso não seria possível, pois os que mais serão afetados pela nova legislação estavam na sua labuta diária pela sobrevivência, muitos dos quais empregados de empresas, de bancos e demais corporações, cujos proprietários certamente estavam na capital federal, Brasília, acompanhando ou até mesmo monitorando passo a passo seus parlamentares, financiados com caixa 2, a votarem a favor da reforma trabalhista que institucionalizará a modernização da semi-escravidão no Brasil.
Acredito que deve ser consenso dos milhões de cidadãos críticos que acompanharam as discussões pela TV, que os argumentos apresentados pelos deputados da base governista, bem como o teor de parcela das emendas encaminhadas, transpareceram que tudo foi meticulosamente armado por integrantes da CNI, CNT, FEBRABAN, entre outras organizações do capital que defendem a supressão de direitos dos trabalhadores. Não se pode ser ingênuo e acreditar que tudo o que está ocorrendo nesse momento não tem relação com os últimos governos, especialmente os governos petistas, que traíram o povo costurando alianças com partidos ultraconservadores, muito dos quais estão agora ao lado do governo Temer.
É estranho, por que uma sessão de votação tão importante em que milhares de brasileiros acompanharam pela TV, cujo texto, caso aprovado, retrocederia dispositivos constitucionais que poria os trabalhadores em condições de trabalho semelhantes ao século XIX, não houve uma ação mais incisiva dos parlamentares da oposição, impedindo a continuidade da sessão. Será que ambos acreditavam que seus discursos poderiam sensibilizar os parlamentares governistas votando contrário ao projeto?
Ou tudo também não passou de um teatro, um jogo de cena, especialmente dos parlamentares petistas e partidos aliados, agora na oposição, que acreditando na derrota, aproveitavam o momento em que milhares de brasileiros estavam acompanhando pela TV, para esbravejar discursos ensaiados defendendo os trabalhadores e a grave geral do dia 28 de março. Posso estar completamente enganado, mas penso que foi a primeira greve geral articulada pelos sindicatos nos últimos 16 anos.  O último evento similar de grande mobilização popular ocorreu em junho de 2013, porém, era possível contar nos dedos o número de integrantes, simpatizantes, dirigentes ou parlamentares petistas nas passeatas.  Cá entre nós, a paralisação programada para o dia 28, não deveria acontecido quarta feira, como pressão contra votação da lei.
Também é importante mencionar que a grande mídia brasileira durante os últimos dias concentrou todas as atenções na reforma previdenciária, fazendo poucas inserções aos trâmites relativos a reforma trabalhista, um pré-requisito necessário às reformas posteriores, como a previdenciária. É claro que tudo foi bem arquitetado para que tudo ocorresse com sucesso. Primeiro a aprovação do projeto que instituiu a terceirização; depois a reforma trabalhista e por fim a previdenciária.
Isso mesmo, a estratégia dos representantes do capital era e é aprovar tudo sem impedimentos, talvez até, com algumas concessões, cujos sindicatos pelegos podem ainda se dar ao luxo de afirmar que são conquistas.    Notaram os argumentos dos deputados que eram favoráveis à reforma? Suas falas durante a sessão eram todas sincronizadas, ou seja, as respostas eram as mesmas: a reforma não tira nenhum direito; o que se pretende é modernizá-la, etc.
Se fosse realmente verdadeiro o que disseram teriam aprovado o texto original, lei 6787/16 por ser mais brando, e não o substitutivo do deputado Rogério Marinho. Para saber, o texto original foi alterado somente 7 artigos, enquanto que o substitutivo do deputado do rio grande do norte, 104 artigos sofreram modificações entre emendas, aditivos, etc. Outro dado curioso, das 850 emendas encaminhadas de 82 partidos diferentes, 292 delas foram redigidas nos computadores de entidades como Confederação Nacional de Transporte; Confederação Nacional de Instituições Financeiras; Confederação Nacional da Indústria, entre outras. Daí o motivo da pressa e do texto não ter sido apresentado à sociedade para ser discutido e avaliado. De todas as emendas apresentadas, o relator decidiu incluir 52,4% delas no documento substitutivo. Não há como negar então, que o projeto de reforma aprovado na Comissão tem o corpo e a alma do capital.
O texto é altamente maléfico e cujo propósito é lesar direitos beneficiando exclusivamente o mau empregador, aquele que costumeiramente burla as leis trabalhistas. Um desses ataques é no item relativo aos acordos coletivos que tem a intermediação dos sindicatos. Atualmente, todas as decisões tomadas pelas categorias devem estar em consonância à legislação trabalhista em vigor. O texto modificado permite que o negociado prevaleça sobre o legislado. Esse dispositivo fragiliza de morte os sindicatos, deixando os trabalhadores reféns a perversidade dos maus patrões, que podem agora se utilizar de todas as artimanhas e chantagens para reduzir salários e aumentar a jornada de trabalho.
A redução dos salários poderá ocorrer principalmente com os trabalhadores que atuam em bancos e na educação. A lei da terceirização aprovada recentemente permite que se proceda a revogação dos contratos de trabalho já formalizado e recontratação com base na nova legislação das terceirizações, é claro que os salários serão menores comparado ao regime contratual anterior. E não fico só nisso não. Agora com a quebra da espinha dorsal da CLT que também limita o poder de intervenção do próprio ministério do trabalho em casos de litígio, forçando o trabalhador lesado ter que pagar pelos honorários, ficou escancarado o domínio do mal empregador sobre o funcionário.
Todos os dias a população brasileira é bombardeada pelos principais canais de TV e jornais escritos, explicitamente favoráveis as reformas, com informações enaltecendo o papel dos deputados a favor dos projetos neoliberais e criminalizando aqueles que se posicionam contrários junto com sindicatos e partidos de esquerda, culpando-os de possível quebradeira na previdência social. É importante reiterar que se a previdência está insolúvel ou deficitária, como alegam os governistas, a culpa não é dos trabalhadores, pois esmagadora maioria recebe um salário mínimo. O problema da previdência é de gestão. São bilhões de reais os recursos que a previdência deixou de receber nos últimos anos de corporações como a Vale do Rio Doce; Bradesco, JBS, Itaú, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, entre outras dezenas de empresas. Somando tudo chega a quase três vezes o déficit da previdência, que em fevereiro de 2017 atingiu R$ 149,7 bilhões.
Outro fator que vem contribuindo para o déficit da previdência é a prorrogação da Desvinculação das Receitas da União, conhecida como DRU, até 2024, e a ampliação de 20% para 30% o percentual de desvinculação. A votação dessa emenda constitucional conhecida como PEC-87/2015, de autoria da presidente Dilma, permite que esses recursos, de 90 bilhões para 120 bilhões, possam ser destinados para outros fins, como para assegurar o superávit primário visando o pagamento da dívida pública. Além desses coeficientes citados, existe outro, muito parecido com que vem ocorrendo em SC com os recursos do FUNDEB, onde o governo os utiliza para custear gastos em setores que não possuem qualquer vínculo com a educação. Estamos nos referindo ao pagamento dos salários dos servidores federais e inativos com recursos da previdência, que não poderia ocorrer.
Portanto, diante desse cenário político e social conturbado e nada otimista para os trabalhadores, qual o segredo para reverter o atual quadro de desmonte do Estado brasileiro, a luta e a resistência dos sindicatos, desacreditados e fragilizados, ou um milagre vindo dos céus, que é pouco provável? Seria as eleições do próximo ano, 2018, o divisor de águas de dois Brasis, aquele até então controlado pelas oligarquias, e o novo Brasil, da ruptura, do povo indo às urnas e, finalmente, tomando o poder? As grandes revoluções na história sempre se concretizaram em momentos de profundas crises estruturais. Quem sabe o Brasil será a bola da vez.             
    Prof. Jairo Cezar