sexta-feira, 5 de maio de 2017

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O MUNDO DO TRABALHO E A REFORMA TRABALHISTA EM CURSO NO BRASIL


Quarta feira 26 de abril de 2016, no futuro essa data terá espaço nos livros didáticos e lembrados por todos como o dia “D”, o dia em que 296 parlamentares, todos eleitos com o voto popular, que através de um simples toque de dedo, golpearam de morte um documento com quase cem anos de história, a CLT. São atitudes perversas que suprimem artigos e parágrafos conquistados depois de séculos de escravidão colonial, monárquica e semi-escravidão republicana, retroagindo outra vez a vida de milhões de pessoas às mesmas condições terríveis do passado.
Pesquisando os anais da história o que se constata é que as legislações que garantiram alguns benefícios aos trabalhadores não se deram de forma homogênea em todas as civilizações e países. A própria concepção de trabalho adquiriu interpretações distintas. No período grego/romano, trabalho era concebido como algo degradante, imoral, reservado aos “menos aptos”, aos escravos. Os nobres, políticos e artistas, tinham funções políticas e de lazer, ou seja, formas dissimuladas de manter o povo alienado, entretido e submisso ao estado nação. Alguns filósofos da época como Platão e Aristóteles tinham suas concepções em relação ao trabalho. O primeiro, dizia que era próprio de um homem “bem-nascido” desprezar o trabalho. O segundo, Aristóteles, sua reflexão partia do pressuposto de que havia pessoas predestinadas ao trabalho e outras à liberdade.
Com as transformações sociais ao longo do tempo e espaço, o conceito de trabalho adquiriu outros significados. Aquilo que era admitido como degradante e indigno aos ditos sujeitos livres, de repente adquire caráter de respeito e de valor moral irretocável. O que é moral agora é exercer algum trabalhar, porque o “trabalho dignifica o homem”. Na realidade por traz desses conceitos havia toda uma construção ideológica, de reproduzir valores burgueses, de estratificação social, de dominar ou subjugar uma classe social sobre a outra. Embora visto como digno, o modo de produzir e as relações de trabalho nesse período continuaram iguais ou até mesmo piores que no mundo antigo.
A Revolução Industrial intensificou as condições de exploração sem precedentes. Sem legislações especificas que disciplinassem o mundo do trabalho, as jornadas se prolongavam por longas e estafantes 15, 16 ou mais horas diárias. Não eram poupadas nem mesmo mulheres e crianças. Com cerca de trinta anos de vida, o trabalhador das minas de carvão estava com sua saúde completamente comprometida. Outro fator desse comprometimento da saúde são as péssimas condições sanitárias dos locais de trabalho e de residência, submetidos a riscos constantes de doenças endêmicas que levavam a morte milhares de vidas.
As primeiras legislações trabalhistas que se tem notícia no mundo ocidental que asseguraram direitos aos cidadãos urbanos e rurais foram instituídas no México, com a revolução mexicana, em 1917, e na Alemanha, em 1919, com a constituição de Weimer. Tais legislações, especificamente a mexicana, proporcionaram aos trabalhadores jornada diária de trabalho de 8 horas e o recebimento de um salário mínimo. No Brasil, foi no final do século XIX que ocorreram, embora ainda insipientes, os primeiros movimentos reivindicatórios de trabalhadores, que anos mais tarde, na constituição de 1934, governo Vargas, foram ordenadas e transformadas em leis específicas. É muita pretensão afirmar que no Brasil algumas conquistas importantes dos trabalhadores ocorreram por vontade própria de Vargas, sem que houvesse pressão de partidos de esquerda e dos movimentos sociais já organizados.
O fato é que Getúlio, como administrador astuto, manteve o controle tanto dos sindicatos como das massas trabalhadoras aprovando leis e decretos de interesse popular como férias anuais e o início da elaboração de um documento em 1934 que se converteria na primeira lei previdenciária. Foi a partir dessa legislação que se deu a proibição do trabalho infantil para menores de 12 anos. No entanto, ao mesmo tempo em que Getúlio era ovacionado pelas massas, era odiado por lideranças sindicais, jornalistas, entre outros, devido ao regime de terror imposto, perseguindo, prendendo e torturando todos que ousassem opor-se ao seu governo.   
Nove anos depois da promulgação da constituição getulista de 1934, Getúlio dá um golpe de estado e institui o Estado Novo, que lhe assegurou poderes absolutos. Dentre suas medidas de cunho populista estão, a criação do salário mínimo nacional em 1940 e a promulgação da CLT, que embora tenham sofrido alguns ajustes ao longo do tempo, manteve preservada sua estrutura original como a garantia de direitos aos trabalhadores; a organização sindical e a justiça do trabalho.
 Depois do fim do regime de Vargas, o Brasil passou por um processo de redemocratização, no qual deu origem a constituição de 1946, identificada como uma das mais democráticas entre todas conhecidas. Observe que já nessa época havia o reconhecimento da necessidade de assegurar direitos imprescindíveis aos trabalhadores, como o compartilhamento dos lucros da empresa; jornada de 8 horas; proibição do trabalho de crianças menores de 14 anos; assistência ao desempregado; seguro acidente de trabalho; assistência maternidade; direito de greve e educação como um direito de todos.   
É claro que muitos desses direitos sofreram alguns reveses nos governos que se seguiram, mas foi no período de João Goulart, 1961 a 1964, que se ensaiou uma das maiores rupturas com o secular regime de opressão e exploração dos trabalhadores. As grandes reformas de base que estavam em curso, como a agrária e a educacional, poderiam recolocar o Brasil nos trilhos do desenvolvimento, combinando distribuição equitativa de renda e justiça social. Um momento inusitado no regime de João Goulart foi o convite que o mesmo fez ao Educador Paulo Freire para que coordenasse a Campanha Nacional de Alfabetização. No entanto, a ousada experiência encabeçada por Freire durou cerca de 80 dias, quando os militares tomam de assalto o poder.  
Quando tudo conspirava a favor de uma possível revolução social, veio o golpe militar, a censura aos meios de comunicação, o fechamento dos sindicatos, do congresso e a institucionalização do bipartidarismo. Foram vinte e um anos de opressão à massa trabalhadora. A redemocratização com anistia aos presos políticos e a legalização partidária e sindical, realimentou as esperanças de se construir outro Brasil, mais justo e democrático. Vieram às diretas já e a constituição de 1988.
Collor se elege primeiro presidente da república com o popular depois do regime militar. No entanto, dois anos depois de eleito, sofre impeachment. Durante seu curto mandato, segue os preceitos neoliberais reduzindo o tamanho do estado em benefício do grande capital. Tais políticas reformistas tiveram continuidade nos governos de FHC, Lula e Dilma, sendo que nos governos petistas as reformas em curso não tiveram tanta resistência dos movimentos sindicais, bem como do próprio partido dos trabalhadores, como era esperado.       
Mas desde o período Collor em diante, o que as elites articulavam e desejavam era a fragilização das leis trabalhistas contidas na CLT e o ataque à previdência social. Seus argumentos partem do princípio de que tais legislações são extremamente generosas e protecionistas diante de um cenário social e econômico que não mais comporta tais benesses. Pequenas mudanças são realizadas em vários artigos e parágrafos da CLT durante os quase 20 anos em que o Brasil foi governado pelo PSDB e PT e os inúmeros partidos que compunham o arco de alianças. Nos últimos dez anos, o capital transnacional, cada vez mais voraz por lucros, impõe aos países periféricos políticas estruturantes da economia, onde o principal alvo do ataque são os trabalhadores cada vez mais ameaçados com a perda de direitos constitucionais.         
O impeachment contra o governo entreguista de Dilma em meados de 2016 era o que o capital vinha articulando algum tempo para golpear de vez o trabalhador. Em pouco mais de um ano no poder, Temer e seus aliados do congresso conseguiram promover um dos maiores ataques contra os direitos dos trabalhadores, conquistados há décadas e que resistiram a todos os tipos de intempéries políticas. Depois do fatídico 26 de abril, quando se deu a votação do projeto em planária na câmara, tivemos mais um capítulo no dia 03 de maio, quando o texto foi apreciado e aprovado na Comissão de Constituição e Justiça.   
Uma pena que milhões de cidadãos não tiveram durante aquela fatídica tarde e noite de quarta feira, 26 de abril, oportunidade de acompanhar pela TV Câmara as manifestações acaloradas, favoráveis e contrárias ao projeto de reforma trabalhista. É claro que isso não seria possível, pois os que mais serão afetados pela nova legislação estavam na sua labuta diária pela sobrevivência, muitos dos quais empregados de empresas, de bancos e demais corporações, cujos proprietários certamente estavam na capital federal, Brasília, acompanhando ou até mesmo monitorando passo a passo seus parlamentares, financiados com caixa 2, a votarem a favor da reforma trabalhista que institucionalizará a modernização da semi-escravidão no Brasil.
Acredito que deve ser consenso dos milhões de cidadãos críticos que acompanharam as discussões pela TV, que os argumentos apresentados pelos deputados da base governista, bem como o teor de parcela das emendas encaminhadas, transpareceram que tudo foi meticulosamente armado por integrantes da CNI, CNT, FEBRABAN, entre outras organizações do capital que defendem a supressão de direitos dos trabalhadores. Não se pode ser ingênuo e acreditar que tudo o que está ocorrendo nesse momento não tem relação com os últimos governos, especialmente os governos petistas, que traíram o povo costurando alianças com partidos ultraconservadores, muito dos quais estão agora ao lado do governo Temer.
É estranho, por que uma sessão de votação tão importante em que milhares de brasileiros acompanharam pela TV, cujo texto, caso aprovado, retrocederia dispositivos constitucionais que poria os trabalhadores em condições de trabalho semelhantes ao século XIX, não houve uma ação mais incisiva dos parlamentares da oposição, impedindo a continuidade da sessão. Será que ambos acreditavam que seus discursos poderiam sensibilizar os parlamentares governistas votando contrário ao projeto?
Ou tudo também não passou de um teatro, um jogo de cena, especialmente dos parlamentares petistas e partidos aliados, agora na oposição, que acreditando na derrota, aproveitavam o momento em que milhares de brasileiros estavam acompanhando pela TV, para esbravejar discursos ensaiados defendendo os trabalhadores e a grave geral do dia 28 de março. Posso estar completamente enganado, mas penso que foi a primeira greve geral articulada pelos sindicatos nos últimos 16 anos.  O último evento similar de grande mobilização popular ocorreu em junho de 2013, porém, era possível contar nos dedos o número de integrantes, simpatizantes, dirigentes ou parlamentares petistas nas passeatas.  Cá entre nós, a paralisação programada para o dia 28, não deveria acontecido quarta feira, como pressão contra votação da lei.
Também é importante mencionar que a grande mídia brasileira durante os últimos dias concentrou todas as atenções na reforma previdenciária, fazendo poucas inserções aos trâmites relativos a reforma trabalhista, um pré-requisito necessário às reformas posteriores, como a previdenciária. É claro que tudo foi bem arquitetado para que tudo ocorresse com sucesso. Primeiro a aprovação do projeto que instituiu a terceirização; depois a reforma trabalhista e por fim a previdenciária.
Isso mesmo, a estratégia dos representantes do capital era e é aprovar tudo sem impedimentos, talvez até, com algumas concessões, cujos sindicatos pelegos podem ainda se dar ao luxo de afirmar que são conquistas.    Notaram os argumentos dos deputados que eram favoráveis à reforma? Suas falas durante a sessão eram todas sincronizadas, ou seja, as respostas eram as mesmas: a reforma não tira nenhum direito; o que se pretende é modernizá-la, etc.
Se fosse realmente verdadeiro o que disseram teriam aprovado o texto original, lei 6787/16 por ser mais brando, e não o substitutivo do deputado Rogério Marinho. Para saber, o texto original foi alterado somente 7 artigos, enquanto que o substitutivo do deputado do rio grande do norte, 104 artigos sofreram modificações entre emendas, aditivos, etc. Outro dado curioso, das 850 emendas encaminhadas de 82 partidos diferentes, 292 delas foram redigidas nos computadores de entidades como Confederação Nacional de Transporte; Confederação Nacional de Instituições Financeiras; Confederação Nacional da Indústria, entre outras. Daí o motivo da pressa e do texto não ter sido apresentado à sociedade para ser discutido e avaliado. De todas as emendas apresentadas, o relator decidiu incluir 52,4% delas no documento substitutivo. Não há como negar então, que o projeto de reforma aprovado na Comissão tem o corpo e a alma do capital.
O texto é altamente maléfico e cujo propósito é lesar direitos beneficiando exclusivamente o mau empregador, aquele que costumeiramente burla as leis trabalhistas. Um desses ataques é no item relativo aos acordos coletivos que tem a intermediação dos sindicatos. Atualmente, todas as decisões tomadas pelas categorias devem estar em consonância à legislação trabalhista em vigor. O texto modificado permite que o negociado prevaleça sobre o legislado. Esse dispositivo fragiliza de morte os sindicatos, deixando os trabalhadores reféns a perversidade dos maus patrões, que podem agora se utilizar de todas as artimanhas e chantagens para reduzir salários e aumentar a jornada de trabalho.
A redução dos salários poderá ocorrer principalmente com os trabalhadores que atuam em bancos e na educação. A lei da terceirização aprovada recentemente permite que se proceda a revogação dos contratos de trabalho já formalizado e recontratação com base na nova legislação das terceirizações, é claro que os salários serão menores comparado ao regime contratual anterior. E não fico só nisso não. Agora com a quebra da espinha dorsal da CLT que também limita o poder de intervenção do próprio ministério do trabalho em casos de litígio, forçando o trabalhador lesado ter que pagar pelos honorários, ficou escancarado o domínio do mal empregador sobre o funcionário.
Todos os dias a população brasileira é bombardeada pelos principais canais de TV e jornais escritos, explicitamente favoráveis as reformas, com informações enaltecendo o papel dos deputados a favor dos projetos neoliberais e criminalizando aqueles que se posicionam contrários junto com sindicatos e partidos de esquerda, culpando-os de possível quebradeira na previdência social. É importante reiterar que se a previdência está insolúvel ou deficitária, como alegam os governistas, a culpa não é dos trabalhadores, pois esmagadora maioria recebe um salário mínimo. O problema da previdência é de gestão. São bilhões de reais os recursos que a previdência deixou de receber nos últimos anos de corporações como a Vale do Rio Doce; Bradesco, JBS, Itaú, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, entre outras dezenas de empresas. Somando tudo chega a quase três vezes o déficit da previdência, que em fevereiro de 2017 atingiu R$ 149,7 bilhões.
Outro fator que vem contribuindo para o déficit da previdência é a prorrogação da Desvinculação das Receitas da União, conhecida como DRU, até 2024, e a ampliação de 20% para 30% o percentual de desvinculação. A votação dessa emenda constitucional conhecida como PEC-87/2015, de autoria da presidente Dilma, permite que esses recursos, de 90 bilhões para 120 bilhões, possam ser destinados para outros fins, como para assegurar o superávit primário visando o pagamento da dívida pública. Além desses coeficientes citados, existe outro, muito parecido com que vem ocorrendo em SC com os recursos do FUNDEB, onde o governo os utiliza para custear gastos em setores que não possuem qualquer vínculo com a educação. Estamos nos referindo ao pagamento dos salários dos servidores federais e inativos com recursos da previdência, que não poderia ocorrer.
Portanto, diante desse cenário político e social conturbado e nada otimista para os trabalhadores, qual o segredo para reverter o atual quadro de desmonte do Estado brasileiro, a luta e a resistência dos sindicatos, desacreditados e fragilizados, ou um milagre vindo dos céus, que é pouco provável? Seria as eleições do próximo ano, 2018, o divisor de águas de dois Brasis, aquele até então controlado pelas oligarquias, e o novo Brasil, da ruptura, do povo indo às urnas e, finalmente, tomando o poder? As grandes revoluções na história sempre se concretizaram em momentos de profundas crises estruturais. Quem sabe o Brasil será a bola da vez.             
    Prof. Jairo Cezar



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