sexta-feira, 12 de maio de 2017

ESCOLA E SOCIEDADE: O IMENSO "MURO" POLÍTICO/ PEDAGÓGICO QUE INSISTEM EM MANTÊ-LAS SEPARADAS

Quem transitou pelas escolas públicas brasileiras como professor, gestor ou atuando em outra função educacional nos anos 1980 e 1990, deve se lembrar dos inúmeros encontros, palestras, congressos, conferências, ambas sobre conjuntura educacional, currículos, avaliações e projetos políticos pedagógicos. Nas universidades, nos cursos de pedagogia, em especial, obras importantes de intelectuais renomados como Piaget, Vigostsky, Wallon, Emília Ferreiro, Michael Apple, Dermeval Saviani, Moacir Gadotti, Paulo Freire, entre outros tantos, faziam parte do acervo de leituras obrigatórias e exaustivamente debatidas durante todo o percurso acadêmico.
Santa Catarina, no final da década de 1990, instigada pelos ventos da redemocratização política e pressão das massas e de intelectuais, os governos eleitos promoveram reformas educacionais inovadoras como a Lei 170 que dispõe sobre o sistema estadual de educação e a proposta curricular de 1998.  A Proposta Curricular, no entanto,  foi avaliada pelos educadores e demais profissionais da educação como avançada, considerado o momento político em que quase todos os estados foram eleitos governadores populistas/conservadores.
Durante os anos subseqüentes às reformas de base na educação, ensaios propondo “inovações” no ensino foram tentados, porém, enfrentaram todo tipo de resistência de educadores e integrantes dos governos ditos populistas tentando manter imutáveis regras pedagógicas tradicionais. Insistentes tentativas talvez de construir uma cultura de ensino transformadora, especialmente no nível médio, ocorreram mais tarde, em 2005, quando foi apresentada aos educadores da rede pública estadual a proposta curricular que sobre estudos temáticos, que guiaria os professores para direcionarem seus planos de ensino de forma mais contextualizada.
Para o nível infantil e fundamental, milhares de manuais e cartilhas foram encaminhas às escolas brasileiras apresentando diretrizes relativas ao novo aprendizado que seguiria o método do letramento.  Mais uma vez pecaram os governantes e os corpos gestores das escolas de não terem oportunizado os educadores à compreensão sistematizada dessas resoluções, pois isso incorreria em mudanças significativas de paradigma no modo de ver o mundo e ensinar.   
 Seguindo as transformações no campo das relações sociais e comportamentais, mais uma vez os dirigentes do estado de Santa Catarina reúnem seus intelectuais, alojados na SED, ADRs, Universidades e Escolas, para a elaboração de mais uma “nova” proposta curricular, cuja publicação ocorreu em 2014.  Comparando-a as propostas anteriores, esse documento preservou preceitos teóricos e filosóficos humanistas e cuja aplicação proporcionaria transformações significativas na educação pública do estado. Que não é exatamente a intenção do governo muito menos do seguimento empresarial, principal parceiro dos planos em execução.
Das poucas vezes que ocorreram encontros nas escolas para debater a proposta, não se fez qualquer reflexão mais detalhada, correlacionando princípios filosóficos, metodológicos e a realidade escolar, ainda refém de resoluções, pareceres, entre outras tantas normatizações impositivas, questionáveis e contraditórias. A cada início de ano letivo, durante a semana de preparação, que ocorre geralmente em fevereiro, professores, gestores são apavorados com decisões que impõem mais e mais obrigações burocráticas e menos tempo para pensar, estudar e planejar. Algumas prerrogativas, até podem ser consideradas progressistas como a portaria 189, que normatizaria o sistema de avaliação para 2017, deixando de ser sete, passando agora para seis.  
Além desse novo coeficiente mínimo para aprovação, a portaria estabelecia também avaliações paralelas àqueles estudantes que não alcançassem a média recomendada mediante recuperação paralela. Nos três primeiros meses que entrou em vigor as resoluções e portarias, ambas mudaram a rotina da escola, gerando enorme stress nos professores e transformando-os em meros operadores de tecnologias ineficientes, com o preenchimento de chamadas e notas de avaliações nos diários online. Outro aspecto avaliativo visto pelos professores como torturante foram as chamadas recuperações paralelas, que dobrou o tempo de trabalho dos mesmos na escola e em casa.   
Finalmente chegou o momento tão esperado, quando professores, gestores, pais e estudantes estariam frente a frente, reunidos nos conselhos de classes repetindo antigos vícios como transformar salas em tribunais de inquisições ou, o que era esperado, o começo de uma grande transformação na educação. A participação como ouvinte do conselho durante os dias de realização, gradativamente transformou empolgação, entusiasmo em decepção. Como poderia que depois de exaustivos anos de debates, do acumulo de informações e teorias progressistas e revolucionárias, tudo permanecia o mesmo.
O que se percebia por parte dos professores era a repetição quase sincrônica de vocábulos já desgastados pelo tempo como: nota da prova; vou dar ponto, tirar ponto; ele é preguiçoso; ele é bom em humanas e ruins em exatas; ele vai melhorar; não tem capacidade intelectual semelhante aos outros; sucesso e insucesso; entre outras tantas expressões que não mais condiz o atual momento, muitos menos com os planos e programas curriculares.  
O que é verdadeiro é que as escolas públicas permanecem ainda estagnadas no tempo, reproduzindo fidedignamente o mesmo modelo de escola de 40, 50, até mesmo 60 ou mais anos atrás, pautada em paradigmas de ensino e avaliação tecnicista, conteudista, quatitativista, que fortalece comportamentos individualistas, competitivos, de subjugação e de exclusão social. Tudo bem que hoje a conjuntura é outra, que é necessário inserir os indivíduos no mundo do trabalho ou assegurá-los acesso ao ensino superior. Mas, jamais devem esquecer os educadores que a função política e filosófica da escola pública é construir sujeitos críticos e capazes de intervir na sociedade para sua transformação. E isso não está sendo feito.
Em nenhum momento durante o conselho, e acredito que a mesma atitude deve ter se replicado em quase todas as escolas estaduais, de algum professor ter levantado questionamento acerca do tipo de conteúdo que está sendo ensino e se o mesmo está auxiliando o estudante à compreender as contradições da sociedade brasileira atual. Quantas e quantas vezes, em todos os momentos quando os professores se reuniam para discutir seus planejamentos e avaliações, era quase que obrigatório a presença no recinto de obras de intelectuais críticos como Paulo freire servindo de guia na condução dos trabalhos.
A não obrigatoriedade da adoção de livros didáticos e cartilhas padronizadas garantiam ou proporcionavam aos professores maior liberdade sobre a produção do conhecimento. Leituras eram mais freqüentes, e isso permitia que durante os intervalos ou nos corredores ambos tecessem comentários sobre trechos de obras lidas. A absorção dessas teorias tornava os encontros e conselhos de classes mais instigantes, momentos de aprendizagem e conhecimento mútuo, pois o professor além de mais politizado ainda detinha o saber.       
Ao mesmo tempo em que os sindicatos da categoria tornavam-se mais fortes e combatentes aos descasos dos governos com a educação, os governos que se revezavam a cada quadro anos no poder foram adquirindo experiência e aprendendo como neutralizar os movimentos articulados pela categoria. Uma das estratégias adotadas e com sucesso foi limitar ao máximo o tempo livre dos profissionais, aprisionando-os em tarefas improdutivas, alienantes e burocráticas nas escolas. O preenchimento de diários online, com chamadas, números e mais números de avaliações estressantes, vem sobrecarregando os professores e desestimulando ainda mais os estudantes, pois não conseguem vislumbrar na escola o caminho seguro para o sucesso profissional e pessoal.   
Querer transformar os professores em bode expiatório do insucesso profissional do estudante é uma das jogadas dos governos e de seu complexo aparato de apoio. É claro que um conselho de classe tem sua importância, até mesmo as piadinhas e expressões maldosas contra estudantes poderiam ser justificadas se os ambientes escolares oferecessem totais condições de infraestrutura para o satisfatório desempenho das atividades educacionais. Têm momentos que os professores esquecem que também são tratados como servos ou escravos da educação, tão ou mais explorados que os próprios pais dos estudantes, que também sofrem violência, preconceito. Na realidade, em uma educação opressora da qual estamos submetidos, não seria nem um pouco estranho o professor adotar práticas pedagógicas e comportamentais também opressoras.
O modo de avaliação que vem sendo aplicando, poder ser interpretado como opressor ou libertador? Afinal o seria ensino e avalição libertadora? Nas palavras de Paulo Freire, ensinar, antes de tudo, é um ato de amor, humildade e fé nos homens, no seu poder de fazer e refazer, de criar e recriar. A recuperação paralela segue os princípios de Paulo Freire, de criar e recriar? A avaliação jamais pode ser utilizada como um instrumento de seleção, de incluir certos saberes em detrimento de outros, aquele do qual o estudante traz para o interior da escola, suas vivências do dia a dia.
Todas as escolas que adotam seus programas de ensino embasados em sistemas de avaliação nacional como o Enem, incorrem no risco de estarem excluindo ou desvalorizando todo um rico acervo de saberes acumulados de certas culturas. O uso de livros didáticos ou apostilas podem promover a subjugação de culturas menores.  A construção de um programa de ensino participativo que envolvesse todos os cidadãos, cada um apresentando suas demandas e transformando-as em temas principais, produziria um extraordinário impacto positivo na educação como um todo e na sociedade. O grande destaque aqui são as demandas sociais: violência, desemprego, poluição, exploração, recursos hídricos, sustentabilidade, etc., que estariam inseridas nos planos de ensino, onde cada área de conhecimento, a partir de seu postulado teórico e filosófico faria a intervenção.
É no campo da sustentabilidade, na humanização do humano, que as respectivas instituições de ensino deveriam intervir de forma mais incisiva. A construção de hábitos sustentáveis irá permitir a revitalização do ser humano e do planeta num todo. A escola deve assumir esse compromisso ético e moral com a sociedade e o planeta. Repensar o currículo, conteúdos, avaliações e metodologias, seguindo preceitos sustentáveis, já deveria constituir a agenda de temas obrigatórios no dia a dia das escolas, não como atividades paralelas e segmentadas. Um exemplo de inovação do ensino são os "aulões" promovidos aos sábados na escola. Tanto os temas como as metodologias aplicadas deveriam, obrigatoriamente, integrar o currículo. São temas como Nutrição: Vida Saudável, abordado no sábado, 13 de maio, entre outros, apresentados anteriormente como sexualidade e gênero, que realmente fizeram a diferença no processo pedagógico. Há de se convir que todos/as que acompanharam os aulões, suas vidas, suas atitudes em relação a sexualidade, alimentação, nutrição, jamais serão as mesmas.   
Persistindo o atual modelo de escola funcionalista, compartimentada, com estudantes distribuídos em filas, como meros expectadores, a tendência, portanto, é manter-se ainda distante e incapacitada de intervir no mundo real como agente de transformação. O projeto escola sustentável, visto como uma maneira salutar de começar envolver as instituições de ensino em ações capazes de romper os muros que as separam do mundo real deve redimensionar seu campo de ação fortalecendo seu compromisso com a vida do planeta, além dos bancos estressantes das salas de aulas.                    
A escola além de ser um ambiente apropriado para o desenvolvimento das potencialidades e habilidades do ser humano, cognitiva, afetiva e psicomotora, também é um espaço político, tanto para reproduzir as relações de dominação, exploração e poder, ou de sua superação. Nas palavras de Paulo Freire, “a aprendizagem é sempre uma ação transformadora, e transformar, nesse sentido, é utilizar o aprendizado para qualificar as intervenções do cotidiano”.   
Prof. Jairo Cezar




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