PITAYA/FRUTA
DRAGÃO: O DRAMA BATE A PORTA DE CENTENAS DE FAMÍLIAS ENVOLVIDAS NESSA ATIVIDADE
NO SUL DE SANTA CATARINA
Em
2016, três anos ante de encerrar a carreira de professor da rede estadual de
ensino, decidi com meu irmão ingressar no cultivo da pitayas, fruta ainda
desconhecida por expressiva parcela da população. A decisão foi concretizada quando visitamos
uma plantação pioneira no município de Turvo. Na época havia na região poucos
produtores que abandonaram o cultivo do tabaco e do maracujá. A expectativa
naquele momento era cultivar poucos pés, pois havia dúvida quanto à
adaptabilidade ao solo arenoso. Sendo assim pouco mais de 200 pés foram
plantados.
Com
um manejo não muito eficiente, no ano seguinte foram colhidas as primeiras
frutas do pomar, na sua maioria da variedade branca comum, na qual exigia
polinização manual. Já no terceiro ano
de cultivo, uma quantidade maior de frutas foi colhida, no entanto, já surgiam no
horizonte os primeiros sinais de um futuro pouco promissor com essa cultura,
podendo resultar em graves crises de comercialização a exemplo do maracujá e do
tabaco.
Na
safra 2019/2020, a região sul de Santa Catarina já liderava o cenário
catarinense com mais de 90% de toda a produção no estado. Entretanto, mesmo com
tanta pitaya disponível muita gente jamais havia experimentado ou ouvido falar.
Outro agravante era o fato de o preço pago pelo quilo da fruta não ser muito
convidativo às populações menos abastadas. Com uma produção mais expressiva
nessa safra, começávamos a sentir na pele o mesmo drama vivido por milhares de
agricultores familiares, submetidos à perversidade do mercado, da ganância dos
atravessadores e
O
que muitas das dezenas de famílias de produtores/as de pitaya não esperavam era
de que no inicio de 2020 o planeta fosse acometido por uma pandemia, matando
milhares de pessoas e devastando as economias globais. Os efeitos nefastos do
COVID 19 foram sentidos na região sul catarinense, com a redução significativa
da demanda pela fruta. Muitos produtores/as como foi e é o meu caso, que não
estavam ainda integrados as cooperativas, foram forçados/as a entregar as
frutas aos atravessadores/as pagando preços ridículos. Criar novas estratégias
para obter melhor produtividade e preços justos passou a uma das principais
metas àqueles/as que ainda acreditavam nessa atividade.
Para
aumentar a demanda pela fruta era necessário divulgá-la, fazer com que chegasse
a mesa de uma parcela maior da população. Pressionados/as pelos/as
atravessadores/as e o mercado, muitos dos produtores tinham que colhê-las ainda
na sua fase de maturação incompleta. Por ser uma cactácea, a pitaya quando
colhida, seu processo de maturação é cessado. Aqui está o problema. Por estarem
os maiores mercados consumidores localizados na região sudeste, São Paulo, Rio
de Janeiro, o fruto consumido têm um grau de acidez elevada, pouco adocicada.
Nesse
sentindo, quem nunca comeu ou vai experimentar pela primeira vez, irá
rejeitá-la para sempre. Diante desse agravante relacionado ao manejo da fruta e
a crescente oferta, era urgente criar caminhos alternativos para não abandonar
a atividade. Melhorar o processo produtivo visando colher fruta de excelência,
bem como investir em publicidade passou a ser quase uma obsessão. Na safra 2020
e 2021, ainda sobre os efeitos nefastos da pandemia, mais de 50% do que
produzimos no Sítio Cesa, Canjiquinha/Araranguá, foram comercializadas no
próprio município, atendendo pequenos mercados e entrega a domicílio, com
preços bem convidativos.
Em
2021 aumentamos um pouco a área de cultivo, inserido espécies diversificadas
auto-férteis, variedades que dispensariam a polinização das flores manualmente.
A presença permanente de um profissional da EPAGRI foi e continua sendo
fundamental na vida dessas famílias que ingressaram no cultivo dessa fruta,
conhecida como Fruta Dragão. Por ser uma fruta extremamente sensível, requer
muito cuidado no manejo do solo, no controle de doenças e ataques de insetos
oportunistas.
Muitos
produtores da região adotam o manejo orgânico, ou seja, dispensam o uso de
agrotóxicos ou outras práticas que possam reduzir a qualidade nutricional da
fruta. Com o ritmo acelerado da vacinação contra o COVID cada vez mais as
expectativas eram que o começo safra 2021/2022 a vida das dezenas de famílias
que lidavam com fruta na região sul teriam certo alento. Corrigir a acidez do solo com calcário,
inserir adubação verde, etc, fez com que as plantas adquirissem boa capacidade
nutricional, aptos a produzirem frutos robustos e saudáveis.
Além
da melhoria no solo, um sistema de captação de água da chuva foi instalado.
Junto com uma caixa d’água com capacidade de três mil litros, mangueiras com
gotejamento foram distribuídas em todo o pomar. Finalizada a instalação dos
equipamentos no início de dezembro de 2021 era só esperar as chuvas para
irrigar o pomar. A surpresa foi que desde a instalação dos equipamentos, até o
final de fevereiro, foram uma ou duas vezes que choveu o suficiente para encher
a caixa d’água.
Embora
a pitaya seja uma cactácea que armazena bastante água em suas folhas/cladódios,
a falta do líquido comprometeu o desenvolvimento da fruta em quase todos os
pomares da região que não adotaram esse ou outro sistema de irrigação. No meu caso,
o que ajudou de modo paliativo, foi à água captada de um pequeno açude no
sitio, no qual minimizou os impactos da forte estiagem histórica e o calor
escaldante que se abateu sobre a região nos meses de janeiro e fevereiro de
2022. Essa anomalia climática afetou profundamente o ciclo natural da planta e
dos frutos.
Entretanto,
mesmos com as adversidades do tempo, a expectativa era que a oferta de Pitaya
seria enorme, que o problema da comercialização se repetiria. Já na
primeira colheita do fruto, visitando alguns mercados da região que
comercializavam a fruta já com preços muito baixos, era um mau prenúncio que
estaria por vir. Com uma segunda florada excepcional em toda região produtora, a
expectativa de que a oferta da fruta dobraria em relação ao ano anterior.
Ajudada pela irrigação e o reforço com adubação orgânica, as mais de três mil
frutas no pomar iniciavam seu processo de maturação com um grau satisfatório de
tamanho e beleza estética. Isso não foi regra para outros pomares afetados pela
estiagem, cujos comentários eram de que os frutos tiveram relativa redução de
tamanho e qualidade.
Na
primeira florada, o técnico da EPAGRI me incentivou a fazer o ensacamento de
algumas frutas usando tecido TNT para avaliar os resultados. Tanto para ele
quanto para outros produtores que aceitaram o desafio, os resultados
apresentados seriam importantes para o futuro da fruta. Tendo sido ensacadas mais
ou menos 70 frutas, a conclusão que se chegou foi que essa técnica apresentou
resultados bem satisfatórios, principalmente no seu aspecto estético. Querendo
repetir o experimento, na segunda florada preparei cerca de 500 saquinhos,
confeccionados também com tecido TNT.
As
frutas foram cobertas quando houve os descartes dos restos florais, ou seja, seis
ou sete dias depois da floração. Na
revelação dos resultados, o técnico da EPAGRI e eu elaboramos um vídeo com
explicações detalhadas dá técnica. Na retiradas dos saquinhos ficamos
surpresos, pois os resultados foram além das expectativas. No lugar de
respostas, o que mais tivemos foram dúvidas sobre os muitos aspectos observados
nesse ensacamento. Decidimos que na próxima safra faremos convites aqueles/as
que queiram desenvolver alguma pesquisa de TCC o Estrito Senso no pomar para
que os dados possam ser avaliados com cientificidade.
Foi
notório perceber que a coloração rosa da casca foi muito mais expressiva que as
não ensacadas, bem como a baixa presença de material gelatinoso na polpa.
Segundo o técnico Ricardo Martins - EPAGRI, o aspecto extremante rosado da casa
se deve a elevada presença de ANTOCIANINA. Acredita-se que os saquinhos devem
ter criando um micro clima na fruta, cuja incidência da luz e temperatura assumiu
proporções distintas daquelas não ensacadas. Concluída essa etapa de
experimento, inicia os preparativos para a colheita.
O
fantasma que passou a perturbar meu sono e de tantas outras famílias da região
era como seria a comercialização, haveria mercado para tanta oferta de frutas?
Antes de dar início colheita era preciso contatar com os compradores/atravessadores
e ver a viabilidade de fechar negócio. O pânico começou a tomar corpo quando
todos os contados as respostas foram negativas. As frutas não esperavam mais,
ou se colhia na expectativa de que se pudesse fechar negócio mais tarde ou deixava
tudo no pé evitando um estresse posterior. A decisão foi colhê-las sob um sol
escaldante que superou os 40 graus no interior do pomar.
Colhê-las
uma por uma, com bastante cuidado, acondicioná-las em caixas, transportá-las em
carretinha e depositá-las sob árvores se tornou uma exaustiva rotina por quase
uma semana ininterrupta. Infelizmente no galpão construído no sitio não
apresentava condição apropriadas para o acondicionamento das frutas no seu
interior. Já na metade da colheita recebi ligação de um comprador interessado
nas frutas, porém os preços oferecidos eram irrisórios.
Naquele
momento não havia alternativa, ou se entregava ao comprador ou a produção
estaria completamente perdida. O fato é
que o atravessador enfrentava problemas que passou a ser comum nos últimos
tempos, negociar fretes com os caminhões que transportariam os produtos. Desde o instante que fechei o negocio, até o
carregamento definitivo no caminhão se passaram quase cinco dias. Não podendo
deixar no interior do galpão do sítio devido às altas temperaturas, um das
saídas foi instalar uma lona para proteger as caixas das insistentes chuvas que
se abateram sobre a região nos finais de tarde.
Nesses
cinco dias de incertezas, cerca de mil quilos de frutas foi descartada, a
maioria pesando acima de 800 gramas. Vendo as frutas se degradando e não
sabendo o que fazer com as mesmas, decidiu doá-las as entidades assistenciais
do município. A pitaya, no momento que um pequeno abscesso aparece na casca, é só
retirá-lo com uma faca e estará apta para ser consumida. Foi exatamente o que fiz
os quase mil kg descartados foi doada a Casa da fraternidade; Asilo São Vicente
da Paulo; Casa Lar Irmã Carmem; Centro de Recuperação Casa do Oleiro; Escola
Madre Regina; fazenda São Jorge; Escola Municipal Luiza Scaíni, em Arroio do
Silva e Creche municipal Morro dos Conventos.
Finalmente,
quarta feira, nove de março, contratei um pequeno caminhão frete onde
transportamos todas as caixas até o deposito da empresa compradora, no centro
da cidade. No mesmo dia todas foram pesadas e acondicionadas em outras caixas,
embarcadas no caminhão e transportadas para São Paulo. Vendo as dificuldades logísticas
da empresa, me pré dispus a ajudá-los na organização do produto, separação, pesagem
e no embarque.
A
expectativa anterior de uma excelente safra, facilidade de vendas e renda
razoável capaz de cobrir dos custos na produção caiu por terra. O que me
distingue dos demais produtores envolvidos no cultivo de pitaya é o fato de não
depender exclusivamente dessa ou de outra atividade agrícola para sobreviver.
Embora sendo filho de agricultor e com anos de experiência na roça, por quase
40 anos fui professor na rede publica de ensino do estado de Santa Catarina.
O
drama vivenciando por mim nos últimos anos como produtor agrícola é o mesmo vivido
pelos meus pais e centenas de outros pequenos agricultores no passado. Na
época, lembro que dedicávamos ao cultivo de culturas diversas: milho, amendoim,
batata doce, feijão, cebola, mandioca, arroz, trigo, criação de suínos, aves,
produção de leite, queijo, ovos, etc. Esse conjunto de atividades dava certo
alento ao agricultor e sua família nos momentos de crise.
O
fato era que diante dessa diversidade de culturas sempre havia aquela
considerada o suporte econômico das famílias, ou seja, produzido em maior
escala com maior renda econômica. Dentre elas estavam o tabaco e a cebola.
Tanto o tabaco quanto a cebola, os agricultores ficavam submetidos às cruéis
regras do mercado, que auferiam preços ridículos no momento da compra.
O
cultivo da cebola, porém, era o segmento mais perverso. Quase todos os
agricultores da região cultivavam o produto, porém no momento da venda ficavam
reféns a um pequeno cartel de compradores/atravessadores que ditavam as regras
do jogo econômico. Geralmente o produto era colhido em quantidade significativa
e com boa qualidade, porém ficavam depositado vários dias em paios pouco
ventilados. De 30 ou 40 toneladas
colhidas, quando eram carregadas em caminhões 30% ou 40% eram descartadas por
apodrecimentos. O mais dolorido era o valor pago pelo produto, 040 a 050
centavos/kg. O prejuízo era minimizado pelo fato de todo o processo produtivo
ter sido realizado pela própria família. Gastos com insumos, adubos,
implementos agrícolas, empregados eram irrisórios, impactando menos os
prejuízos.
Anos
após anos pequenos agricultores vinham sendo sufocados pelas frágeis políticas
públicas do setor. Era comum, na época, pequenos agricultores adquirirem financiamentos
de bancos públicos para gerenciar seu negócio. Com as permanentes dificuldades
de manter os filhos trabalhando no campo, paulatinamente muitos agricultores se
desfizeram de suas propriedades, muitas vezes entregando aos bancos para o
pagamento das dívidas. Dar-se início, portanto, uma debandada de famílias do
campo às cidades, formando um cinturão de despossuídos, transformados em
exército de mão de obra barata disponível ao capital. Antes reféns dos
atravessadores, agora se tornam reféns do dono da fábrica, do comerciante, que
vêem uma grande oportunidade de elevar os seus lucros.
Atualmente
quem fizer um tour pelo interior de Araranguá irá se surpreender com as poucas
famílias que ainda lá permanecem. Se compararmos o mapa atual da região com
imagens captadas há quadro ou cinco décadas o visual é completamente outro. Locais onde antes havia aglomerados de
famílias, florestas e culturas diversas, deram lugar a campos cobertos de arroz
irrigado. Quem permaneceu no campo, tenta se adaptar aos novos métodos
produtivos impostos pelo mercado, como o uso de sementes modificadas e insumos
químicos. Entretanto sofrem na hora de comercializar, tendo que concorrer com
redes de supermercados cujos produtos vendidos são oriundos de outras regiões.
O
meu retorno ao campo depois de quase cinquenta anos ausente fez despertar um
terrível fantasma que atormentou a minha e outras centenas de pequenos
agricultores. A sensação era de estar vivendo fatos ocorridos há mais de
quarenta anos. Quem ainda resiste e insiste permanecer no campo, luta
cultivando alguns produtos aproveitando nichos comerciais locais. A adoção de
técnicas alternativas como o cultivo orgânico vem demonstrando ser bem
promissor. Outra estratégia pouco
explorada e com baixa demanda são as feiras de produtores familiares.
Infelizmente parte da população não desenvolveu o hábito de consumir produtos
vindos diretamente do campo, preferindo os supermercados.
A
participação do poder público, associações de agricultores e sindicatos deve
ser o caminho a ser trilhado, visando criar instrumentos políticos que estimule
a população a adquirir produtos produzidos localmente. O uso das novas
tecnologias disponíveis como as redes sociais, vem se configurando como uma
excelente estratégia de venda a domicilio. Uma população mais consciente e
exigente ajuda bastante na dinamização dessas novas práticas de produção e
venda.
Em
2021 e 2022 investi pesadamente nas redes sociais para poder vender meu produto
e com extraordinário sucesso. Por ser uma área pequena, mais de 50% das frutas
foram entregues diretamente ao consumidor, auferindo preços mais convidativos que
os oferecidos pelos atravessadores. Criar grupos seletos de consumidores e
investindo pesadamente na qualidade do produto oferecido garante uma
rentabilidade satisfatória às famílias envolvidas no campo.
Prof.
Jairo Cesa