segunda-feira, 29 de outubro de 2012


Breves Reflexões Acerca dos  Efeitos dos Vetos do Código Florestal Para o Município de Araranguá

Está chegando ao fim a saga de um Código Florestal que era compreendido por expressiva parcela da comunidade científica nacional e internacional, ambientalistas e demais setores da sociedade civil como uma das leis mais avançadas do mundo. No entanto, desde a sua promulgação no começo do regime militar, a certeza da sua aplicabilidade começou a ser questionada, pois, motivada pelo “espírito” desenvolvimentista, coube aos governos militares limitar ao máximo as barreiras que restringissem o boom econômico.
Por ser a agricultura um dos  pilares da economia, uma legislação como o código florestal não seria capaz de  limitar a fúria do capital predatório impedindo a destruição progressiva dos biomas brasileiros, especialmente a mata atlântica  e a floresta amazônica, que no início da década de 1970,  se transformou em área cobiçada pelo governo para implantação de projetos de custos milionários como a  construção da rodovia transamazônica que jamais foi concluída. Além da construção da rodovia transamazônica, é oficializada a política de expansão da fronteira agrícola em direção  norte dos pais, ou seja, milhões de hectares de terras ocupadas por florestas são transformadas em áreas agricultáveis, atraindo milhares de pessoas das regiões sudeste e sul para o novo eldorado.  
Décadas mais tarde, já com a redemocratização política, os programas desenvolvimentistas, agora com um escopo mais “humanístico”, continuaram ocupando as páginas dos programas de governo. Aquela velha máxima de “Crescer o Bolo para depois distribuir” recheava os discursos de governos conservadores e de neo-progressistas de base popular.  Embora o “bolo” tenha crescido em proporções elevadas, sua distribuição não ocorreu seguindo o mesmo patamar. O  Brasil continuou sendo uma das nações mais desiguais do planeta, com graves problemas sociais e cujos reflexos são percebidos no campo educacional, que coloca o país num posto ridículo de 88º entre as nações com pior desempenho educacional.
O duvidoso boom econômico que passa nação brasileira abriria expectativa para um desenvolvimento verdadeiro se a mesma não tivesse sido alicerçada numa política de consumo e exploração exacerbada dos recursos naturais. Expandir ao máximo as fronteiras agrícolas similar à época dos militares, associada à fragilização das barreiras que restringe o progresso passou a ser quase que unanimidade entre os congressistas brasileiros representantes do agronegócio, que defendem a reformulação imediata do Código Florestal Brasileiro.
Para atingir os objetivos desejados, o primeiro passo foi conquistar a opinião pública lançando uma falsa ideia de que o atraso  agrícola estava condicionado ao código florestal que estabelecia excessivas  restrições ao progresso. O que não foi explicitada à população quando da apresentação do projeto é que o verdadeiro objetivo da sua criação era anistiar, inocentar aqueles que estavam na ilegalidade, que não respeitaram a legislação em vigor. De acordo com o Código Florestal de 1965 as regras eram muito claras quanto aos limites permitidos para ocupação urbana, produção agrícola e o percentual de vegetação de Reservas Legais e APPs que deveriam ser conservados.
Se o código florestal que estava em vigor fosse realmente cumprido na sua integridade, muitas das tragédias climáticas ocorridas no Brasil nas últimas décadas, como as enchentes de Tubarão e Araranguá, em 1974; vale do Itajaí em 1983, e outras catástrofes mais recentes na região serrana do Rio de janeiro, litoral de São Paulo e no próprio estado de Santa Catarina, os impactos poderiam ter sido amenizados, com o mínimo de perdas humanas.
Os efeitos dessas tragédias, como se notou, foram ainda maiores em áreas em que o código florestal deixava explícito a não permissão da ocupação, como as margens de rios e encostas de morros.  A fragilidade das administrações públicas, alimentada por  processos eleitorais viciados e corruptos, com a eleição de prefeitos e vereadores descompromissados com as causas sociais e ambientais, contribuiu e vem contribuindo para o agravamento dos problemas em quase todos os municípios brasileiros, e cuja solução, que deveria ser o respeito às leis orgânicas e planos diretores, seguem o cominho inverso, que é legalização de ilegalidade.
Levando em consideração o município de Araranguá, cuja expressiva a área do território é cortada por um rio com uma largura média 100 metros, a legislação de 1965, não deixava dúvidas quanto à ocupação imobiliária e agrícola em suas margens. O código estabelecia que fossem consideradas áreas de APPs,  toda área de várzea sujeita a inundações, sendo permitida a ocupação humana e agrícola a partir do limite máximo da maior enchente ocorrida. Se analisarmos as imagens da enchente de  1974, considerada uma das maiores da história do município, toda extensão coberta pela águas se caracteriza como várzea, portanto deveria ser evitada sua ocupação.
Porém, por ser uma área com boa fertilidade em decorrência das inúmeras cheias que vem se repetindo ao longo do tempo, que permite a deposição de humos em toda área que margeia o Rio Araranguá, quase toda floresta nativa existente foi removida dando lugar à rizicultura mecanizada, um tipo de agricultura que aproveita tanto a topografia do local como também da própria água do rio para a irrigação. Nesse aspecto, a legislação do Código Florestal foi totalmente desconsiderada em prol do econômico. Em relação a esse tema, a postura da Presidente da República, quanto encaminhou os vetos, foi sancionar o Art. 4 e  § 9  que não considera Área de Preservação Permanente as várzeas fora dos limites previstos.
O Art. 61-A do novo código florestal considerará área de várzeas em Araranguá a partir do limite de 15 metros da borda do rio. Esse cálculo que determina as APPs das margens de rios recebeu a denominação de escadinha, que vai aumentando as áreas de mata ciliar, proporcionalmente ao tamanho da propriedade. A unidade de medida adotada para avaliar a extensão da propriedade será sob a forma de Módulos Fiscais. Quanto maior  a fertilidade do menor será o número de hectares necessários para o cálculo do módulo rural. O solo do município de Araranguá, por apresentar uma satisfatória fertilidade, ficou definido que o tamanho de cada módulo fiscal terá uma área aproximada de 10 hectares. Diferente das regiões centro oeste e norte, devido às características do solo, os módulos fiscais atingem cifras superiores a 100 hectares.
Admitindo que expressiva parcela das propriedades rurais do município de Araranguá abrange cifras equivalentes a 4 módulos fiscais para cima, ou seja, 40 a 100 hectares, o novo código florestal obriga o proprietário a recomposição da mata ciliar numa faixa de 15 metros, a partir da borda do rio, podendo estar integradas com espécies nativas e exóticas originárias do mesmo bioma. Porém, esse dispositivo certamente gerará um impasse de complexa solução para o poder público municipal. Como ficam os proprietários que respeitaram a legislação mantendo preservada a mata ciliar muitas delas acima dos limites exigidos? Aproximadamente 98% de toda extensão do Rio Araranguá, a mata ciliar foi quase que totalmente retirada, aquelas que foram mantidas, estão abaixo do limite estabelecido que seja de  15m.  
Que medidas deverão serão tomadas para fazer com essa lei seja cumprida, exigindo do proprietário a reposição da mata ciliar estabelecida por lei e ao mesmo tempo criar instrumentos que beneficie aquele proprietário que cumpriu a legislação? Há casos em Araranguá onde duas propriedades vizinhas são cortadas pelo mesmo rio, porém, uma delas manteve uma fina faixa de vegetação que não ultrapassa os 5m, enquanto que a vizinha, supera os quinze metros. A lógica do bom senso define que o proprietário  irregular deverá, pelo menos, recuperar a vegetação até o limite dos 15 metros.
Fazer cumprir a legislação será tarefa do poder público municipal com a participação do órgão ambiental e demais entidades em especial o Comitê da Bacia do Rio Araranguá que poderá dar assessoria. A dúvida, porém, é em relação à imparcialidade dos órgãos cuja função é a aplicação da lei. Ou será que, mais uma vez, estaremos diante de uma legislação de faz de conta, que pouco ou nada contribuirá para reverter à progressiva degradação de nossas florestas. Acredita-se que essa possibilidade será a mais provável diante da fraca cobertura da imprensa ao tema, esclarecendo detalhadamente os pontos principais da legislação.
Um dos caminhos possíveis para viabilizar a aplicabilidade da legislação, é a estruturação o sistema de registro fundiário, uma espécie de detalhadamente detalhado do campo, identificando os limites de cada propriedade, tipo de vegetação, área preservada e o que deve ser recuperada. Evitar o que vem acontecendo em estados como o Pará, situado na região norte do país, onde foram constatados, com base em investigações feitas em cartórios do estado, números absurdos de registros fictícios de terras que somados ultrapassam a dois Parás.  Para tentar reverter tais anormalidades estruturais no campo, o Código Florestal institui o CAR (Cadastro Ambiental Rural), um levantamento eletrônico e fidedigno das propriedades, coordenado pelo governo federal, que dará garantia de controle sobre as mesmas, evitando situações como a que vem ocorrendo no estado do Pará. Além do CAR, o Código Florestal, por meio do Art. 59, cria também o Programa de Regularização Ambiental, que autoriza  os donos de terras, num prazo de um ano após a promulgação da lei, a regularizarem suas propriedades, cujo documento deverá constar estratégias de reposição da vegetação das áreas de reserva legal e Apps, sob pena da não observância da lei, incorrer sanções como dificuldade de proferir empréstimos de bancos oficiais.      
No município de Araranguá, acredita-se que as atribuições do CAR e PRA, sejam de responsabilidade do poder público estadual – EPAGRI (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Santa Catrina)  e municipal, FAMA (Fundação Ambiental do Município de Araranguá). Tendo em mão a radiografia fiel das propriedades, localização, tamanho e áreas destinadas à agricultura, Reserva Legal e APPs,  o poder público municipal terá facilidade para coordenar e monitorar as ações dos produtores agrícolas, acompanhando passo a passo todas as etapas e alertando-os caso não estejam respeitando os prazos estabelecidos. Durante os cinco anos, contado da data da entrega do Programa de Regularização Rural, o proprietário será monitorado, alertando-o da sua obrigação ambiental evitando desse modo às penas da lei que poderá ser o cancelamento imediato de seu cadastro aos órgãos financeiros. É importante ressaltar que no relatório o proprietário poderá combinar junto com as espécies nativas, as exóticas, excluindo do texto, as frutíferas, pois, segundo argumentação do governo, não haveria possibilidade de controlar as espécies, impactando o ambiente.     
Por ser o Brasil um país que apresenta uma estrutura geológica irregular, terrenos ondulados, cortado por grandes, médios e pequenos rios e riachos, a polêmica da vegetação nas encostas de morros e principalmente às margens dos cursos d’água vem se arrastando há quase um  século, quando foi criação do primeiro código floresta em 1934. Nesse momento já se tinha clareza da necessidade de manter preservados esses ecossistemas. Porém, o que se notou décadas mais tarde foi o total descumprimento da legislação, cujas justificativas utilizadas são inúmeras, prevalecendo, é claro, o econômico. Em relação à Bacia do Rio Araranguá, por estar à mesma situada numa planície interconectada por dezenas de afluentes ligados ao principal afluente cujo nome é Rio Araranguá, um dos principais problemas que essa região vem enfrentando atualmente são as inundações freqüentes causando sérios prejuízos à população e à economia regional. É unânime entre os habitantes da região em afirmarem que tais ciclos de cheias vêm se repetindo há milênios e que os problemas são mais recentes, principalmente a partir da chegada dos imigrantes que estabeleceram seus povoados e plantações às margens dos rios, removendo toda a vegetação protetora existente.
Embora seja quase  impossível deslocar a população situada nas áreas de riscos, o que é possível fazer para amenizar os impactos é recuperar parcela da floresta ciliar destruída, transformando em barreira natural contra a sedimentação do solo e assoreamento dos rios. O processo pode ocorrer por meio de projetos de educação ambiental, que poderá ser coordenado pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Araranguá. No entanto, essas políticas devem ter abrangência em toda região de abrangência da bacia e devem ser contínuas envolvendo toda população. Não há outro caminho a seguir que não seja o da conscientização. Que a adoção de práticas sustentáveis de culturas, protegendo parcela significativa das florestas trará equilíbrio ao ecossistema e certeza de que a futuras gerações poderão dar continuidade ao ciclo produtivo.
Prof. Jairo Cezar           

sexta-feira, 19 de outubro de 2012



Eleições Municipais e o Mercado do Voto em Araranguá

É inegável que tanto o regime de governo republicano como a democracia foram os dois principais legados deixados pelas antigas civilizações ocidentais Greco/romana e que serviu  de inspiração para  as demais sociedades contemporâneas. Porém, é importante ressaltar que a democracia grega ou ateniense, sua eficácia, se limitou a uma minúscula fração da população, constituída por homens livres e ricos, aptos para governar e escolher seus governantes, cujo pleito eleitoral ocorria em praça pública, sob a forma de aclamação popular.
Embora tais civilizações tenham se extinguido há muito tempo, esse modelo de organização política foi mantido, adquirindo nova configuração a partir do século XVIII, momento que as monarquias absolutistas norte americana e francesa foram suprimidas, dando lugar para a República. No entanto, esse processo de lutas sangrentas contra os regimes absolutistas tiranos, que provocaram a morte de milhares de pessoas, nada mais foi que uma bem tramada manobra política teatralizada, articulada pela classe burguesa, cuja ascensão ao poder foi conquistada graças às promessas de pão e liberdade à população. 
Embora as promessas de pão e liberdade para todos não tenha se concretizado como fora prometido, pois o sistema republicano burguês se alimenta das carências de ambos, um elemento positivo e que deve ser considerado em tal regime é em relação ao sufrágio universal ou voto universal, que garante aos cidadãos e cidadãs, pleno direito de escolher, de forma livre e consciente, seus representantes. É importante também esclarecer que o direito universal ao voto foi uma conquista recente, especialmente no Brasil. Antes, as eleições se restringiam aos “bem nascidos”, os que possuíam rendas, propriedades, estando excluídos (as) os (as) escravos (as), mulheres, religiosos (as) e demais cidadãos (ãs) “mal nascidos (as)”.   
Porém, nem todas as sociedades que adotaram o regime republicano, como a brasileira, inspiradas nos ideais do positivismo colocaram em prática os princípios de igualdade, liberdade e fraternidade. O Brasil, embora tenha proclamado a República há pouco mais de cem anos, continua ainda hoje submetido aos vícios políticos do período colonial. A figura do coronel/chefe, cabo eleitoral, voto do cabresto, continuam ainda vivos e presentes nos pleitos eleitorais, principalmente nos municípios pequenos e médios do interior.
No caso de Araranguá tais procedimentos vinculados a figura do coronel ou de uma liderança política populista, vêm se repetindo desde a emancipação política. No começo, ou seja, no período em que o partido republicano era o único em condições de concorrer os espaços do executivo e  legislativo, as disputas convergiam entre duas facções do mesmo partido, cujos pleitos se transformavam em verdadeiras batalhas campais, geralmente sagrando-se vitorioso o candidato ou o coronel, proprietário de terras, com forte influência sobre os demais setores da sociedade como delegados, juízes, párocos e de uma infinidade de apadrinhados ou cabos eleitorais, figuras imprescindíveis na condução e no resultado do pleito eleitoral.
Nas primeiras décadas do século XX, a instituição com quase nenhuma credibilidade popular era a do judiciário. Primeiro porque esse poder carecia de uma estrutura que lhe garantisse certa autonomia frente aos poderes constituídos como o judiciário. Segundo, os juízes que atuavam nas comarcas, por estarem vinculados ao executivo estadual, tinham suas atribuições monitoradas e, dependendo da postura do governo estadual com uma das facções, as possibilidades de transferência para outra comarca eram quase que certa, porém, isso dependeria é claro da sua conduta no município.
Embora a política dos coronéis tenha aparentemente perdido força com a institucionalização do Estado Novo quando os governos municipais passaram a ser indicados pelo chefe do executivo estadual, o começo da década de 1950 se configurou como o período da renascença política araranguaense, quando as antigas forças oligárquicas reconquistam o poder, apresentando um discurso que traduzia as inovações de caráter modernista no campo econômico e social.
 Diferente da Primeira República em que as forças políticas orbitavam no Partido Republicano, a redemocratização política pós Estado Novo fez surgir no cenário nacional e municipal, duas novas siglas partidárias, a UDN e PSD, que se transformaram em refúgio das antigas e novas elites, que em nada se diferenciavam acerca das suas plataformas políticas. Estar no poder tanto uma quanto a outra sigla pouca diferença fazia à população, pois em nada alteraria o quadro das desigualdades, da miséria e  dos problemas na educação e na saúde do município. Porém, quando o assunto era eleição as diferenças, as rivalidades, as disputas pelo poder ficavam nítidas entre ambas e entravam em cena um verdadeiro batalhão formado por lideranças políticas, fanáticos partidários e cabos eleitorais, cujos instrumentos adotados para convencer o eleitor a votar no candidato de sua preferência, mantinham-se incompatível aos preceitos de um regime verdadeiramente republicano, em que deveria prevalecer a democracia.
Como querer que práticas republicanas e democráticas fossem evidenciadas quando o próprio regime na qual deu sua origem, o capitalismo, dependia da sua inoperância, do desrespeito as regras constitucionais, do apadrinhamento, do assistencialismo e de práticas administrativas viciadas que deixavam a população numa condição de dependência mórbida do Estado e cujo período eleitoral consistia em um momento oportuno para obter alguns benefícios particulares. 
No regime militar, diferente do que ocorreria em âmbito federal e estadual, o processo eleitoral nos municípios foi preservado. Prefeitos e vereadores continuaram sendo eleitos de forma direta, porém, as campanhas eleitorais viciadas e as formas de convencer o eleitor a decidir a quem votar também foram conservadas. Os cabos eleitorais além de coagir moralmente os eleitores para extorquir seu voto, utilizaram-se, descaradamente, de práticas fraudulentas que se perpetuariam durante as décadas posteriores quando o sistema de eleição manual foi substituído pela Urna Eletrônica. Dentre as irregularidades praticadas durante o processo eleitoral algumas podem ser destacadas como o eleitorado fantasma, a adulteração das atas eleitorais, suborno e a compra de votos.
O que realmente motivou a aplicação da urna eletrônica foram as práticas corruptas na qual as eleições eram processadas, dando nítida clareza de que os candidatos concorrentes às vagas do executivo e legislativo já sabiam antecipadamente se seriam eleitos ou não graças  ao patrulhamento dos cabos eleitorais controlando os eleitores no momento de depositar o voto à urna e também durante a contagem dos mesmos.
Toda essa preocupação acerca das ilicitudes eleitorais não foi solucionada com a adoção da Urna Eletrônica. O problema, portanto é bem mais complexo, e deve ser resolvido começando pela raiz, ou seja, pela construção de uma nova cultura política que prime práticas cooperativas, de participação nas discussões dos problemas que são comuns a todos e na escolha consciente de representantes éticos e comprometidos com o bem-estar da sociedade.
Como atingir esse nível de maturidade numa sociedade em que esmagadora parcela da população desacredita de seus políticos e define a eleição como momento de barganhar o voto, ou seja, negociá-lo por algum bem material ou favor. Ficou claro, nas eleições municipais de 2012, que a crise ética que assola as estruturas do poder brasileiro reflete diretamente no conjunto da sociedade. Se a lei da ficha suja foi criada para dar um pouco de credibilidade à política brasileira, tirando de circulação políticos  oportunistas e corruptos, a mesma deveria valer para o restante da sociedade.  Sua aplicabilidade, certamente, exigiria do estado investimentos milionários para a construção de novos presídios, pois os existentes não comportariam a demanda.
O resultado das eleições municipais em Araranguá deixou um rastro de dúvida quanta a sua legitimidade, tamanho foi a quantidade votos depositado às urnas em troca de algum benefício. Afinal quem seriam os culpados por tamanha insensatez, os próprios candidatos ou a população. É importante não esquecer que o papel dos vereadores eleitos é fiscalizar os atos do executivo, legislar e fazer cumprir a legislação. Portanto são os representantes do legislativo as principais referências da sociedade quanto a sua postura ética.
Até que ponto a sociedade, especialmente os eleitores que comercializaram seu voto possuem alguma moral para cobrar dos seus candidatos promessas de campanha.  Romper com esse ciclo vicioso de corrupção que contamina as estruturas da sociedade é o único caminho capaz de restabelecer os princípios da dignidade e da justiça. Porém esse é um caminho longo, cheio de obstáculos,  que deve iniciar na família, na educação dos filhos, na postura dos professores frente a seus estudantes e, por fim, em todo conjunto da teia social. No entanto, tais avanços dificilmente serão conquistados  mantendo intactas as estruturas de um sistema de produção econômica que se reproduz e se alimenta com a preservação das desigualdades, das péssimas estruturas nas áreas da saúde, educação, saneamento. É preciso, urgentemente, fazer as pessoas acreditarem que atual realidade é fruto de um processo histórico, construído pela própria sociedade, que não é eterno e, portanto, pode ser revertido com outras formas de organização.
A frente de Esquerda Araranguá, nas eleições municipais de 2012, deu o primeiro passo para a concretização dessa utopia, que poderá ocorrer mais cedo do que se imagina. Foram lançadas as primeiras sementes de um projeto de sociedade que já teve início com o modo diferente de fazer a própria campanha, dispensando super estruturas e investimentos milionários para conquistar a confiança e o voto do eleitor. Uma sociedade justa, solidária, fraterna não se consegue apenas com atos de fé, na esperança de que uma força divina venha do céu e a institua. Não, isso não um projeto pronto, produzido por alguns sujeitos iluminados e aplicados como um passe de mágica. O primeiro passo é exercitar algumas atitudes simples que o regime capitalista dispensou como o diálogo, os encontros coletivos para discutir e procurar soluções dos problemas. O segundo passo é fortalecer os seguimentos populares como sindicatos, associações de moradores, organizações não governamentais entre outros, para que mantenham uma postura de independência frente aos organismos governamentais, atuando como entidades fiscalizadoras e estimuladoras da população no que tange a participação política.
A concretização dessas etapas despertará na população outro sentimento acerca do que seja realmente política, que a mesma não se encontra pronta e que está em construção permanente. Chegar a esse estágio de entendimento significa a ruptura definitiva com as velhas práticas governamentais. Não haverá mais espaço para governos oportunistas, corruptos, que se beneficiam da ignorância da maioria. Portanto, mais uma vez, vale ressaltar, que nada disso se conquista do dia para a noite,  que a ruptura de um sistema se dará pela simples  eleição de um governo popular. È necessário ter os pés firmes no chão, ter consciência de que uma sociedade socialista deve ser construída respeitando as diferenças individuais, porém, todos devem estar inseridos num mesmo projeto ideológico que garanta  condições iguais de acesso aos bens produzidos pela sociedade.     
Prof. Jairo Cezar          

terça-feira, 9 de outubro de 2012


Oscip Preserv’Ação, FAMA, Ministério Público Estadual e Ministério Público Federal inspecionam ocupações irregulares no Balneário Morro dos Conventos.

Depois de muita insistência com inúmeras denúncias encaminhadas à imprensa escrita, órgãos ambientais, Polícia Ambiental e poderes judiciários, enfim, no dia 05 de outubro de 2012, a Oscip Preserv’Ação foi atendida, pois participou junto com o Ministério Público Estadual e Federal, FAMA (Fundação Municipal do Meio Ambiente), imprensa  e demais cidadãos (ãs), participaram de uma inspeção no balneário Morro dos Conventos para verificar em loco as irregularidades ambientais existentes, dentre elas a invasão imobiliária em APPs (Áreas de Preservação Permanente).
Durante o percurso, a procuradora do Ministério Público Federal, Drª Rafaela, solicitou do superintendente da FAMA, Luiz Lemer, maiores esclarecimentos acerca das construções e reformas que estavam em andamento. Segundo o superintendente, munido de um mapa da área visitada, o mesmo procurou argumentar que tais construções e reformas estão  situadas em áreas já consolidadas, portanto, não haveria problema  para o Poder Público Municipal em regularizá-las, especialmente porque seus proprietários, por pagarem seus impostos, tem direito de usufruir seus bens.  
Na opinião da Oscip, é questionável tal argumento em decorrência das novas legislações ambientais consideradas mais restritivas em relação as licenças para novas construções, principalmente em se tratando de ecossistemas frágeis como o balneário Morro dos Conventos.  Atualmente as legislações ambientais e o próprio Plano Diretor, exigem dos empreendedores o cumprimento de regras ambientais rígidas, tais como a apresentação do Eia Rima (Estudos de Impacto Ambiental),  esclarecendo a destinação do lixo sólido, a mobilidade humana e de veículos, o esgotamento, etc, itens desconsiderados quando da criação do balneário há aproximadamente cinquenta anos.       
Verificou-se na inspeção a ação deliberada de  cidadãos (ãs), que vem promovendo limpezas do seus imóveis como o corte da vegetação restinga, sem autorização e acompanhamento dos órgãos ambientais, demonstrando, nitidamente  o visível descaso do poder público. A procuradora solicitou esclarecimento de tais infrações, cuja justificativa apresentada pelo órgão ambiental foi em defesa de tais procedimentos admitindo que os proprietários por pagarem seus impostos tem o direito de promover construir. Ouvindo a resposta, a procuradora não convencida com o argumento retrucou-o de forma incisiva, afirmando que tal prática é irregular, sendo passiva de crime ambiental. Discorreu também que os lotes quando foram adquiridos, seus proprietários deveriam ter consciência das suas peculiaridades geográficas e ambientais, pois além de estarem localizados em área da marinha, portando território federal, havia a questão ambiental,  ou seja, toda região em questão está situada numa área de proteção ambiental.
Durante as interpelações da FAMA e Ministério Público Estadual, o coordenador da Oscip Jairo Cezar fez algumas intervenções discordando das argumentações do representante do órgão ambiental municipal. Segundo Jairo, a liberação de novas construções, especialmente em áreas já consolidadas abrirá precedentes para ocupações das áreas não consolidadas, comprometendo ainda mais o ecossistema do local. Alertou os presentes, que os órgãos ambientais que teriam a função de  fiscalizar e aplicar sansões aos infratores agem de forma parcial, eximindo de suas obrigações. Portanto não há nenhuma certeza de que com a liberação de construções, aberturas de ruas e outros empreendimentos, tais proprietários e órgãos ambientais respeitarão as leis ambientais ou cumprirão acordos pré-estabelecidos.  
Jairo ratificou a necessidade urgente da criação de uma Unidade de Conservação no Balneário e cujas políticas de infra-estrutura imobiliária e turística deverão estar vinculadas a unidade. A própria Procuradora da República se considera defensora de tal idéia, admitindo que a respectiva unidade deva ser coordenada por uma entidade não governamental, pela sua independência política e responsabilidade ética.
Durante a inspeção do lado sul do balneário foram constatadas novas irregularidades além das já denunciadas pela Oscip Preserv’Ação. Embora a denúncia de construção irregular em área de APP  tenha sido proferida há aproximadamente trinta dias, quando a mesma estava no seu início, não houve nesse período nenhuma interferência dos órgãos fiscalizadores impedindo sua continuidade e conclusão. Próxima a residência denunciada, outra já estava em processo de reforma, possivelmente, sem autorização legal.  O que chamou a atenção dos presentes foi o número elevado de trabalhadores envolvidos na obra. De acordo com fala do superintendente da FAMA, a respectiva residência em questão já teria sido embargada, porém o proprietário não o acatou, sendo o mesmo passivo de punição de crime responsabilidade. Porém as infrações ambientais não pararam por ai. Construções clandestinas, cercas e muros de concretos sobre dunas e restingas, corte de vegetação, entulhos, lixos à beira mar, poluição sonora, etc., são alguns dos muitos problemas que vem descaracterizando dia após dia um dos cartões postais mais belos e frágeis do Brasil.   
Mais uma vez depositamos nossas esperanças e expectativas no relatório a ser elaborado e apresentado pelo Ministério Público Federal sobre a inspeção no Balneário. Acreditamos na sensibilidade e bom senso dos integrantes desse órgão que adotarão certamente uma postura técnica e não política na conclusão do documento. O evento ocorrido no Balneário no dia 5 de setembro não foi apenas uma vitória da Oscip Preserv’Ação, foi da fauna, da flora, da sociedade araranguaense e do próprio planeta, pois sabemos que nossos atos, bons ou maus, em nossa casa, bairro, município e país repercutirá na grande aldeia chamada terra.  

Segundo Patrick Bond “A luta pela sustentabilidade do ambiente doméstico é uma parte central da possibilidade de tornar as cidades mais justas”.

Patrick Bond, é economia político diretor do Center for Civil Society da Universidade de KwaZulu-Natal, em Durban (África do Sul), e ativista de movimentos sociais, defende que a construção de cidades sustentáveis passa pela aliança da agenda ambientalista com a da justiça social.
Oscip Preserv’Ação
     


sexta-feira, 5 de outubro de 2012


DESTRUIÇÃO DAS FLORESTAS, IMPUNIDADES E O NOVO CÓDIGO FLORESTAL  BRASILEIRO

Estamos às vésperas do dia 8 de outubro de 2012, data da votação da emenda provisória n. do novo código florestal, que para os seguimentos vinculados ao ambiente e o científico, é visto como um dos maiores retrocessos na história ambiental brasileira. O não cumprimento da data estabelecida leva a sua invalidade, retornando a legislação de 1965.
Diante disso, é importante discorrer os caminhos e descaminhos que motivaram os congressistas brasileiros, pressionados por seguimentos do agronegócio, a discutirem a elaboração de um novo código florestal, mais flexível, em substituição ao documento de 1965, como também fazer uma retrospectiva histórica das legislações ambientais brasileiras tendo como ponto de partida o ano de 1934, quando, no governo de Getúlio Vargas, foi sancionado o decreto n. 23.793, que impedia os proprietários rurais de abaterem mais de ¾ da vegetação em seu imóvel.
As transformações no campo econômico, motivada pelos avanços da tecnologia no campo exigia uma profunda reformulação do código florestal de 1934, que já não contemplava as aspirações tanto do mercado como dos demais setores. Nesse momento as políticas propostas por Goulart, que propunham profundas rupturas no campo social foram abortadas em 1964, com a ascensão dos militares no poder. Um novo modelo de crescimento e desenvolvimento econômico é proposto, porém, para sua efetivação seriam necessários implementar algumas reformas de base, sendo uma delas a implantação de um novo Código Florestal. Sua efetivação ocorreu um ano depois do golpe, em 1965, no governo Humberto Caselo Branco, através da lei 4.771, que estabelece 50% de reserva legal na Amazônia e 20% no restante do Brasil e também define onde deveriam estar localizadas as APPs.
     Embora a lei do Código Florestal tenha sido instituída num período de forte restrição popular imposta pela censura e também da quase inexistência de entidades capazes de discutir e propor sugestões para o novo código, o documento poder ser considerado como um grande avanço para a época. Durante a data de sua publicação até o momento várias mudanças foram proferidas, tornando mais restritivo as agressões ao ambiente,  que atendem as aspirações dos ambientalistas, porém, criticado pelo agronegócio que atribuem a responsabilidade pelo  fraco desempenho da agricultura brasileira.
As melhorias no texto base do código foram motivadas por fenômenos climáticos como o de 1989 quando o vale do Itajaí/SC sofreu uma das maiores enchentes de sua história. Acreditando que desastres como o registrado em Santa Catarina tenha sido motivado pela ocupação indiscriminada das encostas dos morros e pela destruição da vegetação ciliar, o governo José Sarney, sanciona a Lei 7.803, expandindo as faixas de vegetação nativa ao longo dos rios, além do mais, determina a averbação da Reserva Legal na matrícula do imóvel para evitar sua divisão.
E os problemas como desastres e crimes ambientais não cessaram mesmo com todas as alterações feitas no novo código. Em 1994, a Amazônia perdeu aproximadamente 30 mil quilômetros quadrados de florestas. A pressão de organizações internacionais exigindo medidas urgentes para coibir tais abusos levou o presidente Fernando Henrique Cardoso a lançar a Medida Provisória 1.511, que aumenta a reserva legal para 80%, reduzindo as reservas legais do cerrado, pertencente à Amazônia Legal, de 50% para 35%. Sem contar que dois anos antes, em 1992, ocorrera no Rio de janeiro a Eco-92, encontro que  estabeleceu acordos multilaterais entre as nações presentes, tendo o Brasil à tarefa de proteger suas florestas.
Estando visível aos olhos de todos que a redução das áreas de florestas cada vez se intensificava, e que a legislação vigente restringia, mas não punia os infratores, em 1999 o Deputado Moacir Micheletto, do PMDB do Paraná apresenta um projeto de lei para desconfigurar a lei existente, defendendo o desmatamento em todos os biomas. De dezembro de 1999 a março de 2000, o Conama, órgão com representação democrática, aprova o novo texto encaminhado pelo deputado paranaense.
A idéia de reforma do código já estava em curso, deixando de ser apenas  proposta, para se tornar projeto de lei. Seguindo esse caminho reformista, em 2001, FHC, com base no texto aprovado no Conama, reedita a MP 1.511, sob o número 2.160. As mobilizações impetradas por setores do agronegócio pressionando o parlamento brasileiro para que fosse agilizada a reforma do CFB, não era vista com simpatia e nem recebia apoio das  organizações de proteção ao ambiente e das comunidades científicas. A apreensão foi ainda maior quando em 2004 e  2005 o Brasil enfrentou dos fenômenos climáticos de proporções devastadores, cujas possibilidades de ocorrência eram, para muitos, consideradas nulas, sendo eles o Furacão Catarina, que atingiu o sul do estado de Santa Catarina em 2004 e a seca na Amazônia em 2005. Como pensar em uma reforma do Código Florestal se a lei que em vigor  estabelece regras rígidas acerca da proteção da floresta amazônica. O problema, portanto não está na fragilidade da lei, mas na omissão daqueles que deveriam respeitá-la.
Mas a expectativa de recuo dos parlamentes na continuidade da reforma do código florestal não se confirmou. Em 2006, o Deputado paraense do PSDB, Flexa Ribeiro, encaminhou projeto de lei sob o n. 6.425/05 à Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados propondo reformar o código floresta. E o alerta do clima às devastações das florestas amazônicas e a atlântica veio agora sob a forma de enchentes e deslizamento que castigaram o litoral catarinense e o vale do Itajaí, atingindo cidades como Rio do Sul, Blumenau e Itajaí. 
Mais uma vez, ficava visível aos olhos de todos, que o código florestal embora sendo uma legislação extremamente avançada não tinha força suficiente para coibir os crimes que devastavam as florestas. O próprio IBAMA, com uma estrutura sucateada, e que tinha como papel fazer de fiscalizar e fazer cumprir a lei recebia denúncias constantes de ter integrantes envolvidos em crimes de corrupção, agravando ainda mais o quadro da ilegalidade no corte e comercialização de madeira em áreas de preservação permanente. Diante disso, em 2008, o governo federal lançou uma série de medidas para intensificar a fiscalização no campo, autorizando o Ministério Publico Federal a tomar atitudes mais rígidas quanto às denúncias de crimes ambientais.
Os proprietários de terras que tivessem sofrido alguma ação criminal durante a vigência da lei, estariam impedidos de proferir empréstimos bancários enquanto não regulassem o seu passivo ambiental. Tais medidas geraram um clima de insatisfação junto aos proprietários rurais, que teriam que se adequar as novas regras de uso dos recursos naturais de forma sustentável. O cumprimento das novas regras incorria em investimentos e custos aos proprietários, porém, daria garantia aos mesmos de que mantendo a produção nas áreas já consolidadas com inovação tecnológica e preservação das florestas existente, proporcionaria ganhos para o proprietário como também o equilíbrio do ecossistema.  
A forte reação dos setores ruralistas pressionando o governo para a supressão imediata  das medidas que obrigavam os produtores rurais a se adequarem ao código florestal, refletiu no congresso com a apresentação de um projeto de Lei n. 5.367/09, do Deputado Federal Valdir Colatto, do PMDB de Santa Catarina, coordenador da Frente Parlamentar Agropecuária, para a criação de um Código Ambiental interpretado pelos ambientalistas como altamente prejudicial para a política nacional do ambiente.  
Porém, a discussão acerca do novo Código Ambiental mobilizou outros parlamentares que devido à importância e complexidade do tema levou na criação de uma comissão especial cuja missão era reunir 11 projetos de lei para alterar o código florestal vigente. O que era apenas uma especulação de bastidores se transformou em realidade quando foi escolhido para relator do projeto o Deputando Paulista do PCdoB Aldo Rebelo, e com forte apoio da maioria dos ruralistas.   
De março a maio de 2010, o relator Aldo Rebelo, realizou audiências no Congresso Nacional e em cidades com forte predominância da agropecuária, sendo as reuniões organizadas pelos sindicatos alinhados a Confederação Nacional da Agricultura.  Após longas discussões com esses setores, em junho do mesmo ano o relator apresenta proposta de desfiguração do Código Florestal. Um mês depois, sem muito debate com os demais seguimentos da sociedade, o documento é aprovado na Comissão Mista do Congresso.

Nesse mesmo ano, novas enchentes atingem São Paulo e Pernambuco e deslizamentos de terra em Angra dos Reis/RJ com inúmeras mortes. Mais uma vez, ficou claro nessas catástrofes a visível parcialidade do poder público e dos órgãos ambientais permitindo a ocupação humana em áreas de riscos. Se a lei do código florestal fosse cumprida na sua integridade catástrofes como essas e outras que ocorreram anos anteriores e com perdas humanas poderiam ser amenizadas.   
Sobre os argumentos apresentados pelos representantes do agronegócio brasileiro justificando a baixa produtividade agrícola à insuficiência de áreas próprias para esse fim, o mesmo não condiz com a realidade, pois, a USP promoveu pesquisa e chegou-se a conclusão de que a área cultivada poderá ser dobrada se as que hoje estão sendo ocupada pela pecuária de baixa produtividade forem relocadas para o cultivo. São aproximadamente 61 milhões de hectares que poderiam ser utilizadas, com manejo sustentável e um melhor aproveitamento das culturas, sem, é claro, afrouxar a proteção ambiental.
Outro argumento muito difundido pelos defensores do novo CF é em relação à cientificidade do mesmo, ou seja, sua construção careceu de bases científicas, portanto sendo o mesmo incompatível ao desenvolvimento econômico. É outra informação errônea, pois entidades como SBPC e ABC defendem a permanência do código atual, considerado eficiente se o mesmo fosse aplicado na sua integridade, em detrimento do que está sendo proposto, que excluíram da sua construção tais entidades, portanto, sem uma sólida base científica.
Pesquisadores vinculados a USP, UNESP e UNICAP encaminharam duas cartas publicadas em uma das principais revistas de circulação mundial, SCIENCE, alertando que a aprovação do novo CF proporcionará o decréscimo acentuado da biodiversidade e o aumento significativo de sete bilhões de toneladas, que representaria 25,5 bilhões de toneladas de gases do efeito estufa, mais de treze vezes as emissões no Brasil no ano de 2007, como também na perda do solo em decorrência da erosão, sem contar, é claro, a intensificação dos desastres naturais, como deslizamentos em encostas e inundações.
Outra justificativa utilizada sobre o código é de que o atual compromete a produção nas pequenas propriedades em decorrência de estarem às mesmas situadas em APPs e que precisa ser flexibilizada. O WWWF fez um levantamento dessas propriedades em cincos estados do sul e sudeste, cuja produção se baseia nas culturas da maçã, uva e café. A conclusão que se chegou foi que o impacto da plicação das APPs é baixo. Menos de 5% da produção  está localizado em APPs de hidrografia e declividade. Entidades como CPT, CUT, FETREF, MAB, MST e VIA CAMPASINA, lançaram texto base afirmando que os pequenos agricultares jamais lançaram manifesto exigindo a redução da reserva legal de suas propriedades. O próprio censo de 2006 deixou explícito que nas pequenas propriedades a ocorrência de preservação do ambiente em prol da agricultura familiar e campesina é maior. Como forma de propor maior aproveitamento das matas preservadas, o MMA, encaminhou resolução autorizando os estados que garantisse maior assistência à agricultura familiar, atendendo os princípios propostos pelo CF.
Fica cada vez mais evidenciado que a pretensão da reforma do CF, sem o maior envolvimento da sociedade e das entidades científicas, tem como propósito  viabilizar a impunidade no campo isentando de multa todos aqueles que desrespeitaram a legislação. O item que trata da anistia aos crimes ambientais estabelece que estarão livres da obrigação de recuperação das florestas, aqueles que cometeram algum crime até 22 de 07 de 2008. Porém, a lei transfere  para as instancias estaduais a responsabilidade pela elaboração de um programa de regularização ambiental, ou seja, os proprietários que desmataram nos últimos 43 anos, terão, num prazo de cinco anos, a partir da aprovação do código e com a participação dos órgãos ambientais estaduais, de promover uma espécie de ajustamento de conduta  Até essa data, todas as multas aplicadas perderão sua eficácia, permanecendo a impunidade. As conseqüências dessa medida são irreparáveis para o ambiente, especialmente para os estados do sudeste e sul, cujas  áreas que margeiam os principais rios foram completamente devastadas, porém só agora começaram a ser recuperadas graças aos ajustes feitos no Código Florestal de 1965
Em se tratando de vegetação ciliar, o novo código reduz de 30m para 15m a extensão que deve ser protegida para rios de até 10 metros de largura. O que preocupa quanto a esse item é a inexistência de critérios diferenciados para os diferentes biomas, pois cada região possui peculiaridades, cujas metragens teriam que ser diferentes. Um exemplo para elucidar esse item, é o código florestal de Santa Catarina que reduziu o tamanho de todas as APPs de beira de rio, independente de estudos técnicos e das peculiaridades. Sobre as Reservas Legais nas propriedades, o novo código retira a obrigação dos proprietários de recuperar florestas cujas áreas não ultrapassem a quatro módulos fiscais. No Brasil, dependendo da região essa unidade de medida poder variar de 5 a 100 hectares. Portanto, propriedades de até 100 hectares serão isentas de recuperação. O argumento utilizado é que propriedades com tais medidas são ocupadas pela agricultura familiar e que obrigando a recuperação da RL comprometeria a sua manutenção.
Esse dispositivo da lei abre brecha para as propriedades acima de quatro módulos  que deverão se adequar as normas. Poderá haver um aumento significativo de ações nos cartórios públicos propondo a fragmentação das grandes propriedades, fugindo da obrigatoriedade de recuperar a RL, como também a aquisição de terras dos pequenos proprietários para não terem qualquer área preservada em toda a extensão de seu empreendimento.  De acordo com dados o INCRA, a isenção da reserva legal afeta cerca de 135 milhões de hectares de propriedade e posses rurais em todo Brasil. estima-se que mais de 30 milhões de hectares de florestas, sendo pelo menos 20 milhões na Amazônia, perderão a proteção da reserva legal e terão seu desmatamento estimulado pela falta de governança na região.
A redução da Reserva Legal da Amazônia legal de 80% para 50% e de 35% para 20% no cerrado é visto como um grande retrocesso em termos ambientais. Mais uma vez, o argumento defendido é que a lei em vigor restringe a atividade agrícola e o próprio desenvolvimento da região norte do Brasil. O que não é  explicitado é que o próprio Código em vigor permite por meio da ZEE (Zoneamento Ecológico Econômico) e com aptidão agrícola, reduzir as áreas do imóvel para 50%, em consonância, é claro, com as normas ambientais. 
Em relação a RL, a lei que está tramitando permite que o proprietário caso tenha desmatado toda vegetação em área de reserva legal, adquira através de compra terreno com a mesma proporção em outro estado ou bacia hidrográfica, compensando assim o desmatamento feito no seu bioma de origem, não necessitando recuperá-lo. Poderá também o infrator compensar o crime cometido sob a forma de doação em dinheiro para um fundo que será destinado à regularização de unidades de conservação.  
Acredita-se que um dos pontos positivos da lei que está tramitando seja a decretação de moratória de desmatamento de florestas nativa por cinco anos. Porém a lei não valeria para aqueles casos em que o proprietário solicitou antes da sua promulgação. Portanto, após sua promulgação uma enxurrada de processos será encaminhada à justiça solicitando a anulação desta já combalida moratória tornando o desmatamento legalizado. Também não está clara a definição de florestas que refere à moratória. O conceito bioma não é utilizado no projeto de lei, o que gera diferentes interpretações e uma grande insegurança jurídica. Mais uma vez é preciso ressaltar que a obediência ao Código Floresta em vigor é essencial para o cumprimento das metas internacionais de redução da emissão de carbono, além de ser uma medida fundamental às mudanças climáticas.
A proposta de reforma do código florestal encabeçada pelo deputado do PCdoB, Aldo Rebelo, poder mudar a história de avanços obtida com a legislação em vigor sobre o meio ambiente, com riscos de danos permanentes ao patrimônio ambiental brasileiro.
Prof. Jairo Cezar