sexta-feira, 19 de outubro de 2012



Eleições Municipais e o Mercado do Voto em Araranguá

É inegável que tanto o regime de governo republicano como a democracia foram os dois principais legados deixados pelas antigas civilizações ocidentais Greco/romana e que serviu  de inspiração para  as demais sociedades contemporâneas. Porém, é importante ressaltar que a democracia grega ou ateniense, sua eficácia, se limitou a uma minúscula fração da população, constituída por homens livres e ricos, aptos para governar e escolher seus governantes, cujo pleito eleitoral ocorria em praça pública, sob a forma de aclamação popular.
Embora tais civilizações tenham se extinguido há muito tempo, esse modelo de organização política foi mantido, adquirindo nova configuração a partir do século XVIII, momento que as monarquias absolutistas norte americana e francesa foram suprimidas, dando lugar para a República. No entanto, esse processo de lutas sangrentas contra os regimes absolutistas tiranos, que provocaram a morte de milhares de pessoas, nada mais foi que uma bem tramada manobra política teatralizada, articulada pela classe burguesa, cuja ascensão ao poder foi conquistada graças às promessas de pão e liberdade à população. 
Embora as promessas de pão e liberdade para todos não tenha se concretizado como fora prometido, pois o sistema republicano burguês se alimenta das carências de ambos, um elemento positivo e que deve ser considerado em tal regime é em relação ao sufrágio universal ou voto universal, que garante aos cidadãos e cidadãs, pleno direito de escolher, de forma livre e consciente, seus representantes. É importante também esclarecer que o direito universal ao voto foi uma conquista recente, especialmente no Brasil. Antes, as eleições se restringiam aos “bem nascidos”, os que possuíam rendas, propriedades, estando excluídos (as) os (as) escravos (as), mulheres, religiosos (as) e demais cidadãos (ãs) “mal nascidos (as)”.   
Porém, nem todas as sociedades que adotaram o regime republicano, como a brasileira, inspiradas nos ideais do positivismo colocaram em prática os princípios de igualdade, liberdade e fraternidade. O Brasil, embora tenha proclamado a República há pouco mais de cem anos, continua ainda hoje submetido aos vícios políticos do período colonial. A figura do coronel/chefe, cabo eleitoral, voto do cabresto, continuam ainda vivos e presentes nos pleitos eleitorais, principalmente nos municípios pequenos e médios do interior.
No caso de Araranguá tais procedimentos vinculados a figura do coronel ou de uma liderança política populista, vêm se repetindo desde a emancipação política. No começo, ou seja, no período em que o partido republicano era o único em condições de concorrer os espaços do executivo e  legislativo, as disputas convergiam entre duas facções do mesmo partido, cujos pleitos se transformavam em verdadeiras batalhas campais, geralmente sagrando-se vitorioso o candidato ou o coronel, proprietário de terras, com forte influência sobre os demais setores da sociedade como delegados, juízes, párocos e de uma infinidade de apadrinhados ou cabos eleitorais, figuras imprescindíveis na condução e no resultado do pleito eleitoral.
Nas primeiras décadas do século XX, a instituição com quase nenhuma credibilidade popular era a do judiciário. Primeiro porque esse poder carecia de uma estrutura que lhe garantisse certa autonomia frente aos poderes constituídos como o judiciário. Segundo, os juízes que atuavam nas comarcas, por estarem vinculados ao executivo estadual, tinham suas atribuições monitoradas e, dependendo da postura do governo estadual com uma das facções, as possibilidades de transferência para outra comarca eram quase que certa, porém, isso dependeria é claro da sua conduta no município.
Embora a política dos coronéis tenha aparentemente perdido força com a institucionalização do Estado Novo quando os governos municipais passaram a ser indicados pelo chefe do executivo estadual, o começo da década de 1950 se configurou como o período da renascença política araranguaense, quando as antigas forças oligárquicas reconquistam o poder, apresentando um discurso que traduzia as inovações de caráter modernista no campo econômico e social.
 Diferente da Primeira República em que as forças políticas orbitavam no Partido Republicano, a redemocratização política pós Estado Novo fez surgir no cenário nacional e municipal, duas novas siglas partidárias, a UDN e PSD, que se transformaram em refúgio das antigas e novas elites, que em nada se diferenciavam acerca das suas plataformas políticas. Estar no poder tanto uma quanto a outra sigla pouca diferença fazia à população, pois em nada alteraria o quadro das desigualdades, da miséria e  dos problemas na educação e na saúde do município. Porém, quando o assunto era eleição as diferenças, as rivalidades, as disputas pelo poder ficavam nítidas entre ambas e entravam em cena um verdadeiro batalhão formado por lideranças políticas, fanáticos partidários e cabos eleitorais, cujos instrumentos adotados para convencer o eleitor a votar no candidato de sua preferência, mantinham-se incompatível aos preceitos de um regime verdadeiramente republicano, em que deveria prevalecer a democracia.
Como querer que práticas republicanas e democráticas fossem evidenciadas quando o próprio regime na qual deu sua origem, o capitalismo, dependia da sua inoperância, do desrespeito as regras constitucionais, do apadrinhamento, do assistencialismo e de práticas administrativas viciadas que deixavam a população numa condição de dependência mórbida do Estado e cujo período eleitoral consistia em um momento oportuno para obter alguns benefícios particulares. 
No regime militar, diferente do que ocorreria em âmbito federal e estadual, o processo eleitoral nos municípios foi preservado. Prefeitos e vereadores continuaram sendo eleitos de forma direta, porém, as campanhas eleitorais viciadas e as formas de convencer o eleitor a decidir a quem votar também foram conservadas. Os cabos eleitorais além de coagir moralmente os eleitores para extorquir seu voto, utilizaram-se, descaradamente, de práticas fraudulentas que se perpetuariam durante as décadas posteriores quando o sistema de eleição manual foi substituído pela Urna Eletrônica. Dentre as irregularidades praticadas durante o processo eleitoral algumas podem ser destacadas como o eleitorado fantasma, a adulteração das atas eleitorais, suborno e a compra de votos.
O que realmente motivou a aplicação da urna eletrônica foram as práticas corruptas na qual as eleições eram processadas, dando nítida clareza de que os candidatos concorrentes às vagas do executivo e legislativo já sabiam antecipadamente se seriam eleitos ou não graças  ao patrulhamento dos cabos eleitorais controlando os eleitores no momento de depositar o voto à urna e também durante a contagem dos mesmos.
Toda essa preocupação acerca das ilicitudes eleitorais não foi solucionada com a adoção da Urna Eletrônica. O problema, portanto é bem mais complexo, e deve ser resolvido começando pela raiz, ou seja, pela construção de uma nova cultura política que prime práticas cooperativas, de participação nas discussões dos problemas que são comuns a todos e na escolha consciente de representantes éticos e comprometidos com o bem-estar da sociedade.
Como atingir esse nível de maturidade numa sociedade em que esmagadora parcela da população desacredita de seus políticos e define a eleição como momento de barganhar o voto, ou seja, negociá-lo por algum bem material ou favor. Ficou claro, nas eleições municipais de 2012, que a crise ética que assola as estruturas do poder brasileiro reflete diretamente no conjunto da sociedade. Se a lei da ficha suja foi criada para dar um pouco de credibilidade à política brasileira, tirando de circulação políticos  oportunistas e corruptos, a mesma deveria valer para o restante da sociedade.  Sua aplicabilidade, certamente, exigiria do estado investimentos milionários para a construção de novos presídios, pois os existentes não comportariam a demanda.
O resultado das eleições municipais em Araranguá deixou um rastro de dúvida quanta a sua legitimidade, tamanho foi a quantidade votos depositado às urnas em troca de algum benefício. Afinal quem seriam os culpados por tamanha insensatez, os próprios candidatos ou a população. É importante não esquecer que o papel dos vereadores eleitos é fiscalizar os atos do executivo, legislar e fazer cumprir a legislação. Portanto são os representantes do legislativo as principais referências da sociedade quanto a sua postura ética.
Até que ponto a sociedade, especialmente os eleitores que comercializaram seu voto possuem alguma moral para cobrar dos seus candidatos promessas de campanha.  Romper com esse ciclo vicioso de corrupção que contamina as estruturas da sociedade é o único caminho capaz de restabelecer os princípios da dignidade e da justiça. Porém esse é um caminho longo, cheio de obstáculos,  que deve iniciar na família, na educação dos filhos, na postura dos professores frente a seus estudantes e, por fim, em todo conjunto da teia social. No entanto, tais avanços dificilmente serão conquistados  mantendo intactas as estruturas de um sistema de produção econômica que se reproduz e se alimenta com a preservação das desigualdades, das péssimas estruturas nas áreas da saúde, educação, saneamento. É preciso, urgentemente, fazer as pessoas acreditarem que atual realidade é fruto de um processo histórico, construído pela própria sociedade, que não é eterno e, portanto, pode ser revertido com outras formas de organização.
A frente de Esquerda Araranguá, nas eleições municipais de 2012, deu o primeiro passo para a concretização dessa utopia, que poderá ocorrer mais cedo do que se imagina. Foram lançadas as primeiras sementes de um projeto de sociedade que já teve início com o modo diferente de fazer a própria campanha, dispensando super estruturas e investimentos milionários para conquistar a confiança e o voto do eleitor. Uma sociedade justa, solidária, fraterna não se consegue apenas com atos de fé, na esperança de que uma força divina venha do céu e a institua. Não, isso não um projeto pronto, produzido por alguns sujeitos iluminados e aplicados como um passe de mágica. O primeiro passo é exercitar algumas atitudes simples que o regime capitalista dispensou como o diálogo, os encontros coletivos para discutir e procurar soluções dos problemas. O segundo passo é fortalecer os seguimentos populares como sindicatos, associações de moradores, organizações não governamentais entre outros, para que mantenham uma postura de independência frente aos organismos governamentais, atuando como entidades fiscalizadoras e estimuladoras da população no que tange a participação política.
A concretização dessas etapas despertará na população outro sentimento acerca do que seja realmente política, que a mesma não se encontra pronta e que está em construção permanente. Chegar a esse estágio de entendimento significa a ruptura definitiva com as velhas práticas governamentais. Não haverá mais espaço para governos oportunistas, corruptos, que se beneficiam da ignorância da maioria. Portanto, mais uma vez, vale ressaltar, que nada disso se conquista do dia para a noite,  que a ruptura de um sistema se dará pela simples  eleição de um governo popular. È necessário ter os pés firmes no chão, ter consciência de que uma sociedade socialista deve ser construída respeitando as diferenças individuais, porém, todos devem estar inseridos num mesmo projeto ideológico que garanta  condições iguais de acesso aos bens produzidos pela sociedade.     
Prof. Jairo Cezar          

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