sexta-feira, 5 de outubro de 2012


DESTRUIÇÃO DAS FLORESTAS, IMPUNIDADES E O NOVO CÓDIGO FLORESTAL  BRASILEIRO

Estamos às vésperas do dia 8 de outubro de 2012, data da votação da emenda provisória n. do novo código florestal, que para os seguimentos vinculados ao ambiente e o científico, é visto como um dos maiores retrocessos na história ambiental brasileira. O não cumprimento da data estabelecida leva a sua invalidade, retornando a legislação de 1965.
Diante disso, é importante discorrer os caminhos e descaminhos que motivaram os congressistas brasileiros, pressionados por seguimentos do agronegócio, a discutirem a elaboração de um novo código florestal, mais flexível, em substituição ao documento de 1965, como também fazer uma retrospectiva histórica das legislações ambientais brasileiras tendo como ponto de partida o ano de 1934, quando, no governo de Getúlio Vargas, foi sancionado o decreto n. 23.793, que impedia os proprietários rurais de abaterem mais de ¾ da vegetação em seu imóvel.
As transformações no campo econômico, motivada pelos avanços da tecnologia no campo exigia uma profunda reformulação do código florestal de 1934, que já não contemplava as aspirações tanto do mercado como dos demais setores. Nesse momento as políticas propostas por Goulart, que propunham profundas rupturas no campo social foram abortadas em 1964, com a ascensão dos militares no poder. Um novo modelo de crescimento e desenvolvimento econômico é proposto, porém, para sua efetivação seriam necessários implementar algumas reformas de base, sendo uma delas a implantação de um novo Código Florestal. Sua efetivação ocorreu um ano depois do golpe, em 1965, no governo Humberto Caselo Branco, através da lei 4.771, que estabelece 50% de reserva legal na Amazônia e 20% no restante do Brasil e também define onde deveriam estar localizadas as APPs.
     Embora a lei do Código Florestal tenha sido instituída num período de forte restrição popular imposta pela censura e também da quase inexistência de entidades capazes de discutir e propor sugestões para o novo código, o documento poder ser considerado como um grande avanço para a época. Durante a data de sua publicação até o momento várias mudanças foram proferidas, tornando mais restritivo as agressões ao ambiente,  que atendem as aspirações dos ambientalistas, porém, criticado pelo agronegócio que atribuem a responsabilidade pelo  fraco desempenho da agricultura brasileira.
As melhorias no texto base do código foram motivadas por fenômenos climáticos como o de 1989 quando o vale do Itajaí/SC sofreu uma das maiores enchentes de sua história. Acreditando que desastres como o registrado em Santa Catarina tenha sido motivado pela ocupação indiscriminada das encostas dos morros e pela destruição da vegetação ciliar, o governo José Sarney, sanciona a Lei 7.803, expandindo as faixas de vegetação nativa ao longo dos rios, além do mais, determina a averbação da Reserva Legal na matrícula do imóvel para evitar sua divisão.
E os problemas como desastres e crimes ambientais não cessaram mesmo com todas as alterações feitas no novo código. Em 1994, a Amazônia perdeu aproximadamente 30 mil quilômetros quadrados de florestas. A pressão de organizações internacionais exigindo medidas urgentes para coibir tais abusos levou o presidente Fernando Henrique Cardoso a lançar a Medida Provisória 1.511, que aumenta a reserva legal para 80%, reduzindo as reservas legais do cerrado, pertencente à Amazônia Legal, de 50% para 35%. Sem contar que dois anos antes, em 1992, ocorrera no Rio de janeiro a Eco-92, encontro que  estabeleceu acordos multilaterais entre as nações presentes, tendo o Brasil à tarefa de proteger suas florestas.
Estando visível aos olhos de todos que a redução das áreas de florestas cada vez se intensificava, e que a legislação vigente restringia, mas não punia os infratores, em 1999 o Deputado Moacir Micheletto, do PMDB do Paraná apresenta um projeto de lei para desconfigurar a lei existente, defendendo o desmatamento em todos os biomas. De dezembro de 1999 a março de 2000, o Conama, órgão com representação democrática, aprova o novo texto encaminhado pelo deputado paranaense.
A idéia de reforma do código já estava em curso, deixando de ser apenas  proposta, para se tornar projeto de lei. Seguindo esse caminho reformista, em 2001, FHC, com base no texto aprovado no Conama, reedita a MP 1.511, sob o número 2.160. As mobilizações impetradas por setores do agronegócio pressionando o parlamento brasileiro para que fosse agilizada a reforma do CFB, não era vista com simpatia e nem recebia apoio das  organizações de proteção ao ambiente e das comunidades científicas. A apreensão foi ainda maior quando em 2004 e  2005 o Brasil enfrentou dos fenômenos climáticos de proporções devastadores, cujas possibilidades de ocorrência eram, para muitos, consideradas nulas, sendo eles o Furacão Catarina, que atingiu o sul do estado de Santa Catarina em 2004 e a seca na Amazônia em 2005. Como pensar em uma reforma do Código Florestal se a lei que em vigor  estabelece regras rígidas acerca da proteção da floresta amazônica. O problema, portanto não está na fragilidade da lei, mas na omissão daqueles que deveriam respeitá-la.
Mas a expectativa de recuo dos parlamentes na continuidade da reforma do código florestal não se confirmou. Em 2006, o Deputado paraense do PSDB, Flexa Ribeiro, encaminhou projeto de lei sob o n. 6.425/05 à Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados propondo reformar o código floresta. E o alerta do clima às devastações das florestas amazônicas e a atlântica veio agora sob a forma de enchentes e deslizamento que castigaram o litoral catarinense e o vale do Itajaí, atingindo cidades como Rio do Sul, Blumenau e Itajaí. 
Mais uma vez, ficava visível aos olhos de todos, que o código florestal embora sendo uma legislação extremamente avançada não tinha força suficiente para coibir os crimes que devastavam as florestas. O próprio IBAMA, com uma estrutura sucateada, e que tinha como papel fazer de fiscalizar e fazer cumprir a lei recebia denúncias constantes de ter integrantes envolvidos em crimes de corrupção, agravando ainda mais o quadro da ilegalidade no corte e comercialização de madeira em áreas de preservação permanente. Diante disso, em 2008, o governo federal lançou uma série de medidas para intensificar a fiscalização no campo, autorizando o Ministério Publico Federal a tomar atitudes mais rígidas quanto às denúncias de crimes ambientais.
Os proprietários de terras que tivessem sofrido alguma ação criminal durante a vigência da lei, estariam impedidos de proferir empréstimos bancários enquanto não regulassem o seu passivo ambiental. Tais medidas geraram um clima de insatisfação junto aos proprietários rurais, que teriam que se adequar as novas regras de uso dos recursos naturais de forma sustentável. O cumprimento das novas regras incorria em investimentos e custos aos proprietários, porém, daria garantia aos mesmos de que mantendo a produção nas áreas já consolidadas com inovação tecnológica e preservação das florestas existente, proporcionaria ganhos para o proprietário como também o equilíbrio do ecossistema.  
A forte reação dos setores ruralistas pressionando o governo para a supressão imediata  das medidas que obrigavam os produtores rurais a se adequarem ao código florestal, refletiu no congresso com a apresentação de um projeto de Lei n. 5.367/09, do Deputado Federal Valdir Colatto, do PMDB de Santa Catarina, coordenador da Frente Parlamentar Agropecuária, para a criação de um Código Ambiental interpretado pelos ambientalistas como altamente prejudicial para a política nacional do ambiente.  
Porém, a discussão acerca do novo Código Ambiental mobilizou outros parlamentares que devido à importância e complexidade do tema levou na criação de uma comissão especial cuja missão era reunir 11 projetos de lei para alterar o código florestal vigente. O que era apenas uma especulação de bastidores se transformou em realidade quando foi escolhido para relator do projeto o Deputando Paulista do PCdoB Aldo Rebelo, e com forte apoio da maioria dos ruralistas.   
De março a maio de 2010, o relator Aldo Rebelo, realizou audiências no Congresso Nacional e em cidades com forte predominância da agropecuária, sendo as reuniões organizadas pelos sindicatos alinhados a Confederação Nacional da Agricultura.  Após longas discussões com esses setores, em junho do mesmo ano o relator apresenta proposta de desfiguração do Código Florestal. Um mês depois, sem muito debate com os demais seguimentos da sociedade, o documento é aprovado na Comissão Mista do Congresso.

Nesse mesmo ano, novas enchentes atingem São Paulo e Pernambuco e deslizamentos de terra em Angra dos Reis/RJ com inúmeras mortes. Mais uma vez, ficou claro nessas catástrofes a visível parcialidade do poder público e dos órgãos ambientais permitindo a ocupação humana em áreas de riscos. Se a lei do código florestal fosse cumprida na sua integridade catástrofes como essas e outras que ocorreram anos anteriores e com perdas humanas poderiam ser amenizadas.   
Sobre os argumentos apresentados pelos representantes do agronegócio brasileiro justificando a baixa produtividade agrícola à insuficiência de áreas próprias para esse fim, o mesmo não condiz com a realidade, pois, a USP promoveu pesquisa e chegou-se a conclusão de que a área cultivada poderá ser dobrada se as que hoje estão sendo ocupada pela pecuária de baixa produtividade forem relocadas para o cultivo. São aproximadamente 61 milhões de hectares que poderiam ser utilizadas, com manejo sustentável e um melhor aproveitamento das culturas, sem, é claro, afrouxar a proteção ambiental.
Outro argumento muito difundido pelos defensores do novo CF é em relação à cientificidade do mesmo, ou seja, sua construção careceu de bases científicas, portanto sendo o mesmo incompatível ao desenvolvimento econômico. É outra informação errônea, pois entidades como SBPC e ABC defendem a permanência do código atual, considerado eficiente se o mesmo fosse aplicado na sua integridade, em detrimento do que está sendo proposto, que excluíram da sua construção tais entidades, portanto, sem uma sólida base científica.
Pesquisadores vinculados a USP, UNESP e UNICAP encaminharam duas cartas publicadas em uma das principais revistas de circulação mundial, SCIENCE, alertando que a aprovação do novo CF proporcionará o decréscimo acentuado da biodiversidade e o aumento significativo de sete bilhões de toneladas, que representaria 25,5 bilhões de toneladas de gases do efeito estufa, mais de treze vezes as emissões no Brasil no ano de 2007, como também na perda do solo em decorrência da erosão, sem contar, é claro, a intensificação dos desastres naturais, como deslizamentos em encostas e inundações.
Outra justificativa utilizada sobre o código é de que o atual compromete a produção nas pequenas propriedades em decorrência de estarem às mesmas situadas em APPs e que precisa ser flexibilizada. O WWWF fez um levantamento dessas propriedades em cincos estados do sul e sudeste, cuja produção se baseia nas culturas da maçã, uva e café. A conclusão que se chegou foi que o impacto da plicação das APPs é baixo. Menos de 5% da produção  está localizado em APPs de hidrografia e declividade. Entidades como CPT, CUT, FETREF, MAB, MST e VIA CAMPASINA, lançaram texto base afirmando que os pequenos agricultares jamais lançaram manifesto exigindo a redução da reserva legal de suas propriedades. O próprio censo de 2006 deixou explícito que nas pequenas propriedades a ocorrência de preservação do ambiente em prol da agricultura familiar e campesina é maior. Como forma de propor maior aproveitamento das matas preservadas, o MMA, encaminhou resolução autorizando os estados que garantisse maior assistência à agricultura familiar, atendendo os princípios propostos pelo CF.
Fica cada vez mais evidenciado que a pretensão da reforma do CF, sem o maior envolvimento da sociedade e das entidades científicas, tem como propósito  viabilizar a impunidade no campo isentando de multa todos aqueles que desrespeitaram a legislação. O item que trata da anistia aos crimes ambientais estabelece que estarão livres da obrigação de recuperação das florestas, aqueles que cometeram algum crime até 22 de 07 de 2008. Porém, a lei transfere  para as instancias estaduais a responsabilidade pela elaboração de um programa de regularização ambiental, ou seja, os proprietários que desmataram nos últimos 43 anos, terão, num prazo de cinco anos, a partir da aprovação do código e com a participação dos órgãos ambientais estaduais, de promover uma espécie de ajustamento de conduta  Até essa data, todas as multas aplicadas perderão sua eficácia, permanecendo a impunidade. As conseqüências dessa medida são irreparáveis para o ambiente, especialmente para os estados do sudeste e sul, cujas  áreas que margeiam os principais rios foram completamente devastadas, porém só agora começaram a ser recuperadas graças aos ajustes feitos no Código Florestal de 1965
Em se tratando de vegetação ciliar, o novo código reduz de 30m para 15m a extensão que deve ser protegida para rios de até 10 metros de largura. O que preocupa quanto a esse item é a inexistência de critérios diferenciados para os diferentes biomas, pois cada região possui peculiaridades, cujas metragens teriam que ser diferentes. Um exemplo para elucidar esse item, é o código florestal de Santa Catarina que reduziu o tamanho de todas as APPs de beira de rio, independente de estudos técnicos e das peculiaridades. Sobre as Reservas Legais nas propriedades, o novo código retira a obrigação dos proprietários de recuperar florestas cujas áreas não ultrapassem a quatro módulos fiscais. No Brasil, dependendo da região essa unidade de medida poder variar de 5 a 100 hectares. Portanto, propriedades de até 100 hectares serão isentas de recuperação. O argumento utilizado é que propriedades com tais medidas são ocupadas pela agricultura familiar e que obrigando a recuperação da RL comprometeria a sua manutenção.
Esse dispositivo da lei abre brecha para as propriedades acima de quatro módulos  que deverão se adequar as normas. Poderá haver um aumento significativo de ações nos cartórios públicos propondo a fragmentação das grandes propriedades, fugindo da obrigatoriedade de recuperar a RL, como também a aquisição de terras dos pequenos proprietários para não terem qualquer área preservada em toda a extensão de seu empreendimento.  De acordo com dados o INCRA, a isenção da reserva legal afeta cerca de 135 milhões de hectares de propriedade e posses rurais em todo Brasil. estima-se que mais de 30 milhões de hectares de florestas, sendo pelo menos 20 milhões na Amazônia, perderão a proteção da reserva legal e terão seu desmatamento estimulado pela falta de governança na região.
A redução da Reserva Legal da Amazônia legal de 80% para 50% e de 35% para 20% no cerrado é visto como um grande retrocesso em termos ambientais. Mais uma vez, o argumento defendido é que a lei em vigor restringe a atividade agrícola e o próprio desenvolvimento da região norte do Brasil. O que não é  explicitado é que o próprio Código em vigor permite por meio da ZEE (Zoneamento Ecológico Econômico) e com aptidão agrícola, reduzir as áreas do imóvel para 50%, em consonância, é claro, com as normas ambientais. 
Em relação a RL, a lei que está tramitando permite que o proprietário caso tenha desmatado toda vegetação em área de reserva legal, adquira através de compra terreno com a mesma proporção em outro estado ou bacia hidrográfica, compensando assim o desmatamento feito no seu bioma de origem, não necessitando recuperá-lo. Poderá também o infrator compensar o crime cometido sob a forma de doação em dinheiro para um fundo que será destinado à regularização de unidades de conservação.  
Acredita-se que um dos pontos positivos da lei que está tramitando seja a decretação de moratória de desmatamento de florestas nativa por cinco anos. Porém a lei não valeria para aqueles casos em que o proprietário solicitou antes da sua promulgação. Portanto, após sua promulgação uma enxurrada de processos será encaminhada à justiça solicitando a anulação desta já combalida moratória tornando o desmatamento legalizado. Também não está clara a definição de florestas que refere à moratória. O conceito bioma não é utilizado no projeto de lei, o que gera diferentes interpretações e uma grande insegurança jurídica. Mais uma vez é preciso ressaltar que a obediência ao Código Floresta em vigor é essencial para o cumprimento das metas internacionais de redução da emissão de carbono, além de ser uma medida fundamental às mudanças climáticas.
A proposta de reforma do código florestal encabeçada pelo deputado do PCdoB, Aldo Rebelo, poder mudar a história de avanços obtida com a legislação em vigor sobre o meio ambiente, com riscos de danos permanentes ao patrimônio ambiental brasileiro.
Prof. Jairo Cezar

Nenhum comentário:

Postar um comentário