segunda-feira, 11 de julho de 2011

Magistério Público Catarinense: história de lutas em prol da profissionalização.
Para compreender a atual realidade da educação pública catarinense, seus mandos e desmandos, se faz necessário retornar as primeiras décadas do século XIX, quando foram lançadas as primeiras normatizações visando regularizar a instrução pública catarinense, em especial a carreira do magistério.  Foi, portanto, nesse cenário que apareceu a figura do (a) professor (a), que comparada as demais profissões da época, “bacharel”, médico, etc, não se atribuía ao mesmo nenhuma expectativa de sucesso; a sociedade e a classe política o  encaravam com desprezo, desdém, isso poderia ser confirmado através do número ínfimo de professores(as) habilitados que exerciam a função, pois a maioria dos “educares” era composto por cidadãos (ãs) leigos(as) e religiosos(as).
 Por outro lado, paradoxalmente, os poderes públicos constituídos, tanto do império quanto das províncias, admitiam que, para o desenvolvimento sócio econômico do Estado, a resposta estaria assegurada com investimentos em educação.  Para chegar a este patamar de progresso, caberia ao governo imperial destinar expressiva parcela dos recursos à melhoria da instrução elementar, atendendo particularmente as províncias com maiores dificuldades financeiras, a exemplo da província de Santa Catarina.
O regime imperial admitindo ter dificuldades em atender as reivindicações provindas das  diversas províncias brasileiras, como forma de reduzir o fardo no qual estava submetido, instituiu o Ato Adicional de 1834, que dentre as inúmeras atribuições, concedia às províncias autonomia para regular a instrução pública elementar e secundária.  Esse dispositivo adotado ao ensino da época no qual denominamos de descentralização educacional pode ser comparado as políticas dos atuais governos estaduais que vem promovendo um profundo desmonte das estruturas educacionais através da municipalização do ensino, dando-lhes autonomia política e financeira para gerir o ensino fundamental, como forma de reduzir o ônus financeiro estadual.
Na primeira metade do século XIX, com o crescimento demográfico da província catarinense, houve  certa pressão social para que o governo provincial regulamentasse a estrutura educacional pública, com a criação de normas que estimulassem o ingresso de cidadãos ou cidadãs à carreira do magistério. Nesse período, desconhecia-se legislação específica que assegurasse algum direito aos mesmos. Sendo assim, em 1836, a província aprovou a primeira resolução, priorizando a carreira funcional docente do ensino primário.
Mesmo com tais regulações, as condições funcionais das escolas e os salários recebidos pelos professores (as) permaneciam irrelevantes. Nos primeiros concursos de acesso ao magistério, cuja escolha ocorria nas dependências da Câmara Municipal da capital com a presença do presidente da mesma e de um ou mais vereadores, poucas foram as vagas preenchidas. Nesse sentido, como medidas paliativas, para ocupar as vagas não preenchidas, o presidente da Câmara contratava professores interinos ou Acts (Admitidos em Caráter Temporários) como conhecemos hoje. Porém, na época, o/a candidato à vaga não era obrigatório comprovar formação, apenas deveria demonstrar habilidades nas primeiras letras e números.
Como vem ocorrendo atualmente com os Acts, na época, o número de professores/as interinos/as era superior aos concursados/as. Como não apresentavam estabilidades funcionais, os não concursados eram submetidos a toda forma de pressão ou perseguição política, que já ocorria na própria sala do presidente da Câmara, na Capital.  A fragilidade funcional do/a professor (a) era tamanha que, mesmo o concursado ou o contratado interinamente, tinha o seu contrato interrompido a qualquer momento, dependendo das circunstâncias ou do seu comportamento no decorrer da suas funções.
Com referência aos documentos pesquisados, tanto em Santa Catarina como nas demais províncias, o magistério público, no seu início, era composto na sua maioria por pessoas do sexo masculino. Em decorrência dos péssimos salários recebidos que os impossibilitavam de sustentar suas famílias, o magistério deixou de ser função eminentemente masculina, transformando-se em oportunidades ocupacionais para o sexo feminino. Por ser a mulher a genitora e educadora dos (as) filhos (as), ou seja, algo interpretado como “vocacional”, seu ingresso ao magistério gerou otimismo por parte do Estado, pelo fato de ser  transferida à ela a incumbência de formar as almas dos (as) novos (as) cidadãos (ãs), cuja inspiração partiria de uma moral cristã.  
Para que esse sistema pudesse ser reproduzido, o Estado construiu fortes aparelhos de controle social, representados, principalmente pelos três poderes, o legislativo, o executivo e o judiciário. Sendo o magistério uma instituição pública, historicamente percebemos que o mesmo sempre esteve à mercê não do Estado, como instituição representativa da sociedade, mas dos partidos ou grupos políticos que compõem este poder. Portanto, a escola que deveria a priori se caracterizar como pública (povo) se transformou em uma estrutura de  grupos políticos hegemônicos, detentores do por.  
Durante décadas os/as trabalhadores/as da educação, mesmo tendo havido conquistas irrisórias como a efetivação de concursos de ingresso, a lisura dos mesmos sempre foi motivo de questionamento. Em relação as escolas e a infraestrutura pedagógica, a precariedade era visível. Não  haviam escolas suficientes para atender a demanda estudantil, como medida paliativa o próprio Estado/governo autorizava os/as professores/as contratados/as a alugarem as suas próprias residências para que fossem transformadas em salas de aulas. No final século XIX, mais precisamente por volta de 1880, os (as) professores (as) tinham garantia da sua inamovibilidade, isto é, poderiam permanecer no local de trabalho durante o período que lhes convier.
 É claro que, para a remoção ou permanência para outro local de trabalho, o apadrinhamento político era o que determinava. A efetivação do/a professor (a) não era sinônimo de estabilidade ao cargo. Essa condição, também caracterizada de vitalicidade, somente era concedida aqueles (as) que estivessem exercendo o magistério há seis anos, sendo necessário, para sua confirmação definitiva, o parecer das “autoridades competentes”.
Outro direito não assegurado aos (as) trabalhadores (as) da educação era o de aposentadoria ou jubilação.  Somente teria o benefício, o membro do magistério que estivesse  há 25 (vinte cinco) anos em exercício e 60 (sessenta) anos de idade. Porém, não poderia o (a) mesmo (a) ter sofrido advertência por escrito, bem como, de provar através de junta médica, ser portador (a) de moléstia crônica ou incurável. Fatos como esse nos leva a admitir que o (a) professor (a) pouco ou quase nada  se distinguia do (a) escravo (a) cativo (a), submetido (a) as ordens de seu proprietário. Sendo assim,  era o (a) professor (a),  cativo (a) do estado, que o explorava incondicionalmente.
Essa condição de servidão instrucional, não teve mudanças significativas com a Proclamação da República. Embora fosse institucionalizada novas leis garantindo certos benefícios, as condições de trabalho e as remunerações  percebidas demonstravam que os discursos apresentados pelos governos em defesa da educação, não tinham qualquer  ressonância com a realidade.
Com a República, os novos administradores públicos proferem discursos priorizando a educação, como foi demonstrado pelo do governador Manoel Joaquim Machado, que promulgou a primeira lei republicana, em 1892, prevendo a organização do ensino público catarinense. No seu discurso dizia: É por isso que penso ser dever d’ aquelles que governam, subordinando todos os princípios a esse tão alto assumpto, ter como seu principal programma a instrucção da mocidade, que, no dizer de um profundo pensador, é o orgulho e a riqueza de um paiz”. 
Sobre remunerações, em 1894, o governo lançou legislação estabelecendo as políticas de remuneração dos (as) professores (as) do ensino elementar. O que chama atenção nessa normatização foi em relação as gratificações concedidas aos (as) mesmos (as), sob a forma de “mérito” ou meritocracia, como conhecemos hoje. Para ter direito a esse prêmio, o (a) professor (a) deveria estar em exercício há 15 anos, ser submetido a uma prova de qualificação, demonstrar assiduidade, moralidade e aproveitamento dos/as alunos/as, comprovados por documentos perante ao governador. O prêmio auferido seria de 480 réis, anualmente, ao ordenado. Se tomarmos como exemplo o(a) professor (a) provisório ou act, que lecionava nas freguesias,  como e fosse em Araranguá, cuja remuneração total chegava a 600.000 ( seiscentos mil réis), a gratificação recebida era insignificante. Mesmo porque, o custo de vida na época era extremamente alto. Para exemplificar, o valor da lata de óleo de soja era de 2.500 réis.
Mas, em se tratando de mudanças substancias no sistema educacional catarinense, em 1910, podemos admitir que foi  ano em que o ensino catarinense adquiriu uma conotação  pública, onde foram definidos os níveis e as modalidade de ensino. O Estado passava atuar não somente na instrução elementar como também no ensino secundário. Portanto, a lei 846 de 1910, autorizava o Estado a edificação e a  coordenação das escolas ambulantes, isoladas, os grupos escolares e escolas normais.
Com a implantação das Escola Normais, muitas das quais anexadas aos Grupos Escolares, os/as interessados/as a ingressarem à carreira do magistério, não necessitavam mais se deslocarem à capital do estado para estudarem. No entanto, em Araranguá, o curso de magistério somente foi oficialmente implantado em 1956, nas dependências do Colégio Madre Regina, fundado pelas irmãs da Congregação de Santa Catarina.
Embora se considerasse a lei n. 846/10 como marco para educação pública catarinense no começo da República, as condições salariais, profissionais e pedagógicas não teve avanços significativos. O que se viu no período foi o total desleixo para com as escolas situadas fora das cidades, ou seja, as escolas rurais. Expressiva parcela do orçamento público catarinense era direcionada à construção dos grupos escolares, verdadeiros templos do desperdício do dinheiro público. Poucas foram as cidades catarinenses privilegiadas por tais edificações.
Para o imaginário social da época, especialmente para aqueles que detinham o poder político, a suntuosidade dos grupos escolares, denotaria progresso, modernidade, aqueles que os vissem. Além do mais  a certeza que Santa Catarina havia se enquadrado no viés cultural evolutivo, uma pré-condição do preceito republicano. No entanto, essas construções serviam de fachada para encobrir a real face da instrução catarinense, tomada pela  escassez de escolas. As existentes, no entanto, apresentam quadro infraestrutural desolador, com professores despreparados, mal pagos, escassez de material didático e a politicagem correndo solta. 
O maior "desejo de consumo"  do/a professor/a na época pesquisada era lecionar em um grupo escolar. Pois além de status,  garantia também ao membro do magistério remuneração melhor que de escolas isoladas. No grupo escolar, o salário pago era de 2.400.000 (dois milhões e quatrocentos mil réis), enquanto que nas escolas isoladas, a remuneração chagava a 1.080.000 (um milhão e oitenta mil réis), um diferença que ultrapassava os 50%.
Dispositivo incluído na legislação de 1910 determinou que fosse criado o cargo de Inspetor Escolar. A remuneração a esse profissional já mostrava o tamanho da importância esse órgão à condução da instrução pública catarinense.   Além das diárias, o inspetor tinha uma remuneração de 3.000.000 (três milhões de réis/mês). O inspetor escolar foi uma espécie de “olhos e ouvidos do governador”, cabendo a ele inspecionar a atuação dos/as professores/as e a aplicação de sanções aos que descumprissem as regulamentações.

O que se percebeu quanto ao posto de inspetor escolar foi que sua criação se deu como estratégia de repelir qualquer forma de resistência aos insurgentes no interior das escolas. Sendo a grande maioria dos/as professores/as não concursados, ou seja, apenas contratados/as temporariamente, sua permanência ao cargo estaria condicionada ao regimento da escola permanentemente conferido pelos inspetores. Qualquer falta sem justificativa ou atitude que demonstrasse riscos aos “bons costumes”, seria o/a professor/a submetido/a a um ato inquisitório, podendo resultar na exoneração dos/as mesmos/as.
O cargo de Inspetor Escolar, portanto, pode ser comparado hoje ao cargo de Gerente Regional de Educação, exercido por um cidadão (ã) que tenha comprovadamente prestado excelentes serviços ao partido político que dá sustentação ao governo. Sua função é fazer cumprir as normatizações advindas do poder central. Para assegurar que as deliberações encaminhadas sejam cumpridas, o governo, tem sob sua   égide as unidades escolares por meio de gestores ou diretores escolares.
Na realidade, o que se vê, quando da indicação desse indivíduo, não é levado em consideração critérios como capacidade de gestão e competência. O mais absurdo nisso é que todas as escolas públicas estaduais  são “loteadas” entre vereadores ou  diretórios partidários que garantem sustentação política ao governador. São eles, quem  definirão quem e qual a escola o diretor irá assumir. Muitas vezes o critério de escolha está na quantidade de votos que o candidato ao cargo conseguiu obter para o partido vencedor das eleições.
 Chegando ao final do século XX, o magistério continuava mergulhado nos mesmos dilemas de mais de cem anos atrás, quando da institucionalização do magistério. Escolas depredadas, desvios de recursos para a educação, salários aviltantes, influência partidária ou apadrinhamentos políticos nos processos de gestão das escolas, são os episódios mais comuns. Por outro lado, como  fator positivo, os/as trabalhadores/as da educação, adquiriram maior consciência da situação de sujeito explorado, que fez desencadear o desejo de organização de classe. Foi a partir do início da década de 1980, que foi criado o SINTE (Sindicato dos Trabalhadores em Educação), transformando-se  posteriormente  um dos principais movimentos de luta e resistência da categoria, vindo a proporcionar nos anos vindouros em conquistas de direitos, além de caráter mais profissional ao magistério.
Admite-se que, após quase 200 anos, quando da institucionalização do magistério catarinense, a atividade docência vem assumindo uma conotação mais profissional, reconhecida e respeitada pela sociedade, menos, é claro, pelo Estado, que reluta tratar os/as profissionais da educação com desdém, sujeitos cativos, subalternos. É necessário romper esse atraso secular que perpetua sobre as instituições públicas do Estado, dentre elas a educação. Um Estado que para manter  sua hegemonia política, insiste em se “apropriar” do sistema educacional, utilizando-o como plataforma  para perpetuar-se no poder.
Argumentos adotados pelos governos tanto no século XIX como durante a República, justificando a educação como redentora do atraso social, não merece ser considerado. Paradoxalmente, o sistema econômico em vigor, ou seja, o modelo econômico capitalista, sua existência depende da perpetuação das desigualdades sociais. Nesse sentido, todos os governos que representam regimes políticos que se alimenta das  desigualdades sociais, tenderão sempre construir regras de conduta semelhantes às escolas do passado, limitando ao máximo a autonomia dos que lá atuam. 
Durante os períodos em que o magistério paralisou suas atividades em defesa de direitos conquistados, couberam aos governos como estratégia, desviar o foco da luta da categoria, tentando desse modo, enfraquecê-los ou fazê-los com que concentrassem suas energias em pautas ou reivindicações de direitos já consolidadas em outros momentos. Esse é o caso, por exemplo, de um direito conquistado há aproximadamente 30 anos, quando mediante uma paralisação que ultrapassou os 60 dias, obtiveram um dos direitos mais almejados, o plano de carreira, que asseguraria entre outras, a gratificação por regência de classe.
Acreditando, quem sabe, na “ingenuidade” ou desatenção dos educadores, o governo, como num passe de mágica, reduz os valores das gratificações, utilizando-se mais tarde como moeda de troca nas negociações. O piso que era o tema central do movimento se transformou em tema secundário. A expressiva parcela dos trabalhadores, percebendo-se do golpe montado pela equipe governamental, disseram não à manobra, decidindo a manutenção da paralisação.
Mesmo não obtendo o que queríamos como a implantação integral do piso e um plano de carreira justo, o importante é mostrar para o governo e para a própria sociedade que os trabalhadores em educação jamais serão ludibriados por promessas falsas. A consolidação da profissão docente somente será garantida por meio  de posições como que foram tomadas na assembléia da categoria em 06 de julho de 2011.  Não são os governos que determinam quando temos que iniciar ou finalizar um movimento grevista. São os próprios (as) trabalhadores (as) que decidem, pois sindicato não é a direção nem o comando de uma entidade, sindicato são todos trabalhadores integrados a um único propósito, a conquista e defesa dos direitos da classe.
Não podemos permitir que uma entidade como a do sindicato dos trabalhadores da educação seja utilizado por oportunistas que a utilizam para benefício próprio ou de grupos atrelados a certos partidos políticos. A construção de um sindicato verdadeiramente representativo não está na desfiliação ou crítica vazia, como muitos defendem. Atitudes como essa em nada contribuirá para a politização da categoria. O que temos que fazer é fortalecer a entidade, concentrar esforços na formação política de todos os trabalhadores sindicalizados ou não, e, erradicar os parasitas “educadores” que, durante décadas, se alojaram no interior da entidade, muito dos quais jamais retornaram às salas de aula.  
É imprescindível reconstruir a unidade da categoria, mas para isso é preciso repensar que tipo de sindicato é este que nos representa. Afinal, sobre a atual coordenação, quem realmente está representando. Não são os trabalhadores como estamos constatando. É visível a manipulação dos trabalhadores por parte do comando. Nega-se ou distorce informações importantes destinadas à base. Procura-se de todas as formas, muitas vezes de forma sutil, lançar opiniões tendenciosas objetivando fazer com que os trabalhadores tomem posições de acordo com que o grupo defende.
O sentimento que perpassa entre todos/as é  que temos dois inimigos à enfrentar: o governo, com suas políticas de “desprofissionalização” do magistério, e da própria executiva do Sinte estadual, que vem demonstrando extrema fragilidade na condução de uma entidade construída com muita luta e respeitada por toda a sociedade catarinense. A greve do magistério não é apenas por cumprimento de lei, ela é, além de disso, um momento oportuno para que os/as trabalhadores/as parem e reflitam acerca da sua condição de ser, seu papel junto a sociedade, sua condição de trabalhador explorado, de mão de obra barata para o mercado. 
Nosso papel em sala, o que falamos, o que ensinamos, nossas atitudes, entre outros, são determinantes na construção de um novo olhar do planeta no qual habitamos. Acredito que a partir de agora as aulas dos/as professores/as que estiveram na greve não serão mais as mesmas, se sentirão mais livres para pensar e escolher o que transmitir ao seu aluno, deixarão de ser repressores e farão de tudo para que todos ao seu redor busquem a liberdade.   
 Prof. Jairo Cezar