A APROVAÇÃO DO FUNDEB ESCANCARA A PERVERSIDADE
DO ATUAL GOVERNO FEDERAL PARA COM A EDUCAÇÃO PÚBLICA
Depois
do longo e tenebroso período do regime militar, o começo conturbado da
redemocratização política, finalmente uma nova constituição mais cidadã foi
promulgada trazendo esperança de dias melhores para milhões de brasileiros. O
primeiro passo, naquele momento, era reestruturar a combalida educação
destroçada pelo sanguinário regime militar. Teve início, portanto, uma densa
luta envolvendo inúmeros segmentos da
sociedade esperançosos por um projeto de educação que fosse capaz de tirar o
Brasil da histórica condição de subserviência aos mandos do capital
internacional.
Para
um país como o Brasil dominado por poderosas oligarquias que sempre estiveram
no comando das decisões, seria quase que inimaginável almejarmos outro modelo
de educação que pudesse fragilizar as estruturas desse poderoso sistema. Foram
anos de intensos debates e mobilizações da categoria dos professores para que
fosse assegurada no texto final garantias mínimas à uma educação digna à todos/as
os brasileiros/as.
No instante em que o tema LDB estava sendo
discutido no Congresso Nacional, eu fazia parte da coordenação do SINTE ( Regional
de Araranguá). Para resistir e se opor aos possíveis “jabotis” embutidos no
texto base da proposta, era necessário mobilizar a categoria,
instrumentalizando-os com o máximo de informações técnicas acerca do novo
modelo de educação pretendido para o Brasil. Foram inúmeras reuniões,
palestras, nas escolas e em outros ambientes, contendo dezenas, centenas de
participantes, ansiosos para entender como ficaria a educação e a vida dos
professores a partir da aprovação do projeto.
Em
dezembro de 1996, o documento conclusivo da LDB foi sancionado pelo governo federal,
que resultou na lei n. 9394/96. Não foi um texto esperado pela categoria,
revolucionário, porém avançara em alguns aspectos, como definir a educação como um direito
universal. Antes da aprovação da lei, em
setembro de 1996 uma emenda constitucional foi sancionada , a EC n. 14, que
determinou a criação do FUNDEF (Fundo Para o Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e Valorização dos Professores).
Essa emenda foi regulamentada em dezembro do mesmo ano, com a lei n.
9394/96. O fundo se tornou um dispositivo importante, pois asseguraria o equilíbrio no financiamento da educação
fundamental, dos seis aos 14 anos.
Cada
município, estado, seria criado um fundo com recursos provenientes de vários
impostos. Esse valor seria rateado proporcionalmente ao número de estudantes
matriculados nas redes de ensino público. Os estados e municípios mais ricos,
com maior arrecadação de impostos, financiariam os mais pobres. Esse modelo
reduziu os profundos desníveis educacionais no território brasileiro. Não
significa que com o FUNDEF os problemas
das desigualdades sociais tenham desaparecidos.
Nada
disso. O que vale ressaltar é que pela primeira vez no Brasil foi criada uma
lei que abriria caminhos para uma possível transformação social e econômica.
24 anos depois da homologação da LDB, o que se vê ultimamente é
um espantoso ataque à legislação, quase que um esquartejamento, trazendo à luz
o fantasma de um retrocesso de dimensões catastróficas. Desde a sua homologação da LDB, o documento
sofreu alterações substanciais através de emendas inclusivas e supressivas.
Dentre
os itens incluídos na legislação podemos destacar: 1) a
aprovação da lei n. 10.639/2003 que tornava obrigatória a inserção no currículo
das redes de ensino a temática história e cultura afro-brasileira; 2) a
ampliação do ensino fundamental para nove anos, sendo obrigatório a partir dos
seis anos; 3)na criação do FUNDEB, por meio da EC 53, que estendeu o direito ao
financiamento, estudantes do ensino infantil ao médio.
Outras
normatizações foram elaboradas, entretanto, a que gerou longos e frenéticos
embates foi, sem dúvida, o PNE (Plano Nacional de Educação), aprovado em 2014.
Esse plano, com prazo de conclusão em 2024, apresentou um complexo conjunto de
metas e ações que afetaria toda a estrutura educacional, do pré ao ensino
superior. Entre os vários tópicos contidos no plano, que possivelmente não se concretizará,
como outros tantos itens, é a transferência de 10% do PIB para a educação, hoje
não chegando a 5%.
Mas,
o desmonte traiçoeiro na educação pública brasileira se descortinou mesmo, com
o famoso golpe arquitetado pela elite entreguista, que levou ao poder Michel
Temer. Bastaram dois anos de governo para que um verdadeiro desarranjo se
sucedesse na educação. A aprovação da nova BNCC (Base Nacional Comum
Curricular) e a reforma do Ensino Médio, ambos se qualificaram como verdadeiros
golpes a legislação que trouxe expectativas para milhões de brasileiros, acreditando
na possibilidade de um Brasil menos desigual e mais justo.
O
início do mandato de Jair Bolsonaro já
dava sinais de que teríamos dias muito difíceis pela frente. A todo instante o
presidente protagonizava fatos polêmicos, deixando explícito o seu interesse em
fragilizar as instituições republicanas, hábito corriqueiro de governos
autoritários. Não seria diferente o comportamento do presidente no trato de
assuntos complexos como diversidade de gênero e sexualidade, que sempre buscou classificá-los como tabus, criminalizando todos que defendessem a causa.
Parcela
dos ministros escolhidos por Bolsonaro apresentaram um perfil similar ao seu,
despreparo e protagonizadores atos confusões e constrangedores. No ranque da
lista dos ministros evolvidos em episódios nada convencionais à altura do cargo
estiveram: a ministra Damares Alves, que ocupa a pasta do ministério da Mulher,
da Família e dos Direitos Humanos; o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente,
e Abraham Weintraub, da Educação. Cada um a seu modo, provaram que somente num
governo do perfil do atual, poderiam fazer o que fizeram.
Mas
é na educação que daremos mais destaques nesse texto. O ano de 2020 se
descortinou como sendo decisivo para o futuro da educação pública, pelo fato de
que em dezembro do corrente ano, expiraria a validade do FUNDEB. Desde o início
do governo Bolsonaro, em 2019, era compromisso do ministério da educação e do
próprio governo promover discussões com a sociedade sobre esse fundo tão
importante e decisivo para o futuro da educação brasileira.
Um
governo em que em menos de dois anos de mandato, quatro ministros sucederam a
pasta do MEC, não é surpresa de não ter havido qualquer debate ou proposta por
parte dos integrantes da pasta. Ricardo Vélez, desde o começo do mandato, que
durou três meses, se deteve em assuntos fúteis como recomendar o canto do Hino
Nacional nas escolas, bem como a leitura de uma carta contendo o slogan de
Bolsonaro. Outra pérola protagonizada pelo ministro foi quando afirmou que a universidade
foi criada para uma elite intelectual.
Mas,
o campeão em absurdos cometidos em um ano e meio de ministério foi, sem dúvida,
o substituto de Vélez, o cidadão Abraham Weintraub, mostrando incapacidade de
gestão de um ministério tão importante como o da educação. Não há como em um
simples artigo discorrer tamanha quantidade de fatos bizarros cometidos, que
poderia também servir de roteiro para um filme pastelão. Entretanto, o estopim
decisivo que resultou na sua demissão foi o pronunciamento feito em uma reunião
ministerial no dia 22 de abril de 2020, quando afirmou que os ministros do STF
são uns vagabundos, que deveriam ir para a cadeia.
Para
tentar apaziguar os ânimos com o STF, quem sabe até garantir a permanência no
cargo, frente às denúncias que tramitam na corte suprema de possíveis envolvimentos
em crimes políticos, decidiu exonerar o ministro da educação. Para seu lugar
escolheu outro nome, porém, não foi empossado. O motivo foi fraude no
currículo. O postulante ao cargo descreveu no currículo que possuía doutorado, informação
que foi refutada pelo reitor de uma universidade argentina, onde estudou. A verdade
é que embora tenha concluído os créditos obrigatórios do doutoramento, o mesmo
não defendeu a tese. Esse episódio gerou
um clima de constrangimento no palácio do planalto, gerando críticas de todos
os lados, ao ponto do presidente cancelar a posse.
Era
preciso, portanto, e com urgência, procurar um novo nome à altura da
importância do cargo. Havia suspeita de que pudesse ocorrer no ministério da
educação algo similar ao ministério da saúde, cuja pasta foi entregue a um
interino, sem formação e experiência na área da saúde. Depois de tantas
turbulências e incertezas envolvendo o ministério da educação, finalmente um
quarto nome foi escolhido para a cadeira do MEC. Tratava-se de um pastor da
igreja presbiteriana, com mestrado e doutorado e professor da Universidade Mackenzie.
No
instante que o nome do quarto ministro foi divulgado, as redes sociais e outros
sites jornalísticos não pouparam criticas ao ministro por vídeos divulgados,
onde o mesmo defendia argumentos ultrapassados no processo pedagógico. Dos
inúmeros argumentos polêmicos defendidos pelo ministro, o que merece ser
destacado é quanto à educação das crianças, que para ele “a dor deve ser usada
para educar crianças”.
Como
forte defensor das políticas ultraconservadoras do presidente Jair Bolsonaro,
na paste do ministério da Educação, o novo ministro tenderá a executar tudo o
que for conveniente ao programa de desmanche da educação pública. A posse
coincidiu com as tratativas para a votação do novo FUNDEB. Na mesma semana em que
foi empossado ao ministro da educação, o mesmo foi excluído do papel de
coordenador dos debates do novo FUNDEB. Paulo Guedes, ministro da economia, foi
quem fez a interlocução do executivo com o congresso nacional.
Desde
o momento em que Jair Bolsonaro assumiu o posto de Presidente da República,
todos os integrantes do governo sabiam que o FUNDEB iria expirar em dezembro de
2020. Nenhum dos ministros que estiveram à frente da educação, bem como o
próprio presidente da república, ambos procuraram negligenciar ao máximo o
tema. No entanto, os debates no congresso e em outros segmentos sobre o fundo
vêm acontecendo desde 2015. Uma das principais proposições para o FUNDEB era
torná-lo permanente, além, é claro, elevar o fundo de 10% para 20%.
Como
já é costumeiro nesse governo de irresponsáveis, faltando uma semana para a sessão
de votação na câmara, o presidente enviou proposta para tentar fragilizar ainda
mais o Fundeb. Defendeu até que o fundo fosse implantado somente em 2022. Se
essa proposta fosse acatada, a educação pública sofreria um apagão em 2021,
isso porque milhares de municípios não teriam condições para gerir suas
escolas, pois dependem de repasses do FUNDEB.
A
expectativa agora era como se comportariam os parlamentares governistas durante
a votação. O resultando do painel surpreendeu a todos, 499 parlamentares votaram
a favor do projeto da relatora professora Dorinha, do DEM, Tocantins. Sete
foram os deputados que votaram contra a educação pública. O projeto aprovado em
primeiro turno na câmara definiu que o FUNDEB será agora permanente, que
passará de 10% para 23% até 2026. Isso significa que em 2026 o gasto mínimo por
aluno/ano passará de 3.427 reais para 5.508 reais, um acréscimo de 61%.
O
governo propunha que parcela do fundo, 5%, equivalente a 6 bilhões de reais,
fosse transferido para um programa assistencial que criaria para substituir ao
bolsa família. Essa proposta foi
refutada. No plano aprovado, há um dispositivo no qual determina a
transferência de recursos extras na ordem de 2,5% para os municípios que
obtiverem bons resultados nas avaliações.
O programa estabelece um prazo de dois anos para os estados aprovarem legislações
específicas que definirão estratégias de repasses de parcelas do ICMS para os
municípios, com base nos resultados.
Além
dos sete deputados que votaram contra a elevação do fundo à melhoria da
educação, outros sete governadores, incluindo o do estado de Santa Catarina,
assinaram termo se opondo ao projeto da professora deputada Dorinha. Agora é
esperar. Quem tinha alguma dúvida acerca do mau-caratismo desse governo, com a
tentativa frustrada de inviabilizar a aprovação do texto do FUNDEB que
favorecerá a educação pública, escancarou a terrível obscuridade que todos
estamos expostos nos próximos dois anos.
Prof.
Jairo Cezar
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