ATACAR AMBIENTALISTAS POR DEFENDEREM O FRAGIL ECOSSISTEMA DO MORRO DOS
CONVENTOS SÃO TÁTICAS ADOTADAS PELO PODER PÚBLICO E O SEU ÓRGÃO AMBIENTAL PARA SE EXIMIREM DE CULPA DE INFRAÇÕES AMBIENTAIS COMETIDAS NAQUELE BALNEÁRIO
Em
12 de junho de 2022 a Oscip Preservação do Morro dos Conventos entregou
manifesto a membros da executiva do Partido dos Trabalhadores de Araranguá para
que proferissem moção de repúdio a integrantes do legislativo local por incitar
a população à violência contra ecologistas no Balneário Morro dos Conventos. O
motivo da revolta do executivo e do legislativo municipal se deu em decorrência
de uma ação de embargo ajuizada pelo MPF, sucursal Tubarão, contra um cidadão
que realizou edificação em área de APP. E não foi somente esse o embargo
ajuizado, outros ocorreram como o que envolveu o poder público por supressão de
vegetação nativa para a abertura de rua naquele balneário.
Até
o momento não se tem notícia de que o partido dos trabalhadores ou mesmo o
próprio vereador e presidente da sigla, Jair Anastácio, tenha se manifestado
repudiando tais atos violentos contra aqueles que lutam para que o Morro não
seja completamente entregue para a especulação imobiliária. Não demorou muito
para que o Balneário outra vez aparecesse nos noticiários, envolvido em outra
polêmica, dessa vez o objeto que ocupou a atenção dos araranguaenses foi o Deck
construído junto a orla do Morro dos Conventos. O que mais chama a atenção
nesse e em outros fatos similares, é o modo como a imprensa se encarrega de
divulgá-los, com a explícita intenção de polemizar, provocar a ira da
população, demonizar qualquer um que se atreva contrariar.
Um
exemplo de manchete com nítido toque de maldade em relação ao fato em questão
foi essa publicada por um Jornal de Araranguá: “ordem do MP pela retirada do
deck do morro dos conventos gera contestações”. Analisando o documento enviado
pelo MPF o que se pede é a supressão do Deck construído indevidamente sob área
de restinga antropisada em frente a uma edificação particular, bem como
retirada de uma das passarelas construída sobre as dunas frontais por causar
impacto aquele ecossistema. Viram quanta diferença no que o MP pediu e o que a
imprensa relatou.
O
modo como os fatos relativos ao Morro dos Conventos são apresentados, as
insistentes intervenções da Polícia Ambiental, Ministério público estadual e
federal, contra crimes ambientais ocorridos, o que impressiona é a postura do
poder executivo e da fundação ambiental, sempre na posição de vítimas, jamais
assumindo a responsabilidade por infrações cometidas. Terceirizar culpados,
principalmente de ambientalistas e demais cidadãos por exercerem seus papeis
constitucionais de agentes fiscalizadores do meio ambiente, tem se tornado estratégias
bem sucedidas das últimas administrações como forma de se eximir de
responsabilidades.
Diante
das notícias divulgadas de que o MPF teria exigido que Poder Público e a Fama “demolissem”
parte do Deck em área não permitida e que fosse suprimida uma das passarelas
por estar em inconformidade ambiental, rapidamente a notícia virou um dos
assuntos mais comentados nas redes sociais e em rodas de conversas. As
respostas mais repetidas nos comentários das redes sociais eram do tipo: no
Morro pessoas não querem o desenvolvimento, querem o Morro só para si. Outra
resposta bem repetida: por que somente no Morro o MPF age com tanto rigor, não
atuando da mesma forma em outros lugares como praia da Gaivota, praia do
rincão, onde tudo pode?
Desde
que a Oscip Preserv’Ação foi criada em 2011, quase todos os procuradores da
República que atuaram na regional de Criciúma fizeram uma ou mais inspeções no
Balneário, que são uma de suas prerrogativas, conhecer a fundo suas áreas de
atuações. O que impressionou durante as visitas no Balneário foram a quantidade
de irregularidades detectadas. Licenças ambientais, quando existiam, que eram
apenas para a realização de reformas ou reparos, os proprietários estavam
construindo nova edificação. Outros casos como a retificação de um canal ou córrego
ligando o extinto lago do frango ao mar sem a execução dos devidos trâmites
ambientais legais. Convém aqui ressaltar que tal irregularidade foi cometida
mais uma vez pelo próprio poder público.
Foi
graças a ação do MPF, MPE e POLÍCIA AMBIENTAL que a paz retornou ao balneário,
favorecendo, em especial, a complexa fauna de espécies migratórias, como as
batuíras, que todos os anos cruzam a faixa costeira de Araranguá em direção ao hemisfério
norte ao sul. Imagino que poucos integrantes do PT conhecem a fundo todas as
tramitações advindas do MPF e TRF – 4 Regional de Porto Alegre, que resultaram
no fechamento da Orla do Morro dos Conventos para veículos não oficiais. Ninguém
pode imaginar o inferno que foi para nós ambientalistas viver no Morro dos
Conventos, submetido às pressões vindas de todos os lados, principalmente ameaças
contra nossa integridade física. Imprensa, poder público e o órgão ambiental
municipal agiram como já prevíamos que foi encontrar culpado e jogá-los na
arena para serem devorados pelos famintos leões.
Em 2014 projetos de uma passarela na furna e
um mirante no farol foram alvos de uma ação do MPF por apresentarem
inconformidades ambientais. Para o impedimento da obra do mirante no farol, o
argumento apresentado pelos peritos do órgão federal foi de que haveria
necessidade de estudos complementares relativos à geologia do local, avaliar as
condições das fendas, se haveriam riscos ou não de as rochas colapsarem e
causarem acidentes. Jamais os estudos complementares foram realizados.
De
repente um novo projeto de mirante foi apresentado e construído, sendo que uma
das passarelas se estende exatamente no ponto onde há alguns meses um geólogo
constatou a existência de fendas no paredão com reais riscos de colapsarem. O
caso ocorrido em Capitólio, Minas Gerais, onde um paredão colapsou matando inúmera
pessoa foi por mim abordada em um texto que escrevi. Relatei que tanto o
paredão do Morro dos Conventos como dos demais paredões que foram o complexo
serra geral devem passar por constante monitoramento.
Inquestionavelmente
o Projeto Orla tem e deve ser reconhecido como um dos feitos relevantes no
município de Araranguá, cuja iniciativa foi sim do Partido dos Trabalhadores.
Foram quase três anos de ininterruptos encontros com a participação de dezenas
de entidades e mais de 60 reuniões e oficinas, que resultaram em robusto
documento contendo mais de 200 PGI (Plano de Gestão Integrada). Nada ficou fora
do documento, tudo o que considerávamos como extremamente relevante ao
desenvolvimento do balneário, está detalhado no PGI.
Se
o Projeto Orla por si só, era visto como uma grande realização dos PT, a
administração ficou mais enobrecida ainda quando no final de 2016 assinou os
decretos criando três unidades de conservação: a APA (Área de Preservação
Ambiental) o MONA-UC (Monumento Natural Unidade de Conservação Morro dos Conventos)
e a RESEX (Reserva Extrativista envolvendo o Balneário Ilhas e Morro Agudo.
Independentemente das reuniões do grupo gestor ter sido encerrada em 2017, o
que importava era o fato de ter o município agora três unidades de conservação,
que com o tempo, as demandas contidas nos decretos seriam contempladas.
Outro
acontecimento importante que talvez poucos da do Partido dos Trabalhadores tivesse
conhecimento. Em 2015 ou 2016, também como demanda do Projeto Orla, um projeto
de grande relevância turística foi aprovado voltado à criação de um roteiro
geomorfológico para fomentar o turismo em toda a faixa costeira do município. O
projeto tratava da instalação de nove painéis informativos sobre
potencialidades turísticas da região em cinco pontos distintos. O primeiro painel,
com informações preliminares sobre o roteiro, foi instalado nas dependências do
Posto de combustíveis do Morro dos Conventos. Atualmente somente os painéis
instalados no farol, no parapente, no beco das dunas e em Ilhas ainda
persistem, embora em condições bem precárias.
Desde
o fim da gestão do prefeito Sandro Maciel, um dos principais desafios da Oscip
foi fazer com que a administração seguinte executasse as demandas elencadas no
PGI, principalmente o cumprimento das etapas relativas às unidades de
conservação. Nada aconteceu. Mas o importante foi que o prefeito seguinte não tratou
de suprimi-las como imaginávamos que aconteceria. A eleição de Cesar Cesa para
prefeito de Araranguá nos gerou certo desconforto quando ficamos conhecendo seu
projeto na área turística.
Em
nenhum momento fez qualquer citação as demandas do projeto orla, dando a
impressão de que tudo começaria do zero na área ambiental e turística do Morro
dos Conventos. Antes de dar mais detalhes sobre a administração do MDB em
Araranguá, penso que em 2018 ou 2019 a câmara de vereadores em uma de suas
seções aprovou projeto de lei alterando dispositivos do Plano diretor que tratava
sobre Zonas de interesse turístico e ambiental naquele balneário. As tratativas
se deram diante de pressões advindas de segmentos interessados em obter
vantagens pessoais.
No segundo ano de governo Cesa, veio a notícia
de que o mesmo havia suprimido o decreto que criou a APA e outro que reduziu de
tamanho a área que abrange o MONA-UC. O que se imaginava era que o partido dos
trabalhadores iria ter uma posição firme de defesa do Projeto Orla, bem como
lutar para que o executivo municipal não suprimisse uma linha sequer dos
decretos que criaram as unidades de conservação.
Tanto
não aconteceu como referendaram e vem referendando todas as ações anti
ambientais e outros atos questionáveis praticados pela administração e sendo
chancelados pela FAMA. O caso envolvendo o Deck no Morro merece uma abordagem
mais sucinta e esclarecedora. Quando afirmei anteriormente que o MPF está
sempre atendo as administrações de Araranguá e ao seu órgão ambiental sobre
vícios cometidos em procedimentos de licenciamentos para obras de
infraestrutura e edificações, o caso do Deck no Morro se mostra como mais um
desses vícios administrativos detectado pelo órgão federal.
Em
dezembro de 2021, cerca de uma dezena de entidades estiveram reunidas no Morro
dos Conventos, para que juntos com o MPF realizassem ação de inspeção em toda a
faixa costeira do município. Entre as entidades participantes, estavam lá presente
o prefeito municipal e o superintendente da FAMA. O primeiro ato do grupo foi
visitar a obra do Deck, que estava ainda no seu início. Tanto o procurador da
república quanto o representante da policia ambiental, ambos detectaram haver falhas
no projeto de execução da obra. O licenciamento apresentado pelo executor da
obra autorizava a edificação da estrutura sobre as dunas frontais, decisão essa
que se caracterizava como infração ambiental.
A
posição do MPF foi que paralisassem a obra e refizessem o projeto, recomendando
que os palanques devessem ser retirados de cima das dunas e recuado onde era o
estacionamento. A justificativa é bem plausível, dunas frontais são ecossistemas
vivos e dinâmicos, portanto sua proteção é necessária para a preservação da
complexa fauna e da flora ali existente. O que imaginávamos era que outra vez a
culpa pela paralisação da obra seria novamente terceirizada aos ambientalistas
e cidadãos residentes no balneário. Dito e feito. Bastou o primeiro jornal
noticiar o fato que foi dado inicio a “caça as bruxas”.
Houve
até uma reunião no SAMAE de Araranguá com dezenas de participantes, unidos pelo
mesmo objetivo, defender o poder público, a FAMA e demonizar mais uma vez o MPF
e os ambientalistas, alegando a ambos as responsabilidades por todas as
desgraças ocorridas no Morro. O que mais se ouviu no encontro foram expressões
do tipo: se o MPF está autuando é porque
tem alguém denunciando, portanto, precisamos atropelar os ecologistas, pois não
querem o desenvolvimento do morro.
Assimilaram direitinho todo o cenário de ódio,
de ataques deferidos pelo governo federal àqueles/as que repudiam atos de destruição
dos biomas brasileiros, defesa das comunidades tradicionais e indígenas, etc.
Esses mesmos que se dizem defensores da causa animal, a favor ao meio ambiente,
chegam ao cúmulo de questionar, por que os que estão denunciando não se
pronunciam, vindo a câmara de
vereadores, ocupando a tribuna para explicar o que está errado na obra do Deck.
Esses/as que fizeram tais solicitações talvez não saibam que vivemos num município
onde são corriqueiras as prática de ameaças contra a vida de ambientalistas. São
inúmeros os boletins de ocorrências protocolados na Polícia Civil relatando
casos de assédio e de ameaças contra indivíduos que se arriscam denunciar
crimes ambientais no Balneário.
O
que é mais grave nisso tudo é que tais opiniões violentas ou destorcidas contra
ecologistas ou quem quer que seja defensor do meio ambiente não vem exclusivamente
de legisladores que integram partidos sem qualquer tradição e moral para
defender o meio ambiente. O próprio posicionamento do vereador Jair Anastácio
também é carregado de dubiedades, no qual demonstra falta de conhecimento das
particularidades do morro e até mesmo coragem de encarar os colegas e dizer que
encaminhar denúncias de possíveis crimes ambientais são direitos assegurados
constitucionalmente.
Deveria
dizer também aos seus colegas do legislativo que os procuradores do Ministério
Público Federal conheceram e conhecem muito bem toda a realidade da faixa costeira
no qual atuam. Outro detalhe importante, o procurador não atua sozinho, o órgão
federal possui profissionais, peritos em várias áreas do conhecimento que
realizam levantamentos de campo para mitigar possíveis danos ambientais. Em
2012 durante inspeção de uma procuradora do MPF acompanhada por perito ligado a
geologia, o profissional alertou dos riscos ao complexo de dunas quartanárias,
lado sul do paleofalésia do balneário, na hipótese de haver liberação para
edificações superior a dois pavimentos.
Infelizmente
nenhum dos vereadores que atua no legislativo de Araranguá tem conhecimento de
toda a complexidade ambiental envolvendo o micro bioma Morro dos Conventos,
também conhecido como um santuário ecológico. Existe uma infinidade de
trabalhos desenvolvidos por pesquisadores de distintas universidades
brasileiras dos quais confirmam ser o bioma Morro dos Conventos um dos mais
ricos e complexos em biodiversidade.
Sugiro
mais uma vez para agregar conhecimentos o trabalho de doutorado realizado pela
pesquisadora Samanta Cristiano, cujo objeto de investigação foi o próprio projeto
orla. O tema da sua pesquisa foi: Interfaces
entre a Geoconservação e a Gestão Costeira no Município de Araranguá (santa Catarina,
Brasil).
Quem quiser ousar e ir mais a fundo no conhecimento sobre o morro dos
conventos, recomendo visitar o meu blog morrodosconventos-jairo.blogspot.com.br.
Lá será possível encontrar uma serie de textos sobre o assunto Morro publicados
desde 2011, data da criação da página
Uma
jornalista do Globo que esteve em Araranguá a convite dos integrantes da fundação
SOS Mata Atlântica, tempos atrás, na qual ficou deslumbrada com tamanha beleza
do lugar. Relatou no seu texto publicado no jornal que o Morro dos Conventos é
comparado como um Oasis no litoral catarinense, tamanha a complexidade.
Como
sugestão, recomendo que os/as vereadores/as de Araranguá antes de assumirem os
seus mandatos que procurem se instruir a fundo sobre a geomorfologia, a
geologia, a geografia, a biologia, a arqueologia, a história, e outras tantas áreas
do conhecimento no qual o balneário e toda a faixa costeira do município estão assentados.
Isso ajuda e muito durante as sessões em evitar falar tanta asneira sobre o local.
Outro documento importante que recomendo para a leitura é o PGI do Projeto Orla
que traz com clareza todas as demandas elencadas em três anos de encontros,
inclusive a proposta do Decks, do banheiro e a abertura da rua entre o Morro e
o Paiquerê.
Outro
documento imprescindível para leitura e que está a disposição na internet é a
pesquisa de doutorado em arqueologia realizada pelo Professor Juliano
Bitencourt, do IPAT-UNESC. Na pesquisa o professor Juliano concluiu que o Morro
dos Conventos possui um extraordinário acervo arqueológico datado de quatro,
cinco mil anos de história, que deve ser preservado, pois dará informações
relevantes sobre a fauna, flora e o clima local de séculos atrás.
Mas
parece que nada disso interessa aos nossos legisladores, razão pela qual
tamanha ignorância quando na casa legislativa é tratado temas desse nível. Para
concluir gostaria de fazer repúdio ao certo legislador da atual legislatura
acerca da sua posição a decisão encaminhada pelos órgãos ambientais à concessão
do licenciamento à abertura da rua entre o Morro dos Conventos e o Paiquerê. A
recomendação foi de que o município resgatasse espécies de mamíferos roedores
conhecidos como tuco-tucos e pequenos sapinhos do local onde será realizada a
abertura. Afirmou o vereador de que antigamente se tirava animais como os tuco- tucos na funda. Incrível que ninguém de seus colegas teve a coragem de
contrariá-lo à postura desrespeitosa contra a fauna local.
Prof. Jairo Cesa