quarta-feira, 30 de novembro de 2022

 

“FENAFISCO” REVELA QUE SONEGAÇÃO FISCAL NO BRASIL É PRÓXIMA A UM TRILHÃO DE REAIS

Inúmera vez alertou em textos que publiquei que a escassez de recursos para as áreas sociais, educação, por exemplo, era a imensidão de empresas e pessoas físicas que sonegavam impostos. Acontece que naquele instante das publicações não possuía em mãos fontes objetivas que pudesse clarificar quem eram os “patriotas” que posam de “bons mocinhos”, “defensores da nação brasileira”, dos “bons costumes”, porém, que sonegam impostos. De repente, folheando um jornal regional de tiragem diária, lá me deparo com a seguinte manchete estampada na capa: DÍVIDA ATIVA: “As dez maiores devedoras de impostos de SC: segundo a Fenafisco, valores devidos em 2021 somam mais de 21 bilhões de reais”.

Num instante fiquei um tanto pasmado com o que estava escrito, pois sempre acreditei que os valores devidos fossem menores que os divulgados pelo órgão fiscalizador. Mas 21 bilhões, só em Santa Catarina, é muito dinheiro! Como professor da rede estadual de ensino, relembro das nossas intermináveis lutas por salários justos e condições satisfatórias de trabalho, porém, governos que entraram e saíram sempre alegaram não atendimento das nossas reivindicações o cumprimento das regras de responsabilidade fiscal, ou seja, não extrapolar os limites de gastos exigidos pela legislação.   

Quem acompanha os desdobramentos dos trabalhos das equipes de transição envolvidas na elaboração da uma Proposta de Emenda Constitucional para assegurar os seiscentos reais de ajuda aos brasileiros necessitados, está vendo a dificuldade que é angariar recursos para esse fim para os próximos quatro anos. Entretanto se entrarmos no Site Barões da Dívida do FENAFISCO, lá está à relação de todos que sonegaram impostos entre 2015 a 2021, que totalizam R$ 987,75 bilhões. Segundo o Fenafisco se todo esse volume de recurso fosse arrecadado pelo Estado dava para pagar R$ 400 reais do Programa Auxílio Brasil por 11 anos.

Estranho é que nenhuma emissora de TV aberta com estrondosas audiências fez qualquer menção ao fato estarrecedor. Esses números absurdos de valores sonegados explicam os motivos de tanto dinheiro disponibilizado pelo fundo partidário para o financiamento eleitoral. Outro detalhe importante, se buscarmos as empresas que financiam as campanhas eleitorais de certos partidos ou candidatos, cujos discursos apregoam o Brasil em primeiro lugar, lá estão elas na lista suja de sonegadoras do fisco. Outro detalhe importante, muitas dessas companhias recebem subsídios financeiros e creditícios do próprio Estado

Santa Catarina cujo estado é cantado em verso e prosa como a Europa brasileira, também tem os seus sonegadores com dívidas milionárias aos cofres públicos do Estado. Somente em 2021 o montante dos valores sonegados atingiu 21 bilhões de reais, que totalizam mais ou menos 65% de toda a receita de impostos arrecadados naquele ano, que somou 33 bilhões de reais. Esses valores sonegados dão respostas sobre empresas que conseguem crescer tão rápido, que se transformaram em grandes conglomerados espalhados por várias regiões do estado e do país.

Não é possível que somente com as vendas, subtraindo os impostos obrigatórios ao Estado, empresas como a que aparece na lista de segunda maior devedora de impostos em SC consegue abrir uma nova loja a cada ano. A dívida dessa empresa com o fisco estadual soma 261 milhões de reais. Quem imaginava que 261 milhões de reais afanado do Estado já era algo absurdo, observe então a empresa campeã em sonegação, cujo montante devido ultrapassa os 500 milhões de reais. Essa  empresa devedora que aparece na página do site Barões da Dívida é a Arcelormittal Brasil S.A, corporação do setor siderúrgico com sucursais em vários estados brasileiros. A OI S.A., a Global Village Telecom S.A.; a INCA Combustíveis LTDA; Petropar Petróleo e Participações LTDA; WMS Supermercados do Brasil LTDA; Remetel Comércio de Reciclados Eirele; R.P.M Reciclagem Paranaense de Metais LTDA e Alcom Petróleo completam a lista das dez maiores devedoras do estado, cujo montante surrupiado é de 2,2 bilhões de reais.

No último pleito eleitoral ocorrido no dia 30 de outubro, somente no estado de Santa Catarina foram dezenas de denúncias recebidas pelo Ministério Público do Trabalho sobre crime de assédio eleitoral praticado por proprietários ou gestores de empresas aos seus colaboradores para que votassem nos candidatos indicados por ambos. Muitos dos assediadores são os mesmos que saíram às ruas ou acamparam em frente aos quartéis vestidos de verde amarelo ou cobertos com a bandeira do Brasil berrando aos quatro ventos por intervenção militar e fechamento do TSF.

Antes de fazer algumas considerações relativas a esse fenômeno tributário altamente impactante à sociedade brasileira, relacionaremos aqui as dez empresas brasileiras que mais devem impostos aos cofres do tesouro nacional. A primeira da lista é uma companhia voltada ao segmento de petróleo, a Refinaria de Petróleo de Manguinhos, cuja dívida é de 7,7 bilhões de reais. As demais, AMBEV; Telefônica Vivo; Sagra produtos Farmacêuticos; Drogavida Comercial de Drogas; Tim Celular; Cerpasa Cervejaria Paranaense; Companhia Brasileira de Distribuição; Vale e Atos Farma Sudeste S.A, somando os valores devidos por cada uma delas é chegado  a um montante de 34,79 bilhões de reais. Adicionando os 7,7 bilhões devidos pela Refinaria de Manguinhos o passivo financeiro supera os 40 bilhões de reais. Que fique bem claro, esses valores são referentes somente a dez empresas. No site do FENAFISCO é possível saber o nome e quanto devem as mil empresas de cada estado brasileiro e em âmbito federal.

De acordo com o texto publicado na página do FENAFISCO por Wanúbia Lima em 10 de outubro de 2021, com o título Atlas da Divida Ativa Denuncia Rombo Bilionário nos Cofres Públicos dos Estados, a mesma afirmou que dos 27 estados da federação, apenas dezessete apresentaram informações sobre as dívidas ativas tributárias. Dos dezessete estados, 14 apresentaram dívidas que superam as arrecadações. Distrito Federal e Rio de Janeiro, juntos suas dívidas são equivalentes a mais de 200% da arrecadação. No entanto, o Estado campeão em sonegação é o Mato Grosso, superando os 300% da arrecadação.

É obvio que se há dívida ativa a ser recebida, a tendência é o Estado acionar os seus órgãos encarregados na cobrança desses débitos. Conforme está relatado no texto de Wanúbia, os valores vistos pelos estados das empresas devedoras são incipientes, cuja media arrecadada anual é pouco mais ou pouco menos de 0,6% do montante devido.  Em 2016 o valor recuperado foi de 4 bilhões, sendo que no ano seguinte, 2017, chegou a 5,1 bilhões de reais.

O fato é que uma das conquistas da sociedade brasileira são as legislações como a lei de transparência que permite acesso a dados como esse que trata sobre sonegação fiscal. Mesmo assim muitos estados se recusam a liberar tais informações. Em países mais desenvolvidos como a Suécia é possível ter acesso até aos rendimentos de empresas privadas. A única certeza que se tem é que os recursos não arrecadados pelo Estado poderiam estar sendo utilizados para impulsionar a economia. Em vez disso está ajudando ainda mais no aumento da concentração de renda, transformando o país em uma das sociedades mais desiguais do planeta.

Prof. Jairo Cesa   

  

 

https://fenafisco.org.br/26/10/2021/atlas-da-divida-ativa-denuncia-rombo-bilionario-nos-cofres-publicos-dos-estados/

https://fenafisco.org.br/category/noticias-fenafisco/

http://baroesdadivida.org.br/stats?section=0

https://baroesdadivida.org.br/stats?section=2

 

domingo, 27 de novembro de 2022

 

COP 27, NO EGITO: MAIS UMA CONFERÊNCIA DAS PARTES ONDE NADA SE AVANÇOU NO CUMPRIMENTO DAS METAS PARA COMBATER O AQUECIMENTO GLOBAL



No último dia do encontro da COP 27 no Egito, datado em 20 de novembro, começava no Catar a copa do mundo da FIFA. Claro que entre as demandas acordadas sobre o clima global no Egito, irrefutavelmente o evento esportivo mundial vem dominando a atenção dos habitantes do planeta nesse momento e, certamente, por muito tempo depois. Até o momento foram 27 conferências concretizadas para discutir e apresentar soluções à interferência humana às mudanças do clima. Entretanto, a cada encontro, um drama se prenuncia, uma enorme lista de boas intenções são ratificadas das quais semanas mais tarde são deixadas de lado ou esquecidas e relembradas novamente no encontro seguinte.

Nessas quase três décadas de COP (Conferência das Partes) e que já consumiram milhões de dólares com viagens e logísticas para acomodar os participantes, um dos temas que sempre foi consensual nos últimos encontros entre os chefes de estados presentes é a evidente certeza de que a temperatura média do planeta vem aumentando significativamente ano após ano. Tudo indica que a proposta de limitar em até 1,5 C a temperatura média do planeta até o final do século XX como vem se apregoando será muito difícil de ser alcançada. Conforme relatórios apresentados por entidades que monitoram o clima do planeta, já há dados suficientes que evidenciam que a terra extrapolou o seu limite tolerável de temperatura.

A queima de combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás, sem dúvida são os principais vilões do aquecimento global. No entanto, não é correto excluir desse pacote de emissores de gases poluentes, as florestas, que são grandes catalisadores de CO2. A devastação e queima de enormes áreas florestas a exemplo da Amazônia está interferindo diretamente no ciclo das chuvas na América do sul e demais continentes. Já virou clichê afirmar que é tempo perdido e dinheiro jogando fora a realização de conferências todos os anos para tratar de problemas do clima que como todos sabem irão permanecer enquanto não forem atacadas as causas do aquecimento.

É fato, o problema de todo o desarranjo climático está no modelo de produção vigente que se alimenta do consumo exacerbado de recursos energéticos finitos, ou seja, combustíveis fósseis.  Tratar desse assunto sem considerar as práticas exploratórias como extrações desmedidas dos recursos naturais são como enxugar gelo. São aproximadamente dez países que atualmente emitem à atmosfera mais da metade de todos os gases que estão indiretamente comprometendo a vida de milhões de pessoas do mundo inteiro.

Frente a esse passivo ambiental que indiretamente está solapando as economias das nações mais pobres do planeta que ajudou a ser inserida nas pautas dos debates da Copa há cerca de trinta anos a criação de um fundo da ajuda financeira à essas frágeis nações. É injusto, por exemplo, países pobres como Bangladesh, Sri lanka, Paquistão, entre outros, terem que arcar com custos bilionários de reparação por desastres naturais, quando se sabe que tais adversidades climáticas extremas sofridas são motivadas pelos países ricos industrializados como EUA, China, Japão, Inglaterra, Austrália, etc.

Diante de enormes pressões e tentativas de sabotar a proposta, enfim uma saída mitigatória discreta foi acordada entre os líderes presentes. A ideia acordada é criar um fundo financeiro para perda e danos ambientais. É exatamente o que comentei acima, os países ricos industrializados se comprometeriam em depositar recursos em um fundo para ser destinado em ações com vistas a mitigar perdas e danos provocados por desastres naturais extremos nos países pobres. No entanto, surgiu o impasse em relação a administração do fundo. Os países europeus propuseram que o fundo seja gerido pelo mesmo fundo do clima, cuja sede fica na Coréia do Sul. Os países africanos, no entanto, não foram simpáticos à proposta da Coréia como gestora do fundo. A alegação contrária se deve das dificuldades que esses países vem enfrentando na obtenção de aportes financeiros do fundo do clima já existente.

Até aí tudo bem, penso ser uma proposta criação desse fundo de perdas e danos até de certo modo justa. O fato é que a COP chegou ao final sem que fosse tratado o modo como o fundo seria operacionalização, bem como quais os países que seriam contemplados com os recursos. No final acharam melhor retornar os debates para o encontro do próximo ano, 2023, que ocorrerá nos Emirados Árabes Unidos. Pela escolha do país anfitrião, há indícios claros que teremos mais uma COP fracassada, país essa nação do golfo pérsico é um dos maiores produtores e exportadores de petróleo do mundo.

O Brasil depois de tantas atrapalhadas protagonizadas pelo atual presidente derrotado na última eleição, finalmente assumiu seu importante papel de agente articulador de ações relevantes em defesa do clima global. Por possuir uma das maiores florestas tropicais do planeta e ser ela instrumento importante no equilíbrio das chuvas precipitadas principalmente na América do sul, a presença no Egito do futuro presidente eleito, Lula, trouxe certo alento e boas expectativa no cenário climático local e global.

Na última conferência ocorrida em Glasgow, Escócia, houve uma serie de proposições elencadas e assumidas pelos líderes participantes. Uma delas foi o compromisso do Brasil de zerar os desmatamentos até 2028, bem como reduzir em até 30% as emissões de CO2 a atmosfera. Quem acompanhou os desdobramentos no cenário nacional sabe que nada do que foi acordado foi cumprindo pelo atual governo. O que aconteceu de fato foi o aumento significativo dos desmatamentos e das emissões de gases do efeito estufa.

Prof. Jairo Cesa                     

https://oeco.org.br/reportagens/fim-de-jogo-a-repercussao-dos-resultados-da-cop27-no-brasil/

https://www.oc.eco.br/cop27-termina-com-uma-revolucao-e-tres-maldicoes/

https://www.greenpeace.org/brasil/blog/o-fim-da-cop27-e-uma-vitoria-para-a-justica-climatica/

https://www.wwf.org.br/?84140/Acordo-de-Perdas-e-Danos-e-volta-do-Brasil-a-diplomacia-climatica-sao-os-destaques-da-COP27

 

 

 

terça-feira, 22 de novembro de 2022

 

ESQUEMAS DA FIFA PARA A ESCOLHA DO QATAR COMO SEDE DO MUNDIAL DE FUTEBOL DE 2022

Netflix - Esquemas da Fifa


Não é segredo para ninguém que a transferência dos jogos da copa do mundo no Qatar para novembro e dezembro se deve as altas temperaturas que castigam aquele país durante junho e julho, meses tradicionais desse evento esportivo em quatro em quatro anos. Se a ideia era fazer com que os jogadores e milhares de torcedores não sofressem com o calor escaldante do verão no oriente médio, essa preocupação das autoridades do Qatar e da FIFA deveriam ser as mesmas com milhares de imigrantes trabalhadores que atuaram nas obras de infraestrutura para os grandes eventos esportivos mundial, não é mesmo?

De acordo com reportagens investigativas realizadas pelo jornal britânico The Guardian[1], o mesmo reportou em fevereiro de 2021 que mais de seis mil trabalhadores perderam suas vidas durante os doze anos em que o Qatar envolvido em obras preparativas para a copa. A verdade é que em 2010 o país árabe embora integrasse a lista de candidatos para sediar a copa de 2022, as possibilidades de ser escolhido eram muito remotas. Mudanças protocolares na Fifa abriram precedentes para que os revezamentos por continentes não ocorressem naquele momento. Sendo assim, EUA, Austrália, Japão, Coréia do Sul e o Catar, lançaram suas candidaturas.

Não há dúvida que todos esses países, exceto o Catar, apresentavam melhores condições de infraestruturas tanto esportivas quanto de mobilidade naquele momento. Para que o catar realizasse o evento teria que realizar uma profunda transformação no país com custo bilionário. No entanto, o que não faltava para o Catar e demais países do Golfo Pérsico era dinheiro, pois são grandes produtores mundiais de petróleo.  Entra em ação nesse momento toda a expertise de membros da confederação esportiva asiática, cujo presidente era um cidadão do Catar para fazer com que os votos dos integrantes das demais confederações fossem para a escolha do Catar e não dos EUA, como já era previsto.  

As articulações para mudar os votos a favor do Catar entraram em ação. De repente em um jantar oferecido pelo governo Francês Nicolas Sarkozy a um membro da confederação futebolística do Qatar e outros integrantes de Federação Internacional de Futebol, tudo fez mudar o panorama relativo à escolha do país sede à copa de 2022.  Em vez dos Estados Unidos, foi o Qatar a nação nomeada, país sem tradição alguma no futebol e sem qualquer infraestrutura capaz de garantir a realização do evento. Além do mais o Qatar é visto por muitos governos como uma ditadura e cujos líderes acusados de infringir regras relativas aos direitos humanos. Perseguir, prender e torturar homossexuais é uma dessas práticas denunciadas.  

Quem já visitou o Qatar, Bahrein e até mesmo os Emirados Árabes Unidos deve ter percebido que nações pequenas tomadas por guindastes por todos os cantos. São territórios que têm o petróleo como principal base econômica, cuja atividade é controlada por poderosas famílias que integram dinastias perenes. Em pouco tempo áreas inóspitas, desérticas como onde está os Emirados Árabes Unidos se transformaram em um verdadeiro canteiro de obras. Dia após dias prédios e mais prédios, muito dos quais verdadeiros arranha céus mudaram radicalmente a geografia de cidades como Dubai, Abu Dhabi e Doha, essa última capital do Qatar.

São países ou principados que devem toda a transformação ao trabalho quase escravo de milhares de imigrantes, onde parcela significativa deles são de países asiáticos pobres como Nepal, Índia, Bangladesh, Filipinas, Sri Lanka e de nações africanas como o Quênia, Congo, etc. O que impressiona é o fato de a reportagem publicada pelo The Guardian sobre as atrocidades e as mortes a trabalhadores ocorridas no Qatar vir a sofrer certo descrédito das autoridades tanto do país anfitrião quanto da Fifa, ambos alegando que as informações divulgadas pelo órgão jornalístico não possuir qualquer fundamento comprobatório.

E não foi somente o jornal The Guardian que realizou reportagem acusando o Qatar de ter cometido delito relativo aos preparativos da copa. Outro jornal britânico, o The Sunday Time, também publicou matéria afirmando ter havido suborno entre dirigentes da FIFA para a escolha do catar. O jornal, para a publicação da matéria, se utilizou do livro publicado pela escritora Bonita Mersiades em janeiro de 2018, cujo título é “Custe o Que Custar – a História Interna da Fifa”.[2] Entre as denúncias contidas no livro está a que acusa executivos da emissora de TV Al Jaseera, de terem assinado uma clausula de 100 milhões de dólares em bônus para a FIFA no caso do catar ser escolhido como sede em 2022.  Também revelou o jornal de ter visto cópia de contrato secreto no valor de 480 milhões de dólares também repassado a FIFA por integrantes do governo do catar, três anos depois, ou seja, em 2021.

Sobre as denuncias de trabalho análogo a escravidão nas obras preparativas a copa do mundo no Qatar, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) sediada em Zurich, na Suíça, não demonstrou interesse em investigar a fundo tais infrações trabalhistas praticadas naquele país. Há denúncias de que empresários donos de empreiteiras que atuavam no Qatar de terem sequestrado os passaportes dos trabalhadores imigrantes e os forçado a trabalharem como escravos, pagando baixos salários e morando em ambientes insalubres. Foi somente em 2022 que a OIT finalmente apresentou relatório sobre as condições de trabalho no país, documento totalmente desatualizado, demonstrando nitidamente certa benevolência com as atrocidades cometidas pelas autoridades do Qatar.

O fato é que o emblemático caso de corrupção e suborno envolvendo membros importantes da FIFA na escolha do Qatar para sediar a copa de 2022, não foi uma exceção. Há algum tempo tanto a FIFA quanto inúmeras federações ou confederações esportivas de várias continentes e países vêm sendo incriminadas de estarem envolvidas de manobras ilícitas na eleição de dirigentes para cargos importantes, até mesmo de presidente da entidade.  Quem tinha alguma dúvida sobre o envolvimento da FIFA em atos de corrupção, suborno, para que deliberada nação fosse escolhida e não outra, basta assistir os quatro capítulos de um seriado lançado pela Netflix em 2022, cujo título é “ESQUEMAS DA FIFA”.

O seriado prende o expectador desde o primeiro capítulo. O pressentimento que fica quando se assiste o documentário é de que quase todos os mundiais realizados a partir da década de 1970 foram manipulados, tanto na escolha dos países como nos resultados dos jogos. A certeza se dá a partir do momento em que o documentário revelou todo o esquema montado na assembleia da FIFA de 2010, data em que a Rússia e o Qatar foram indicados para receber as copas de 2018 e 2022.

Como em qualquer democracia habitualmente todos os governos são eleitos com votação direta a cada quatro ou mais anos. A FIFA como um órgão que representa o futebol internacional, um dos esportes mais populares do mundo, seus presidentes ou dirigentes também são eleitos a cada intervalo de tempo. Desde a década de 1970 até 2019 a Fifa foi capitaneada por dois presidentes, o brasileiro João Havelange e o suíço Joseph Blatter. O documentário mostrou que ambos perduraram a frente da entidade por longos períodos graças a complexos e intrincados lobbies políticos. Estão inseridos nesse balaio de caranguejos, ditaduras e integrantes de federações futebolísticas corruptas.

A copa do mundo na Argentina em 1978, em uma época em que o país estava submetido a uma das mais sangrentas ditaduras da América do Sul onde mais de 30 mil pessoas foram assassinadas e desaparecidas, causa náusea quando se vê no documentário a presença do presidente da fita Havelange junto com o general argentino Rafael Videla, ambos alegremente assistindo, provavelmente, o jogo da seleção anfitriã, na qual foi campeã mundial. A sena se torna mais repugnante quando se soube que a alguns quarteirões do estádio havia o quartel onde pessoas estavam sendo torturadas.

Houve um episódio classificado como esquizofrênico envolvendo esse local de tortura. No último jogo da copa, envolvendo a seleção Argentina e a Holanda, no final quando o país anfitrião derrotou o adversário e se sagrou campeão, os generais deram pausa nas torturas, colocando no interior de um automóvel uma mulher que estava sendo torturada. Saíram alegremente pelas ruas de Buenos Aires para festejar, porém, mais tarde, retornaram à sede do quartel e continuaram com as seções de tortura.   

Foi em 1998, quase três décadas depois de assumir o posto de comandante da FIFA, que João Havelange finalmente entregou o posto de presidente da entidade ao Joseph Blatter, que permaneceu na direção até 2019, quando foi preso junto com outros membros da entidade acusados de inúmeros crimes contra o órgão. Junto com Blatter foram presos Michel Platini; Chuck Blazer; Mohammed Bin Hamman; Ricardo Teixeira; Issa Hayatou; Cung Mong-joon; Angel Maria Vilar; Júlio Grandona e Jack Warner. Para saber mais sobre suas nacionalidades, cargos ocupados e tipos de crimes cometidos, a sugestão é assistir o documentário acima citado.

A pena imposta a Blatter foi banimento de qualquer posto na entidade por oito anos. Toda essa sujeira que envolveu o comando de uma entidade considerada tão ou mais poderosa que dirigentes de nações, atingiram também a CBF, que levou a prisão de José Maria  Marin, que comandou a entidade de 2012 a 2015.

Cabe reforçar nesse imbróglio futebolístico o ex-dirigente da CBF, Ricardo Teixeira, também pivô de escândalos de corrupção. No documentário o dirigente do futebol brasileiro era sempre evidenciado, isso se deve ao fato de ter permanecido à frente da entidade por mais de duas décadas. O fato marcante na vida desse personagem foi sua votação a favor do Qatar como sede da copa de 2022. Como de outros dirigentes, Teixeira foi denunciado além de outras 42 pessoas e empresas por terem participado no esquema de suborno na FIFA que teria movimentado aproximadamente 150 milhões de dólares. O caso ficou conhecido como FIFAGATE.

Não é de hoje de que regimes autoritários se desfrutam de eventos esportivos como Jogos Olímpicos e Copas do Mundo para desvirtuar impactos de crises econômicas e violações de direitos humanos. A copa do mundo na Itália em 1934 e os jogos olímpicos de Berlin em 1936 são dois acontecimentos emblemáticos repletos de simbolismos. Tanto o primeiro quanto o segundo evento, seus líderes, Hitler e Mussolini, aproveitaram o ensejo para amplificar sua popularidade e robustecer o sentimento patriótico dos seus povos. Todos nós ficamos sabendo quais os impactos desse patriotismo cego as populações judias, negras, ciganas, entre outras.

 A copa do mundo de 1970 no México, cujo campeão foi o Brasil, os generais brasileiros se aproveitaram do título para promoção política. Durante os jogos ou até mesmo meses de ter ocorrido o mundial pouco ou nada se falava sobre o aumento da inflação e as torturas praticadas nos porões da ditadura. Vestir a camiseta canarinho, bem como desfraldar a bandeira nacional foi para os generais uma estratégia bem sucedida para disseminar o sentimento de patriotismo da sociedade e ofuscar as suas barbaridades.

 Como aconteceu durante a ditadura quando os militares se apropriaram das cores verde amarelo para engrandecer os feitos patrióticos, atualmente usar a camiseta da seleção brasileira e portar ou cobrir-se com a bandeira brasileira, se configura apoio ao bolsonarismo. O fato é que o início do sequestro desses dois símbolos nacionais ocorreu nas manifestações de junho de 2013 quando milhões de brasileiros saíram às ruas vestidos de verde amarelo. Desse modo, mais tarde a extrema direita viu uma oportunidade tentadora de se apropriar desse ícone para se projetar no cenário político nacional. O resultado, no entanto, foi a eleição de Jair Bolsonaro à presidente da república em 2018.  A copa do mundo no Brasil em 2014, repleta de denúncias de superfaturamento em obras preparativas e a derrota de 7 a 1 da seleção brasileira contra a Alemanha, foram estopins para engrossar o sentimento de desilusão e antipetismo.  Tudo isso desaguou no impeachment da presidente de Dilma Rousseff do PT em 2016.

Ao assumir o cargo de presidente da república em 01 de janeiro de 2019, Jair Bolsonaro criou seu lema ufanista para os quatro anos governo cuja denominação foi “Brasil Pátria Amada”. O lema é nada mais que uma repaginação do ideário positivista que influenciou na moldagem do projeto republicanismo conservador brasileiro do final do século XIX. Acontece que no governo de Bolsonaro esse processo se deu não para construir um imaginário de unificação cultural, muito pelo contrário, a intenção foi acelerar ainda mais o processo de “purificação” da sociedade brasileira. O negacionismo escancarado acerca do Covid 19 que matou quase seiscentas mil pessoas, a violência contra negros, indígenas, grupos LGBTQI+, são provas cabais da existência de um projeto fascista em curso no país e que deve ser rechaçado.

Prof. Jairo Cesa            

                           

https://piaui.folha.uol.com.br/ouca-o-episodio-bonus-de-o-sequestro-da-amarelinha/

https://www.cnnbrasil.com.br/esporte/me-perseguiram-por-vinganca-o-bill-clinton-e-vingativo-diz-ricardo-teixeira/

https://brasil.elpais.com/esportes/2020-06-07/a-selecao-que-presenteou-a-ditadura-com-uma-taca.html

https://brasil.elpais.com/brasil/2018/06/16/deportes/1529108134_704637.html#?rel=listaapoyo

https://brasil.elpais.com/brasil/2015/07/01/internacional/1435706029_139611.html

https://brasil.elpais.com/brasil/2016/03/13/politica/1457906776_440577.html

https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/11/5051711-uso-politico-da-camisa-da-selecao-faz-torcedor-buscar-outras-cores.html

https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2022/11/10/brasileiros-trocam-amarelinha-por-camisa-vermelha.htm

https://www.youtube.com/watch?v=uamrO_LwnaI

https://www.youtube.com/watch?v=kX_poTE0jSA

https://pt.besoccer.com/noticia/the-sunday-times-catar-sabotou-rivais-476260

https://www.cnnbrasil.com.br/esporte/sport-washing-e-corrupcao-moldam-polemicas-em-torno-da-realizacao-da-copa-no-catar/



[1] https://www.theguardian.com/global-development/2021/feb/23/revealed-migrant-worker-deaths-qatar-fifa-world-cup-2022

[2] https://www.amazon.com/Whatever-Takes-Inside-Story-978-0-999643-1-0-5/dp/099964310X

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

 

MANIFESTAÇÕES ANTI-REPUBLICA NO FERIADO DO DIA 15 DE NOVEMBRO, DATA COMEMORATIVA À REPÚBLICA BRASILEIRA

Não resisti como professor de história e por décadas atuando como ativista nas áreas ambientais e sindicais, fui tentado nesse quinze de novembro, feriado nacional em comemoração a Proclamação da República brasileira fazer algumas reflexões relativas às manifestações pró intervenção militar, ou seja, golpismo. É isso mesmo, milhares de pessoas inconformadas com os resultados do pleito de 30 de outubro, segundo turno, que deu a vitória a ao candidato do PT, Lula, saíram às ruas nesse feriado em carreatas e ocupando as frentes dos quartéis em todo o território nacional.

Vestidos de verde amarelo e munidos da bandeira nacional executaram o hino nacional e aos gritos protestaram contra os resultados das eleições, alegando terem sido fraudadas as urnas. Tive que registrar esse episódio bizarro da nossa história para que no futuro as pessoas saibam que isso aconteceu de fato, pessoas saíram às ruas no feriado de 15 de novembro para pedir intervenção federal. Qualquer criança sabe que uma “intervenção federal” é nada mais nada menos que o fechamento do congresso nacional, e demais instituições que compõem o complexo sistema republicano que norteia as vidas de toda a sociedade.  

Quem viveu, leu ou estudou na escola o golpe de 1964 e os mais de vinte anos de dominação militar, sabe que o que aconteceu no dia 15 de novembro de as pessoas estarem protestando em frente de quartéis ou outros atos ditos “democráticos”, foram permitidos durante o regime. Se fosse à época, todos que estavam ali seriam escorraçados a golpes de cassetetes, bombas de efeito moral, gás de pimenta, etc. É inimaginável que depois de quinze dias do pleito e oficialmente reconhecido pelo próprio exército, admitindo não ter havido fraudes nas urnas, bolsonaristas radicais ainda insistem em provocar tumultos contra a democracia, contra o sistema republicano.

Não há dúvida que essas centenas de pessoas insatisfeitas com suas vidas não representam os quase sessenta milhões de eleitores do candidato derrotado, que voltaram à vida normal e torcem para que o futuro governo tenha sucesso nos seus quatro anos de mandato. Deveriam saber que o próprio general e ex-porta voz do presidente Bolsonaro, Otávio Santana do Rego Barros, respondeu em entrevista a Folha de São Paulo que é contra tais manifestações, que tudo isso são atos de extremistas insatisfeitos.

Para muitos não há surpresa que grupos extremistas haveriam de agir e com truculência contra as estruturas democráticas na tentativa de criar um cenário de instabilidade social. Mas, todavia, como assim tentar contra as estruturas democráticas, quando todos sabem que em 2021, o atual presidente sancionou lei n. 14.197/2021, na qual define quais crimes são passivos de pena àqueles que atentarem contra a democracia.

Entre as prerrogativas estabelecidas pela lei das quais são definidas como crime estão ações que atuam contra o estado democrático de direito, impedindo o restringindo o exercício dos poderes constitucionais com o emprego de violência ou grave ameaça. O artigo 359-M é mais específico no que tange a crimes à democracia. O artigo diz o seguinte: “tentar depor por meio da violência ou grave ameaça, o governo legitimamente democrático”. Isso já não seria o suficiente para a Polícia Rodoviária Federal e demais forças de segurança nacional, no primeiro momento da obstrução das rodovias por manifestantes pedindo a intervenção militar, atuassem prendendo todos que estivessem afrontando a legislação e a própria constituição nacional.

Mas, para ai, manifestações são um direito assegurando a todos em regimes democráticos!! Mas o fato é que tais manifestações pós pleito eleitoral ocorreram em ataque à própria constituição que assegura esse direito. Parece insano, mas é verdade. Se as obstruções das estradas por si só já se caracterizavam como o extremo dos absurdos, pelo fato de pedir a anulação das eleições que o próprio candidato Bolsonaro reconheceu como legítima, como explicar então os atos golpistas em frente aos quartéis?

Acreditem sem quiser, são atos contrários a democracia e cujos manifestantes alegam estarem defendendo, pasmem, a própria democracia!! Na realidade todo esse delírio em frente aos quartéis, muitos até se utilizando do espaço para cultos religiosos, merece sim uma atenção especial de pesquisadores de áreas distintas do conhecimento. Penso que uma abordagem freudiana dos fatos poderia resultar em respostas possivelmente assertivas. Não há dúvida que fatores patológicos inconscientes estão por trás desses atos golpistas que tentam desestabilizar as estruturas do estado republicano. A obra "Psicologia das Massas e Análise do Eu" de Sigmund Freud, escrita em 1920, pode ser bem útil para compreensão da atual realidade brasileira. Prometo que o próximo texto que  postarei no meu blog será construído a partir dessa obra de Freud. 

Prof. Jairo Cesa

 

https://revistaforum.com.br/politica/2022/11/13/general-rgo-barros-ex-porta-voz-de-bolsonaro-detona-atos-golpistas-game-over-127323.html

https://www.conjur.com.br/2022-nov-04/fernando-fernandes-manifestacao-golpe-crime-mesmo-desarmada

 

        

domingo, 13 de novembro de 2022

 

ATACAR  AMBIENTALISTAS POR DEFENDEREM O FRAGIL ECOSSISTEMA DO MORRO DOS CONVENTOS SÃO TÁTICAS ADOTADAS PELO PODER PÚBLICO E O SEU ÓRGÃO AMBIENTAL PARA SE EXIMIREM DE CULPA DE INFRAÇÕES AMBIENTAIS COMETIDAS NAQUELE BALNEÁRIO

Em 12 de junho de 2022 a Oscip Preservação do Morro dos Conventos entregou manifesto a membros da executiva do Partido dos Trabalhadores de Araranguá para que proferissem moção de repúdio a integrantes do legislativo local por incitar a população à violência contra ecologistas no Balneário Morro dos Conventos. O motivo da revolta do executivo e do legislativo municipal se deu em decorrência de uma ação de embargo ajuizada pelo MPF, sucursal Tubarão, contra um cidadão que realizou edificação em área de APP. E não foi somente esse o embargo ajuizado, outros ocorreram como o que envolveu o poder público por supressão de vegetação nativa para a abertura de rua naquele balneário.

Até o momento não se tem notícia de que o partido dos trabalhadores ou mesmo o próprio vereador e presidente da sigla, Jair Anastácio, tenha se manifestado repudiando tais atos violentos contra aqueles que lutam para que o Morro não seja completamente entregue para a especulação imobiliária. Não demorou muito para que o Balneário outra vez aparecesse nos noticiários, envolvido em outra polêmica, dessa vez o objeto que ocupou a atenção dos araranguaenses foi o Deck construído junto a orla do Morro dos Conventos. O que mais chama a atenção nesse e em outros fatos similares, é o modo como a imprensa se encarrega de divulgá-los, com a explícita intenção de polemizar, provocar a ira da população, demonizar qualquer um que se atreva contrariar.

Um exemplo de manchete com nítido toque de maldade em relação ao fato em questão foi essa publicada por um Jornal de Araranguá: “ordem do MP pela retirada do deck do morro dos conventos gera contestações”. Analisando o documento enviado pelo MPF o que se pede é a supressão do Deck construído indevidamente sob área de restinga antropisada em frente a uma edificação particular, bem como retirada de uma das passarelas construída sobre as dunas frontais por causar impacto aquele ecossistema. Viram quanta diferença no que o MP pediu e o que a imprensa relatou.    

O modo como os fatos relativos ao Morro dos Conventos são apresentados, as insistentes intervenções da Polícia Ambiental, Ministério público estadual e federal, contra crimes ambientais ocorridos, o que impressiona é a postura do poder executivo e da fundação ambiental, sempre na posição de vítimas, jamais assumindo a responsabilidade por infrações cometidas. Terceirizar culpados, principalmente de ambientalistas e demais cidadãos por exercerem seus papeis constitucionais de agentes fiscalizadores do meio ambiente, tem se tornado estratégias bem sucedidas das últimas administrações como forma de se eximir de responsabilidades.

Diante das notícias divulgadas de que o MPF teria exigido que Poder Público e a Fama “demolissem” parte do Deck em área não permitida e que fosse suprimida uma das passarelas por estar em inconformidade ambiental, rapidamente a notícia virou um dos assuntos mais comentados nas redes sociais e em rodas de conversas. As respostas mais repetidas nos comentários das redes sociais eram do tipo: no Morro pessoas não querem o desenvolvimento, querem o Morro só para si. Outra resposta bem repetida: por que somente no Morro o MPF age com tanto rigor, não atuando da mesma forma em outros lugares como praia da Gaivota, praia do rincão, onde tudo pode?

Desde que a Oscip Preserv’Ação foi criada em 2011, quase todos os procuradores da República que atuaram na regional de Criciúma fizeram uma ou mais inspeções no Balneário, que são uma de suas prerrogativas, conhecer a fundo suas áreas de atuações. O que impressionou durante as visitas no Balneário foram a quantidade de irregularidades detectadas. Licenças ambientais, quando existiam, que eram apenas para a realização de reformas ou reparos, os proprietários estavam construindo nova edificação. Outros casos como a retificação de um canal ou córrego ligando o extinto lago do frango ao mar sem a execução dos devidos trâmites ambientais legais. Convém aqui ressaltar que tal irregularidade foi cometida mais uma vez pelo próprio poder público.  

Foi graças a ação do MPF, MPE e POLÍCIA AMBIENTAL que a paz retornou ao balneário, favorecendo, em especial, a complexa fauna de espécies migratórias, como as batuíras, que todos os anos cruzam a faixa costeira de Araranguá em direção ao hemisfério norte ao sul. Imagino que poucos integrantes do PT conhecem a fundo todas as tramitações advindas do MPF e TRF – 4 Regional de Porto Alegre, que resultaram no fechamento da Orla do Morro dos Conventos para veículos não oficiais. Ninguém pode imaginar o inferno que foi para nós ambientalistas viver no Morro dos Conventos, submetido às pressões vindas de todos os lados, principalmente ameaças contra nossa integridade física. Imprensa, poder público e o órgão ambiental municipal agiram como já prevíamos que foi encontrar culpado e jogá-los na arena para serem devorados pelos famintos leões.  

 Em 2014 projetos de uma passarela na furna e um mirante no farol foram alvos de uma ação do MPF por apresentarem inconformidades ambientais. Para o impedimento da obra do mirante no farol, o argumento apresentado pelos peritos do órgão federal foi de que haveria necessidade de estudos complementares relativos à geologia do local, avaliar as condições das fendas, se haveriam riscos ou não de as rochas colapsarem e causarem acidentes. Jamais os estudos complementares foram realizados.

De repente um novo projeto de mirante foi apresentado e construído, sendo que uma das passarelas se estende exatamente no ponto onde há alguns meses um geólogo constatou a existência de fendas no paredão com reais riscos de colapsarem. O caso ocorrido em Capitólio, Minas Gerais, onde um paredão colapsou matando inúmera pessoa foi por mim abordada em um texto que escrevi. Relatei que tanto o paredão do Morro dos Conventos como dos demais paredões que foram o complexo serra geral devem passar por constante monitoramento.

Inquestionavelmente o Projeto Orla tem e deve ser reconhecido como um dos feitos relevantes no município de Araranguá, cuja iniciativa foi sim do Partido dos Trabalhadores. Foram quase três anos de ininterruptos encontros com a participação de dezenas de entidades e mais de 60 reuniões e oficinas, que resultaram em robusto documento contendo mais de 200 PGI (Plano de Gestão Integrada). Nada ficou fora do documento, tudo o que considerávamos como extremamente relevante ao desenvolvimento do balneário, está detalhado no PGI.

Se o Projeto Orla por si só, era visto como uma grande realização dos PT, a administração ficou mais enobrecida ainda quando no final de 2016 assinou os decretos criando três unidades de conservação: a APA (Área de Preservação Ambiental) o MONA-UC (Monumento Natural Unidade de Conservação Morro dos Conventos) e a RESEX (Reserva Extrativista envolvendo o Balneário Ilhas e Morro Agudo. Independentemente das reuniões do grupo gestor ter sido encerrada em 2017, o que importava era o fato de ter o município agora três unidades de conservação, que com o tempo, as demandas contidas nos decretos seriam contempladas.

Outro acontecimento importante que talvez poucos da do Partido dos Trabalhadores tivesse conhecimento. Em 2015 ou 2016, também como demanda do Projeto Orla, um projeto de grande relevância turística foi aprovado voltado à criação de um roteiro geomorfológico para fomentar o turismo em toda a faixa costeira do município. O projeto tratava da instalação de nove painéis informativos sobre potencialidades turísticas da região em cinco pontos distintos. O primeiro painel, com informações preliminares sobre o roteiro, foi instalado nas dependências do Posto de combustíveis do Morro dos Conventos. Atualmente somente os painéis instalados no farol, no parapente, no beco das dunas e em Ilhas ainda persistem, embora em condições bem precárias.  

Desde o fim da gestão do prefeito Sandro Maciel, um dos principais desafios da Oscip foi fazer com que a administração seguinte executasse as demandas elencadas no PGI, principalmente o cumprimento das etapas relativas às unidades de conservação. Nada aconteceu. Mas o importante foi que o prefeito seguinte não tratou de suprimi-las como imaginávamos que aconteceria. A eleição de Cesar Cesa para prefeito de Araranguá nos gerou certo desconforto quando ficamos conhecendo seu projeto na área turística.

Em nenhum momento fez qualquer citação as demandas do projeto orla, dando a impressão de que tudo começaria do zero na área ambiental e turística do Morro dos Conventos. Antes de dar mais detalhes sobre a administração do MDB em Araranguá, penso que em 2018 ou 2019 a câmara de vereadores em uma de suas seções aprovou projeto de lei alterando dispositivos do Plano diretor que tratava sobre Zonas de interesse turístico e ambiental naquele balneário. As tratativas se deram diante de pressões advindas de segmentos interessados em obter vantagens pessoais.    

 No segundo ano de governo Cesa, veio a notícia de que o mesmo havia suprimido o decreto que criou a APA e outro que reduziu de tamanho a área que abrange o MONA-UC. O que se imaginava era que o partido dos trabalhadores iria ter uma posição firme de defesa do Projeto Orla, bem como lutar para que o executivo municipal não suprimisse uma linha sequer dos decretos que criaram as unidades de conservação.

Tanto não aconteceu como referendaram e vem referendando todas as ações anti ambientais e outros atos questionáveis praticados pela administração e sendo chancelados pela FAMA. O caso envolvendo o Deck no Morro merece uma abordagem mais sucinta e esclarecedora. Quando afirmei anteriormente que o MPF está sempre atendo as administrações de Araranguá e ao seu órgão ambiental sobre vícios cometidos em procedimentos de licenciamentos para obras de infraestrutura e edificações, o caso do Deck no Morro se mostra como mais um desses vícios administrativos detectado pelo órgão federal.

Em dezembro de 2021, cerca de uma dezena de entidades estiveram reunidas no Morro dos Conventos, para que juntos com o MPF realizassem ação de inspeção em toda a faixa costeira do município. Entre as entidades participantes, estavam lá presente o prefeito municipal e o superintendente da FAMA. O primeiro ato do grupo foi visitar a obra do Deck, que estava ainda no seu início. Tanto o procurador da república quanto o representante da policia ambiental, ambos detectaram haver falhas no projeto de execução da obra. O licenciamento apresentado pelo executor da obra autorizava a edificação da estrutura sobre as dunas frontais, decisão essa que se caracterizava como infração ambiental.

A posição do MPF foi que paralisassem a obra e refizessem o projeto, recomendando que os palanques devessem ser retirados de cima das dunas e recuado onde era o estacionamento. A justificativa é bem plausível, dunas frontais são ecossistemas vivos e dinâmicos, portanto sua proteção é necessária para a preservação da complexa fauna e da flora ali existente. O que imaginávamos era que outra vez a culpa pela paralisação da obra seria novamente terceirizada aos ambientalistas e cidadãos residentes no balneário. Dito e feito. Bastou o primeiro jornal noticiar o fato que foi dado inicio a “caça as bruxas”.

Houve até uma reunião no SAMAE de Araranguá com dezenas de participantes, unidos pelo mesmo objetivo, defender o poder público, a FAMA e demonizar mais uma vez o MPF e os ambientalistas, alegando a ambos as responsabilidades por todas as desgraças ocorridas no Morro. O que mais se ouviu no encontro foram expressões do tipo: se o MPF está autuando é porque tem alguém denunciando, portanto, precisamos atropelar os ecologistas, pois não querem o desenvolvimento do morro.

 Assimilaram direitinho todo o cenário de ódio, de ataques deferidos pelo governo federal àqueles/as que repudiam atos de destruição dos biomas brasileiros, defesa das comunidades tradicionais e indígenas, etc. Esses mesmos que se dizem defensores da causa animal, a favor ao meio ambiente, chegam ao cúmulo de questionar, por que os que estão denunciando não se pronunciam,  vindo a câmara de vereadores, ocupando a tribuna para explicar o que está errado na obra do Deck. Esses/as que fizeram tais solicitações talvez não saibam que vivemos num município onde são corriqueiras as prática de ameaças contra a vida de ambientalistas. São inúmeros os boletins de ocorrências protocolados na Polícia Civil relatando casos de assédio e de ameaças contra indivíduos que se arriscam denunciar crimes ambientais no Balneário.   

O que é mais grave nisso tudo é que tais opiniões violentas ou destorcidas contra ecologistas ou quem quer que seja defensor do meio ambiente não vem exclusivamente de legisladores que integram partidos sem qualquer tradição e moral para defender o meio ambiente. O próprio posicionamento do vereador Jair Anastácio também é carregado de dubiedades, no qual demonstra falta de conhecimento das particularidades do morro e até mesmo coragem de encarar os colegas e dizer que encaminhar denúncias de possíveis crimes ambientais são direitos assegurados constitucionalmente.

Deveria dizer também aos seus colegas do legislativo que os procuradores do Ministério Público Federal conheceram e conhecem muito bem toda a realidade da faixa costeira no qual atuam. Outro detalhe importante, o procurador não atua sozinho, o órgão federal possui profissionais, peritos em várias áreas do conhecimento que realizam levantamentos de campo para mitigar possíveis danos ambientais. Em 2012 durante inspeção de uma procuradora do MPF acompanhada por perito ligado a geologia, o profissional alertou dos riscos ao complexo de dunas quartanárias, lado sul do paleofalésia do balneário, na hipótese de haver liberação para edificações superior a dois pavimentos. 

Infelizmente nenhum dos vereadores que atua no legislativo de Araranguá tem conhecimento de toda a complexidade ambiental envolvendo o micro bioma Morro dos Conventos, também conhecido como um santuário ecológico. Existe uma infinidade de trabalhos desenvolvidos por pesquisadores de distintas universidades brasileiras dos quais confirmam ser o bioma Morro dos Conventos um dos mais ricos e complexos em biodiversidade.

Sugiro mais uma vez para agregar conhecimentos o trabalho de doutorado realizado pela pesquisadora Samanta Cristiano, cujo objeto de investigação foi o próprio projeto orla. O tema da sua pesquisa foi: Interfaces entre a Geoconservação e a Gestão Costeira no Município de Araranguá (santa Catarina, Brasil)[1]. Quem quiser ousar e ir mais a fundo no conhecimento sobre o morro dos conventos, recomendo visitar o meu blog morrodosconventos-jairo.blogspot.com.br. Lá será possível encontrar uma serie de textos sobre o assunto Morro publicados desde 2011, data da criação da página[2]  

Uma jornalista do Globo que esteve em Araranguá a convite dos integrantes da fundação SOS Mata Atlântica, tempos atrás, na qual ficou deslumbrada com tamanha beleza do lugar. Relatou no seu texto publicado no jornal que o Morro dos Conventos é comparado como um Oasis no litoral catarinense, tamanha a complexidade.

Como sugestão, recomendo que os/as vereadores/as de Araranguá antes de assumirem os seus mandatos que procurem se instruir a fundo sobre a geomorfologia, a geologia, a geografia, a biologia, a arqueologia, a história, e outras tantas áreas do conhecimento no qual o balneário e toda a faixa costeira do município estão assentados. Isso ajuda e muito durante as sessões em evitar falar tanta asneira sobre o local. Outro documento importante que recomendo para a leitura é o PGI do Projeto Orla que traz com clareza todas as demandas elencadas em três anos de encontros, inclusive a proposta do Decks, do banheiro e a abertura da rua entre o Morro e o Paiquerê.

Outro documento imprescindível para leitura e que está a disposição na internet é a pesquisa de doutorado em arqueologia realizada pelo Professor Juliano Bitencourt, do IPAT-UNESC. Na pesquisa o professor Juliano concluiu que o Morro dos Conventos possui um extraordinário acervo arqueológico datado de quatro, cinco mil anos de história, que deve ser preservado, pois dará informações relevantes sobre a fauna, flora e o clima local de séculos atrás.

Mas parece que nada disso interessa aos nossos legisladores, razão pela qual tamanha ignorância quando na casa legislativa é tratado temas desse nível. Para concluir gostaria de fazer repúdio ao certo legislador da atual legislatura acerca da sua posição a decisão encaminhada pelos órgãos ambientais à concessão do licenciamento à abertura da rua entre o Morro dos Conventos e o Paiquerê. A recomendação foi de que o município resgatasse espécies de mamíferos roedores conhecidos como tuco-tucos e pequenos sapinhos do local onde será realizada a abertura. Afirmou o vereador de que antigamente se tirava animais como os tuco- tucos na funda. Incrível que ninguém de seus colegas teve a coragem de contrariá-lo à postura desrespeitosa contra a fauna local.

Prof. Jairo Cesa



[1]https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/174509/001063500.pdf?sequence=1&isAllowed=y

[2] http://morrodosconventos-jairo.blogspot.com/

https://scholar.google.com/citations?view_op=view_citation&hl=pt-BR&user=A6W0il0AAAAJ&citation_for_view=A6W0il0AAAAJ:yD5IFk8b50cC


 

terça-feira, 8 de novembro de 2022

 

ATÉ QUE PONTO ARTE, CULTURA, ECOLOGIA E HISTÓRIA NÃO SÃO SINÔNIMOS DE MATURIDADE POLÍTICA

 

Três dias depois do início dos atos de bloqueios em rodovias federias e ocupações nas frentes de quartéis por bolsonaristas pedindo intervenção federal, eu e minha companheira nos deslocamos até o município de Blumenau para participar de curso na área da psicanálise. No caminho era possível observar dezenas de manchas pretas sobre as pistas da Br 101 e 470, resultado da queima de pneus, paus para impedir a passagem de caminhões. Essas ações geraram incertezas e desabastecimentos de combustíveis, alimentos, medicamentos, etc, em muitos municípios de Santa Catarina.

Incrível foi perceber que havia em alguns desses pontos manifestantes vestidos com camisetas da seleção brasileira sacudindo a bandeira brasileira. De fato a expectativa tanto minha quanto da minha companheira era exatamente o cenário dos tumultos no município de Blumenau, considerado um dos epicentros de manifestações pró Bolsonaro no estado. Chegando ao município, que demonstrava estar aparentemente calmo, aproveitei minha estadia lá já que o curso quem participaria era somente minha companheira, fui transitar pela cidade e conhecer seus atrativos históricos e culturais.

Blumenau é um município catarinense conhecido nacionalmente e até internacionalmente pelos traços germânicos, fato esse que contribuiu para a criação em 1983 da Octoberfest, maior festa da cerveja do mundo depois da Octoberfest de Munique, na Alemanha.  É sabido também que esse importante acontecimento festivo no município se deu motivado por uma tragédia ocorrida nesse mesmo ano, uma das maiores enchentes já registradas na região nos últimos tempos. Todos os anos, no mês de outubro, milhares de turistas brasileiros e estrangeiros são atraídos para lá para apreciar as cervejas, os chope e mais um pacote de atrações que fortalecem ainda mais o sentimento germânico trazido pelos descendentes europeus no começo do século XIX.

Caminhando pela extensa e arborizada calçada construída a margem direita do rio que corta a cidade, o rio Itajaí-açu, é possível chegar a uma quase centenária ponte de ferro inaugurada em 1931 e que serviu de trilhos para o trem que ia até ao porto de Itajaí. Junto a essa antiga ponte, que atualmente foi revitalizada e aberta para o transito de veículos leves, está o estonteante prédio da prefeitura, todo construído em estilo enxaimel, traços e linhas arquitetônicas que relembram as construções alemãs. Por ser sábado não foi possível adentrar ao interior da prefeitura, pois estava fechada ao público.

Foto Jairo


Porém, todos que diariamente acessam o seu interior não têm como não serem atraídos pelos enormes banners coloridos com imagens de plantas, flores, insetos, fixados nas vidraças do prédio. A primeira impressão é que os painéis seriam para homenagear o fundador da cidade, o alemão Hermann Blumenau. Mas não é. Os cerca de vinte painéis distribuídos nos dois lados das paredes da prefeitura são para homenagear outro cidadão tão o mais importante para os munícipes que o fundador Blumenau, o filósofo, médico, naturalista Fritz Muller.

Foto Jairo


Devido às revoluções liberais que se desencadeou na Europa, Alemanha em especial, Muller e sua família viajam para o Brasil em 1852, para nunca mais voltar à terra natal, uma viagem de quase noventa dias até a chegada ao destino, Blumenau. Em desterro, nessa mesma época, foi acometida por um surto de febre amarela que matou muitas pessoas, principalmente professores e religiosos. Já em Blumenau Muller teve que se dedicar a construção de sua residência, bem modesta, e o preparo da terra para produzir alimentos.

Quatro anos depois, o presidente da província de Santa Catarina, por indicação do Dr. Blumenau, convidou Fritz para lecionar matemática e ciência no Liceu da capital. Liceu é comparado com escolas de nível médio ou técnico atualmente.  Tendo os estudos interrompidos na Alemanha devido às revoluções, na capital da província, Desterro, é despertado a continuar suas pesquisas de doutorado iniciado no país germânico. Foi a rica diversidade de espécies da flora e da fauna da mata atlântica, o que mais lhe encantou, lhe motivando a pesquisar e conhecer seus segredos e peculiaridades de todo o ecossistema. O envolvimento foi tanto que lhe motivou a criar um jardim botânico e um laboratório de química e física.

Foto Jairo


Retornando a Blumenau, Muller dividiu o seu tempo na atividade camponesa e a pesquisa. O rio Itajaí-açu, que atravessa a cidade de Blumenau foi o seu campo de investigação. Espécies botânicas como orquídeas e bromélias se tornaram suas grandes paixões investigativas.    Essas e outras habilidades intelectuais contribuíram para que fosse convidado a ocupar o cargo de naturalista viajante no museu nacional do Rio de Janeiro. Entretanto, embora tendo aceitado e sendo insistentemente convidado para residir na capital do Brasil, Rio de Janeiro, decidiu manter residência em Blumenau.

A paixão era tanta pela botânica, que decidiu elaborar cartilhas didáticas para oportunizar crianças a aprenderem sobre o assunto. Os desenhos ilustrativos dos livrinhos foram elaborados pelo próprio Muller. Nas suas investigações sempre teve o acompanhamento de suas filhas, em especial, de Rosa, sua filha predileta. Essa participação da família de Fritz nas pesquisas e estudos foram características observadas em seus irmãos e primos que também acompanhavam os estudos de seus pais e avós na Alemanha.

Tem uma passagem curiosa na vida de Muller que vale a pena mencionar. Relatou Muller que a sua filha Rosa identificou um fenômeno pouco ou ainda não estudado em botânica, que era o movimento do caule das plantas seguindo o movimento do sol. O próprio Darwin, em resposta a Muller, disse que o fenômeno observado pela filha de Muller era muito curioso e que valeria a pena prosseguir os estudos. Muller faleceu em maio de 1897, porém seu legado nos estudos da ecologia continuou e permanece bem vivo e ajudando na preservação do bioma da mata atlântica e de outros ecossistemas.

Foto Jairo


Lendo os banners sobre a vida e os feitos de Fritz Muller para a ciência, aproveitei para fotografá-los e enviá-los ao meu filho adolescente que reside em Caxias do Sul. Lembro que quando ele estava com quatro ou cinco anos adquiri uma lupa e juntos começamos a observar plantas e pequenos insetos. No jardim onde resido havia uma árvore cujas folhas possuíam algumas protuberâncias, muito parecidas com verrugas comuns em pés e mãos humanas. Juntos partíamos aquelas verrugas nas folhas e notamos que havia no seu interior minúscula larva que se transformara em uma vespinha. Lembro do deslumbramento nos olhos do meu filho quando observou o inseto com a lupa.

Outra experiência que fizemos foi recolher da horta folhas de couve contendo ovinhos de uma borboleta branca grudadinhos nelas.  Organizamos uma pequena caixa de papelão e dentro inserimos as folhas contendo os ovinhos, cobrindo-os com uma tela. Diariamente acompanhamos a metamorfose daqueles minúsculos ovinhos. Em trinta dias, pouco mais ou pouco menos, os ovinhos viraram larvas, que cresciam na medida em que se alimentavam com as folhas de couve. As larvas/lagartas viraram pupas e, posteriormente, novamente borboletas.   Trago essas vivências tidas com meu filho sobre ecologia para lembrar a rotina de estudos e pesquisas de Fritz Muller, sempre acompanhado de sua filha predileta, Rosa.

O mausoléu onde estão os restos mortais do fundador da cidade, Hermann Blumenau e de seus familiares também é outro lugar de visitação obrigatória. Entretanto, acredito que todos que visitam Blumenau, quando tem em mão o mapa com o roteiro turístico, o local que deve aguçar o desejo em conhecer, principalmente ao público infantil, é o cemitério de gatos. Isso mesmo, cemitério dos gatos!! Para entender o porquê existir em Blumenau um cemitério de gatos, se faz necessário primeiro conhecer um pouco da história da sua idealizadora, uma cidadã blumenauense cujo nome é Edith Gearther.

Edith era sobrinha neta de Hermann Blumenau. Seu pai e mãe foram os fundadores do teatro da cidade. Por ter perdido os pais muito cedo, se transferiu para a Argentina onde já estavam morando alguns de seus irmãos. Lá conheceu uma atriz de teatro que lhe inspirou a seguir a carreira artística. Isso lhe motivou a morar na Alemanha e estudar arte dramática por quatro anos. Representou inúmeras peças, muitas das quais de renomados escritores da dramaturgia mundial, como Goethe, e Shakespeare. Depois de 25 anos vivendo na Europa, retornou para Blumenau, onde criou um ambiente propício para a leitura, cultivo de flores e cuidados com animais.

Foto Jairo


Embora gostasse de animais, sua predileção sempre foi de gatos, tendo em sua vida mais de cinqüenta felinos. Como forma de dar um final respeitoso aos mesmos, no fundo de sua casa, no meio de jardim botânico, os animais foram enterrados e pequenos túmulos foram edificados contendo as imagens e os nomes dos felinos.    Na década de 1950, data do centenário de Blumenau, Edith doou à municipalidade, a casa construída por seu pai, hoje museu da família colonial, e uma área de terra onde está o Jardim Botânico, a Biblioteca Pública, o Arquivo Histórico. Edith faleceu em 1967, com a idade de 85 anos.  

   

Foto Jairo

Não há dúvida que por todos os cantos do município de Blumenau é possível respirar arte, cultura e ecologia, algo pouco comum no restante dos municípios catarinenses. Entretanto, é importante destacar que geralmente a presença de vastos atrativos históricos e culturais em um mesmo local não são suficientes para elevar os níveis de maturidade política e tolerância social da população. Claro que quanto mais cultura, arte disponível à população maior seria de fato o grau de pertencimento e de interação étno-cultural.

Parece que quando nos referimos a maturidade e tolerância política esses adjetivos não condizem a realidade do município de Blumenau e de muitos outros do estado de Santa Catarina. O resultado eleitoral do segundo turno, que deu a vitória ao candidato do PT à presidência da República, fez desencadear graus de intolerância e violência política de opositores há muito tempo não vistos no Brasil. Mesmo com a desobstrução das rodovias federais ocupadas por populares no dia 02 de novembro, no dia 05 ainda era possível observar focos de pessoas ocupando as margens, protestando contra os resultados das urnas e pedindo intervenção federal.

Ainda em Blumenau percebia a enorme quantidade de automóveis e motocicletas desfilando pelas ruas e avenidas portando a bandeira do Brasil, objeto representativo de apoio bolsonarista ao candidato derrotado. Em qualquer direção que se olhava o que se observava eram indivíduos trajando camisetas da seleção brasileira de futebol, bem como lojas decoradas com as cores da bandeira do Brasil. Tudo isso fazia aflorar sentimentos de apreensão e dúvidas quanto ao futuro da democracia brasileira. Vendo todo aquele cenário de delírio coletivo, passei a imaginar que era o único que não comungava com tamanha loucura.

Prof. Jairo Cesa