domingo, 13 de novembro de 2022

 

ATACAR  AMBIENTALISTAS POR DEFENDEREM O FRAGIL ECOSSISTEMA DO MORRO DOS CONVENTOS SÃO TÁTICAS ADOTADAS PELO PODER PÚBLICO E O SEU ÓRGÃO AMBIENTAL PARA SE EXIMIREM DE CULPA DE INFRAÇÕES AMBIENTAIS COMETIDAS NAQUELE BALNEÁRIO

Em 12 de junho de 2022 a Oscip Preservação do Morro dos Conventos entregou manifesto a membros da executiva do Partido dos Trabalhadores de Araranguá para que proferissem moção de repúdio a integrantes do legislativo local por incitar a população à violência contra ecologistas no Balneário Morro dos Conventos. O motivo da revolta do executivo e do legislativo municipal se deu em decorrência de uma ação de embargo ajuizada pelo MPF, sucursal Tubarão, contra um cidadão que realizou edificação em área de APP. E não foi somente esse o embargo ajuizado, outros ocorreram como o que envolveu o poder público por supressão de vegetação nativa para a abertura de rua naquele balneário.

Até o momento não se tem notícia de que o partido dos trabalhadores ou mesmo o próprio vereador e presidente da sigla, Jair Anastácio, tenha se manifestado repudiando tais atos violentos contra aqueles que lutam para que o Morro não seja completamente entregue para a especulação imobiliária. Não demorou muito para que o Balneário outra vez aparecesse nos noticiários, envolvido em outra polêmica, dessa vez o objeto que ocupou a atenção dos araranguaenses foi o Deck construído junto a orla do Morro dos Conventos. O que mais chama a atenção nesse e em outros fatos similares, é o modo como a imprensa se encarrega de divulgá-los, com a explícita intenção de polemizar, provocar a ira da população, demonizar qualquer um que se atreva contrariar.

Um exemplo de manchete com nítido toque de maldade em relação ao fato em questão foi essa publicada por um Jornal de Araranguá: “ordem do MP pela retirada do deck do morro dos conventos gera contestações”. Analisando o documento enviado pelo MPF o que se pede é a supressão do Deck construído indevidamente sob área de restinga antropisada em frente a uma edificação particular, bem como retirada de uma das passarelas construída sobre as dunas frontais por causar impacto aquele ecossistema. Viram quanta diferença no que o MP pediu e o que a imprensa relatou.    

O modo como os fatos relativos ao Morro dos Conventos são apresentados, as insistentes intervenções da Polícia Ambiental, Ministério público estadual e federal, contra crimes ambientais ocorridos, o que impressiona é a postura do poder executivo e da fundação ambiental, sempre na posição de vítimas, jamais assumindo a responsabilidade por infrações cometidas. Terceirizar culpados, principalmente de ambientalistas e demais cidadãos por exercerem seus papeis constitucionais de agentes fiscalizadores do meio ambiente, tem se tornado estratégias bem sucedidas das últimas administrações como forma de se eximir de responsabilidades.

Diante das notícias divulgadas de que o MPF teria exigido que Poder Público e a Fama “demolissem” parte do Deck em área não permitida e que fosse suprimida uma das passarelas por estar em inconformidade ambiental, rapidamente a notícia virou um dos assuntos mais comentados nas redes sociais e em rodas de conversas. As respostas mais repetidas nos comentários das redes sociais eram do tipo: no Morro pessoas não querem o desenvolvimento, querem o Morro só para si. Outra resposta bem repetida: por que somente no Morro o MPF age com tanto rigor, não atuando da mesma forma em outros lugares como praia da Gaivota, praia do rincão, onde tudo pode?

Desde que a Oscip Preserv’Ação foi criada em 2011, quase todos os procuradores da República que atuaram na regional de Criciúma fizeram uma ou mais inspeções no Balneário, que são uma de suas prerrogativas, conhecer a fundo suas áreas de atuações. O que impressionou durante as visitas no Balneário foram a quantidade de irregularidades detectadas. Licenças ambientais, quando existiam, que eram apenas para a realização de reformas ou reparos, os proprietários estavam construindo nova edificação. Outros casos como a retificação de um canal ou córrego ligando o extinto lago do frango ao mar sem a execução dos devidos trâmites ambientais legais. Convém aqui ressaltar que tal irregularidade foi cometida mais uma vez pelo próprio poder público.  

Foi graças a ação do MPF, MPE e POLÍCIA AMBIENTAL que a paz retornou ao balneário, favorecendo, em especial, a complexa fauna de espécies migratórias, como as batuíras, que todos os anos cruzam a faixa costeira de Araranguá em direção ao hemisfério norte ao sul. Imagino que poucos integrantes do PT conhecem a fundo todas as tramitações advindas do MPF e TRF – 4 Regional de Porto Alegre, que resultaram no fechamento da Orla do Morro dos Conventos para veículos não oficiais. Ninguém pode imaginar o inferno que foi para nós ambientalistas viver no Morro dos Conventos, submetido às pressões vindas de todos os lados, principalmente ameaças contra nossa integridade física. Imprensa, poder público e o órgão ambiental municipal agiram como já prevíamos que foi encontrar culpado e jogá-los na arena para serem devorados pelos famintos leões.  

 Em 2014 projetos de uma passarela na furna e um mirante no farol foram alvos de uma ação do MPF por apresentarem inconformidades ambientais. Para o impedimento da obra do mirante no farol, o argumento apresentado pelos peritos do órgão federal foi de que haveria necessidade de estudos complementares relativos à geologia do local, avaliar as condições das fendas, se haveriam riscos ou não de as rochas colapsarem e causarem acidentes. Jamais os estudos complementares foram realizados.

De repente um novo projeto de mirante foi apresentado e construído, sendo que uma das passarelas se estende exatamente no ponto onde há alguns meses um geólogo constatou a existência de fendas no paredão com reais riscos de colapsarem. O caso ocorrido em Capitólio, Minas Gerais, onde um paredão colapsou matando inúmera pessoa foi por mim abordada em um texto que escrevi. Relatei que tanto o paredão do Morro dos Conventos como dos demais paredões que foram o complexo serra geral devem passar por constante monitoramento.

Inquestionavelmente o Projeto Orla tem e deve ser reconhecido como um dos feitos relevantes no município de Araranguá, cuja iniciativa foi sim do Partido dos Trabalhadores. Foram quase três anos de ininterruptos encontros com a participação de dezenas de entidades e mais de 60 reuniões e oficinas, que resultaram em robusto documento contendo mais de 200 PGI (Plano de Gestão Integrada). Nada ficou fora do documento, tudo o que considerávamos como extremamente relevante ao desenvolvimento do balneário, está detalhado no PGI.

Se o Projeto Orla por si só, era visto como uma grande realização dos PT, a administração ficou mais enobrecida ainda quando no final de 2016 assinou os decretos criando três unidades de conservação: a APA (Área de Preservação Ambiental) o MONA-UC (Monumento Natural Unidade de Conservação Morro dos Conventos) e a RESEX (Reserva Extrativista envolvendo o Balneário Ilhas e Morro Agudo. Independentemente das reuniões do grupo gestor ter sido encerrada em 2017, o que importava era o fato de ter o município agora três unidades de conservação, que com o tempo, as demandas contidas nos decretos seriam contempladas.

Outro acontecimento importante que talvez poucos da do Partido dos Trabalhadores tivesse conhecimento. Em 2015 ou 2016, também como demanda do Projeto Orla, um projeto de grande relevância turística foi aprovado voltado à criação de um roteiro geomorfológico para fomentar o turismo em toda a faixa costeira do município. O projeto tratava da instalação de nove painéis informativos sobre potencialidades turísticas da região em cinco pontos distintos. O primeiro painel, com informações preliminares sobre o roteiro, foi instalado nas dependências do Posto de combustíveis do Morro dos Conventos. Atualmente somente os painéis instalados no farol, no parapente, no beco das dunas e em Ilhas ainda persistem, embora em condições bem precárias.  

Desde o fim da gestão do prefeito Sandro Maciel, um dos principais desafios da Oscip foi fazer com que a administração seguinte executasse as demandas elencadas no PGI, principalmente o cumprimento das etapas relativas às unidades de conservação. Nada aconteceu. Mas o importante foi que o prefeito seguinte não tratou de suprimi-las como imaginávamos que aconteceria. A eleição de Cesar Cesa para prefeito de Araranguá nos gerou certo desconforto quando ficamos conhecendo seu projeto na área turística.

Em nenhum momento fez qualquer citação as demandas do projeto orla, dando a impressão de que tudo começaria do zero na área ambiental e turística do Morro dos Conventos. Antes de dar mais detalhes sobre a administração do MDB em Araranguá, penso que em 2018 ou 2019 a câmara de vereadores em uma de suas seções aprovou projeto de lei alterando dispositivos do Plano diretor que tratava sobre Zonas de interesse turístico e ambiental naquele balneário. As tratativas se deram diante de pressões advindas de segmentos interessados em obter vantagens pessoais.    

 No segundo ano de governo Cesa, veio a notícia de que o mesmo havia suprimido o decreto que criou a APA e outro que reduziu de tamanho a área que abrange o MONA-UC. O que se imaginava era que o partido dos trabalhadores iria ter uma posição firme de defesa do Projeto Orla, bem como lutar para que o executivo municipal não suprimisse uma linha sequer dos decretos que criaram as unidades de conservação.

Tanto não aconteceu como referendaram e vem referendando todas as ações anti ambientais e outros atos questionáveis praticados pela administração e sendo chancelados pela FAMA. O caso envolvendo o Deck no Morro merece uma abordagem mais sucinta e esclarecedora. Quando afirmei anteriormente que o MPF está sempre atendo as administrações de Araranguá e ao seu órgão ambiental sobre vícios cometidos em procedimentos de licenciamentos para obras de infraestrutura e edificações, o caso do Deck no Morro se mostra como mais um desses vícios administrativos detectado pelo órgão federal.

Em dezembro de 2021, cerca de uma dezena de entidades estiveram reunidas no Morro dos Conventos, para que juntos com o MPF realizassem ação de inspeção em toda a faixa costeira do município. Entre as entidades participantes, estavam lá presente o prefeito municipal e o superintendente da FAMA. O primeiro ato do grupo foi visitar a obra do Deck, que estava ainda no seu início. Tanto o procurador da república quanto o representante da policia ambiental, ambos detectaram haver falhas no projeto de execução da obra. O licenciamento apresentado pelo executor da obra autorizava a edificação da estrutura sobre as dunas frontais, decisão essa que se caracterizava como infração ambiental.

A posição do MPF foi que paralisassem a obra e refizessem o projeto, recomendando que os palanques devessem ser retirados de cima das dunas e recuado onde era o estacionamento. A justificativa é bem plausível, dunas frontais são ecossistemas vivos e dinâmicos, portanto sua proteção é necessária para a preservação da complexa fauna e da flora ali existente. O que imaginávamos era que outra vez a culpa pela paralisação da obra seria novamente terceirizada aos ambientalistas e cidadãos residentes no balneário. Dito e feito. Bastou o primeiro jornal noticiar o fato que foi dado inicio a “caça as bruxas”.

Houve até uma reunião no SAMAE de Araranguá com dezenas de participantes, unidos pelo mesmo objetivo, defender o poder público, a FAMA e demonizar mais uma vez o MPF e os ambientalistas, alegando a ambos as responsabilidades por todas as desgraças ocorridas no Morro. O que mais se ouviu no encontro foram expressões do tipo: se o MPF está autuando é porque tem alguém denunciando, portanto, precisamos atropelar os ecologistas, pois não querem o desenvolvimento do morro.

 Assimilaram direitinho todo o cenário de ódio, de ataques deferidos pelo governo federal àqueles/as que repudiam atos de destruição dos biomas brasileiros, defesa das comunidades tradicionais e indígenas, etc. Esses mesmos que se dizem defensores da causa animal, a favor ao meio ambiente, chegam ao cúmulo de questionar, por que os que estão denunciando não se pronunciam,  vindo a câmara de vereadores, ocupando a tribuna para explicar o que está errado na obra do Deck. Esses/as que fizeram tais solicitações talvez não saibam que vivemos num município onde são corriqueiras as prática de ameaças contra a vida de ambientalistas. São inúmeros os boletins de ocorrências protocolados na Polícia Civil relatando casos de assédio e de ameaças contra indivíduos que se arriscam denunciar crimes ambientais no Balneário.   

O que é mais grave nisso tudo é que tais opiniões violentas ou destorcidas contra ecologistas ou quem quer que seja defensor do meio ambiente não vem exclusivamente de legisladores que integram partidos sem qualquer tradição e moral para defender o meio ambiente. O próprio posicionamento do vereador Jair Anastácio também é carregado de dubiedades, no qual demonstra falta de conhecimento das particularidades do morro e até mesmo coragem de encarar os colegas e dizer que encaminhar denúncias de possíveis crimes ambientais são direitos assegurados constitucionalmente.

Deveria dizer também aos seus colegas do legislativo que os procuradores do Ministério Público Federal conheceram e conhecem muito bem toda a realidade da faixa costeira no qual atuam. Outro detalhe importante, o procurador não atua sozinho, o órgão federal possui profissionais, peritos em várias áreas do conhecimento que realizam levantamentos de campo para mitigar possíveis danos ambientais. Em 2012 durante inspeção de uma procuradora do MPF acompanhada por perito ligado a geologia, o profissional alertou dos riscos ao complexo de dunas quartanárias, lado sul do paleofalésia do balneário, na hipótese de haver liberação para edificações superior a dois pavimentos. 

Infelizmente nenhum dos vereadores que atua no legislativo de Araranguá tem conhecimento de toda a complexidade ambiental envolvendo o micro bioma Morro dos Conventos, também conhecido como um santuário ecológico. Existe uma infinidade de trabalhos desenvolvidos por pesquisadores de distintas universidades brasileiras dos quais confirmam ser o bioma Morro dos Conventos um dos mais ricos e complexos em biodiversidade.

Sugiro mais uma vez para agregar conhecimentos o trabalho de doutorado realizado pela pesquisadora Samanta Cristiano, cujo objeto de investigação foi o próprio projeto orla. O tema da sua pesquisa foi: Interfaces entre a Geoconservação e a Gestão Costeira no Município de Araranguá (santa Catarina, Brasil)[1]. Quem quiser ousar e ir mais a fundo no conhecimento sobre o morro dos conventos, recomendo visitar o meu blog morrodosconventos-jairo.blogspot.com.br. Lá será possível encontrar uma serie de textos sobre o assunto Morro publicados desde 2011, data da criação da página[2]  

Uma jornalista do Globo que esteve em Araranguá a convite dos integrantes da fundação SOS Mata Atlântica, tempos atrás, na qual ficou deslumbrada com tamanha beleza do lugar. Relatou no seu texto publicado no jornal que o Morro dos Conventos é comparado como um Oasis no litoral catarinense, tamanha a complexidade.

Como sugestão, recomendo que os/as vereadores/as de Araranguá antes de assumirem os seus mandatos que procurem se instruir a fundo sobre a geomorfologia, a geologia, a geografia, a biologia, a arqueologia, a história, e outras tantas áreas do conhecimento no qual o balneário e toda a faixa costeira do município estão assentados. Isso ajuda e muito durante as sessões em evitar falar tanta asneira sobre o local. Outro documento importante que recomendo para a leitura é o PGI do Projeto Orla que traz com clareza todas as demandas elencadas em três anos de encontros, inclusive a proposta do Decks, do banheiro e a abertura da rua entre o Morro e o Paiquerê.

Outro documento imprescindível para leitura e que está a disposição na internet é a pesquisa de doutorado em arqueologia realizada pelo Professor Juliano Bitencourt, do IPAT-UNESC. Na pesquisa o professor Juliano concluiu que o Morro dos Conventos possui um extraordinário acervo arqueológico datado de quatro, cinco mil anos de história, que deve ser preservado, pois dará informações relevantes sobre a fauna, flora e o clima local de séculos atrás.

Mas parece que nada disso interessa aos nossos legisladores, razão pela qual tamanha ignorância quando na casa legislativa é tratado temas desse nível. Para concluir gostaria de fazer repúdio ao certo legislador da atual legislatura acerca da sua posição a decisão encaminhada pelos órgãos ambientais à concessão do licenciamento à abertura da rua entre o Morro dos Conventos e o Paiquerê. A recomendação foi de que o município resgatasse espécies de mamíferos roedores conhecidos como tuco-tucos e pequenos sapinhos do local onde será realizada a abertura. Afirmou o vereador de que antigamente se tirava animais como os tuco- tucos na funda. Incrível que ninguém de seus colegas teve a coragem de contrariá-lo à postura desrespeitosa contra a fauna local.

Prof. Jairo Cesa



[1]https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/174509/001063500.pdf?sequence=1&isAllowed=y

[2] http://morrodosconventos-jairo.blogspot.com/

https://scholar.google.com/citations?view_op=view_citation&hl=pt-BR&user=A6W0il0AAAAJ&citation_for_view=A6W0il0AAAAJ:yD5IFk8b50cC


 

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