terça-feira, 22 de novembro de 2022

 

ESQUEMAS DA FIFA PARA A ESCOLHA DO QATAR COMO SEDE DO MUNDIAL DE FUTEBOL DE 2022

Netflix - Esquemas da Fifa


Não é segredo para ninguém que a transferência dos jogos da copa do mundo no Qatar para novembro e dezembro se deve as altas temperaturas que castigam aquele país durante junho e julho, meses tradicionais desse evento esportivo em quatro em quatro anos. Se a ideia era fazer com que os jogadores e milhares de torcedores não sofressem com o calor escaldante do verão no oriente médio, essa preocupação das autoridades do Qatar e da FIFA deveriam ser as mesmas com milhares de imigrantes trabalhadores que atuaram nas obras de infraestrutura para os grandes eventos esportivos mundial, não é mesmo?

De acordo com reportagens investigativas realizadas pelo jornal britânico The Guardian[1], o mesmo reportou em fevereiro de 2021 que mais de seis mil trabalhadores perderam suas vidas durante os doze anos em que o Qatar envolvido em obras preparativas para a copa. A verdade é que em 2010 o país árabe embora integrasse a lista de candidatos para sediar a copa de 2022, as possibilidades de ser escolhido eram muito remotas. Mudanças protocolares na Fifa abriram precedentes para que os revezamentos por continentes não ocorressem naquele momento. Sendo assim, EUA, Austrália, Japão, Coréia do Sul e o Catar, lançaram suas candidaturas.

Não há dúvida que todos esses países, exceto o Catar, apresentavam melhores condições de infraestruturas tanto esportivas quanto de mobilidade naquele momento. Para que o catar realizasse o evento teria que realizar uma profunda transformação no país com custo bilionário. No entanto, o que não faltava para o Catar e demais países do Golfo Pérsico era dinheiro, pois são grandes produtores mundiais de petróleo.  Entra em ação nesse momento toda a expertise de membros da confederação esportiva asiática, cujo presidente era um cidadão do Catar para fazer com que os votos dos integrantes das demais confederações fossem para a escolha do Catar e não dos EUA, como já era previsto.  

As articulações para mudar os votos a favor do Catar entraram em ação. De repente em um jantar oferecido pelo governo Francês Nicolas Sarkozy a um membro da confederação futebolística do Qatar e outros integrantes de Federação Internacional de Futebol, tudo fez mudar o panorama relativo à escolha do país sede à copa de 2022.  Em vez dos Estados Unidos, foi o Qatar a nação nomeada, país sem tradição alguma no futebol e sem qualquer infraestrutura capaz de garantir a realização do evento. Além do mais o Qatar é visto por muitos governos como uma ditadura e cujos líderes acusados de infringir regras relativas aos direitos humanos. Perseguir, prender e torturar homossexuais é uma dessas práticas denunciadas.  

Quem já visitou o Qatar, Bahrein e até mesmo os Emirados Árabes Unidos deve ter percebido que nações pequenas tomadas por guindastes por todos os cantos. São territórios que têm o petróleo como principal base econômica, cuja atividade é controlada por poderosas famílias que integram dinastias perenes. Em pouco tempo áreas inóspitas, desérticas como onde está os Emirados Árabes Unidos se transformaram em um verdadeiro canteiro de obras. Dia após dias prédios e mais prédios, muito dos quais verdadeiros arranha céus mudaram radicalmente a geografia de cidades como Dubai, Abu Dhabi e Doha, essa última capital do Qatar.

São países ou principados que devem toda a transformação ao trabalho quase escravo de milhares de imigrantes, onde parcela significativa deles são de países asiáticos pobres como Nepal, Índia, Bangladesh, Filipinas, Sri Lanka e de nações africanas como o Quênia, Congo, etc. O que impressiona é o fato de a reportagem publicada pelo The Guardian sobre as atrocidades e as mortes a trabalhadores ocorridas no Qatar vir a sofrer certo descrédito das autoridades tanto do país anfitrião quanto da Fifa, ambos alegando que as informações divulgadas pelo órgão jornalístico não possuir qualquer fundamento comprobatório.

E não foi somente o jornal The Guardian que realizou reportagem acusando o Qatar de ter cometido delito relativo aos preparativos da copa. Outro jornal britânico, o The Sunday Time, também publicou matéria afirmando ter havido suborno entre dirigentes da FIFA para a escolha do catar. O jornal, para a publicação da matéria, se utilizou do livro publicado pela escritora Bonita Mersiades em janeiro de 2018, cujo título é “Custe o Que Custar – a História Interna da Fifa”.[2] Entre as denúncias contidas no livro está a que acusa executivos da emissora de TV Al Jaseera, de terem assinado uma clausula de 100 milhões de dólares em bônus para a FIFA no caso do catar ser escolhido como sede em 2022.  Também revelou o jornal de ter visto cópia de contrato secreto no valor de 480 milhões de dólares também repassado a FIFA por integrantes do governo do catar, três anos depois, ou seja, em 2021.

Sobre as denuncias de trabalho análogo a escravidão nas obras preparativas a copa do mundo no Qatar, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) sediada em Zurich, na Suíça, não demonstrou interesse em investigar a fundo tais infrações trabalhistas praticadas naquele país. Há denúncias de que empresários donos de empreiteiras que atuavam no Qatar de terem sequestrado os passaportes dos trabalhadores imigrantes e os forçado a trabalharem como escravos, pagando baixos salários e morando em ambientes insalubres. Foi somente em 2022 que a OIT finalmente apresentou relatório sobre as condições de trabalho no país, documento totalmente desatualizado, demonstrando nitidamente certa benevolência com as atrocidades cometidas pelas autoridades do Qatar.

O fato é que o emblemático caso de corrupção e suborno envolvendo membros importantes da FIFA na escolha do Qatar para sediar a copa de 2022, não foi uma exceção. Há algum tempo tanto a FIFA quanto inúmeras federações ou confederações esportivas de várias continentes e países vêm sendo incriminadas de estarem envolvidas de manobras ilícitas na eleição de dirigentes para cargos importantes, até mesmo de presidente da entidade.  Quem tinha alguma dúvida sobre o envolvimento da FIFA em atos de corrupção, suborno, para que deliberada nação fosse escolhida e não outra, basta assistir os quatro capítulos de um seriado lançado pela Netflix em 2022, cujo título é “ESQUEMAS DA FIFA”.

O seriado prende o expectador desde o primeiro capítulo. O pressentimento que fica quando se assiste o documentário é de que quase todos os mundiais realizados a partir da década de 1970 foram manipulados, tanto na escolha dos países como nos resultados dos jogos. A certeza se dá a partir do momento em que o documentário revelou todo o esquema montado na assembleia da FIFA de 2010, data em que a Rússia e o Qatar foram indicados para receber as copas de 2018 e 2022.

Como em qualquer democracia habitualmente todos os governos são eleitos com votação direta a cada quatro ou mais anos. A FIFA como um órgão que representa o futebol internacional, um dos esportes mais populares do mundo, seus presidentes ou dirigentes também são eleitos a cada intervalo de tempo. Desde a década de 1970 até 2019 a Fifa foi capitaneada por dois presidentes, o brasileiro João Havelange e o suíço Joseph Blatter. O documentário mostrou que ambos perduraram a frente da entidade por longos períodos graças a complexos e intrincados lobbies políticos. Estão inseridos nesse balaio de caranguejos, ditaduras e integrantes de federações futebolísticas corruptas.

A copa do mundo na Argentina em 1978, em uma época em que o país estava submetido a uma das mais sangrentas ditaduras da América do Sul onde mais de 30 mil pessoas foram assassinadas e desaparecidas, causa náusea quando se vê no documentário a presença do presidente da fita Havelange junto com o general argentino Rafael Videla, ambos alegremente assistindo, provavelmente, o jogo da seleção anfitriã, na qual foi campeã mundial. A sena se torna mais repugnante quando se soube que a alguns quarteirões do estádio havia o quartel onde pessoas estavam sendo torturadas.

Houve um episódio classificado como esquizofrênico envolvendo esse local de tortura. No último jogo da copa, envolvendo a seleção Argentina e a Holanda, no final quando o país anfitrião derrotou o adversário e se sagrou campeão, os generais deram pausa nas torturas, colocando no interior de um automóvel uma mulher que estava sendo torturada. Saíram alegremente pelas ruas de Buenos Aires para festejar, porém, mais tarde, retornaram à sede do quartel e continuaram com as seções de tortura.   

Foi em 1998, quase três décadas depois de assumir o posto de comandante da FIFA, que João Havelange finalmente entregou o posto de presidente da entidade ao Joseph Blatter, que permaneceu na direção até 2019, quando foi preso junto com outros membros da entidade acusados de inúmeros crimes contra o órgão. Junto com Blatter foram presos Michel Platini; Chuck Blazer; Mohammed Bin Hamman; Ricardo Teixeira; Issa Hayatou; Cung Mong-joon; Angel Maria Vilar; Júlio Grandona e Jack Warner. Para saber mais sobre suas nacionalidades, cargos ocupados e tipos de crimes cometidos, a sugestão é assistir o documentário acima citado.

A pena imposta a Blatter foi banimento de qualquer posto na entidade por oito anos. Toda essa sujeira que envolveu o comando de uma entidade considerada tão ou mais poderosa que dirigentes de nações, atingiram também a CBF, que levou a prisão de José Maria  Marin, que comandou a entidade de 2012 a 2015.

Cabe reforçar nesse imbróglio futebolístico o ex-dirigente da CBF, Ricardo Teixeira, também pivô de escândalos de corrupção. No documentário o dirigente do futebol brasileiro era sempre evidenciado, isso se deve ao fato de ter permanecido à frente da entidade por mais de duas décadas. O fato marcante na vida desse personagem foi sua votação a favor do Qatar como sede da copa de 2022. Como de outros dirigentes, Teixeira foi denunciado além de outras 42 pessoas e empresas por terem participado no esquema de suborno na FIFA que teria movimentado aproximadamente 150 milhões de dólares. O caso ficou conhecido como FIFAGATE.

Não é de hoje de que regimes autoritários se desfrutam de eventos esportivos como Jogos Olímpicos e Copas do Mundo para desvirtuar impactos de crises econômicas e violações de direitos humanos. A copa do mundo na Itália em 1934 e os jogos olímpicos de Berlin em 1936 são dois acontecimentos emblemáticos repletos de simbolismos. Tanto o primeiro quanto o segundo evento, seus líderes, Hitler e Mussolini, aproveitaram o ensejo para amplificar sua popularidade e robustecer o sentimento patriótico dos seus povos. Todos nós ficamos sabendo quais os impactos desse patriotismo cego as populações judias, negras, ciganas, entre outras.

 A copa do mundo de 1970 no México, cujo campeão foi o Brasil, os generais brasileiros se aproveitaram do título para promoção política. Durante os jogos ou até mesmo meses de ter ocorrido o mundial pouco ou nada se falava sobre o aumento da inflação e as torturas praticadas nos porões da ditadura. Vestir a camiseta canarinho, bem como desfraldar a bandeira nacional foi para os generais uma estratégia bem sucedida para disseminar o sentimento de patriotismo da sociedade e ofuscar as suas barbaridades.

 Como aconteceu durante a ditadura quando os militares se apropriaram das cores verde amarelo para engrandecer os feitos patrióticos, atualmente usar a camiseta da seleção brasileira e portar ou cobrir-se com a bandeira brasileira, se configura apoio ao bolsonarismo. O fato é que o início do sequestro desses dois símbolos nacionais ocorreu nas manifestações de junho de 2013 quando milhões de brasileiros saíram às ruas vestidos de verde amarelo. Desse modo, mais tarde a extrema direita viu uma oportunidade tentadora de se apropriar desse ícone para se projetar no cenário político nacional. O resultado, no entanto, foi a eleição de Jair Bolsonaro à presidente da república em 2018.  A copa do mundo no Brasil em 2014, repleta de denúncias de superfaturamento em obras preparativas e a derrota de 7 a 1 da seleção brasileira contra a Alemanha, foram estopins para engrossar o sentimento de desilusão e antipetismo.  Tudo isso desaguou no impeachment da presidente de Dilma Rousseff do PT em 2016.

Ao assumir o cargo de presidente da república em 01 de janeiro de 2019, Jair Bolsonaro criou seu lema ufanista para os quatro anos governo cuja denominação foi “Brasil Pátria Amada”. O lema é nada mais que uma repaginação do ideário positivista que influenciou na moldagem do projeto republicanismo conservador brasileiro do final do século XIX. Acontece que no governo de Bolsonaro esse processo se deu não para construir um imaginário de unificação cultural, muito pelo contrário, a intenção foi acelerar ainda mais o processo de “purificação” da sociedade brasileira. O negacionismo escancarado acerca do Covid 19 que matou quase seiscentas mil pessoas, a violência contra negros, indígenas, grupos LGBTQI+, são provas cabais da existência de um projeto fascista em curso no país e que deve ser rechaçado.

Prof. Jairo Cesa            

                           

https://piaui.folha.uol.com.br/ouca-o-episodio-bonus-de-o-sequestro-da-amarelinha/

https://www.cnnbrasil.com.br/esporte/me-perseguiram-por-vinganca-o-bill-clinton-e-vingativo-diz-ricardo-teixeira/

https://brasil.elpais.com/esportes/2020-06-07/a-selecao-que-presenteou-a-ditadura-com-uma-taca.html

https://brasil.elpais.com/brasil/2018/06/16/deportes/1529108134_704637.html#?rel=listaapoyo

https://brasil.elpais.com/brasil/2015/07/01/internacional/1435706029_139611.html

https://brasil.elpais.com/brasil/2016/03/13/politica/1457906776_440577.html

https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/11/5051711-uso-politico-da-camisa-da-selecao-faz-torcedor-buscar-outras-cores.html

https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2022/11/10/brasileiros-trocam-amarelinha-por-camisa-vermelha.htm

https://www.youtube.com/watch?v=uamrO_LwnaI

https://www.youtube.com/watch?v=kX_poTE0jSA

https://pt.besoccer.com/noticia/the-sunday-times-catar-sabotou-rivais-476260

https://www.cnnbrasil.com.br/esporte/sport-washing-e-corrupcao-moldam-polemicas-em-torno-da-realizacao-da-copa-no-catar/



[1] https://www.theguardian.com/global-development/2021/feb/23/revealed-migrant-worker-deaths-qatar-fifa-world-cup-2022

[2] https://www.amazon.com/Whatever-Takes-Inside-Story-978-0-999643-1-0-5/dp/099964310X

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