ESQUEMAS
DA FIFA PARA A ESCOLHA DO QATAR COMO SEDE DO MUNDIAL DE FUTEBOL DE 2022
Não
é segredo para ninguém que a transferência dos jogos da copa do mundo no Qatar
para novembro e dezembro se deve as altas temperaturas que castigam aquele país
durante junho e julho, meses tradicionais desse evento esportivo em quatro em
quatro anos. Se a ideia era fazer com que os jogadores e milhares de torcedores
não sofressem com o calor escaldante do verão no oriente médio, essa
preocupação das autoridades do Qatar e da FIFA deveriam ser as mesmas com
milhares de imigrantes trabalhadores que atuaram nas obras de infraestrutura
para os grandes eventos esportivos mundial, não é mesmo?
De
acordo com reportagens investigativas realizadas pelo jornal britânico The
Guardian[1], o
mesmo reportou em fevereiro de 2021 que mais de seis mil trabalhadores perderam
suas vidas durante os doze anos em que o Qatar envolvido em obras preparativas
para a copa. A verdade é que em 2010 o país árabe embora integrasse a lista de
candidatos para sediar a copa de 2022, as possibilidades de ser escolhido eram
muito remotas. Mudanças protocolares na Fifa abriram precedentes para que os
revezamentos por continentes não ocorressem naquele momento. Sendo assim, EUA,
Austrália, Japão, Coréia do Sul e o Catar, lançaram suas candidaturas.
Não
há dúvida que todos esses países, exceto o Catar, apresentavam melhores
condições de infraestruturas tanto esportivas quanto de mobilidade naquele
momento. Para que o catar realizasse o evento teria que realizar uma profunda
transformação no país com custo bilionário. No entanto, o que não faltava para
o Catar e demais países do Golfo Pérsico era dinheiro, pois são grandes
produtores mundiais de petróleo. Entra
em ação nesse momento toda a expertise de membros da confederação esportiva
asiática, cujo presidente era um cidadão do Catar para fazer com que os votos
dos integrantes das demais confederações fossem para a escolha do Catar e não
dos EUA, como já era previsto.
As
articulações para mudar os votos a favor do Catar entraram em ação. De repente
em um jantar oferecido pelo governo Francês Nicolas Sarkozy a um membro da
confederação futebolística do Qatar e outros integrantes de Federação
Internacional de Futebol, tudo fez mudar o panorama relativo à escolha do país
sede à copa de 2022. Em vez dos Estados
Unidos, foi o Qatar a nação nomeada, país sem tradição alguma no futebol e sem
qualquer infraestrutura capaz de garantir a realização do evento. Além do mais
o Qatar é visto por muitos governos como uma ditadura e cujos líderes acusados
de infringir regras relativas aos direitos humanos. Perseguir, prender e
torturar homossexuais é uma dessas práticas denunciadas.
Quem
já visitou o Qatar, Bahrein e até mesmo os Emirados Árabes Unidos deve ter
percebido que nações pequenas tomadas por guindastes por todos os cantos. São territórios
que têm o petróleo como principal base econômica, cuja atividade é controlada
por poderosas famílias que integram dinastias perenes. Em pouco tempo áreas
inóspitas, desérticas como onde está os Emirados Árabes Unidos se transformaram
em um verdadeiro canteiro de obras. Dia após dias prédios e mais prédios, muito
dos quais verdadeiros arranha céus mudaram radicalmente a geografia de cidades
como Dubai, Abu Dhabi e Doha, essa última capital do Qatar.
São
países ou principados que devem toda a transformação ao trabalho quase escravo de
milhares de imigrantes, onde parcela significativa deles são de países
asiáticos pobres como Nepal, Índia, Bangladesh, Filipinas, Sri Lanka e de
nações africanas como o Quênia, Congo, etc. O que impressiona é o fato de a
reportagem publicada pelo The Guardian sobre as atrocidades e as mortes a
trabalhadores ocorridas no Qatar vir a sofrer certo descrédito das autoridades
tanto do país anfitrião quanto da Fifa, ambos alegando que as informações
divulgadas pelo órgão jornalístico não possuir qualquer fundamento
comprobatório.
E
não foi somente o jornal The Guardian que realizou reportagem acusando o Qatar
de ter cometido delito relativo aos preparativos da copa. Outro jornal britânico,
o The Sunday Time, também publicou matéria afirmando ter havido suborno entre
dirigentes da FIFA para a escolha do catar. O jornal, para a publicação da
matéria, se utilizou do livro publicado pela escritora Bonita Mersiades em
janeiro de 2018, cujo título é “Custe o Que Custar – a História Interna da
Fifa”.[2]
Entre as denúncias contidas no livro está a que acusa executivos da emissora de
TV Al Jaseera, de terem assinado uma clausula de 100 milhões de dólares em
bônus para a FIFA no caso do catar ser escolhido como sede em 2022. Também revelou o jornal de ter visto cópia de
contrato secreto no valor de 480 milhões de dólares também repassado a FIFA por
integrantes do governo do catar, três anos depois, ou seja, em 2021.
Sobre
as denuncias de trabalho análogo a escravidão nas obras preparativas a copa do
mundo no Qatar, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) sediada em
Zurich, na Suíça, não demonstrou interesse em investigar a fundo tais infrações
trabalhistas praticadas naquele país. Há denúncias de que empresários donos de
empreiteiras que atuavam no Qatar de terem sequestrado os passaportes dos
trabalhadores imigrantes e os forçado a trabalharem como escravos, pagando
baixos salários e morando em ambientes insalubres. Foi somente em 2022 que a
OIT finalmente apresentou relatório sobre as condições de trabalho no país, documento
totalmente desatualizado, demonstrando nitidamente certa benevolência com as
atrocidades cometidas pelas autoridades do Qatar.
O
fato é que o emblemático caso de corrupção e suborno envolvendo membros
importantes da FIFA na escolha do Qatar para sediar a copa de 2022, não foi uma
exceção. Há algum tempo tanto a FIFA quanto inúmeras federações ou
confederações esportivas de várias continentes e países vêm sendo incriminadas
de estarem envolvidas de manobras ilícitas na eleição de dirigentes para cargos
importantes, até mesmo de presidente da entidade. Quem tinha alguma dúvida sobre o envolvimento
da FIFA em atos de corrupção, suborno, para que deliberada nação fosse
escolhida e não outra, basta assistir os quatro capítulos de um seriado lançado
pela Netflix em 2022, cujo título é “ESQUEMAS DA FIFA”.
O
seriado prende o expectador desde o primeiro capítulo. O pressentimento que fica
quando se assiste o documentário é de que quase todos os mundiais realizados a
partir da década de 1970 foram manipulados, tanto na escolha dos países como nos
resultados dos jogos. A certeza se dá a partir do momento em que o documentário
revelou todo o esquema montado na assembleia da FIFA de 2010, data em que a
Rússia e o Qatar foram indicados para receber as copas de 2018 e 2022.
Como
em qualquer democracia habitualmente todos os governos são eleitos com votação
direta a cada quatro ou mais anos. A FIFA como um órgão que representa o
futebol internacional, um dos esportes mais populares do mundo, seus
presidentes ou dirigentes também são eleitos a cada intervalo de tempo. Desde a
década de 1970 até 2019 a Fifa foi capitaneada por dois presidentes, o brasileiro
João Havelange e o suíço Joseph Blatter. O documentário mostrou que ambos
perduraram a frente da entidade por longos períodos graças a complexos e
intrincados lobbies políticos. Estão inseridos nesse balaio de caranguejos, ditaduras
e integrantes de federações futebolísticas corruptas.
A
copa do mundo na Argentina em 1978, em uma época em que o país estava submetido
a uma das mais sangrentas ditaduras da América do Sul onde mais de 30 mil
pessoas foram assassinadas e desaparecidas, causa náusea quando se vê no
documentário a presença do presidente da fita Havelange junto com o general
argentino Rafael Videla, ambos alegremente assistindo, provavelmente, o jogo da
seleção anfitriã, na qual foi campeã mundial. A sena se torna mais repugnante quando
se soube que a alguns quarteirões do estádio havia o quartel onde pessoas
estavam sendo torturadas.
Houve
um episódio classificado como esquizofrênico envolvendo esse local de tortura.
No último jogo da copa, envolvendo a seleção Argentina e a Holanda, no final
quando o país anfitrião derrotou o adversário e se sagrou campeão, os generais
deram pausa nas torturas, colocando no interior de um automóvel uma mulher que
estava sendo torturada. Saíram alegremente pelas ruas de Buenos Aires para
festejar, porém, mais tarde, retornaram à sede do quartel e continuaram com as
seções de tortura.
Foi
em 1998, quase três décadas depois de assumir o posto de comandante da FIFA, que
João Havelange finalmente entregou o posto de presidente da entidade ao Joseph
Blatter, que permaneceu na direção até 2019, quando foi preso junto com outros
membros da entidade acusados de inúmeros crimes contra o órgão. Junto com
Blatter foram presos Michel Platini; Chuck Blazer; Mohammed Bin Hamman; Ricardo
Teixeira; Issa Hayatou; Cung Mong-joon; Angel Maria Vilar; Júlio Grandona e
Jack Warner. Para saber mais sobre suas nacionalidades, cargos ocupados e tipos
de crimes cometidos, a sugestão é assistir o documentário acima citado.
A
pena imposta a Blatter foi banimento de qualquer posto na entidade por oito
anos. Toda essa sujeira que envolveu o comando de uma entidade considerada tão ou
mais poderosa que dirigentes de nações, atingiram também a CBF, que levou a
prisão de José Maria Marin, que comandou
a entidade de 2012 a 2015.
Cabe
reforçar nesse imbróglio futebolístico o ex-dirigente da CBF, Ricardo Teixeira,
também pivô de escândalos de corrupção. No documentário o dirigente do futebol brasileiro
era sempre evidenciado, isso se deve ao fato de ter permanecido à frente da
entidade por mais de duas décadas. O fato marcante na vida desse personagem foi
sua votação a favor do Qatar como sede da copa de 2022. Como de outros
dirigentes, Teixeira foi denunciado além de outras 42 pessoas e empresas por
terem participado no esquema de suborno na FIFA que teria movimentado
aproximadamente 150 milhões de dólares. O caso ficou conhecido como FIFAGATE.
Não
é de hoje de que regimes autoritários se desfrutam de eventos esportivos como
Jogos Olímpicos e Copas do Mundo para desvirtuar impactos de crises econômicas
e violações de direitos humanos. A copa do mundo na Itália em 1934 e os jogos
olímpicos de Berlin em 1936 são dois acontecimentos emblemáticos repletos de
simbolismos. Tanto o primeiro quanto o segundo evento, seus líderes, Hitler e
Mussolini, aproveitaram o ensejo para amplificar sua popularidade e robustecer
o sentimento patriótico dos seus povos. Todos nós ficamos sabendo quais os
impactos desse patriotismo cego as populações judias, negras, ciganas, entre
outras.
A copa do mundo de 1970 no México, cujo
campeão foi o Brasil, os generais brasileiros se aproveitaram do título para
promoção política. Durante os jogos ou até mesmo meses de ter ocorrido o
mundial pouco ou nada se falava sobre o aumento da inflação e as torturas
praticadas nos porões da ditadura. Vestir a camiseta canarinho, bem como
desfraldar a bandeira nacional foi para os generais uma estratégia bem sucedida
para disseminar o sentimento de patriotismo da sociedade e ofuscar as suas
barbaridades.
Como aconteceu durante a ditadura quando os
militares se apropriaram das cores verde amarelo para engrandecer os feitos
patrióticos, atualmente usar a camiseta da seleção brasileira e portar ou
cobrir-se com a bandeira brasileira, se configura apoio ao bolsonarismo. O fato
é que o início do sequestro desses dois símbolos nacionais ocorreu nas
manifestações de junho de 2013 quando milhões de brasileiros saíram às ruas
vestidos de verde amarelo. Desse modo, mais tarde a extrema direita viu uma
oportunidade tentadora de se apropriar desse ícone para se projetar no cenário
político nacional. O resultado, no entanto, foi a eleição de Jair Bolsonaro à
presidente da república em 2018. A copa
do mundo no Brasil em 2014, repleta de denúncias de superfaturamento em obras
preparativas e a derrota de 7 a 1 da seleção brasileira contra a Alemanha,
foram estopins para engrossar o sentimento de desilusão e antipetismo. Tudo isso desaguou no impeachment da
presidente de Dilma Rousseff do PT em 2016.
Ao
assumir o cargo de presidente da república em 01 de janeiro de 2019, Jair
Bolsonaro criou seu lema ufanista para os quatro anos governo cuja denominação
foi “Brasil Pátria Amada”. O lema é nada mais que uma repaginação do ideário
positivista que influenciou na moldagem do projeto republicanismo conservador
brasileiro do final do século XIX. Acontece que no governo de Bolsonaro esse
processo se deu não para construir um imaginário de unificação cultural, muito
pelo contrário, a intenção foi acelerar ainda mais o processo de “purificação”
da sociedade brasileira. O negacionismo escancarado acerca do Covid 19 que
matou quase seiscentas mil pessoas, a violência contra negros, indígenas,
grupos LGBTQI+, são provas cabais da existência de um projeto fascista em curso
no país e que deve ser rechaçado.
Prof.
Jairo Cesa
https://piaui.folha.uol.com.br/ouca-o-episodio-bonus-de-o-sequestro-da-amarelinha/
https://brasil.elpais.com/esportes/2020-06-07/a-selecao-que-presenteou-a-ditadura-com-uma-taca.html
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/06/16/deportes/1529108134_704637.html#?rel=listaapoyo
https://brasil.elpais.com/brasil/2015/07/01/internacional/1435706029_139611.html
https://brasil.elpais.com/brasil/2016/03/13/politica/1457906776_440577.html
https://www.youtube.com/watch?v=uamrO_LwnaI
https://www.youtube.com/watch?v=kX_poTE0jSA
https://pt.besoccer.com/noticia/the-sunday-times-catar-sabotou-rivais-476260
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