quinta-feira, 29 de setembro de 2016


A ONG NORTE AMERICANA TEACH FOR ALL (ENSINO PARA TODOS) E O VIOLENTO ATAQUE A CARREIRA DE PROFESSOR (A) NO BRASIL

Há poucos dias estava ouvindo uma entrevista na Rádio Faixa Livre com a professora do ensino médio que também é diretora do SEPE (Sindicato dos Professores do Estado do Rio de Janeiro) Wina Alcântara, quando durante sua fala citou o nome de uma ONG norte americana chamada Teach For All, que promove o recrutamento de professores (as) para trabalhar em escolas de comunidades pobres. Ela afirmou que no Brasil a organização foi batizada de “Ensina Brasil”. Por alguns minutos fiquei refletindo acerca do caráter do projeto até que “caiu a fixa”. Na realidade a Medida Provisória relativa ao Ensino Médio consta um dispositivo que flexibiliza a contratação de professor, cuja proposta apresentada pela ONG ensina brasil se encaixa perfeitamente com o que é pretendido pela reforma.
Instigado pela reportagem, acessei o site oficial da organização e lá averiguei que a entidade atua em cerca de 40 países, 10 deles somente na América Latina, cujo propósito é treinar “professores (as)” durante cinco semanas para atuarem em escolas localizadas em comunidades pobres dos países que atua. No momento que muitos países buscam reformular suas políticas disponibilizando mais recursos para promover transformação na educação, como a Tailândia, Noruega, Finlândia, etc. cujos salários de um professor especialmente na Tailândia são equiparados a de um engenheiro, no Brasil e outros países o processo segue caminhos  invertidos. O que se vê é o violento ataque à profissão docente com o rebaixamento de suas remunerações, com reflexos terríveis à economia e a supressão das desigualdades sociais.
A pretensão de querer instituir no Brasil um braço da ONG norte americana, para adestrar em cinco semanas pessoas para o exercício da profissão docente, é uma afronta à constituição, às políticas públicas e as intermináveis lutas realizadas pela categoria para o reconhecimento da profissão de docente. Levantamento feito nos Estados Unidos dá conta que esse modelo de ensino, vinte anos depois de sua implantação, não resolveu os problemas elementares do qual o projeto se propunha. Muitos dos recrutados para o trabalho docente concebiam a função como bico, abandonando-a no instante que obtinham trabalho na profissão de origem.
O fato é que o regulamento no qual disciplina a contratação do docente obriga os candidatos recrutados a terem uma formação acadêmica, independente de qual seja. Após passarem por um processo de “adestramento”, estarão “aptos” para exercerem a função de professor (a) ou função similar por um prazo estipulado de dois anos, percebendo salários similares aos demais profissionais de inicio de carreira, pagos pelos governos que aderirem as parcerias. No Brasil, o projeto Ensina Brasil é financiado pela Fundação Lemann e Itaú Social, de caráter eminentemente empresarial, onde seguem preceitos ditados pelo capital.
O estado do Mato Grosso do Sul está se credenciando para formar parceria com a respectiva ONG e já há previsão de que no primeiro semestre de 2017 sejam recrutados voluntários que passarão pela experiência de estar em sala de aula. Nessa linha, a tendência é que paulatinamente outros estados sejam atraídos firmando parcerias, podendo se configurar em um novo modelo de educação de baixo custo para os cofres públicos. Seguindo as diretrizes da reforma do ensino médio e o “Ensina Brasil”, o modelo trabalhador (a) docente que se deseja “formar” combina perfeitamente com o projeto de sociedade almejado pelas elites, de cidadãos (ãs) de baixa formação intelectual, adaptáveis a um modelo de produção que requer trabalhadores treinados, rotativos e dóceis.   
 Com o possível crescimento da demanda por mão-de-obra disponível de professores e de qualificação duvidosa a tendência será o rebaixamento ainda maior dos salários, além, é claro, de transformar estudantes em passíveis cobaias, para que os ditos “professores (as)” possam aprender a dar aulas durante os dois anos de contrato. Portanto, qual o reflexo a médio e longo prazo desse modelo nefasto de educação? Analisando e contextualizando alguns critérios contidos no programa da ONG para o recrutamento de professores (as) estagiários (as), o que causou perplexidade foi o item que discorre sobre por que participar do programa?  A resposta apresenta-se da seguinte forma: “durante os dois anos do programa, a pessoa passará por uma formação que auxiliará em como dar aulas e a desenvolver habilidades cruciais em qualquer carreira”. Observaram? Crianças ficarão a mercê de pessoas onde irão, pasmem aprender a dar aula!! Pode isso? A dúvida que fica é, se não aprenderem  durante o período do contrato? Quem perde com isso?
Há clara evidência que quem elaborou a MP desconhece ou, se conhece, desrespeitou o empenho de milhares de educadores que tiveram envolvidos  na discussão do Plano Nacional de Educação, aprovado em 2014 sob a lei n. 13.005/14. O plano no qual foi dividido em 19 metas, se faz necessário relembrar o que diz a meta 15 com relação a formação profissional: “garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no prazo de 1 (um) ano de vigência deste PNE, política nacional de formação dos profissionais da educação de que tratam os incisos I, II e III do caput do Art. 61 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado que todos os professores e as professoras da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam”.
Observem que em relação ao Art. 61 da LDB, a MP-746 incluiu mais um inciso, o de número IV, onde permite a  contratação de  profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação. O inciso flexibiliza o processo de contratação. Na falta de um (a) professor (a) específico (a) à área ofertada, por exemplo, à física, o dispositivo faculta a contratação de um (a) profissional de área afim, nesse caso um engenheiro, arquiteto, etc. Cabe frisar que esse “velho novo modelo” de ensino médio, apresenta  similaridade com o que foi adotado nas décadas de 1970 e 1980, especialmente nas áreas técnicas.
 É inconcebível tal absurdo. Isso é colocar em risco toda uma geração. Todos sabem que são nos primeiros anos de vida das crianças, do maternal ao fundamental, que são requeridos profissionais altamente qualificados para o exercício da profissão docente, de mestres e doutores. Isso segue também para o ensino médio. Quando se imaginava que o Brasil poderia dar uma guinada na educação, cujos planos aprovados como PNE, BNCC e PROPOSTAS CURRICULARES, davam mostras dessa possibilidade, surgem essas bombas de efeitos retardados como a Reforma do Ensino Médio e a ONG Ensina Brasil. O que esperar do futuro? São gerações que estarão sendo ameaçadas.
Não podemos permitir que a educação pública continue sendo guiada por instituições a serviço do empresariado como a Fundação Lemann, Itaú Social, Airton Sena, Fundação Roberto marinho, entre outras. O que dizer da opinião lançada por um integrante da ONG todos pela educação em relação a formação universitária. Disse que: “a formação universitária apropriada para lecionar não é garantia de qualidade. O excesso de teorias nos cursos de pedagogia e licenciatura e o distanciamento com a realidade escolar podem prejudicar o ensino”.   Mais uma vez ratifico, o que esperar do futuro da educação quando se lê frases absurdas como a citada acima que tenta criminalizar as universidades pelo caos no qual está envolvida a educação pública no Brasil.  

Prof. Jairo Cezar

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

A REFORMA DO ENSINO MÉDIO SEGUINDO AS DIRETRIZES DO PLANO DE AJUSTE FISCAL IMPOSTAS PELO CAPITAL

Quando se soube da assinatura  da medida provisória feita pelo presidente da república onde promoveu alterações de dispositivos da LDB, lei n. 9394/96, especialmente referente ao ensino médio, o que chamou a atenção foi o item que trata da ampliação do tempo do aluno na escola de aula que passará de 800 para 1400 horas. A proposta soa “confinamento”, isso mesmo, aprisionamento, pois manter o aluno recluso no interior das escolas cujas estruturas mais parecem presídios de segurança máxima, é pura ingenuidade de quem acredita que isso poderá reverter os péssimos resultados de um sistema de avaliação questionável como o IDEB.  
Os números divulgados pelo  IDED além de outros fatores que são mercadológicos também foram um dos indicadores que contribuíram  para agilizar as mudanças no ensino. O  fato é que esse dispositivo de  medição nacional sua eficiência é duvidosa e não representam a realidade por excluir outros indicadores importantes principalmente os aspectos sociais e econômicos dos estudantes. Leva-se em consideração na avaliação apenas aspectos técnicos como avaliações de provas padrões para todas as unidades de ensino.
Outro agravante que jamais deve ser omitido para a compreensão das reformas estruturais é o plano de ajuste fiscal, cuja reforma no ensino médio entre outras tantas medidas impositivas tem por princípio assegurar o cumprimento das metas impositivas ditadas pelo Banco Mundial e outros agentes financeiros.  Além é claro, a reforma visa expandir o tecnicismo no ensino, modelo regime militar, para a “formação” de um novo “exército de trabalhadores”, reserva de mão de obra barata pouco qualificada, para suprir a demanda do capital. A tendência é o desmonte inquestionável dos institutos federais e estaduais de ensino, que tem nas suas políticas pedagógicas toda uma filosofia que prepara cidadãos para  além do mercado de trabalho.    
Acreditar que com a supressão de disciplinas como artes, sociologia, filosofia e educação física e a elevação do tempo de permanência do estudante em sala de aula modificará o quadro traumático que se encontra a educação é permanecer confinado a “caverna de Platão”.  Muitos já escreveram alertando que a intenção dos governos anteriores e o atual eram forjar uma situação que justificasse uma reforma profunda na educação nos moldes apresentados pela medida provisória do governo Michel Temer. Limitar ao máximo os investimentos na construção e reestruturação de unidades básicas de ensino e remunerar mal os professores seria algumas  das estratégias que assegurariam   resultados negativos nas avaliações e que convenceriam a sociedade da necessidade de mudanças radicais para reverter o quadro de “decadência” da escola pública.
O fato é que tais argumentos têm procedência. Pois vejamos. Somente na região de Araranguá com 43 escolas que integram a 22ª GERED pasmem, desse total 39 delas não apresentam alvarás de funcionamento, portanto, não estão aptas  para oferecer segurança aos estudantes e profissionais. Sem contar que quase todas não possuem bibliotecas estruturadas, as salas de tecnologias estão sucateadas, sem laboratórios de ciências, o acesso a internet é precário, etc, etc. 
 O que dizer então da qualidade do ensino? Quem é professor sabe que o problema da educação no Brasil é muito mais complexo que se imagina. Centenas de reformas já foram realizadas desde o período colonial e que se estenderam durante toda a república, porém, sem qualquer reversão do quadro de desigualdade social e de dependência econômica. Lembra da reforma do Marquês de Pombal, Ministro do governo de D. José I, de Portugal, século XVIII, que atacou frontalmente o modelo de ensino jesuítico, uma manobra articulada pelo Estado português para fortalecer sua hegemonia no Brasil e nos territórios sobre sua influência.  Atém o momento todas as reformas instituídas na educação, exceto no período que antecedeu o golpe militar, contribuíram para a intensificação do quadro de pobreza, miséria e alienação de milhões de brasileiros. Não é isso que vemos hoje, com mais de 80% de analfabetos estruturais?   
Reformas são como tratamentos para moléstias diagnosticadas por médicos. É indicado medicamento e o paciente é tratado. No entanto, há o risco do retorno da moléstia  pelo fato do tratamento não debelar as causas reais, apenas os efeitos, que é a própria doença. O que vem se fazendo com a educação pública tem o mesmo sentido.  Alteram-se dezenas de dispositivos da LDB e do FUNDEB sem atacar a causa da moléstia que é a inexistência de um projeto de sociedade pautado na valorização do professor. O exemplo da Singapura serve como exemplo, onde a remuneração do profissional da educação é equiparada ao de engenheiro. Já no Brasil...
Uma reforma que amplia o tempo de permanência do aluno na escola, quando se sabe que milhares de unidades de ensino não apresentam as mínimas condições de infraestrutura para uma educação de qualidade, é uma atitude um tanto quanto criminosa dos governos. O fato é que milhares de estudantes de escolas públicas exercem algum trabalho remunerado no contra turno como forma de auxiliar na subsistência da família. É quase provável que muitos estudantes deixarão de freqüentar a escola ou se matricularão naquelas de turno único, isso é claro se houver tal opção no município, especialmente os de pequeno porte. Como ficará o ensino noturno? A medida provisória não cita.
A supressão de disciplinas como sociologia, artes, filosofia e Educação Física no ensino médio são medidas, digamos, “psicóticas” de governos que procuram deixar explícitos quais os seus objetivos e a quem estão representando. Se fosse realmente representar o povo, como é o preceito constitucional, jamais tomariam medidas absurdas como essas, com um agravante, sem dialogar com a sociedade. Países como a Finlândia levaram 10 anos para promover reformas estruturais na educação.   Afinal, o que representa a arte, a sociologia e a filosofia na construção da identidade social? São áreas, como as demais que completam o currículo, que atuam diretamente  no processo de maturação da criticidade e da liberdade  individual e coletiva.  Lembram da aberração quanto a proposta descabida de Escola sem Partido?   Excluir arte,  sociologia e filosofia, o que isso preconiza? Não seria uma forma também de alienação, de formação de sujeitos dóceis, despolitizados e manipuláveis?
Outra aberração também é com o ensino da educação física. O ataque é essa área do saber se constitui em um dos maiores retrocessos já vistos na educação brasileira. Sem contar que há pouco mais trinta dias e uma semana o Brasil sediou dois eventos esportivos importantes, as olimpíadas e paraolimpíadas, cujo legado pretendido foi o fortalecimento das políticas públicas para alavancar a expansão de espaços para a atividade física e prática esportiva em todo território nacional.
Agora, vir com essa proposta, tornando a educação física disciplina facultativa no ensino médio, é piada de mau gosto. O analfabetismo não é somente o desconhecimento das letras para a compreensão do mundo, ela se dá também através do corpo e a educação física é imprescindível para isso. Segundo a Psicóloga do Esporte Kátia Rúbia: “quando se tem uma boa educação física motora, as crianças têm suas habilidades básicas desenvolvidas. Além do mais quando se tem analfabetos motores, fica muito difícil esperar uma população olímpica”.
O que poderá acorrer com a supressão dessas disciplinas do ensino médio das escolas públicas é certamente a expansão do desnivelamento de oportunidade entre estudantes das redes particulares e públicas. Se a qualidade no ensino já era gritante mesmo com a contratação de profissionais habilitados, imagine como ficará com a flexibilização dos contratos onde se excluirá os concursos públicos. Basta comprovar “notório saber”, que estará disponível para estar em uma sala de aula.  
Alguém já imaginou um profissional de “notório saber” atuando nos cursos de medicina, engenharia civil, entre outras importantes áreas do conhecimento?  Claro que não! Se os concursos serão dispensados às escolas públicas, adivinhe quem decidirá sobre a escolha do professor “apto” para o exercício da função? Lembra também do modo como os diretores das escolas estaduais eram selecionados até pouco tempo atrás?  Não estaria nesse novo modelo de contratação sendo ressuscitado o famigerado fantasma do apadrinhamento político, cujas vagas disponíveis ficarão atreladas aos acordos eleitoreiros? Não podemos esperar para ver.
Prof. Jairo Cezar  


quinta-feira, 22 de setembro de 2016

AS CONTRADIÇÕES ENVOLVENDO  O TEXTO DA NOVA PROPOSTA CURRICULAR DE SANTA CATARINA (2014) E O COTIDIANO DAS ESCOLAS PÚBLICAS ESTADUAIS


Quase vinte e cinco anos depois da implantação da primeira versão da proposta curricular catarinense, e  18 anos da segunda versão, em 2014 o governo do estado surpreendeu os catarinenses, bem como os (as) professores (as) com uma nova proposta curricular, que segundo seus organizadores (as) se constitui em um documento avançadíssimo por contemplar pormenores da contemporaneidade, dentre eles as diversidades sociais e culturais como princípio da construção individual e coletiva. Quem acompanhou passo a passo as etapas que converteram nas três versões, 1991, 1998 e 2005, deve estar se perguntando, por que investir tempo e  dinheiro em uma nova propositura, quando se sabe que dificilmente será concretizada com as que antecederam?


Outra vez os dispositivos contidos no novo texto se contrapõem as diretrizes neoliberais excludentes que embasam as políticas públicas para a educação dos atuais governos. Para exemplificar,  basta relembrar os cortes bilionários do orçamento para educação nos dois últimos anos e a o teor restritivo do texto relativo a BCNC (Base Curricular Nacional Comum). São passivos também de alusão outros estratagemas de natureza classificatória  como os sistemas de avaliação nacional (ENEM/IDEB) que, por si só, já embaraça todo o arcabouço teórico e metodológico esboçado nos Planos Nacional, Estaduais, municipais e na PC-SC, 2014.
Será que outra vez os (as) professores (as) da rede estadual terão que “engolir seco” mais um engodo de uma proposta como as demais, que não tiveram participação efetiva na sua elaboração? Relembrando a primeira proposta de 1991, depois de aprovada nos 10 anos que se seguiram, cópias foram distribuídas às escolas, que permaneceram esquecidas ou apenas enfeitaram as estantes das secretarias e bibliotecas. Habitualmente, quando o documento era trazido à discussão permeava entre os (as) professores (as) certo desconforto pelo fato do distanciamento entre teoria e prática. Embora a proposta fosse  fundamentada seguindo a filosofia sócio interacionista, a realidade se mostrava funcionalista, cartesiana.
Uma proposta com foco teórico metodológico alicerçado em  vertentes  marxistas, como Vigotsky, Paulo Freire, Valon, entre outros, não coadunaria com os reais objetivos das políticas públicas dos governos de plantão delineadas pelo capital. Isso é tão real que, tivessem as propostas executadas, não teria o Estado enfrentado inúmeras e extensas greves como as que se transcorreram na vigência das Propostas Curriculares anteriores.   A greve do magistério que se sucedeu no governo de Pedro Ivo Campo, do PMDB, década de 1990, e violentamente reprimida pela polícia, foi uma delas.  Na época a categoria do magistério apresentava como com uma das suas bandeiras de luta o cumprimento da proposta curricular.
Foi, portanto, nos quatro anos da administração de Paulo Afonso Vieira, que sucedeu a revisão da primeira proposta, que resultou em outro documento também fundamentado  no materialismo histórico e dialético. O governo de Paulo Afonso, comparado ao de Pedro Ivo Campos, foi também pautado num discurso populista, cuja prática negava categoricamente o que era dito. Sua plataforma de governo seguiu as prerrogativas ditadas pelos banqueiros internacionais, que redirecionaram os currículos à lógica da qualidade total. O treinamento de gestores e professores através de cursos a distância como as teleconferências foi uma das prerrogativas do seu governo. 
 Mais uma vez, tanto Paulo Afonso como os governadores subseqüentes encaminharam a nova versão revisada da  proposta curricular às escolas, porém, o resultado foi precisamente o que se presumia, infinitas cópias distribuídas às escolas e professores (as). Como já era de esperar, o plano curricular não atraiu a atenção dos (as) profissionais, ocupando junto com as propostas anteriores as estantes das bibliotecas. Inevitavelmente, o processo de ensino e avaliação manteve-se inalterado seguindo o modelo tradicional positivismo, conteúdo tracejado na verdade, na realidade como algo dado, definitivo, acabado.  
Alguém ainda lembra-se do caderno de Estudos Temáticos, outra proposta ousada sancionada em 2005, que discorria sobre diretrizes que revolucionariam o ensino a partir das séries iniciais. O foco no momento era a alfabetização baseada no letramento, na educação e trabalho, entre outras ações mirabolantes, que dificilmente sairiam do papel. Constituiu-se como manual semelhante  as duas propostas curriculares, extremamente ricas em informações e criticidade, porém, inviável à aplicação, no modelo de administração que se seguia. 


Durante sua vigência quantas vezes professores, pais, estudantes, se reuniram para dialogar e definir estratégias ou cronogramas de execução conjunta? É claro que não foram e nem terão oportunidade para tanto, pois os estudos temáticos trazem à luz a reflexão dos problemas do cotidiano em que a solução está na supressão das desigualdades sociais e maiores investimentos em educação e qualificação profissional. Frente aos novos desafios do capital que insiste em se reinventar diante das crises cíclicas, às nações periféricas são imputadas agudas reformas estruturais na educação, preconizando currículos mais enxutos e funcionais.  No Brasil esse processo de ajuste do capital vem se concebendo via reforma curricular através da aprovação da BNCC, que já traz no seu corpo teórico todo um recorte de saberes válidos, reconhecidos e aceitos, em detrimento de outros.
A sistematização do arcabouço teórico do que deve ser aprendido e o que ficou silenciado ou excluído da Base Nacional foi parte de uma decisão política, pelo fato da formulação do documento partir de um grupo de intelectuais indicados a partir também de critérios políticos. Na mesma lógica dos governos populistas que estiveram envolvidos na elaboração das propostas curriculares de 1991 e 1998, os atuais continuam desperdiçando dinheiro com calhamaços e mais calhamaços de cópias de uma nova proposta sem qualquer expectativa de que seja aplicada na sua totalidade. Tentam enganar ou desviar a atenção da sociedade e dos (as) professores (as)  com algo que seria essencial antes de discutir currículo e outras medidas desnecessárias nesse momento que é a recuperação física das escolas e o cumprimento das legislações relativas ao piso salarial e plano de carreira dos (as) professores (as).
 Quanto as escolas públicas estaduais, que inclui salas de aulas, quadras e ginásios esportivos, anfiteatros e outros compartimentos, a região que congrega a 22ª GERED, expõem um retrato preocupante em relação as condições infraestruturais das 43 unidades de ensino, que talvez se assemelhe as demais 1800 estaduais espalhadas por “Toda Santa Catarina”.   A informação repassada por um integrante do Corpo de Bombeiro, que é o órgão responsável pela concessão de alvarás de funcionamento das escolas, nos 16 municípios da AMESC onde existem unidades estaduais, apenas 03 ou 04 possui alvarás. São escolas recém construídas e inauguradas há dois ou três anos. 
As demais 39 estão irregular, porém, seu funcionamento foi autorizado desde que o órgão gestor, na época SDR, encaminhasse plano de revitalização. Em 2014 o Secretario do órgão assinou o primeiro termo de compromisso de recuperação, cujos prazos não foram cumpridos. Em 2015, mais uma vez o acordo foi assinado com a promessa de que no prazo máximo de 6 a 8 meses a  secretaria apresentaria projeto propondo a recuperação de todas as escolas. Só a documentação com o diagnóstico das escolas avaliadas o orçamento ficaria próximo de 1 milhão de reais, disse o profissional do Corpo de Bombeiro.
Para que as respectivas escolas sem alvarás não tivessem o ano letivo comprometido, como medida cautelar, o órgão fiscalizar autorizou o funcionamento com a condição de que havendo denúncia de acidente ou situação de risco eminente, o órgão gestor, nesse caso a ADR, seria autuada com o pagamento de multa de 4 mil reais. Alguns eventos autorizados nas escolas como festa junina em uma das escolas no município de Araranguá, sua realização somente foi possível devido ao encaminhamento de um termo de compromisso assinado pelo corpo gestor prometendo não utilizar obras construídas como cozinhas e banheiros.
O Anfiteatro Célia Belizzaria, único espaço público para eventos de grande porte no município de Araranguá, mais uma vez sofreu intervenção dos órgãos fiscalizadores, pelo fato da ADR mais uma vez não ter cumprido o acordo firmado no final de 2015, de não ter apresentado projeto de revitalização do respectivo espaço e dos demais ambientes da EEBA. Como medida paliativa que pudesse evitar a intervenção definitiva da escola foi realizada alguns reparos como a fixação de placas informativas, lanternas de emergência, instalação de extintores de incêndio, entre outros.
Portanto, foram apenas ações provisórias até que fossem feitos os reparos definitivos.  A exemplo da EEBA, além da reestruturação do ginásio de esportes, deveria se fazer também a recuperação de todo sistema hidráulico da unidade de ensino com custo orçado em cerca de 150 mil reais. É importante também enfatizar que em 2015 o Sinte – Regional Araranguá encaminhou ofício as defesas civis e vigilâncias sanitárias de todos os municípios que congregam a 22 GERED, para que realizassem inspeção em todas as escolas estaduais da região. Conforme relatou um dos coordenadores da vigilância sanitária, se fosse considerado todos os itens contidos na resolução, talvez uma ou duas escolas estivesse em conformidade com a mesma.   
 Quem leu a proposta curricular catarinense, versão 2014, deve ter notado que a mesma se apresenta como um compêndio de boas intenções do Estado, porém, muito longe da realidade das escolas como foram as propostas anteriores. A proposta fala de educação básica e Formação Integral, da estruturação do trabalho pedagógico, da diversidade do princípio formativo, etc. etc. Nesse aspecto, a proposição insiste em reafirmar que uma formação integral parte do pressuposto de que toda a comunidade escolar deva estar envolvida no processo decisório, da construção do currículo conforme as diretrizes do PPP.
 Segundo dispositivos contidos na nova versão da proposta curricular “o PPP é compreendido como documento síntese, um instrumento e um movimento da escola, carrega consigo a potencialidade de se transformar em um fio condutor entre o contexto escolar e a comunidade, realçando o envolvimento da família, de modo que esta seja parte das decisões da escola”. (41) Quantas escolas da rede pública estadual de ensino nesses quase trinta anos de proposta curricular, ousaram se rebelar a fazer valer o que realmente estabelece seus projetos pedagógicos? Não somente professores (as), mas também os próprios pais na elaboração dos conteúdos, das avaliações e demais decisões importantes no processo organizacional da escola.
Claro que foram pouquíssimas as escolas. Esse distanciamento se dá pelo fato de a escola ainda se manter distante da comunidade. Além do distanciamento, estão cada vez mais fechadas, protegidas por muros, cercas elétricas e câmeras de vigilância por todos os cantos. A sociedade não as vê mais como extensão das suas vidas, como as igrejas cujas portas permanecem abertas para o público quase vinte quatro horas. O próprio desleixo dos governos com a conservação dos prédios, equipamentos pedagógicos e com os (as) professores (as), reflete diretamente na própria comunidade que não as reconhece como ambiente intrínseco a sua existência, que os transforma e os humaniza.
Nada disso, a escola para muitos estudantes é algo traumático, um terrível fardo a ser carregado diariamente. Ainda hoje, como no começo do século XX, os (as) estudantes são recolhidos (as) às salas, distribuídos (as) um atrás do outro (a) durante quatro ou mais horas por dia. O agravante é que tem de suportar aulas tediantes, muitas dos quais com temas descontextualizados da realidade. Bem diferente do que diz a proposta na Proposta Curricular quando ressalta que o currículo deve corroborar com ações que proporcione a educação integral com práticas das quais os estudantes possam utilizar o conhecimento empírico, do cotidiano, para transformá-lo ou convertê-lo em ações concretas e conscientes.
 Uma educação integral não é compatível com ambientes cercados por muros ou cercas. Esse modelo de educação deve partilhar com a vizinhança e arredores que também cumprem papéis pedagógicos. Gradativamente as escolas estão se fechando em intransponíveis muralhas com intuito de se protegerem dos marginalizados que também são vítimas do próprio econômico que exclui. A escola, portanto, não pode se eximir desse complexo cenário de instabilidade no qual é desafiada a enfrentar. Querer se esquivar não trazendo para o debate os conflitos e as contradições da sociedade e não inseri-los no seu currículo, torna a escola também cúmplice dos problemas no qual vem enfrentando.
 Quantos (as) estudantes conhecem realmente a realidade do entorno das escolas, a precariedade das vias públicas, os problemas de mobilidade; a falta de saneamento básico; os déficits de moradias, iluminação pública, entre outras? A proposta de currículo integral é ampliar o repertório vivencial da vida escolar dos sujeitos, buscando relacioná-los às vivências na comunidade (Pag. 44). Portanto, aqui está a resposta ao instrumento de alienação da educação pública, que sonega da escola tal vivência, pelo fato de poder despertar a consciência crítica, compreendendo que as causas estão na negligência do próprio Estado em cumprir com sua função constitucional.
Incluir no PPP a proposta de integralidade até pode ser, porém, traduzi-lo em ações efetivas por meio de diagnósticos e intervenção sistematizada, impacta com o real projeto de educação que se preconiza, que é a prevalência do status quo social por meio de reformas pontuais sem promover rupturas. Todos que vivenciam o cotidiano das escolas públicas concordam que há anos os profissionais da educação perderam a autonomia de sujeitos construtores (artesãos) do conhecimento como era estabelecido nas propostas curriculares e outros dispositivos legais.
  Encontros, seminários ou paradas pedagógicos, para dialogar currículo ou PPP, necessariamente deveriam emanar da necessidade da própria escola. Como entidade autônoma e pública, ou seja, do povo e não do governo e seu agrupamento partidário, a escola não deve permanecer sujeitada aos mandos e desmandos de desgovernos burgueses, sem qualquer pretensão de ruptura do atual modelo de educação que molda corpos para o trabalho.
 Até que ponto é aceitável que itens como o respeito aos direitos humanos, ambientais, a diversidade, ambos como princípio formativo sejam inseridos no PPP, se o (a) próprio (a) professor (a) não é respeitado (a) como profissional, estando reduzido (a) à condição de trabalhador (a) “serviçal” da educação.  Outra falácia relativa à Proposta Curricular diz respeito ao seguimento avaliativo das escolas quando reconhece que os índices classificatórios do ENEM e do IDEB não deveriam se configurar em ranqueamentos, de que a avaliação externa não substitua o que está estabelecido nos PPP. Num encontro pedagógico (parada pedagógica) realizado recentemente, a fala de uma assistente técnica pedagógica revela exatamente o quadro deprimente vivido pelas escolas públicas estaduais de SC.
Segundo ela “A função social da escola de ambiente transformador, de envolver pesquisa, arte e cultura no processo construtivo dos sujeitos é um sonho distante. O que se faz hoje é ensinar matemática, física, fazer provas bimestrais, disputar notas e nada mais. Onde está, portanto, a arte, cultura? Esse é o retrato da escola, dar conta da prova do ENEM”. Ou fazemos cumprir o que estabelece a função social da escola, ou teremos que rediscuti-lo, adequando ao mundo real e não o fantasioso da escola, do faz de conta.
  Quanto ao sistema de reanqueamento das escolas, tudo leva a crer que o próprio governo e seu secretario da educação não foram informados de que a proposta curricular versão atualizada se posiciona contrária ao dispositivo classificatório. Mais uma vez a proposta se mostra contraditória revelando que como as que antecederam se converteram em documento impresso, emoldurando as estantes das secretarias e bibliotecas. Também se prestará como material de propaganda política para ludibriar o povo catarinense, afirmando equivocadamente que o modelo de educação proposto é compatível com as aspirações dos professores e das entidades que as representam como o SINTE.
É preciso debelar essa farsa governamental que está sendo disseminada por todo estado através das mídias conservadoras burguesas. Na reportagem de capa do dia 9 de setembro de 2016, do DC, a manchete expressou o seguinte teor quanto ao resultado da avaliação do ensino fundamental e médio das escolas brasileiras: “Dados do IDEB mostram que Santa Catarina precisa de reformulação da grade curricular para evitar os altos índices de reprovação e de evasão entre adolescentes”.           Quando ressalta a necessidade de reformulação da grade curricular, a impressão que fica é que não houve nenhuma reformulação curricular no estado. Houve sim, em 2014, que embora não tenha tido a participação expressiva dos profissionais da educação, o documento se mostra inovador se aplicado integralmente.  Os resultados, portanto, quanto às avaliações inquestionavelmente serão bem melhores aos que foram apresentados.
Ou talvez não, pelo fato da proposta se estruturar num modelo de currículo, cujos conteúdos e avaliações aplicados não irão contemplar com os modelos padronizados nacionalmente. Outra importante consideração acerca das notas do IDEB  e o consequente ranqueamento das escolas é que esse dispositivo avaliativo não condiz com que estabelece a proposta curricular de Santa Catarina, muito menos ainda com a proposta filosófica dos PPP. Entre as prerrogativas elencadas na filosofia da construção do processo pedagógico estão: a participação da coletividade, dos pais, estudantes, conselhos deliberativos, grêmios estudantis.
O sistema de avaliação nacional conhecido por IDEB é um instrumento injusto e discriminatório por excluir do processo escolas contendo menos de 200 estudantes matriculados. O que se constatou nos jornais, depois da divulgação da listagem das notas e a posição das escolas, foram as publicizações das “melhores” e das “piores”.  Numa concepção neoliberal, é claro que as unidades de ensino melhores ranqueadas poderão ter as suas matrículas expandidas e o conseqüente fechamento daquelas que não obtiveram êxito. Com a política de sucateamento das escolas, a tendência é a debandada de estudantes para as municipais ou outras que ofereçam condições estruturais melhores. Na esteira desse processo desliza a estratégia da municipalização.
As escolas, especialmente as públicas estaduais, na hipótese de querer fazer valer a proposta curricular de forma integral estarão sujeitas a eventuais fracassos nas avaliações do IDEB e ENEM. Se todas as áreas de conhecimentos se pautassem em abordar temáticas que realçassem os problemas sociais num contexto multidisciplinar, seria quase que óbvio que o regime de avaliação seguiria o mesmo princípio, ou seja, se focaria nas múltiplas inteligências e não apenas num único instrumento, o quantitativo, hoje aplicado e centrado na memorização. Na opinião de outra professora que participou da parada pedagógica, a mesma ressaltou que a “escola pública permanece engessada às práticas pedagógicas no começo do século XX. É preciso lutar por uma escola diferente, com internet de qualidade, com salas diferentes. A escola tem que dar resposta  aos problemas da sociedade”.
Na reportagem do jornal, inúmeros foram os entrevistados, dentre eles o gerente de projetos do movimento empresarial Todos pela Educação, onde afirmou que o problema da educação está na falta de atratividade, com currículo extenso e curta jornada, além da ausência de políticas integral para os adolescentes. O secretário da educação de Santa Catarina disse que  o problema está na taxa de abandono e reprovação. “Têm alunos que não vieram preparados no ensino fundamental e acabam desistindo ou reprovado”.
Em nenhum momento a reportagem fez qualquer menção às condições de trabalho e de infraestrutura das escolas públicas especialmente as estaduais. Alegar a culpa do fraco desempenho do ensino médio ao nível fundamental é mais uma vez criminalizar o professor, como se fosse ele o “vilão” da história. Deveria ter dito o secretário que é quase impossível desenvolver aulas com qualidade quando falta tudo na escola, do material de limpeza ao papel higiênico. Se as notas relativas ao ensino médio foram abaixo do esperado, poderia ter sido pior se os professores não sacrificassem seus finais de semana com a família para a preparação de aulas e correções de trabalhos. O que é mais traumático ainda é que toda essa gama de trabalho extra não reverte em qualquer compensação remunerativa para o professor. Tudo por amor a educação?
Prof. Jairo Cezar









terça-feira, 20 de setembro de 2016

A REFORMA DO ENSINO MÉDIO E A PRECARIZAÇÃO  DA EDUCAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA (ESCOLA SEM ESTADO)

Em uma semana marcada pela divulgação dos péssimos resultados das avaliações do IDEB das escolas básicas brasileiras, o que mais chamou a atenção e que sacudiu as redes sociais e os corredores das unidades de ensino de todo o Brasil, foi a notícia dada pelo ministro da educação de que ainda esse ano será feita profunda reforma do currículo do ensino médio. Se a reportagem em relação a reestruturação  curricular já era preocupante, virou tragédia quando se soube que no conjunto da reforma estava a supressão do ensino médio  as disciplinas de sociologia, filosofia e história e a ressurreição da educação moral e cívica.  
Tudo isso parece piada de mau gosto, uma demonstração explícita de que pouca coisa no Brasil é levada a sério. Forjam-se cenários fictícios, onde leis, resoluções, planos, são elaborados para alavancar a educação, porém, jamais concretizado, pelo fato das propostas se confrontarem com os interesses dos donos do poder de não admitir qualquer transformação. Pois vejamos. Nem bem completou quatro meses a frente do poder, o atual presidente já vem protagonizando algumas cenas mirabolantes que dão mostras de que sua política de governo e de expressiva parcela do congresso nacional é manter a população brasileira em absoluta ignorância com a suspensão dos programas de alfabetização e ensino integral. Segundo levantamentos estatísticos, atualmente no Brasil 8,6% da população não sabem ler nem escrever.  
Havia também a possibilidade de ser inserido no Brasil um novo sistema mais completo de avaliação da educação básica, com o acréscimo de indicadores importantes como a valorização de professores, universalização do atendimento escolar e gestão democrática. O que o governo federal fez foi a imediata suspensão da proposta. Quanto as creches a notícia também não agrada. O que se pretende é transferir essa modalidade de ensino para o Ministério do Desenvolvimento Social, com reais possibilidades de fechar acordo de parceria público privada para a gestão das mesmas. Acredito que muitos ainda se lembram da longa e incansável saga dos educadores para que o governo assegurasse o aporte de 10% do PIB para a educação.
Depois de muita batalha, a proposta aprovada iria garantir o repasse gradual de recursos até atingir percentual máximo de 10% em 2014, fase derradeira do PNE. Vejam a encruzilhada que se encontra a educação pública cujo futuro é incerto. Com o fim do controle da exploração do pré-sal, não há mais como assegurar que os royalties prometidos realmente serão destinados a educação.  Dentro das expectativas atuais, com o acordo firmado, entre 2015 a 2030 os recursos obtidos com a exploração do pré-sal chegariam a 213 bilhões de reais. Desse total, a educação receberia por ano cerca de 7 bilhões de reais. Agora com o fim do controle do pré-sal pela Petrobras, aprovado pelo senado, o dinheiro para o financiamento da educação é incerto. 
Para piorar, tramitam no congresso outras propostas como a PEC 241, que sendo aprovada colocará os professores e os demais trabalhadores numa situação de penúria absoluta. A proposta pretende congelar os reajustes salariais dos trabalhadores por cerca de vinte anos. Segundo o ministro da fazenda, em relação ao piso do magistério, a proposta de Meireles é corrigir o salário pela variação da inflação.   Quanto ao FIES e o PRONATEC o interesse do governo e permanecer com programa. Isso se dá pelo fato de o programa atender o interesse do seguimento empresarial, formando mão de obra barata para o mercado.

Prof. Jairo Cezar               

quarta-feira, 7 de setembro de 2016


O DESPRESTÍGIO DAS FEIRAS CIENTÍFICAS MULTIDISCIPLIARES NAS ESCOLAS PÚBLICAS ESTADUAIS DE SANTA CATARINA


 Em várias oportunidades já me manifestei afirmando que enquanto esse modelo equivocado de gestão pública estadual manter escolas estaduais engessadas financeiramente e forçadas a práticas ditas não convencionais para obter recursos e subsidiar reparos, materiais de expedientes e até papel higiênico, por longa data continuaremos convivendo com ambientes de ensino insalubres e inadequados à construção de cidadãos críticos e conscientes, conforme estabelecem as legislações em vigor. Mesmo com as dificuldades encontradas, os profissionais procuram fazer o que está ao seu alcance ou até mesmo improvisando para tornar as aulas atraentes e instigadoras do conhecimento.  Dentre as várias metodologias que são aplicadas no dia a dia da sala de aula ou fora dela, as feiras de ciências multidisciplinares se caracterizam como excelente estratégia pedagógica, porém, deve estar inserida no PPP (Projeto Político Pedagógico) da escola, assegurando orçamento e cronograma pré estabelecidos a cada início de ano letivo.


Todos sabem que feiras científicas escolares são momentos grandiosos das escolas quando gestores,  estudantes, professores, pais, se envolvem e exteriorizam ao público visitante o resultado de árduos trabalhos de semanas e até meses de investigação científica e montagem. Nesse sentindo, é de se supor que para o pleno sucesso da empreitada, em cada começo de ano letivo todas as escolas já devam ter inserido no planejamento as datas para a realização. Se a idéia do evento científico é oportunizar a socialização das produções, seria conveniente que cada unidade de ensino, especialmente aquelas próximas geograficamente, estabelece cronogramas distintos das demais, para assegurar a integração dos estudantes das demais unidades.

  
Cerca de seis meses depois de iniciado o ano letivo, acredito que muitos professores devam ter se surpreendidos com a notícia de que a Gerência Regional de Educação, em reunião com os gestores das escolas, decidiram que as feiras ocorreriam quase todas simultaneamente, ou seja, numa mesma data, inviabilizando, por sua vez, seu verdadeiro objetivo, a valorização dos trabalhos e a troca de experiências. Os (as) professores (as), mesmo indignados (as) com a decisão e a inconveniência dos cronogramas estabelecidos, mesmo contra a vontade, acataram a decisão por acreditar que o evento proporcionaria um descontraído e rico momento de aprendizado, muito superior até as tradicionais e tediantes aulas formais.


Outro desafio dos educadores seria tentar conciliar o minúsculo tempo entre cumprir o currículo formal da escola e coordenar os grupos envolvidos nos projetos. Aqui está o nó górdio de um sistema perverso que paulatinamente vem suprimindo do professor sua capacidade investigativa e de construtor do conhecimento. Pressionados por todos os lados, ENEM, IDEB, Provões, entre outras perversidades, carregam nas costas todo o peso da responsabilidade pelo sucesso e o fracasso da escola. Educação não é vomitar conteúdos e mais conteúdos que muitas vezes jamais serão utilizados na vida prática.
 A avaliação é outro enigma que ainda é motivo de acirradas discussões e confrontos nas escolas. No lugar da investigação científica, prevalece a memorização, com densas provas que pouco ou nada contribuem para a emancipação dos sujeitos. São metodologias que somente sobrecarregam professores, com carga horária estafante que ultrapassam facilmente as 20, 30, 40 e até 60 horas semanais. Isto é, além do trabalho em classe, os finais de semana e outras folgas são ocupados com estudos e preparação de aulas. É o ciclo vicioso de educação sem perspectiva, sem futuro, de professores desmotivados, estressados, doentes, e estudantes desestimulados.   

    
 Na condição de escolas públicas, sem orçamento próprio e dependendo da boa vontade do governo e seus sistemas de gestão descentralizada, tudo se encaminhou para que  professores, estudantes e a comunidade fossem eles os patrocinadores. A mágica de cada escola foi, portanto, fazer de um “limão uma limonada”, ou seja, do mínimo de recursos fazer um extraordinário trabalho, evitando ao máximo, falhas, que seriam passíveis de críticas indesejáveis que frustrariam os estudantes envolvidos.


Sem orçamento e tempo para a preparação, a expectativa não era nada animadora em relação a qualidade dos projetos a serem apresentados. Entretanto, mesmo assim, quem visitou as salas da EEBA constatou que a rede pública estadual possui um quadro de profissionais e estudantes excepcionais, que mesmo com todas as intempéries de um sistema educacional beirando a falência, professores e gestores educacionais ainda se doam para elevar a auto-estima dos estudantes. Decisões conjuntos poderiam ter evitado a ocorrência de equívocos como foi a decisão de estabelecer “ponto facultativo” para estudantes e professores no dia da realização da feira. Quando se soube da decisão da desobrigação dos estudantes de estarem na feira, o risco de um fracasso geral bateu a porta.   

  Mesmo com todos os percalços de uma gestão pública de comando verticalizado, que insiste em tratar professores como serviçais, sobrecarregando-os com trabalhos extras e não remunerados, a feira multidisciplinar do dia 26 de agosto foi um sucesso, digno de elogio e comemoração. O que entristeceu foi o limitado público presente, poucos pais, professores, que poderiam ter tido a oportunidade de presenciar e apreciar o elevado grau de competência de seus filhos na construção e exposição de ricos trabalhos de inigualável valor pedagógico.


Foram sete os projetos apresentados, que mesmo com todas as dificuldades no que tange ao curto período para a preparação e a inexistência de orçamento os resultados comprovaram o quanto são criativos os estudantes orientados pelos professores. Não seria justo depois de tanto empenho e esforço das equipes envolvidas no projeto, de não oportunizarem os demais estudantes e a comunidade escolar de conhecerem um pouco do que foi apresentado e da sua importância para as suas vidas e da sociedade. Embora a escola já tivesse a frente de um projeto piloto em andamento desde o mês de março de 2016 voltado a contenção dos desperdícios de energia elétrica na própria unidade de ensino, não impediu que mais seis trabalhos paralelos fossem desenvolvidos e exibidos na feira.

 Na área de ciências naturais, as professoras Dalvana e Cássia, coordenaram trabalhos relacionados a citologia, ou seja, como são constituídas as células vegetais e animais. Ambas auxiliaram estudantes na pesquisa e na construção de figuras tridimensionais para representar as células e todo o complexo conjunto de elementos integrantes. De acordo com a explicação de uma aluna, que se utilizou de uma metáfora, disse que as células são como escritórios e que as “organelas” são trabalhadores responsáveis pelo seu funcionamento.  



 No entanto, quem acompanhou as explicações mesmo aqueles fora da escola há muitos anos, relembraram ou aprenderam um pouco mais sobre citologia e seus complexos componentes. Também a presença de um microscópio na sala contribuiu para que o público comparasse as imagens tridimensionais, gigantes, das células, com as microscópicas, mostradas pelas lentes do aparelho. Uma das professoras lamentou de o aparelho não ser tão potente, pois poderia oportunizar a observação dos elementos constituintes das células representadas nas maquetes.




Na mesma sequência temática afim, no campo da biologia, outro grupo abordou as técnicas modernas de fecundação humana, o emprego de “barriga de aluguel” (útero) e as legislações em vigor que disciplinam tais práticas. Um vídeo discorreu a luta de um casal de homessexual, que conquistou na justiça o direito de gerar o filho a partir do útero de outra pessoa. Não há dúvida que o tema por si só já se mostra complexo por envolver questões que envolvem princípios  morais e de saúde pública.  O grupo mostrou desenvoltura e maturidade não lançando opinião preconceituosa ou discriminatória diante do tema que abordou sexualidade e de identidade de gênero. Seguindo temática sexualidade e gênero, outro grupo de estudantes se inspirou no evento do dia 26 de julho no qual foi apresentado aulão sobre sexualidade e gênero, para abordar o tema na feira. A proposta trouxe para o debate um pouco da história e do cotidiano dos movimentos feministas e LGBT, os preconceitos e os desafios para assegurar direitos.


A professora Barbara, na área de história, também ousou expondo um tema muito difundindo nas redes sociais, que são os “Memes”. Sua aplicação no ensino da história se coloca como importante ferramenta para despertar o senso crítico dos estudantes. Na exposição, os estudantes definiram “Memes” como Charges contemporâneas, identificadas como formas satirizadas de relatar acontecimentos importantes, que podem ser aplicados para discorrer certos episódios da história de forma humorada sem comprometer a essência dos fatos. Sendo assim, a professora e os estudantes fizeram um recorte da história antiga escolhendo representar a Grécia antiga, período pré-homérico e homérico através dos “Memes”.  O método consegue transformar temas densos da história como o que foi recortado em momentos de descontração e bom humor.


 Outro tema também vinculado a história e coordenado pela professora Ana Paula Darós se constituiu outro atrativo da feira. Ambos procuraram trilhar pelos caminhos da historiografia local, mais especificamente da história de Araranguá, ontem, hoje e amanhã. O que se notou foi que o recorte historiográfico não integra o currículo de história do ensino médio, sendo exclusividade nas séries  iniciais do ensino fundamental. Com um detalhe, com discreto aprofundamento. O que a professora Ana Paula propôs, com formação acadêmica em letras e língua espanhola, foi trazer à luz nuances da história do município explorando imagens e comparando-as com antes e hoje. O ponto alto da apresentação foi a personificação dos estudantes de cinco celebridades do passado do município: os coronéis João Fernandes de Souza; Apolinário João Pereira; o padre Antônio Luiz Dias; Valter Belinzoni e Isabel Flores Hubbe. Não há dúvida de que o projeto chamou a atenção dos que lá estiveram e certamente quem viu e ouviu conheceram um pouquinho mais de nossa rica história.


As questões sociais e suas distintas formas de organização também tiveram espaço na feira. A professora Karem, não perdeu a oportunidade de trazer para a reflexão a sociedade e as formas de organização. São as instituições sociais que moldam e dão estrutura ao corpo social, o que procuraram os estudantes abordar.  A família, a igreja, os sindicados, a justiça, entre outros aparelhos, são os que asseguram a funcionalidade, a racionalidade de todo um sistema social. Compreender tal funcionamento e suas rupturas foi o que pretenderam apresentar os estudantes.  Além da riqueza de detalhes e demonstração de que grupo realmente se debruçou  exaustivamente nos livros e outras fontes de pesquisa, o stand da professora Sonia, que leciona nas turmas do magistério, deixou transparecer que os profissionais que se formam nessa área na EEBA apresentam uma excelente qualificação para o exercício de sua carreira docente.


No mesmo grau de importância dos projetos apresentados estava o da sustentabilidade que se pautou na demonstração de  tecnologias inovadoras e limpas para a produção de  energia elétrica e dicas para reduzir a conta de luz mensalmente. É importante frisar que o respectivo tema que tratou sobre energia apresentado na feira se constitui em mais uma etapa do projeto principal iniciado em março de 2016 cujo tema é. Nesses cinco meses de andamento do projeto uma das principais iniciativas da equipe organizadora foi divulgar a proposta aos professores e articular parceria com curso de engenharia de energia da UFSC, sob a coordenação do Professor Dr. Luciano. 


A partir do aceite do professor os contatos entre EEBA e UFSC foram se estreitando, resultando em reuniões na própria unidade de ensino com vistas à definição de estratégias para a execução das etapas descritas no projeto. A palestra sobre energia  proferida pelo professor Luciano aos estudantes da EEBA foi uma das principais etapas do projeto, pelo fato de também inseri-los na proposta. Além da UFSC,  não poderia ficar de fora da empreitada a CELESC. Depois do envio de inúmeros E.mail à sede regional da estatal em Criciúma e da entrega em mãos de uma copia do projeto ao engenheiro Célio Bolan, o mesmo aceitou o convite e veio até Araranguá, nas dependências do teatro Célia Belizária, e palestrou para cerca de quatrocentos estudantes.


Na ocasião, o próprio engenheiro se colocou a disposição para apoiar no que for necessário  a equipe coordenadora do projeto, oferecendo até equipamentos como protótipos de residências que simulam consumo de energia elétrica de diferentes modelos de lâmpadas. Como não estava na programação da escola a respectiva feira multidisciplinar e sim a feira regional de ciência na qual ocorrem todos os anos, às pressas uma equipe constituída de três professores e alguns estudantes foram montada e sem muito tempo para organização e ensaio, o resultado foi excelente. A presença do professor Dr. Luciano que se prontificou em ceder alguns equipamentos aplicados no curso de engenharia para demonstração, além do protótipo de uma residência cedido pela CELESC,  foram imprescindíveis para o brilhantismo da feira. Convém destacar o sucesso do projeto ao protagonismo dos estudantes envolvidos, que embora tivessem tido o mínimo de instrução, demonstraram desembaraço e conhecimento nas apresentações.



Dentre as curiosidades  explanadas, estava o protótipo de automóvel movido por hidrogênio. O que despertou a curiosidade do público presente foi  como se processava a separação do oxigênio do hidrogênio,  capaz de movimentar o motor de um automóvel?  Portanto, o que realmente  foi significativo em relação ao protótipo mostrado é de que são otimistas as perspectivas do emprego comercial de fontes limpas, como do hidrogênio, a solar  e a eólica. Sobre fonte solar, a exposição das placas fotovoltaicas, de um pequeno cata-vento movimentado com a energia solar e as demonstrações realizadas no pátio, aguçou a imaginação de todos que estavam ali presentes. Acredita-se que hoje em dia um dos maiores desafios dos centros de pesquisa e da  indústria é produzir lâmpadas eficientes, com o mínimo de consumo e longa duração. Era visível a satisfação do público que acompanhou a exposição das estudantes sobre eficiência no consumo de energia.


Como em todas as organizações, empresas, sindicatos, associações, etc. qualquer atividade ou projeto executado é natural que se faça uma avaliação mensurando os aspectos positivos e negativos. Uma feira científica como as que são realizadas nas escolas devem adotar os mesmos procedimentos avaliativos. Professores, estudantes, gestores, pais e demais profissionais da escola todos devem ser ouvidos, suas criticas e sugestões devem ser registradas servindo de subsídios para os eventos futuros. Se eximir desse compromisso é desconsiderar dispositivos contidos na LDB (Lei de Diretrizes e Base) e demais legislações que enfatizam o exercício da democracia participativa na escola.     

PROF. JAIRO CEZAR