quarta-feira, 7 de setembro de 2016


O DESPRESTÍGIO DAS FEIRAS CIENTÍFICAS MULTIDISCIPLIARES NAS ESCOLAS PÚBLICAS ESTADUAIS DE SANTA CATARINA


 Em várias oportunidades já me manifestei afirmando que enquanto esse modelo equivocado de gestão pública estadual manter escolas estaduais engessadas financeiramente e forçadas a práticas ditas não convencionais para obter recursos e subsidiar reparos, materiais de expedientes e até papel higiênico, por longa data continuaremos convivendo com ambientes de ensino insalubres e inadequados à construção de cidadãos críticos e conscientes, conforme estabelecem as legislações em vigor. Mesmo com as dificuldades encontradas, os profissionais procuram fazer o que está ao seu alcance ou até mesmo improvisando para tornar as aulas atraentes e instigadoras do conhecimento.  Dentre as várias metodologias que são aplicadas no dia a dia da sala de aula ou fora dela, as feiras de ciências multidisciplinares se caracterizam como excelente estratégia pedagógica, porém, deve estar inserida no PPP (Projeto Político Pedagógico) da escola, assegurando orçamento e cronograma pré estabelecidos a cada início de ano letivo.


Todos sabem que feiras científicas escolares são momentos grandiosos das escolas quando gestores,  estudantes, professores, pais, se envolvem e exteriorizam ao público visitante o resultado de árduos trabalhos de semanas e até meses de investigação científica e montagem. Nesse sentindo, é de se supor que para o pleno sucesso da empreitada, em cada começo de ano letivo todas as escolas já devam ter inserido no planejamento as datas para a realização. Se a idéia do evento científico é oportunizar a socialização das produções, seria conveniente que cada unidade de ensino, especialmente aquelas próximas geograficamente, estabelece cronogramas distintos das demais, para assegurar a integração dos estudantes das demais unidades.

  
Cerca de seis meses depois de iniciado o ano letivo, acredito que muitos professores devam ter se surpreendidos com a notícia de que a Gerência Regional de Educação, em reunião com os gestores das escolas, decidiram que as feiras ocorreriam quase todas simultaneamente, ou seja, numa mesma data, inviabilizando, por sua vez, seu verdadeiro objetivo, a valorização dos trabalhos e a troca de experiências. Os (as) professores (as), mesmo indignados (as) com a decisão e a inconveniência dos cronogramas estabelecidos, mesmo contra a vontade, acataram a decisão por acreditar que o evento proporcionaria um descontraído e rico momento de aprendizado, muito superior até as tradicionais e tediantes aulas formais.


Outro desafio dos educadores seria tentar conciliar o minúsculo tempo entre cumprir o currículo formal da escola e coordenar os grupos envolvidos nos projetos. Aqui está o nó górdio de um sistema perverso que paulatinamente vem suprimindo do professor sua capacidade investigativa e de construtor do conhecimento. Pressionados por todos os lados, ENEM, IDEB, Provões, entre outras perversidades, carregam nas costas todo o peso da responsabilidade pelo sucesso e o fracasso da escola. Educação não é vomitar conteúdos e mais conteúdos que muitas vezes jamais serão utilizados na vida prática.
 A avaliação é outro enigma que ainda é motivo de acirradas discussões e confrontos nas escolas. No lugar da investigação científica, prevalece a memorização, com densas provas que pouco ou nada contribuem para a emancipação dos sujeitos. São metodologias que somente sobrecarregam professores, com carga horária estafante que ultrapassam facilmente as 20, 30, 40 e até 60 horas semanais. Isto é, além do trabalho em classe, os finais de semana e outras folgas são ocupados com estudos e preparação de aulas. É o ciclo vicioso de educação sem perspectiva, sem futuro, de professores desmotivados, estressados, doentes, e estudantes desestimulados.   

    
 Na condição de escolas públicas, sem orçamento próprio e dependendo da boa vontade do governo e seus sistemas de gestão descentralizada, tudo se encaminhou para que  professores, estudantes e a comunidade fossem eles os patrocinadores. A mágica de cada escola foi, portanto, fazer de um “limão uma limonada”, ou seja, do mínimo de recursos fazer um extraordinário trabalho, evitando ao máximo, falhas, que seriam passíveis de críticas indesejáveis que frustrariam os estudantes envolvidos.


Sem orçamento e tempo para a preparação, a expectativa não era nada animadora em relação a qualidade dos projetos a serem apresentados. Entretanto, mesmo assim, quem visitou as salas da EEBA constatou que a rede pública estadual possui um quadro de profissionais e estudantes excepcionais, que mesmo com todas as intempéries de um sistema educacional beirando a falência, professores e gestores educacionais ainda se doam para elevar a auto-estima dos estudantes. Decisões conjuntos poderiam ter evitado a ocorrência de equívocos como foi a decisão de estabelecer “ponto facultativo” para estudantes e professores no dia da realização da feira. Quando se soube da decisão da desobrigação dos estudantes de estarem na feira, o risco de um fracasso geral bateu a porta.   

  Mesmo com todos os percalços de uma gestão pública de comando verticalizado, que insiste em tratar professores como serviçais, sobrecarregando-os com trabalhos extras e não remunerados, a feira multidisciplinar do dia 26 de agosto foi um sucesso, digno de elogio e comemoração. O que entristeceu foi o limitado público presente, poucos pais, professores, que poderiam ter tido a oportunidade de presenciar e apreciar o elevado grau de competência de seus filhos na construção e exposição de ricos trabalhos de inigualável valor pedagógico.


Foram sete os projetos apresentados, que mesmo com todas as dificuldades no que tange ao curto período para a preparação e a inexistência de orçamento os resultados comprovaram o quanto são criativos os estudantes orientados pelos professores. Não seria justo depois de tanto empenho e esforço das equipes envolvidas no projeto, de não oportunizarem os demais estudantes e a comunidade escolar de conhecerem um pouco do que foi apresentado e da sua importância para as suas vidas e da sociedade. Embora a escola já tivesse a frente de um projeto piloto em andamento desde o mês de março de 2016 voltado a contenção dos desperdícios de energia elétrica na própria unidade de ensino, não impediu que mais seis trabalhos paralelos fossem desenvolvidos e exibidos na feira.

 Na área de ciências naturais, as professoras Dalvana e Cássia, coordenaram trabalhos relacionados a citologia, ou seja, como são constituídas as células vegetais e animais. Ambas auxiliaram estudantes na pesquisa e na construção de figuras tridimensionais para representar as células e todo o complexo conjunto de elementos integrantes. De acordo com a explicação de uma aluna, que se utilizou de uma metáfora, disse que as células são como escritórios e que as “organelas” são trabalhadores responsáveis pelo seu funcionamento.  



 No entanto, quem acompanhou as explicações mesmo aqueles fora da escola há muitos anos, relembraram ou aprenderam um pouco mais sobre citologia e seus complexos componentes. Também a presença de um microscópio na sala contribuiu para que o público comparasse as imagens tridimensionais, gigantes, das células, com as microscópicas, mostradas pelas lentes do aparelho. Uma das professoras lamentou de o aparelho não ser tão potente, pois poderia oportunizar a observação dos elementos constituintes das células representadas nas maquetes.




Na mesma sequência temática afim, no campo da biologia, outro grupo abordou as técnicas modernas de fecundação humana, o emprego de “barriga de aluguel” (útero) e as legislações em vigor que disciplinam tais práticas. Um vídeo discorreu a luta de um casal de homessexual, que conquistou na justiça o direito de gerar o filho a partir do útero de outra pessoa. Não há dúvida que o tema por si só já se mostra complexo por envolver questões que envolvem princípios  morais e de saúde pública.  O grupo mostrou desenvoltura e maturidade não lançando opinião preconceituosa ou discriminatória diante do tema que abordou sexualidade e de identidade de gênero. Seguindo temática sexualidade e gênero, outro grupo de estudantes se inspirou no evento do dia 26 de julho no qual foi apresentado aulão sobre sexualidade e gênero, para abordar o tema na feira. A proposta trouxe para o debate um pouco da história e do cotidiano dos movimentos feministas e LGBT, os preconceitos e os desafios para assegurar direitos.


A professora Barbara, na área de história, também ousou expondo um tema muito difundindo nas redes sociais, que são os “Memes”. Sua aplicação no ensino da história se coloca como importante ferramenta para despertar o senso crítico dos estudantes. Na exposição, os estudantes definiram “Memes” como Charges contemporâneas, identificadas como formas satirizadas de relatar acontecimentos importantes, que podem ser aplicados para discorrer certos episódios da história de forma humorada sem comprometer a essência dos fatos. Sendo assim, a professora e os estudantes fizeram um recorte da história antiga escolhendo representar a Grécia antiga, período pré-homérico e homérico através dos “Memes”.  O método consegue transformar temas densos da história como o que foi recortado em momentos de descontração e bom humor.


 Outro tema também vinculado a história e coordenado pela professora Ana Paula Darós se constituiu outro atrativo da feira. Ambos procuraram trilhar pelos caminhos da historiografia local, mais especificamente da história de Araranguá, ontem, hoje e amanhã. O que se notou foi que o recorte historiográfico não integra o currículo de história do ensino médio, sendo exclusividade nas séries  iniciais do ensino fundamental. Com um detalhe, com discreto aprofundamento. O que a professora Ana Paula propôs, com formação acadêmica em letras e língua espanhola, foi trazer à luz nuances da história do município explorando imagens e comparando-as com antes e hoje. O ponto alto da apresentação foi a personificação dos estudantes de cinco celebridades do passado do município: os coronéis João Fernandes de Souza; Apolinário João Pereira; o padre Antônio Luiz Dias; Valter Belinzoni e Isabel Flores Hubbe. Não há dúvida de que o projeto chamou a atenção dos que lá estiveram e certamente quem viu e ouviu conheceram um pouquinho mais de nossa rica história.


As questões sociais e suas distintas formas de organização também tiveram espaço na feira. A professora Karem, não perdeu a oportunidade de trazer para a reflexão a sociedade e as formas de organização. São as instituições sociais que moldam e dão estrutura ao corpo social, o que procuraram os estudantes abordar.  A família, a igreja, os sindicados, a justiça, entre outros aparelhos, são os que asseguram a funcionalidade, a racionalidade de todo um sistema social. Compreender tal funcionamento e suas rupturas foi o que pretenderam apresentar os estudantes.  Além da riqueza de detalhes e demonstração de que grupo realmente se debruçou  exaustivamente nos livros e outras fontes de pesquisa, o stand da professora Sonia, que leciona nas turmas do magistério, deixou transparecer que os profissionais que se formam nessa área na EEBA apresentam uma excelente qualificação para o exercício de sua carreira docente.


No mesmo grau de importância dos projetos apresentados estava o da sustentabilidade que se pautou na demonstração de  tecnologias inovadoras e limpas para a produção de  energia elétrica e dicas para reduzir a conta de luz mensalmente. É importante frisar que o respectivo tema que tratou sobre energia apresentado na feira se constitui em mais uma etapa do projeto principal iniciado em março de 2016 cujo tema é. Nesses cinco meses de andamento do projeto uma das principais iniciativas da equipe organizadora foi divulgar a proposta aos professores e articular parceria com curso de engenharia de energia da UFSC, sob a coordenação do Professor Dr. Luciano. 


A partir do aceite do professor os contatos entre EEBA e UFSC foram se estreitando, resultando em reuniões na própria unidade de ensino com vistas à definição de estratégias para a execução das etapas descritas no projeto. A palestra sobre energia  proferida pelo professor Luciano aos estudantes da EEBA foi uma das principais etapas do projeto, pelo fato de também inseri-los na proposta. Além da UFSC,  não poderia ficar de fora da empreitada a CELESC. Depois do envio de inúmeros E.mail à sede regional da estatal em Criciúma e da entrega em mãos de uma copia do projeto ao engenheiro Célio Bolan, o mesmo aceitou o convite e veio até Araranguá, nas dependências do teatro Célia Belizária, e palestrou para cerca de quatrocentos estudantes.


Na ocasião, o próprio engenheiro se colocou a disposição para apoiar no que for necessário  a equipe coordenadora do projeto, oferecendo até equipamentos como protótipos de residências que simulam consumo de energia elétrica de diferentes modelos de lâmpadas. Como não estava na programação da escola a respectiva feira multidisciplinar e sim a feira regional de ciência na qual ocorrem todos os anos, às pressas uma equipe constituída de três professores e alguns estudantes foram montada e sem muito tempo para organização e ensaio, o resultado foi excelente. A presença do professor Dr. Luciano que se prontificou em ceder alguns equipamentos aplicados no curso de engenharia para demonstração, além do protótipo de uma residência cedido pela CELESC,  foram imprescindíveis para o brilhantismo da feira. Convém destacar o sucesso do projeto ao protagonismo dos estudantes envolvidos, que embora tivessem tido o mínimo de instrução, demonstraram desembaraço e conhecimento nas apresentações.



Dentre as curiosidades  explanadas, estava o protótipo de automóvel movido por hidrogênio. O que despertou a curiosidade do público presente foi  como se processava a separação do oxigênio do hidrogênio,  capaz de movimentar o motor de um automóvel?  Portanto, o que realmente  foi significativo em relação ao protótipo mostrado é de que são otimistas as perspectivas do emprego comercial de fontes limpas, como do hidrogênio, a solar  e a eólica. Sobre fonte solar, a exposição das placas fotovoltaicas, de um pequeno cata-vento movimentado com a energia solar e as demonstrações realizadas no pátio, aguçou a imaginação de todos que estavam ali presentes. Acredita-se que hoje em dia um dos maiores desafios dos centros de pesquisa e da  indústria é produzir lâmpadas eficientes, com o mínimo de consumo e longa duração. Era visível a satisfação do público que acompanhou a exposição das estudantes sobre eficiência no consumo de energia.


Como em todas as organizações, empresas, sindicatos, associações, etc. qualquer atividade ou projeto executado é natural que se faça uma avaliação mensurando os aspectos positivos e negativos. Uma feira científica como as que são realizadas nas escolas devem adotar os mesmos procedimentos avaliativos. Professores, estudantes, gestores, pais e demais profissionais da escola todos devem ser ouvidos, suas criticas e sugestões devem ser registradas servindo de subsídios para os eventos futuros. Se eximir desse compromisso é desconsiderar dispositivos contidos na LDB (Lei de Diretrizes e Base) e demais legislações que enfatizam o exercício da democracia participativa na escola.     

PROF. JAIRO CEZAR
























































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