CRISE HÍDRICA E OS LOBBYS (GRUPOS DE PRESSÃO) EM DEFESA DO CARVÃO MINERAL NO SUL DE SANTA CATARINA
Mais
uma vez o lobby das mineradoras surtiu efeito. A dos dias do início da
Conferência do Clima em Glasgow na Escócia, a COP-26, veio a notícia da venda do complexo termelétrico Jorge Lacerda à FRAM Capital. A
expectativa era que o sistema termelétrico a carvão fosse desativado, pois a
companhia gestora, a ENGIE, havia noticiado o seu fechamento, dedicando-se exclusivamente na geração de energias limpas.
O fato é que o segmento energético fóssil: petróleo, carvão, gás, etc, no mundo, está
com seus dias contados.
Inúmeros
países produtores de petróleo estão fazendo a transição para outras atividades
com baixo impacto ambiental. Em Santa Catarina o carvão mineral deixou um
passivo ambiental que levará séculos para ser solucionado. Ainda hoje seus
reflexos negativos são presenciados na água, no solo e nos alimentos.
Organizações em defesa da vida e do ambiente entraram com várias ações na
justiça denunciando empresas carboníferas que extraem carvão com fortes
impactos ambientais. A água, por sua vez, é o recurso natural mais afetado, pelo
fato de as extrações serem subterrâneas.
Parte
da região do extremo sul de SC onde o carvão é extraído possui enorme potencial para atividades
vinculadas ao turismo. Municípios como Siderópolis, Treviso, Orleans, Lauro
Muller apresentam geografias singulares, contempladas por atrativos que vão da
gastronomia, ao turismo de aventura e contemplação. Nos últimos meses o
segmento da mineração vem ocupando destaque nas mídias, se credenciando como alternativa à crise hídrica que compromete o sistema energético
brasileiro. A escassez de chuvas está reduzindo a vazão de água nas principais
barragens no sudeste e norte do Brasil. É notório afirmar que as baixas precipitações têm estreita relação com os avanços dos desmatamentos que impactam os
ciclos das chuvas.
É
inquestionável que a escassez de chuva e outros fenômenos climáticos extremos
como enchentes, furacões, calor escaldante e frios glaciais são respostas do
aquecimento global, cujo carvão mineral e o petróleo têm sido os principais
vilões. Nos encontros de cúpula sobre o clima, a exemplo da COP-15, em Paris, protocolos
foram assinados entre as participantes com o propósito de limitar as emissões de gases poluentes à atmosfera. O Brasil
sempre se notabilizou nas conferências como um dos protagonistas na apresentação de metas ousadas. Nos últimos cinco anos além de perder a liderança global, o
Brasil está passou a ser visto pelo mundo como inimigo do clima, por descumprir
metas importantes para a redução do efeito estufa.
Os
desmatamentos e incêndios criminosos nos biomas Amazônicos, Serrado e Pantanal
são exemplos de tragédias ambientais protagonizadas pelo próprio chefe do executivo federal. Está no acelerado desmatamento do bioma amazônico a resposta às
instabilidades dos ciclos de chuvas em todo território nacional. A cada ano são
menores a quantidade de chuvas precipitadas, insuficientes para abastecem rios importantes com hidrelétricas de expressivo potencial energético. Frente à
escassez hídrica, as hidrelétricas vêm funcionando de maneira ociosa,
resultando no progressivo aumento das tarifas de energia.
Uns
dos equívocos cometidos pelos governos anteriores e seguido pelo atual foi o
baixo investimento em fontes renováveis de energia, principalmente as
fotovoltaicas. Diante de uma crise hídrica sem precedente e já previsível e acompanhado
por um baixo potencial eólico e fotovoltaico disponível, quem estão se
credenciando como salvadores da “pátria” energética são as térmicas movidas com
combustíveis fósseis.
Quando
se imaginava que o segmento carbonífero estava com os dias contados para
desaparecer, surge um governo e uma crise hídrica previsível que deu sobrevida aos donos de minas de continuar extraindo carvão por mais tempo. Para o sul de Santa Catarina, o problema hídrico e as ameaças de
um possível apagão caiu como uma luva. Foi a cereja do bolo que faltava para
convencer a opinião publica de que o carvão era a solução para reverter a crise
energética que se avizinha. A notícia da venda da ENGIE à outra companhia com
promessas de manter a termelétrica funcionando gerou um furor impressionante.
Foi
forjado um cenário otimista onde o carvão esteve no centro das atenções. Ao
mesmo tempo seus articuladores tiveram o máximo de cuidado de não ressaltar os
passivos ambientais resultantes da extração desse mineral. Quase toda a mídia
regional e estadual deu destaque nos seus noticiários à permanência das
atividades da termelétrica Jorge Lacerda de Capivari de Baixo.
Raras
foram às menções aos acordos firmados pelo Brasil nas cúpulas sobre o clima
propondo o banimento dessa fonte energética poluidora. O que mais se destacou
nos noticiários foi o fato de as atuais usinas a carvão não gerarem tantos
resíduos causadores do efeito estufa. Foi realçada também a participação de
instituições de pesquisas na região que desenvolvem estudos para a captura do
CO2 e outros poluentes, ou seja, impedir que esse poluente possa ser liberado à
atmosfera. Mas todo esse estudo mostra-se embrionário, podendo levar anos para
serem concluídos.
O
que deve ser considerado para o sucesso dessa empreitada energética tão
questionável foi o lobby empreendido por empresários, políticos e a máquina do
Estado. No ato simbólico de transferência da companhia ao novo proprietário, foi
montado ato apoteótico com a presença do chefe do executivo estadual. Uma das
falas que mais chamou a atenção foi do presidente da associação Brasileira do
Carvão Mineral, que vale a pena transcrever na íntegra.
Disse
ele: “temos recursos minerais
extremamente importantes para o bem da sociedade, para isso, precisamos saber
fazer de uma forma justa e correta ambientalmente, quanto a sua extração e o
seu uso. É muito importante que os empresários tenham previsibilidade e que
possam abrir novas minas”. A realidade não condiz exatamente com o que foi
dito acima pelo presidente da associação. Tal certeza pode ser confirmada visitando
alguns municípios onde é extraído o carvão, por exemplo, Treviso. Nos municípios, entidades civis e ambientais
têm impetrado inúmeros processos crimes contras companhias mineradoras por
crimes ambientais cometidas ao meio ambiente.
O
que são mais frequentes são tentativas de mineração em áreas de nascentes, com
fortes riscos no abastecimento de água potável em comunidades inteiras do
município. Outro caso emblemático protagonizado pelo carvão teve o município de
Orleans como cenário. Havia propostas de abertura de minas em áreas com vocações
a agricultura familiar e ao turismo de aventura. Diante da ameaça de mineração
nesses locais, mais de uma centena de mulheres no município se organizaram
criando o grupo “Guardiães das Montanhas”. As ativistas promoveram uma caminha
de quase dez km até os locais possíveis de mineração na tentativa de
sensibilizar as autoridades para impedir tais aberrações.
Estudo
inédito apresentado em 2018 pela Organização Observatório do Clima comprovou
que Capivari de Baixo, onde está instalada a Termelétrica Jorge Lacerda aparece
como sendo o município catarinense que mais emite CO2. Em âmbito nacional, o
município também contempla o primeiro posto. O estudo além de analisar resíduos
provenientes de termelétricas, também avaliou os impactos advindos da
agropecuária, mudanças do uso da terra e florestas.
Dos
dez municípios catarinenses com maiores emissões de gases poluentes de efeito
estufa estão, além do primeiro da lista que é Capivari de Baixo, Criciúma, na
quarta posição e Siderópolis, na sexta. Ambos integram a região carbonífera do
estado de Santa Catarina. Para ter ideia do problema, Capivari de Baixo sozinho
libera à atmosfera 85.578 toneladas por Km2. Para capturar todo esse resíduo o
município teria que plantar 7,14 árvores por cada tonelada de CO2 emitida, ou
seja, 600.000 árvores por ano. Outra informação importante é que há estimativas
de 100.91 Kg de CO2 por habitante, é como se cada cidadão tivesse cerca de 140
carros andando diariamente por 20 km.
Algo
curioso nas tratativas de venda da termelétrica de Capivari a Bravo e toda a
mobilização em prol do plano envolvendo donos de mineradoras, imprensa e o
próprio governo do estado, é que o tema em questão estava sendo costurando há
algum tempo e cujo protagonista era o presidente o executivo federal. Deputados
e senadores do sul do Brasil, aliados ao presidente e a sua agenda anti-ambiental
tiveram atuação decisiva no resultado que beneficiará principalmente
carboníferas que causam danos ambientais irreversíveis às regiões mineradoras.
É
claro que o pano de fundo à guinada a uma matriz energética prevista para se
extinguir definitivamente até o final de 2030 no planeta, foi a crise hídrica
que responde por mais de 60% no fornecimento de energia Brasil. Prevendo riscos
de um desabastecimento energético, o governo brasileiro em agosto último
publicou portaria n. 540/2021 estimulando fontes térmicas de geração de
energia, entre elas de carvão mineral. Conforme descrito na portaria, o
objetivo desse plano seria: “a
sustentabilidade ambiental, a manutenção da atividade econômica da atual
indústria carbonífera e a substituição de termelétricas antigas por novas e
modernas a carvão”. O documento contém 54 páginas onde são detalhadas todas as
etapas desse processo.
Antes
da publicação da portaria, deputados de SC participaram de audiência pública na
ALESC para discutir estratégias de manter ativa, bem como vitaminar ainda mais
a atividade carbonífera no Sul de Santa Catarina. A partir dessa audiência, o
governo do estado encaminhou projeto de lei à Assembleia legislativa para ser
apreciado pelos parlamentares e cujo objetivo era incentivar a matriz
energética a carvão. O documento que contém 125 páginas se destaca pelo desejo
de promover uma transição sustentável para outras atividades energéticas a
médio longo prazo.
Para
entender como o segmento do carvão se mostra ainda tão poderoso e que conseguem
rapidamente que suas demandas sejam atendidas, além do projeto de lei aprovado
na ALESC, outros parlamentares no Senado e na Câmara Federal atuaram
decisivamente na permanência dessa matriz em território catarinense. Um desses
parlamentares foi o deputado Altair
Guidi que apresentou emenda aditiva a MP 1055 (Que institui a Câmara de
Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética) para estender até
2035 os subsídios custeados pelo CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) às usinas de carvão. Do valor total da CDE em 2020 de R$
21,91 bilhões, o reembolso para o carvão foi de R$ 670 milhões, ou seja, 3 % da
CDE, o que representa cerca de apenas 0,37% da conta de energia.
Subsídios
são benefícios concedidos pelo Estado, ou seja, as empresas são isentas do
pagamento de tributos ao Estado, dinheiro que seria destinado às obras de
infraestrutura e na saúde, educação,
segurança, etc. Mas, o fato é que toda essa movimentação em defesa do carvão
mineral não demonstra ser tão consensual como quiseram esboçar os inúmeros veículos de comunicação regional. No
Rio Grande do Sul, na região da grande Porto Alegre, onde há intenção de abrir
minas de carvão, um forte movimento foi articulado por membros do legislativo
de Porto Alegre contrários a tal iniciativa.
Estudos
elaborados pelo Comitê de Combate a Megamineração no Rio Grande do Sul
apontaram falhas no EIA-RIMA do projeto das minas na grande Porto Alegre, constatando
que a abertura de minas trará sérios impactos no abastecimento de água a
milhões de pessoas. Em Santa Catarina, há pouco mais de um mês, o TRF (Tribunal
Regional Federal), da 4 Regional da Porto Alegre, condenou duas empresas
mineradoras; a Agência Nacional de Mineração e o IMA (Instituto do Meio
Ambiente) por danos causados ao meio ambiente e a população da região de
Criciúma. A condenação se deu pelo fato de as empresas mineradoras estarem
utilizando explosivos para extrair o carvão, prática causadora de danos
irreparáveis aos proprietários de terrenos e ao meio ambiente.
E
não para por aí as praticas criminosas desse segmento que foi tão paparicado
nos últimos dias. Tendo um pouquinho de paciência é só vasculhar alguns sites
que lá aparecerão um monte de infrações cometidas e processos impetrados contra
mineradoras envolvidas em atos criminosos ao meio ambiente. A última, talvez a
mais recente, foi publicado no site EcoDebate. Trata-se de uma ação
condenatória a uma empresa mineradora da região de criciúma, por ter infringido
o art. 55 da lei. n. 9.605/98. Esse artigo imputa aqueles que cometem crimes
quando executam pesquisas, lavras ou extração de recursos minerais sem a
competente autorização legal. Já o art. 2 da lei n. 8.176/91, pune quem usurpar, produzir bens ou explorar
matéria-prima pertencentes à união, sem autorização legal.
O que se pode constatar no caso condenatório
acima impetrado pelo MPF (Ministério Público Federal) à empresa que minera
carvão, analisando os artigos das duas leis citadas acima, é de ter executado
serviços de extração de carvão sem o cumprimento das determinações legais
obrigatórias. Nenhum desses crimes ambientais listados acima, além de outros
que são praticados diariamente não foram citados nos noticiários, muito menos
feito alguma menção em audiências como a que ocorreu na ALESC.
O que mais se ouviu nos inflamados
discursos favoráveis a permanência da atividade mineradora é que as novas
tecnologias para o setor estão avançadas e cujos impactos não mínimos. Falou-se
muito sobre a produção de energia, dos estudos que estão avançados na captura
do CO2, etc, mas não foi tocado no modo de extrair e seus efeitos extremamente
degradantes. Tudo leva a crer que com o novo apoio dado ao setor, novas minas
serão abertas acompanhadas com processos que se avolumarão nos tribunais
estaduais e federais contraa mineradoras e órgãos fiscalizadores.
Prof. Jairo Cesa
http://noticom.com.br/capivari-de-baixo-e-a-cidade-que-mais-emite-co2-por-area-no-brasil/
https://portalinfosul.com.br/capivari-de-baixo-e-a-cidade-brasileira-que-mais-produz-co2-por-area/
https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/103365
https://epbr.com.br/vereadores-mobilizam-contra-mineracao-no-principal-reduto-de-carvao-do-brasil/
https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8985724&disposition=inline
https://www.ecodebate.com.br/2015/10/13/sc-carbonifera-criciuma-e-condenada-por-delitos-ambientais/
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8176.htm
https://www.ecodebate.com.br/2015/10/13/sc-carbonifera-criciuma-e-condenada-por-delitos-ambientais/