domingo, 31 de outubro de 2021

 

CRISE  HÍDRICA E OS LOBBYS (GRUPOS DE PRESSÃO) EM DEFESA DO CARVÃO  MINERAL NO SUL DE SANTA CATARINA

Mais uma vez o lobby das mineradoras surtiu efeito. A dos dias do início da Conferência do Clima em Glasgow na Escócia, a COP-26, veio a notícia da venda do complexo termelétrico Jorge Lacerda à FRAM Capital. A expectativa era que o sistema termelétrico a carvão fosse desativado, pois a companhia gestora, a  ENGIE,  havia noticiado o seu fechamento, dedicando-se  exclusivamente na geração de energias limpas. O fato é que o segmento energético fóssil: petróleo, carvão, gás, etc, no mundo, está com seus dias contados.

Inúmeros países produtores de petróleo estão fazendo a transição para outras atividades com baixo impacto ambiental. Em Santa Catarina o carvão mineral deixou um passivo ambiental que levará séculos para ser solucionado. Ainda hoje seus reflexos negativos são presenciados na água, no solo e nos alimentos. Organizações em defesa da vida e do ambiente entraram com várias ações na justiça denunciando empresas carboníferas que extraem carvão com fortes impactos ambientais. A água, por sua vez, é o recurso natural mais afetado, pelo fato de as extrações serem subterrâneas.

Parte da região do extremo sul de SC onde o carvão é extraído possui enorme potencial para atividades vinculadas ao turismo. Municípios como Siderópolis, Treviso, Orleans, Lauro Muller apresentam geografias singulares, contempladas por atrativos que vão da gastronomia, ao turismo de aventura e contemplação. Nos últimos meses o segmento da mineração vem ocupando destaque nas mídias, se credenciando como  alternativa à crise hídrica que compromete o sistema energético brasileiro. A escassez de chuvas está reduzindo a vazão de água nas principais barragens no sudeste e norte do Brasil. É notório afirmar que as baixas precipitações têm estreita relação com os avanços dos desmatamentos que impactam os ciclos das chuvas.

É inquestionável que a escassez de chuva e outros fenômenos climáticos extremos como enchentes, furacões, calor escaldante e frios glaciais são respostas do aquecimento global, cujo carvão mineral e o petróleo têm sido os principais vilões. Nos encontros de cúpula sobre o clima, a exemplo da COP-15, em Paris, protocolos foram assinados entre as participantes com o propósito de limitar as emissões de gases poluentes à atmosfera. O Brasil sempre se notabilizou nas conferências como um dos protagonistas na apresentação de metas ousadas. Nos últimos cinco anos além de perder a liderança global, o Brasil está passou a ser visto pelo mundo como inimigo do clima, por descumprir metas importantes para a redução do efeito estufa.

Os desmatamentos e incêndios criminosos nos biomas Amazônicos, Serrado e Pantanal são exemplos de tragédias ambientais protagonizadas pelo  próprio chefe do executivo federal. Está no acelerado desmatamento do bioma amazônico a resposta às instabilidades dos ciclos de chuvas em todo território nacional. A cada ano são menores a quantidade de chuvas precipitadas, insuficientes para  abastecem rios importantes com  hidrelétricas de expressivo potencial energético. Frente à escassez hídrica, as hidrelétricas vêm funcionando de maneira ociosa, resultando no progressivo aumento das tarifas de energia.

Uns dos equívocos cometidos pelos governos anteriores e seguido pelo atual foi o baixo investimento em fontes renováveis de energia, principalmente as fotovoltaicas. Diante de uma crise hídrica sem precedente e já previsível e acompanhado por um baixo potencial eólico e fotovoltaico disponível, quem estão se credenciando como salvadores da “pátria” energética são as térmicas movidas com combustíveis fósseis.

Quando se imaginava que o segmento carbonífero estava com os dias contados para desaparecer, surge um governo e uma crise hídrica previsível que deu sobrevida aos donos de minas de continuar extraindo carvão por mais tempo. Para o sul de Santa Catarina, o problema hídrico e as ameaças de um possível apagão caiu como uma luva. Foi a cereja do bolo que faltava para convencer a opinião publica de que o carvão era a solução para reverter a crise energética que se avizinha. A notícia da venda da ENGIE à outra companhia com promessas de manter a termelétrica funcionando gerou um furor impressionante.

Foi forjado um cenário otimista onde o carvão esteve no centro das atenções. Ao mesmo tempo seus articuladores tiveram o máximo de cuidado de não ressaltar os passivos ambientais resultantes da extração desse mineral. Quase toda a mídia regional e estadual deu destaque nos seus noticiários à permanência das atividades da termelétrica Jorge Lacerda de Capivari de Baixo.

Raras foram às menções aos acordos firmados pelo Brasil nas cúpulas sobre o clima propondo o banimento dessa fonte energética poluidora. O que mais se destacou nos noticiários foi o fato de as atuais usinas a carvão não gerarem tantos resíduos causadores do efeito estufa. Foi realçada também a participação de instituições de pesquisas na região que desenvolvem estudos para a captura do CO2 e outros poluentes, ou seja, impedir que esse poluente possa ser liberado à atmosfera. Mas todo esse estudo mostra-se embrionário, podendo levar anos para serem concluídos.

O que deve ser considerado para o sucesso dessa empreitada energética tão questionável foi o lobby empreendido por empresários, políticos e a máquina do Estado. No ato simbólico de transferência da companhia ao novo proprietário, foi montado ato apoteótico com a presença do chefe do executivo estadual. Uma das falas que mais chamou a atenção foi do presidente da associação Brasileira do Carvão Mineral, que vale a pena transcrever na íntegra.

Disse ele: “temos recursos minerais extremamente importantes para o bem da sociedade, para isso, precisamos saber fazer de uma forma justa e correta ambientalmente, quanto a sua extração e o seu uso. É muito importante que os empresários tenham previsibilidade e que possam abrir novas minas”. A realidade não condiz exatamente com o que foi dito acima pelo presidente da associação. Tal certeza pode ser confirmada visitando alguns municípios onde é extraído o carvão, por exemplo, Treviso.  Nos municípios, entidades civis e ambientais têm impetrado inúmeros processos crimes contras companhias mineradoras por crimes ambientais cometidas ao meio ambiente.

O que são mais frequentes são tentativas de mineração em áreas de nascentes, com fortes riscos no abastecimento de água potável em comunidades inteiras do município. Outro caso emblemático protagonizado pelo carvão teve o município de Orleans como cenário. Havia propostas de abertura de minas em áreas com vocações a agricultura familiar e ao turismo de aventura. Diante da ameaça de mineração nesses locais, mais de uma centena de mulheres no município se organizaram criando o grupo “Guardiães das Montanhas”. As ativistas promoveram uma caminha de quase dez km até os locais possíveis de mineração na tentativa de sensibilizar as autoridades para impedir tais aberrações.

Estudo inédito apresentado em 2018 pela Organização Observatório do Clima comprovou que Capivari de Baixo, onde está instalada a Termelétrica Jorge Lacerda aparece como sendo o município catarinense que mais emite CO2. Em âmbito nacional, o município também contempla o primeiro posto. O estudo além de analisar resíduos provenientes de termelétricas, também avaliou os impactos advindos da agropecuária, mudanças do uso da terra e florestas.

Dos dez municípios catarinenses com maiores emissões de gases poluentes de efeito estufa estão, além do primeiro da lista que é Capivari de Baixo, Criciúma, na quarta posição e Siderópolis, na sexta. Ambos integram a região carbonífera do estado de Santa Catarina. Para ter ideia do problema, Capivari de Baixo sozinho libera à atmosfera 85.578 toneladas por Km2. Para capturar todo esse resíduo o município teria que plantar 7,14 árvores por cada tonelada de CO2 emitida, ou seja, 600.000 árvores por ano. Outra informação importante é que há estimativas de 100.91 Kg de CO2 por habitante, é como se cada cidadão tivesse cerca de 140 carros andando diariamente por 20 km. 

Algo curioso nas tratativas de venda da termelétrica de Capivari a Bravo e toda a mobilização em prol do plano envolvendo donos de mineradoras, imprensa e o próprio governo do estado, é que o tema em questão estava sendo costurando há algum tempo e cujo protagonista era o presidente o executivo federal. Deputados e senadores do sul do Brasil, aliados ao presidente e a sua agenda anti-ambiental tiveram atuação decisiva no resultado que beneficiará principalmente carboníferas que causam danos ambientais irreversíveis às regiões mineradoras.

É claro que o pano de fundo à guinada a uma matriz energética prevista para se extinguir definitivamente até o final de 2030 no planeta, foi a crise hídrica que responde por mais de 60% no fornecimento de energia Brasil. Prevendo riscos de um desabastecimento energético, o governo brasileiro em agosto último publicou portaria n. 540/2021 estimulando fontes térmicas de geração de energia, entre elas de carvão mineral. Conforme descrito na portaria, o objetivo desse plano seria: “a sustentabilidade ambiental, a manutenção da atividade econômica da atual indústria carbonífera e a substituição de termelétricas antigas por novas e modernas a carvão”. O documento contém 54 páginas onde são detalhadas todas as etapas desse processo.

Antes da publicação da portaria, deputados de SC participaram de audiência pública na ALESC para discutir estratégias de manter ativa, bem como vitaminar ainda mais a atividade carbonífera no Sul de Santa Catarina. A partir dessa audiência, o governo do estado encaminhou projeto de lei à Assembleia legislativa para ser apreciado pelos parlamentares e cujo objetivo era incentivar a matriz energética a carvão. O documento que contém 125 páginas se destaca pelo desejo de promover uma transição sustentável para outras atividades energéticas a médio longo prazo.

Para entender como o segmento do carvão se mostra ainda tão poderoso e que conseguem rapidamente que suas demandas sejam atendidas, além do projeto de lei aprovado na ALESC, outros parlamentares no Senado e na Câmara Federal atuaram decisivamente na permanência dessa matriz em território catarinense. Um desses parlamentares foi o deputado  Altair Guidi que apresentou emenda aditiva a MP 1055 (Que institui a Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética) para estender até 2035 os subsídios custeados pelo CDE (Conta de Desenvolvimento Energético)  às usinas de carvão. Do valor total da CDE em 2020 de R$ 21,91 bilhões, o reembolso para o carvão foi de R$ 670 milhões, ou seja, 3 % da CDE, o que representa cerca de apenas 0,37% da conta de energia.

Subsídios são benefícios concedidos pelo Estado, ou seja, as empresas são isentas do pagamento de tributos ao Estado, dinheiro que seria destinado às obras de infraestrutura e na  saúde, educação, segurança, etc. Mas, o fato é que toda essa movimentação em defesa do carvão mineral não demonstra ser tão consensual como quiseram esboçar  os inúmeros veículos de comunicação regional. No Rio Grande do Sul, na região da grande Porto Alegre, onde há intenção de abrir minas de carvão, um forte movimento foi articulado por membros do legislativo de Porto Alegre contrários a tal iniciativa.

Estudos elaborados pelo Comitê de Combate a Megamineração no Rio Grande do Sul apontaram falhas no EIA-RIMA do projeto das minas na grande Porto Alegre, constatando que a abertura de minas trará sérios impactos no abastecimento de água a milhões de pessoas. Em Santa Catarina, há pouco mais de um mês, o TRF (Tribunal Regional Federal), da 4 Regional da Porto Alegre, condenou duas empresas mineradoras; a Agência Nacional de Mineração e o IMA (Instituto do Meio Ambiente) por danos causados ao meio ambiente e a população da região de Criciúma. A condenação se deu pelo fato de as empresas mineradoras estarem utilizando explosivos para extrair o carvão, prática causadora de danos irreparáveis aos proprietários de terrenos e ao meio ambiente.

E não para por aí as praticas criminosas desse segmento que foi tão paparicado nos últimos dias. Tendo um pouquinho de paciência é só vasculhar alguns sites que lá aparecerão um monte de infrações cometidas e processos impetrados contra mineradoras envolvidas em atos criminosos ao meio ambiente. A última, talvez a mais recente, foi publicado no site EcoDebate. Trata-se de uma ação condenatória a uma empresa mineradora da região de criciúma, por ter infringido o art. 55 da lei. n. 9.605/98. Esse artigo imputa aqueles que cometem crimes quando executam pesquisas, lavras ou extração de recursos minerais sem a competente autorização legal. Já o art. 2 da lei n. 8.176/91, pune quem usurpar, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à união, sem autorização legal. 

O que se pode constatar no caso condenatório acima impetrado pelo MPF (Ministério Público Federal) à empresa que minera carvão, analisando os artigos das duas leis citadas acima, é de ter executado serviços de extração de carvão sem o cumprimento das determinações legais obrigatórias. Nenhum desses crimes ambientais listados acima, além de outros que são praticados diariamente não foram citados nos noticiários, muito menos feito alguma menção em audiências como a que ocorreu na ALESC.

O que mais se ouviu nos inflamados discursos favoráveis a permanência da atividade mineradora é que as novas tecnologias para o setor estão avançadas e cujos impactos não mínimos. Falou-se muito sobre a produção de energia, dos estudos que estão avançados na captura do CO2, etc, mas não foi tocado no modo de extrair e seus efeitos extremamente degradantes. Tudo leva a crer que com o novo apoio dado ao setor, novas minas serão abertas acompanhadas com processos que se avolumarão nos tribunais estaduais e federais contraa mineradoras e órgãos fiscalizadores.

Prof. Jairo Cesa     

                  

https://ciram.epagri.sc.gov.br/index.php/2021/03/24/jose-boiteux-e-o-municipio-que-mais-remove-e-capivari-de-baixo-e-o-que-mais-emite-gases-de-efeito-estufa-no-estado-de-santa-catarina/

https://energiaeambiente.org.br/manifesto-carvao-sustentavel-a-nova-cloroquina-do-setor-eletrico-20210812

http://noticom.com.br/capivari-de-baixo-e-a-cidade-que-mais-emite-co2-por-area-no-brasil/

https://portalinfosul.com.br/capivari-de-baixo-e-a-cidade-brasileira-que-mais-produz-co2-por-area/

https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/103365

https://climainfo.org.br/2021/09/29/us-670-milhoes-de-fundo-de-tarifa-social-subsidiaram-carvao-mineral

https://climainfo.org.br/2021/10/27/nao-havera-neutralidade-climatica-duradoura-enquanto-houver-queima-de-fosseis/

https://www.sc.gov.br/noticias/temas/desenvolvimento-economico/audiencia-publica-define-criacao-de-nova-politica-estadual-do-carvao-para-a-usina-jorge-lacerda

https://www.redebrasilatual.com.br/blogs/blog-na-rede/2021/08/carvao-mineral-governo-brasileiro-transicao-energetica-pior/

https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/noticias/mme-publica-detalhamento-do-programa-para-uso-sustentavel-do-carvao-mineral-nacional/programa-para-uso-sustentavel-do-carvao-mineral-nacional.pdf

https://epbr.com.br/vereadores-mobilizam-contra-mineracao-no-principal-reduto-de-carvao-do-brasil/

http://visualizador.alesc.sc.gov.br/VisualizadorDocumentos/paginas/visualizadorDocumentos.jsf?token=2acdefe50faa803f4fc32111af4bf2cd3f2d2b9ba5a22fad4b4a0b64e8fde7fb422e20fe61a5c851f25fcf511082fa20  (IMPORTANTE)

http://agenciaal.alesc.sc.gov.br/index.php/noticia_single/alesc-analisa-proposta-de-nova-politica-estadual-voltada-ao-carvaeo-mineral

https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8985724&disposition=inline 

https://www.sc.gov.br/noticias/temas/desenvolvimento-economico/governo-encaminha-ao-legislativo-projeto-de-lei-sobre-politica-estadual-de-transicao-energetica-justa

https://www.lex.com.br/noticias-empresas-carboniferas-e-orgaos-regulamentacao-sao-condenados-por-danos-ambientais/3543

https://www.ecodebate.com.br/2015/10/13/sc-carbonifera-criciuma-e-condenada-por-delitos-ambientais/

https://www2.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=consulta_processual_resultado_pesquisa&txtValor=50125632020144047204&selOrigem=TRF&chkMostrarBaixados=&todaspartes=S&selForma=NU&todasfases=&txtChave=&numPagina=0

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8176.htm

https://www.ecodebate.com.br/2015/10/13/sc-carbonifera-criciuma-e-condenada-por-delitos-ambientais/

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário