sexta-feira, 25 de novembro de 2016

EDUCAÇÃO INTEGRAL E O CAOS DAS ESCOLAS PÚBLICAS ESTADUAIS DE ENSINO MÉDIO EM SANTA CATARINA

Os (as) professores (as) da EEBA que acompanharam atônitos (as) todo o polêmico processo referente ao decreto federal 746/2016 que alterou inúmeros dispositivos da LDB relativos ao ensino médio, que entre as medidas estabelece a permanência do (a) estudante na escola com a disseminação das escolas integrais, devem ter se surpreendido (a) quando o corpo gestor da escola informou que o recurso encaminhado ao MEC solicitando a conversão da unidade em período integral, teria sido vetado.   É importante esclarecer que no município de Araranguá nenhuma escola de ensino médio recebeu o aceite do Ministério da Educação, por não ter o Estado feita as adequações necessárias que pudessem capacitá-las ao atendimento de estudantes nos turnos intermediários.
Nos demais municípios que congregam a 22 Gered, (Regional de Araranguá) apenas três escolas tiveram seus processos aprovados, isso porque são construções recém inauguradas, porém, já apresentam problemas de infraestrutura, rachadura, goteiras, com riscos de terem seus processos vetados nos próximos anos ou até mesmo interdição definitiva. Na contramão dessa ordem, o Estado de Santa Catarina deu início às matrículas nas escolas públicas estaduais para o ano letivo de 2017 já prevendo o convertimento de escolas de turnos normais em integrais. Os dois principais jornais de circulação estadual, O Diário Catarinense e o A Notícia, trouxeram no dia 23 de novembro de 2016 reportagens evidenciando as inovações pretendidas pelo governo para o ensino médio.
Em nenhum momento, ambos os órgãos noticiosos fizeram qualquer menção aos inúmeros problemas estruturais envolvendo centenas de escolas públicas. Somente na regional de Araranguá, de acordo com informações fornecidas por integrante do corpo de bombeiro, das 42 escolas estaduais, apenas três receberam alvarás para funcionamento. As demais estão exercendo suas atividades de forma irregular.  São essas três escolas recém construídas ou reformadas que foram contempladas pelo MEC e que irão oferecer ao público ensino integral.  A situação das demais unidades estaduais de ensino vinculadas a ADR-Araranguá, com raras exceções, beira o desespero. No município do Sombrio temos a Escola Estadual Catulo da paixão Cearense, no Sombrio, há quase um ano interditada e relegada ao abandono. Não há qualquer expectativa do inicio de construção do novo prédio. Bem ao contrário do que apregoam os políticos locais, deputados estaduais da base governista, que vem prometendo o início imediato das obras.
Em Araranguá, são inúmeras unidades de ensino estão quase no nível de deteriorização e possível intervenção comparável a unidade do Sombrio. A Escola Estadual Maria Garcia Pessi, depois anos de promessas, cujas estruturas colocam em risco a integridade física de centenas de estudantes e profissionais, finalmente teve início sua reforma definitiva. Porém, há poucos dias a imprensa noticiou que foram paralisados os trabalhos por conta de processo impetrado por empresa não contemplada na licitação e que foi deferido pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, onde deferiu liminar paralisando a obra. Quando irá recomeçar, ninguém sabe.
Temos também a Escola E.F Jucemar Paes, alvo de 40 arrombamentos e furtos em menos de um ano. Para conter a violência e os prejuízos, a APP (Associação de Pais e Professores) e a comunidade se reuniram e promoveram campanhas para angariar recursos para instalação de câmaras de vigilância e outros reparos, cujo compromisso deveria ser do próprio Estado. Seriam necessárias muitas páginas para mencionar todas as escolas que apresentam defeitos dos quais impossibilitam o satisfatório desempenho das atividades pedagógicas.
A EEBA, antigo Colégio Estadual de Araranguá, um dos educandários mais tradicionais do sul de Santa Catarina, é outro exemplo de descaso por parte do governo com a educação pública. Se as atividades docentes estão ocorrendo com “normalidade”, isso também se deve ao empenho do corpo gestor e demais profissionais, que vem promovendo campanhas para angariar fundos até mesmo para a aquisição de papel higiênico e material de limpeza. Sem contar as dezenas de goteiras, que a cada ameaça de mal tempo deixa os (as) estudantes, professores (as), gestores (as) e demais trabalhadores (as) em estado de tensão, devido aos transtornos que traz ao ambiente escolar.
Outro exemplo de descaso e má gestão dos recursos públicos foi a construção do Anfiteatro Célia Belizzária, vinculado a EEBA, que custou aos cofres do estado mais de cinco milhões de reais. Desde a sua inauguração há quase vinte anos, o prédio vem apresentando problemas freqüentes, com goteiras, vazamentos e outros tantos problemas, que resultou na interdição por parte do corpo de bombeiro. Com a interdição, o prédio se encontra abandonado e alvo de vândalos. Em pouco mais de um mês, o prédio foi atacado duas vezes por arrombadores onde furtaram uma porta de alumínio.  O próprio ginásio de esportes, desde que foi concluído, sua quadra e os demais ambientes pouco foi utilizado. Além de inúmeras goteiras, parte do piso de um dos vestiários cedeu e a parede apresenta risco de desabamento.
Diante desse quadro desolador e de insegurança, as atividades físicas e esportivas, como forma de preservar a integridade física dos (as) estudantes, vêm sendo realizada em uma quadra que também não oferece condições ideais para a atividade física. Isso é um pequeno exemplo de tantos outros casos dramáticos das escolas públicas de santa Catarina que estão na mesma situação.  O caso da interdição do anfiteatro trouxe enorme transtorno para o município e para a própria escola, por ser o único ambiente na região com estrutura para eventos culturais, como shows e peças teatrais.
Há cerca sete meses um grupo de estudantes da EEBA vem ensaiando, com enorme dificuldade, peça teatral para ser apresentada à comunidade escolar agora no começo de dezembro. A interdição do anfiteatro forçou a professora, coordenadora do projeto, a utilizar outro espaço sem o mínimo de infraestrutura para assegurar aos integrantes da peça tranqüilidade nos ensaios. O que é estarrecedor quando alguém se propõe a doar parte do seu tempo para oferecer arte à comunidade escolar é chegar às vésperas da estréia da peça e ter que correr uma caixinha na escola para arrecadar recursos para comprar material para decoração do cenário e vestimenta dos personagens. É de chorar...
Agora, querer o Secretário da Educação do Estado, se utilizar de dois órgãos noticiosos para fazer propaganda a favor do governo acerca do ensino integral omitindo o quadro caótico de centenas de escolas e ginásios, que aos pedaços colocam em risco à vida de milhares de estudantes, é subjugar a inteligência de milhões de catarinenses. É importante esclarecer que o governo catarinense, todos os anos, transfere dos cofres públicos para o grupo RBS, proprietário dos jornais distribuídos em mais de 1000 escolas, mais de dez milhões em contrato de pagamento. Quem leu as reportagens publicadas nos dois jornais, as opiniões ali elencadas, do Secretário da Educação do Estado; membros da ADR (Agência de Desenvolvimento Regional) e estudantes, todos, orquestradamente, emitiram opinião demonstrando extremo otimismo do atual cenário educacional. O fato é que desconhecem ou se fazem desconhecedores do real quadro conjuntural das escolas.
Poderia ter os jornais entrevistado integrantes da entidade que representa os professores, o Sinte, e ouvi-los sobre o que pensam no tocante ao assunto escolas integral. Acredita-se que a opinião se divergiria das que foram descritas pelo jornal. O secretário relatou que um dos possíveis impasses para que o ensino médio integral flua com harmonia tem haver com aspectos culturais da família, que ainda impõe certa resistência. Não é nada disso. O problema mesmo é que centenas e milhares de estudantes necessitam trabalhar no turno intermediário para auxiliar na renda família. Também querer usar como exemplo as escolas particulares, que adotam o turno integral com atividades culturais, esportivas, etc, como justificativa para sua implantação na rede pública, é também desconhecer a realidade social dos estudantes e das estruturas de cada escola.   
Não há dúvida que o projeto de reestruturação da educação publica nas esferas federal, estaduais e municipais segue uma lógica funcionalista empresarial, como forma de adequar às escolas e o sistema curricular à formação com baixo custo de mão de obra disponível para o mercado. É nessa direção que os governos estaduais estão caminhando, firmando parcerias com as federações empresariais, fundações e institutos que vem patrocinando e executando projetos com viés empresarial. Em Santa Catarina, o governo do Estado, todas as reformas que estão em curso na educação estadual, no momento da elaboração das legislações e estratégias de execução, sempre têm assentos reservados para representantes do capital, nesse caso, a FIESC e fundações como a Itaú, Ayrton Sena, entre outras.
A certeza da influencia desses seguimentos nas políticas de ajustes no sistema educacional catarinense é constatada quando da publicação no dia 22 de novembro de 2016 de um artigo no Diário Catarinense, escrito pelo Diretor de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Sena, intitulado “O Futuro da Educação”. No texto, critica o modelo de ensino brasileiro decadente que vem caindo no “ranque” internacional, ficando abaixo da Guatemala e do Irã, cujo principal problema é a perda de competitividade. Disse que o principal combustível para melhorar a qualidade do trabalho e produtividade é o investimento na educação.
Uma das saídas é melhorar o ensino médio com currículos que possa atrair os jovens e que responda os desafios do século 21. Afirmou que SC tem um trunfo que é a implantação do ensino integral a partir de 2017, que ampliará as fronteiras e a qualidade do Ensino Médio. Também ressaltou que o estado precisará de parceiros, e que já vem ocorrendo através da participação da FIESC que junto com a SED (Secretaria da Educação) vem promovendo o movimento Santa Catarina pela Educação.
No final do artigo afirmou que todas as ações que estão sendo promovidas “poderá ser mais um exemplo que SC dará ao país: realizar de forma coletiva a construção de uma nova educação”. É Claro que será uma nova educação, bem de acordo com que desejam os detentores do poder político e econômico. Certamente isso se dará com mais desenvoltura agora com a sansão do decreto presidencial que instituiu a reforma do ensino médio, onde, entre outras medidas, serão excluídos dos currículos Educação Física, Artes, Sociologia e filosofia.  O que se quer nesse novo modelo de educação é formar trabalhadores indolentes, passivos, submissos aos mandos de um sistema econômico perverso, que procura sugar ao máximo a força do trabalhador cada vez mais desprotegido e perdedor de direitos.
Prof. Jairo Cezar          
          

  

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

MESMO LAICO, O ESTADO BRASILEIRO SE MANTÉM SOB FORTE INFLUÊNCIA DO PROSELITISMO RELIGIOSO

Diante do atual conturbado cenário econômico e social que está contribuindo para intensificar a intolerância e a violência contra homossexuais, comunidades indígenas, negros e grupos religiosos de tradição africana, a escolha da religião, como tema de redação no ultimo Enem, deverá servir para ajudar educadores e demais profissionais  a compreenderem melhor a perspectiva dos (as) jovens brasileiros (as) quanto a esse assunto tão controverso em um Estado que se julga Laico. O primeiro ponto passivo de reflexão e que acredito tentará suprimir dúvidas ou confusões envolvendo Estado e Religião é o que realmente se entende por Laico ou sociedade Laica. O termo, portanto, surgiu na Grécia antiga, derivada da palavra Laós, Laikós, que traduzido para o português é designado povo[1].
Também na antiguidade, os hebreus se apropriaram do termo no qual conceberam a expressão “povo”, advinda dos gregos, como os eleitos por Deus, ou seja, restrito a uma reduzida parcela da sociedade.   No entanto, esse domínio religioso do termo Laós, Laikós, Laicus e Laico permaneceu durante a idade média, até a modernidade no século XVIII, quando os iluministas franceses ou positivistas passaram a utilizar como “arma” no combate aos dogmas que predominavam sobre regimes absolutistas.
Anterior a chegada dos portugueses no Brasil no século XVI, a relação entre e poder civil e o eclesiástico da metrópole se misturavam entre si de tal modo que ambos se confundiam quando as suas reais designações no âmbito civil e religioso.  Essa espécie de osmose ou mistura institucional cruzou o oceano quando aqui desembarcou os jesuítas, que a serviço da coroa e a pretexto de “proteger os infiéis ou salvar almas” iniciaram o processo de subordinação ideológica dos povos originários (indígenas) ao domínio português e do clero católico.
A coroa portuguesa, receosa dos riscos ao Estado português advindos do crescimento do poder de influência dos jesuítas sobre os povos nativos, deu atribuições ao ministro da corroa portuguesa o Marques de Pombal para perseguir e expulsar os jesuítas de suas possessões e promover a nacionalização da igreja católica. Tal nacionalização garantia ao próprio monarca português o elevado grau de soberania sobre a igreja, indicando bispos e demais religiosos a cargos eclesiásticos, que com base na hierarquia católica seria função do seu chefe religioso supremo, o papa.
Com a outorgação da primeira constituição do império brasileiro sancionada em 1924 pelo imperador D.Pedro I, o catolicismo se tornou definitivamente  como religião oficial do império. Os demais cultos, seus ritos ficaram limitados aos espaços domésticos sob pena de sanção civil. Tais regulamentações garantiam ao imperador autonomia para indicar clérigos para o exercício dos vários cargos e ritos nas igrejas, sendo esses agora funcionários do Estado e com direito a subvenções salariais.
 Tanto o patrimônio físico quanto as doações obtidas pela igreja, tudo era administrado pelo próprio Estado. Essa prática fez com que sacerdotes abandonassem a função no qual estavam designados pelo fato da incipiente remuneração recebida pelos serviços prestados à igreja. Foi, portanto, na primeira constituição republicana de 1891 que houve, teoricamente, a ruptura oficial entre a igreja católica e o Estado. Porém, o texto constitucional não impediu a permanência dos privilégios favorecendo exclusividade integrante do credo católico. Por outro lado, a constituição de 1891 não assegurou proteção aos demais grupos religiosos para o exercício dos seus ritos, onde continuavam sofrendo perseguições e preconceitos por parte do estado e da população.
O agravamento da criminalização dos demais cultos não católicos se deu durante o regime de Getúlio Vargas, mais especificamente no Estado Novo, quando o governo de Vargas intensificou a violenta e a perseguição aos freqüentadores dos cultos considerados não cristãos como o espiritismo e os de tradição africana como o ritual da Umbanda. A estratégia do estado, como forma de incitar a população contra os praticantes desses ritos, foi acusá-los de charlatanismo, curandeirismo e outros termos discriminatórios, atos esses interpretados como maléficos e prejudiciais à dita moral social.
No município de Araranguá tais perseguições contra não católicos também se configuravam em praticas corriqueiras durante os anos 1930 em diante. Algumas figuras religiosas conhecidas e reverenciadas pelos adeptos do catolicismo como dos párocos Thiago M. Coccolini e Antônio Luiz Dias, ambos ardorosos combatentes dos ritos religiosos que ameaçassem do predomínio católico em Araranguá. A pesquisa de doutorado desenvolvida pelo professor Lucio Vânio Moraes, entitulada Mercado Religioso e Práticas Pedagógicas: A Congregação de Santa Catarina no município de Araranguá-SC (1951-1982) tornam explícitas as artimanhas adotadas por membros do clero como forma de incitar o povo contra todos que freqüentarem locais de culto não católico. Numa das passagens da obra do professor, ele transcreve o que falou o Padre Antônio, acerca dos praticantes do espiritismo e umbandismo, registrado no caderno de rascunhos de 12 de maio de 1934 e que está nos arquivos da paróquia nossa Senhora Mão dos Homens.  
Nas palavras do Padre Antônio Luiz Dias: “Aumenta o número de praticantes Espíritas em Nossa Paróquia. Em Urussanguinha existe um grupo de homens e mulheres da cor negra que fazem oferendas diabólicas em seus terrenos de Macumba. Tenho feito visitas naquella (sic) localidade e até alguns Católicos têm atacado a Seita, mas parece que estão crescendo. O Católico que é fraco frequenta as sessões ao serem por eles convidados. Na Capela dessa localidade proibi na Missa para que nenhum fiél da Paróquia converse e nem frequente as residências desses acatólicos, Hereges. Eles poderão jogar o veneno Espírita enganando as almas do aprisco do Senhor”.[2]
É necessário considerar que este modelo de comportamento discriminatório em relação a certas religiões não cristãs como as de tradição africana é ainda recorrente hoje em dia. O ambiente escolar é onde mais ocorrem esses processos discriminatórios. Os principais alvos são crianças praticantes de ritos afros, geralmente silenciados e que para não se sentirem rebaixadas, ridicularizadas, mentem afirmando que pertencem ao catolicismo ou ao culto evangélico. Tais constatações relativas a hegemonização da violência contra crianças e a todo um grupo social que tenta manter viva suas raízes históricas de origem africana, foi obtida pela pesquisadora Estela Guedes Caputo, que concluiu em 2012 sua tese tratando sobre a Educação nos Terreiros: e como a escola se relaciona com crianças de candomblé.[3] É sem dúvida um trabalho extraordinário, onde a pesquisadora procurou mostrar que as crianças nos terreiros, desde pequena, são inseridas em ritos de iniciação, com funções hierárquicas que lhes asseguram diante dos demais sujeitos certo prestígio e respeitabilidade.
No entanto, nas escolas municipais do rio de janeiro, especialmente depois da aprovação da lei que regulariza o ensino religioso, muitos dos professores que lecionam tal disciplina, ambos são adeptos a uma das diversas igrejas cristãs, evangélicas ou católica. O fato é que carregam consigo toda uma carga de moralismo e preconceito como é constatado com crianças praticantes do candomblé.  
Ainda no regime de Vargas, de 1930 a 1945, período em que também em Araranguá se promovia perseguição contra praticantes do espiritismo e do candomblé, o próprio governo atribuía como justificativa para criminalizar os rituais, afirmando que seus integrantes ou lideres religiosos apregoavam apologia ao comunismo.  Para evitar possíveis atos de violência do Estado e de seguidores católicos contra os adeptos das demais religiões, a solução para sua existência e proteção foi se ajustar seguindo um caráter sincrético, ou seja, os movimentos, os símbolos, os ritos, tinham que aparentar estar reverenciando elementos sagrados do catolicismo.
Os primeiros sinais do possível enfraquecimento da supremacia da igreja católica se deram a partir da década de 1950 com a modernização urbana industrial e o fortalecimento dos movimentos pet encostais. As transformações do cenário econômico e social se intensificaram nas décadas posteriores levando ao surgimento de uma enorme diversidade de credos religiosos ditos neopetencostais, acreditando-se que com isso a constituição de 1988 finalmente incluiria no texto dispositivos que garantisse ao Estado brasileiro uma fisionomia verdadeiramente laica como se tentou apregoar na primeira constituição republicana de 1891.
Isso realmente não ocorreu, demonstrando o forte lobbie envolvendo autoridades ou lideranças evangélicas e integrantes conservadores do culto católico, entre os constituintes durante a elaboração da carta constitucional. O texto final da carta apresentou o que muitos já acreditavam ocorrer, artigos que nitidamente se contradizem e que comprovam que a idéia de laicidade continua ainda muito longe de se tornar realidade. Enquanto o artigos 19, I, impede que o Estado estabeleça e subvencione cultos religiosos, o artigo 210, §1°, abre profundas brechas assegurando que o ensino religioso deverá ser de matrícula facultativa e cujas aulas ocorrerão em horários normais para estudantes do ensino fundamental.
E como não bastasse tal anomalia constitucional, a legislação que criou a LDB, lei n. 9394/96, intensificou ainda mais a confusão dando tratamento diferenciado ao ensino religioso em comparação as demais disciplinas. Pois vejamos o que expressa o art. 33, § 1°: Os estabelecimentos de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos, bem como normas para escolha e habilitação de professores. Tal dispositivo permite que municípios como o Rio de Janeiro fosse aprovada legislação estabelecendo o ensino religioso como parte do currículo das escolas municipais. Para evitar impasses, as escolas foram divididas ou loteadas entre as principais religiões obedecendo aos percentuais de adeptos de cada religião nas comunidades onde as escolas estão situadas.  
O fato é que as religiões, nas últimas décadas,  vêm adquirindo cada vez mais notoriedade na vida privada e pública, chegando ao extremo do absurdo de o congresso nacional ter uma das maiores bancadas constituída por deputados e senadores representantes de distintos cultos evangélicos. Isso talvez passasse despercebido em outras culturas teocráticas, mas em se tratando de Brasil, constitucionalmente laico, traz riscos às liberdades individuais.
Não há dúvida de que o crescimento dos credos religiosos de tradição neopentecostal no Brasil tem relação com o próprio enfraquecimento do estado como agente disseminador de políticas públicas que atendam as necessidades básicas da população. São nas comunidades mais desassistidas, mais carentes, que os credos evangélicos conservadores tem maior penetração, tanto na promoção de serviços assistencialistas, bem como de práticas ritualísticas de cura e de exorcismo.
É na disputa desses espaços de influência e do mercado da fé que muitas religiões se utilizam de artifícios nada éticos para discriminar outros cultos especialmente os praticantes dos rituais afrobrasileiros, como o candomblé. Acredite, toda essa problemática que envolve religião, discriminação, violência tem também a escola como ambiente de reprodução de práticas normatizadoras especialmente das de culto cristão sobre outras de tradição africana, tratadas com desdém e forte preconceito.
Como forma de tentar minimizar um problema histórico que foi a sujeição de milhares de índios, bem como negros africanos ao trabalho escravo e submissão durante séculos, em 2003 foi aprovada no congresso nacional lei 10639/03 e depois alterada para 11.645/08 no qual estabelece a inclusão nos currículos das escolas públicas e particulares do ensino fundamental e médio temas relacionados a cultura africana. Também foi atribuído ao dia 20 de novembro como dia nacional de consciência negra, em homenagem ao líder do quilombo dos Palmares, Zumbi.
Quem adentrar as bibliotecas das escolas públicas estaduais de Santa Catarina vai perceber a enorme quantidade de livros didáticos disponibilizados pelo governo para trabalhar com os estudantes aspectos econômicos, sociais e culturais da africanidade no Brasil e dos países africanos. A frustração é que poucas são as escolas que reestruturam seus currículos incluindo a cultura africana como tema gerador. A conseqüência disso é a não utilização desse acervo bibliográfico de elevado custo financeiro para os cofres públicos.
Se todas as escolas realmente se dedicassem ao ensino da cultura e tradições afro-brasileiras, possivelmente teríamos um país mais tolerante e respeitador das diversidades. Talvez não acontecesse o que ocorreu no Rio de Janeiro quando uma criança negra vestida com trajes, representando sua crença, foi apedrejada na rua. Agora imaginamos o grau de discriminação que poderá haver com crianças freqüentadoras de terreiros de candomblé, cujas escolas que freqüentam o ensino religioso são lecionada por um professor que prega a moral cristã como normal.
Quem acompanhou os noticiários dos telejornais e principais sites na internet desse sábado, 19, talvez nem tenha percebido que nenhum destaque foi dado ao dia 20 de novembro, dia da consciência negra. Diante da onda conservadora que atingiu os diferentes seguimentos de decisão política do Brasil, além dos ataques contra direitos dos trabalhadores, o alvo também é a população negra com a supressão de leis como que ocorreu no Rio Grande do Sul, quando a justiça derrubou o feriado da consciência negra. Decisão semelhante está sendo pensado para o município de São Paulo, a partir da próxima gestão do prefeito João Dória Junior. Portanto, estamos sob um ciclo longo de retrocessos sociais, cuja solução é a resistência, o confronto. É na escola deve ser exercitada tal resistência, como espaço democrático e laico para promover a liberdade e a tolerância às diferenças.
Prof. Jairo Cezar                   






[1] https://guilhermeazevedo.jusbrasil.com.br/artigos/306883636/laicidade-estatal-e-a-obrigatoriedade-de-oferecimento-de-ensino-religioso-nas-escolas-publicas-do-brasil
[3] file:///C:/Users/Biblioteca/Downloads/52057-212064-1-SM%20(2).pdf

segunda-feira, 14 de novembro de 2016


É PRECISO REPUBLICANIZAR A REPÚBLICA BRASILEIRA

Depois de 127 anos de ocorrência da bizarra Proclamação da República articulada pelos “heroicos” militares vencedores da Guerra do Paraguai e acompanhada bestializada pelo povo que não tinha qualquer noção do que estava ocorrendo, ainda hoje o Brasil está longe de se constituir como nação independente, soberana, de ter assegurado concretamente direitos constitucionais básicos como saúde, educação, segurança, saneamento básico, etc. O fato é que tanto a Independência Política como a Proclamação da República, ambas seguiram caminhos distintos dos demais países de língua espanhola e inglesa do continente americano.
Enquanto aqui o processo se deu seguindo um ritual burguês de transição política sem grandes alardes e rupturas estruturais significativas, nas possessões espanholas houve lutas sangrentas e duradoras, onde milhares de pessoas perderam suas vidas. Como em qualquer revolução ou guerras, geralmente são nos campos de batalhas que certos heróis são constituídos ou forjados e que permanecem no imaginário simbólico social quase que eternamente. O exemplo ou exemplos brasileiros relativos a heróis são passivos de reflexões. Se fosse promovida enquete sobre heróis brasileiros, acredita-se que parcela expressiva dos entrevistados lembraria-se de nomes como Tiradentes, Duque de Caxias, entre outros.
O que ocorreu foi que a figura de Tiradentes como herói brasileiro foi forjada pela própria elite política econômica brasileira após a proclamação da república. Pois para o regime monárquico, Tiradentes e os demais inconfidentes que lideraram o movimento de independência não se configuraram como personalidades que deveriam ser lembradas por suas posições republicanas. O próprio Duque de Caxias, durante décadas se tornaria um dos principais nomes obrigatórios nos livros didáticos de história, sendo proclamado e homenageado durante as comemorações cívicas importantes como a independência, a república e o dia do soldado.
A configuração de herói nacional se deu por ter sido protagonista de inúmeras incursões para desarticular ou abafar movimentos insurrecionais no interior do Brasil. Na Guerra do Paraguai tanto Duque de Caxias quanto o Conde D’Eu considerados nomes importantes na guerra contra o Paraguai. O que muitos desconhecem é que ambos promoveram um dos maiores banhos de sangue conhecidos na história. No livro Genocídio Americano, o autor Júlio José Chiavenato relata essas duas figuras como protagonizadoras do quase genocídio da população paraguaia inteira. Ainda hoje muitas cidades têm ruas e estatuas homenageando essas personalidades.
A imagem, portanto, que temos de personagens como Tiradentes, mitificada e ilustrada em telas a óleo e livros de história seguiram critérios técnicos pensados por profissionais para produzir os efeitos desejados no imaginário social. Se o Brasil é o que é atualmente é porque foi moldado em casa e nas escolas. Pensar outro Brasil se faz necessário repensar quem foram os verdadeiros heróis, onde sacrificaram suas vidas em defesa da coletividade.
Embora a República tenha sido instituída mediante golpe liderado pelo militar Deodoro da Fonseca, sua efetivação se deu de forma atabalhoada, pois nada havia sido preparado para dar seu caráter institucional. A letra que se transformaria mais tarde no hino nacional que hoje conhecemos, a melodia foi a mesma do hino que o exército adotou na campanha da guerra do Paraguai.  Quanto a bandeira, houve quem quisesse adotar o modelo dos estados unidos. No entanto aproveitaram a bandeira do império, substituindo o símbolo do regime por um círculo com os dizeres ordem e progresso.
O golpe de 1889 não foi o único registrado no Brasil. Os registros históricos dão conta de ter ocorrido uma sucessão de golpes e contragolpes a partir da posse de D. Pedro I em 1822 até os dias atuais. Portanto, o ato que resultou na independência do Brasil foi o primeiro deles, vindo na sequência a maioridade de D. Pedro II em 1840. Esse ciclo se encerra em 1889, com a República. Já no ciclo republicano temos a ascensão de Floriano Peixoto em 1891; a tomada do poder por Getúlio Vargas em 1930; o estado novo de 1937; a derrubada de Getúlio em 1945; a tentativa de golpe contra Getúlio em 1954; o contra golpe de novembro de 1955 na tentativa de impedir a posse de Juscelino e João Goulart; o golpe de 31 de março de 1964 e por último o golpe de setembro de 2016, com a posse de Michel Temer.
O impasse do republicanismo não ficou limitado apenas ao hino e ao modelo de bandeira a serem adotados. As discussões se deram também em relação ao modelo de projeto de positivismo que moldaria o ordenamento jurídico e administrativo brasileiro seguindo os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade. Lutar para suas reais efetivações era e é o que deve ser buscado por todos os cidadãos. No entanto, em se tratando de Brasil a luta se torna mais árdua, pelo fato de ter a sociedade se constituído tão desigual, cujos poderes executivo, legislativo e judiciário, estarem fundamentados em princípios constitucionais ainda conservadores.
Outro agravante é a tênue independência e a forte influência de seguimentos políticos e partidários na tentativa de fragilizar os poderes e utilizá-los com exclusividade para forjar privilégios ou encobrir irregularidades de cunho corporativo. São práticas ainda comuns no próprio legislativo com regimentos e normatizações que possibilitam parlamentares livrarem-se de punições por atos de responsabilidade. Voltando a questão dos símbolos do republicanismo brasileiro fundamentado no positivismo de Auguste Comte, o hino, a bandeira nacional, suas cores e o slogan ordem e progresso traçou um caminho tortuoso e cheio de obstáculos trilhados pelo povo até o momento. O nacionalismo de Vargas e o desenvolvimentismo dependente de Kubistchek são dois momentos impares da história política e econômica brasileira.
Quando se imaginava que haveria uma guinada histórica no curso do sistema produtivo brasileiro, com possíveis ganhos e avanços sociais, eclodiu nas ruas e praças a força o conservadorismo das elites representadas pelos militares, censurando, reprimindo e torturando todos que ousassem subverter a ordem institucional.  A experiência de mais de vinte anos de um regime repressor que desconsiderou todos os princípios do republicanismo, serviu nas décadas seguintes de reflexão para os futuros gestores, já inseridos num processo de redemocratização.
No entanto, embora tendo sido promulgada uma das constituições mais progressistas até o momento, o pouco que se avançou nas últimas décadas está se buscando violentá-la, colocando em risco o futuro de gerações inteiras. Se os preceitos do iluminismo clássico são o cientificismo e a razão como pontes para o progresso econômico, as reformas em curso no Brasil, como do ensino médio, seguem caminhos equivocados quando tentam suprimir do currículo áreas do conhecimento importantes para o dito “progresso” como a sociologia, a filosofia e a arte.
Aqui estão alguns paradoxos de governos que assumindo a presidência ou administrações municipais suas primeiras iniciativas foram elaborar slogans que conferissem certo grau de otimismo de suas administrações. Brasil Pátria Educadora que conferiu ao segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff o fortalecimento dos valores cívicos nacionais a partir da valorização da Educação. Deu no que deu.  Já, “Brasil, ordem e progresso”, do governo Michel Temer, é o slogan que tenta ressignificar valores e sentimentos clássicos do republicanismo do final do século XIX e do regime militar, que apregoavam o progresso técnico e econômico como bandeira da “evolução social”. Todos sabem o tamanho do custo social de tal progresso desejado e jamais assegurado a todos.
Em um sistema capitalista é impossível pensar o mercado como princípio de igualdade, de não violência e de liberdade. A repressão e o emprego de golpes se tornam os instrumentos mais apropriados e utilizados para evitar possíveis hegemonizações de direitos e ascensão social à massa trabalhadora. Não estaria ai, portanto, o motivo de tantos golpes e contragolpes ocorridos no Brasil? Querer afirmar que no Brasil sempre reinou a cordialidade que jamais houve guerras civis é desconhecer os fatos que marcaram nossa história como guerra dos farrapos, contestado, cabanagem, sabinada, federalista, entre outras tantas.
O Brasil foi e continua sendo extremamente violento. O que dizer da violência no trânsito, que anualmente mata mais que duas ou três guerras do Vietnã.        Alguém poderia responder o principal motivo da ex-presidente Dilma Rousseff ter sancionado a lei antiterrorismo? Não seria um principio do conservadorismo liberal a ser usada para justificar atos de repressão às manifestações contrárias as reformas que “recolocará” o Brasil nos trilhos do desenvolvimento.  
O 15 (quinze) de novembro é feriado nacional. Uma data tão importante, porém, pouco a celebrar. Deve servir, sim, como dia de reflexão acerca dos motivos que tem levado o Brasil a estar passando por um dos momentos mais conturbados da história. Há de se admitir que herdamos do passado todo um arcabouço cultural e político repleto de vícios que vem se repetindo geração pós geração. Suprimir tais vícios como da corrupção dependeria de uma revolução no campo educacional.
Não seria exatamente o que pretendiam e o que pretendem os grupos hegemônicos que se alojaram e que estão alojados nos interstícios do poder há séculos. O que anseiam é reproduzir tais relações de subordinação de uma classe sobre outra. Para ter certeza disso basta analisar os projetos reformistas em execução que atacam dezenas de dispositivos da própria constituição federal. A LDB, que trata sobre o ensino médio, também não se eximiu dos ataques. Tanto a constituição como a LDB, embora tenham sofrido críticas desde as suas promulgações devido ao seu caráter ainda conservador, as reformas em curso pretendem torná-las mais conservadoras ainda.
O atoleiro político e econômico pelo qual o Brasil está submetido deve ser responsabilizado, entre outros fatores, o projeto político de conciliação com as elites, prática adotada pelos governos Lula e Dilma. Nunca antes na história do Brasil o setor financeiro e empresariado tiveram tantos ganhos com políticas de isenções fiscais bilionárias. No entanto isso não reverteu em ganhos sociais pelo fato de ter sido aplicado tais benefícios para a elevação dos lucros da própria elite. Romper com esse modelo deveria ter sido a principal meta dos governos PT. Não tiveram competência para realizar. É tão estarrecedor que além de promoverem uma desindustrialização galopante nos últimos quatorze anos, conseguiram também fragilizar o sistema SUS e a própria educação, que poderia ter sido o carro chefe da grande revolução social.
É exatamente esse o processo utópico a ser trilhado pela sociedade, isto é, a conquista da cidadania da igualdade republicana. Tem muito mais peso para a sociedade leis que tratam sobre atos antidiscriminatórias e de garantias direitos como foram para as empregadas domésticas que leis que promovem o pleno emprego e salários dignos. Em uma sociedade liberal, extremamente desigual e autoritária, é consenso que as segundas opções são quase que descartadas pelo fato do modelo capitalista tender a se nutrir dessas desigualdades. Garantir bons empregos e salários condizentes à subsistência não condiz o modelo republicanismo em curso no Brasil.   
Pensar em igualdade, liberdade e fraternidade, como apregoa a constituição republicana brasileira e nas paginas da declaração dos direitos humanos, não passa de uma utopia cega, impossível de ser alcançado quando princípios éticos como o trato da coisa pública continuar seguindo o caminho da corrupção. O congelamento de gastos públicos com educação, saúde, entre outros seguimentos dá certeza que o republicanismo concebido em 1889 caminha na contramão da cidadania plena. As mobilizações sociais semelhantes a de 2013 deve ser intensificada como único caminho realmente possível para pressionar ou romper o atual modelo de Estado liberal conservador e promover a republicanização cidadã.  
Prof. Jairo Cezar
                     


       

domingo, 6 de novembro de 2016

SERIAM AS CONSTANTES RESSACAS, VENDAVAIS E TSUNAMIS METEOROLÓGICOS NO LITORAL CATARINENSE RESULTANTES DO AQUECIMENTO GLOBAL?


As previsões relativas às mudanças no clima do planeta resultantes do aquecimento global vêm se confirmando e já estão sendo sentidas com intensidade aqui mesmo no extremo sul de santa Catarina. Em 2004 a região foi surpreendida pelo furacão Catarina, ocorrendo depois outros fenômenos extremos como tornados, inundações e um longo período de estiagem, 2011 e 2012, que provocou a escassez de água para o abastecimento humano e outras atribuições. A situação de falta d’água se tornou tão tensa ao ponto de ocorrerem conflitos pela posse da água envolvendo setores da agroindústria e rizicultores. Esse impasse fez com que, pela primeira vez, o comitê da bacia do rio Araranguá, intercedesse no conflito mediando soluções negociáveis para amenizar as tensões. http://www.engeplus.com.br/noticia/geral/2012/estiagem-ja-afetou-mais-de-60-mil-pessoas-no-sul-de-santa-catarina/
Há muito tempo vem sendo alertado que se o ritmo acelerado dos desmatamentos permanecerem teremos mais episódios climáticos extremos onde poderá ter o agravamento dos conflitos pelo controle da água.  Deve-se admitir que de tempo em tempo o clima do planeta, independente da ação humana, sofre os efeitos de fenômenos climáticos como o El nino e o La nina. Isso ocorre no instante que as águas do oceano pacífico, situadas na linha do equador, resfriam ou aquecem acima ou abaixo dos percentuais normais. No entanto, nas últimas décadas já é perceptível que tais ciclos climáticos vêm assumindo dimensões cada vez mais imprevisíveis e traumáticas. https://leismunicipais.com.br/a1/sc/a/ararangua/decreto/2012/582/5816/decreto-n-5816-2012-declara-situacao-de-emergencia-nas-areas-do-municipio-afetadas-por-estiagem
Além de danos materiais de grandes proporções, esses fenômenos também estão resultando em perdas de vidas humanas, bem como mudanças drásticas de ecossistemas inteiros e do próprio comportamento humano com graves seqüelas emocionais. O exemplo são as populações afetadas pelo Furacão Catarina, que até hoje muitas delas ainda apresentam seqüelas manifestas na ocorrência de tempestades acompanhadas por vendavais.  O que é preocupante nisso tudo é que discretas foram as ações preventivas ou educativas para que a população tivesse condições de agir diante de um possível fenômeno climático extremo na dimensão ou até mesmo menor que a do Furacão Catarina. Nos últimos anos as ações mais freqüentes foram da defesa civil, dos meteorologistas e do corpo de bombeiros, através do encaminhamento de alertas e ações preventivas e de apoio às populações passivas às inundações e vendavais.


Fora isso, temos a participação do comitê da bacia do rio Araranguá, que mesmo diante das dificuldades estruturais e financeiras, ainda consegue concretizar projetos como a instalação de estações meteorológicas para mediar o clima da região. No entanto, por falta de recursos muitas das estações estão desativadas não permitindo, entretanto, o monitoramento mais seguro das precipitações pluviométricas e outras e outras observações do tempo. Em relação ao clima do planeta ou aquecimento global, o Brasil, em dezembro de 2015 participou da COP 21 que ocorreu na cidade de Paris, França.


Dentre as ações protagonizadas pelo Brasil, houve a promessa canalizar maiores investimentos em projetos de energia renováveis como eólicas e fotovoltaicas. A promessa era de que o Brasil até 1950 superaria definitivamente suas fontes fósseis como carvão mineral e petróleo. No ano passado, em setembro de 2015, antes do encontro de Paris, o governo brasileiro apresentou na ONU seu plano ousado de reduzir em até 43% o índice de emissão de CO2 até 2030. Foi também essa proposta apresentada em Paris e referendada pela delegação representando o governo brasileiro.
Quando se esperava que tais acordos sobre o clima protagonizado pelo governo brasileiro e testemunhado por mais de cem chefes de estados, desse sequência nos meses posteriores, no dia 19 de outubro de 2016, veio a noticia de que o senado aprovou medida provisória 735/2016 com a inclusão de mais um artigo, o de n. 20, que não constava no texto original, no qual estimula a ativação de termelétricas movidas a carvão.  O artigo produziu reações contrárias de senadores como de Randolfe Rodrigues do partido Rede - AP, entre outros, alegando que se aprovado for tal dispositivo estaria andando na contramão de compromissos assinados como de incentivo às fontes limpas de energia.
O programa de usinas térmicas a carvão no Brasil prevê investimentos de cinco bilhões de reais para garantir o nível de produção entre 2023 e 2027. A notícia caiu como uma bomba para cientistas e pesquisadores do clima, bem como para as organizações ambientais que vem se empenhando arduamente na luta contra as políticas de incentivo às fontes sujas de energia, dentre elas o carvão mineral. Hoje no mundo, o carvão mineral contribui com 46% da emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa. http://dc.clicrbs.com.br/sc/noticias/noticia/2015/11/um-ano-apos-rompimento-de-barragem-de-mineracao-rio-tubarao-ainda-aguarda-por-recuperacao-ambiental-4916323.html

A sensação que fica quando se tem notícias como da aprovação da medida provisória que incentiva termelétrica a carvão; da auto-suficiência dos Estados Unidos na extração de petróleo de xisto; dos cerca de cinqüenta bilhões de barris de petróleo contidos no pré-sal prestes que deve ser extraído, é de que tudo que vem se discutindo e definindo em conferências e encontros sobre o clima, não terá qualquer resultado efetivo.
Pois vejamos.  Se compararmos os primeiros acordos protocolados sobre o clima, como a RIO-92, a COP (Conferência das Partes) de Berlim, em 1995, e a 21 COP, realizada em Paris, em 2015, são quase 25 anos de mobilização. O fato é que o planeta continua aquecendo, as partículas de carbono já atingiram o nível recorde de 400 ppm, os desmatamentos e as queimadas na Amazônia continuam aumentando, etc. Cada encontro desse são milhões de dólares disponibilizados para a realização dos mesmos. Afinal o que está faltando para que os acordos sejam efetivamente executados? http://g1.globo.com/natureza/noticia/2016/10/desmatamento-ilegal-vira-atividade-economica-organizada-no-amazonas.html       
   No mês de setembro de 2016 pesquisadores constataram um dado preocupante em relação ao clima do planeta. Pela primeira vez na história da terra o percentual de partícula de carbono na atmosfera ultrapassou as 400 partes por milhão. Estudos realizados nas camadas de gelo dos pólos, concluiu-se que de 800 mil anos atrás até o período pré-industrial, a quantidade de “ppm” na atmosfera oscilava entre 180 a 280. Numa linha de tempo mais extensa, entre 16 a 12 milhões, ou seja, num intervalo de quatro milhões de anos, os níveis de partículas por milhão de carbono na atmosfera da terra se aproximaram aos percentuais atuais, 400 ppm. O que gera apreensão é que no intervalo de tempo acima a temperatura do planeta se elevou entre 3 a 6 graus Celsius dos níveis atuais. Quanto às águas dos oceanos, as mesmas tiveram uma elevação de 25 a 40 metros. http://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/planeta-ultrapassa-marca-de-400-ppm-de-co2-de-forma-permanente-20192022
Por que esses dados relativos aos “ppm” são tão importantes e necessários no momento? São importantes pelo fato de as temperaturas do planeta estar se elevando progressivamente e em níveis acelerados. Se essa sequência for mantida, no final do século 21 teremos a temperatura do planeta terá ultrapassado seguramente os 2 graus Celsius. Lembram dos 3 a 6 graus aumentados no período Mioceno? Talvez a preocupação das autoridades e da população em geral não atingiu ao nível de pânico pelo simples motivo de que o processo de aquecimento não está sendo tão catastróficos ainda.
Tudo leva crer que a próxima geração de humanos e milhares de espécies vivas estará sob forte ameaça de extinção no século seguinte. Embora os acordos e os protocolos sobre o clima estejam sendo referendados nas COPs (Conferências das Partes), o cenário político e econômico mundial não proporciona tanta garantia de que haverá o cumprimento das metas de manter os níveis de temperatura abaixo dos 2 graus Celsius considerada ainda segura por muitos.



Não é exatamente o que os relatórios das pesquisas sobre o clima vêm mostrando. Diariamente as redes sociais, jornais, revistas especializadas, instituições de pesquisas e organizações ambientais, algumas delas respeitadas mundialmente, vêm apresentando números e dados que comprovam que a temperatura do planeta a cada dia vem aumentando vertiginosamente, intensificando o degelo das calotas polares e elevando os níveis dos oceanos. Lembram o que foi relatado acima, que no período Mioceno a temperatura teve uma elevação de 3 a 6 graus e cujos volumes dos oceanos atingiu até 40 metros.

Baseado nessas afirmações de que os volumes dos oceanos realmente atingiram tais limites, toda a faixa costeira do território brasileiro, bem como de outras regiões do planeta, hoje densamente povoadas, estiveram nesse período cobertas pelas águas do oceano. A tendência, portanto, se não houver ações concretas que revertam o processo do aquecimento global é a repetição do que ocorreu em eras passadas. A intensa incidência de ciclones extratropicais, tsunamis meteorológicas, ressacas, entre outros acontecimentos do clima, como o Furação Catarina, em 2004, e os tornados no oeste do estado, são respostas de que estamos sob o efeito de um novo ciclo climático de calor. O que preocupa agora é que o respectivo ciclo vem se acelerado devido ao modo equivocado como o ser humano está se comportamento no planeta. 


Em se tratando de Brasil onde esmagadoras parcelas das cidades densamente povoadas estão situadas na litoral ou na faixa costeira do oceano atlântico, se o derretimento das calotas continuarem no ritmo acelerado atual, tenderá elevarem-se ainda mais os níveis dos oceanos, com prejuízos e problemas de proporções incalculáveis. Um ou vários exemplos disso foram as últimas ressacas ocorridas no litoral sul e sudeste brasileiro. É claro que, se as legislações ambientais fossem respeitadas como as que disciplinam as ocupações em áreas de APP, não somente na faixa costeira como as margens de rios e encostas de morros, muitos dos desastres ambientais que hoje consomem imenso volume de dinheiro dos contribuintes em ações de reparos e assistência poderia estar sendo canalizados para outros fins.  


Com relação a toda faixa costeira do estado de santa Catarina, observem que as agressões resultantes das ultimas ressacas ocorreram com maior gravidade naqueles municípios onde o poder público se comportou de modo negligente e imprudente nas últimas décadas. O desrespeito histórico as normas ambientais e aos planos diretores, tem gerado as atuais administrações dos municípios litorâneos todo tipo de tensões em decorrência dos enormes impactos das marés e ressacas em toda sua infraestrutura. Desde o instante que o poder público e os órgãos ambientais autorizam empreendimentos nos limites da “preamar”, além da estar burlando dispositivos legais, comprometem todo um ecossistema importante, as dunas frontais, que são responsáveis pelo amortecimento das marés e ressacas.


No Vale do Araranguá um dos municípios mais impactados coma as mudanças do clima global está sendo o Baln. Arroio do Silva. Todos os problemas hoje enfrentados pelo balneário poderiam ter sido evitados ou ter o mínimo de impacto, se no passado o poder executivo e o legislativo não fossem tão complacentes ou negligentes às ocupações na linha da preamar, considerada área federal. Há alguns anos o MPF encaminhou liminar com intuito de remover ou demolir construções situadas nessas áreas de riscos.


No entanto, embora as liminares tenham sido executadas parcialmente, tudo continua do mesmo jeito que antes. O que se percebe são novas concessões de licenças para construções nessas áreas ditas preamar. Como que isso ocorre? Não há certa contradição? Ao mesmo tempo em que o MPF delibera a demolição ou remoção de construções irregulares, novos empreendimentos são autorizados pelo poder público municipal nessas mesmas áreas.  Porém, pouco serão os avanços no que tange as soluções dos problemas na faixa costeira desses municípios devido ao modo como as administrações públicas vêm se comportando frente aos debates e posicionamentos em projetos como o orla ocorrido no Balneário Morro dos Conventos.


No Balneário Arroio do Silva, que transitou pela orla nos dias que se seguiram as intensas ressacas percebeu que o trecho onde concentrava maior acúmulo de dunas frontais os danos às residências foram quase que imperceptíveis. Já o Balneário Morro dos Conventos graças a maior presença de dunas nas áreas de amortecimento das ondas não houve danos de maior monta as residências ali situadas. Chamou a atenção à destruição parcial das passarelas construídas sobre as dunas que dão acesso à praia. Na eleição passada um dos candidatos à prefeitura propôs a construção de um grande calçadão na faixa da orla. Imagine se o projeto fosse executado.  


As constantes ressacas, o tsunami meteorológico ente outras manifestações do clima devem servir de alerta para as futuras administrações públicas e demais órgãos fiscalizadores. Quaisquer projetos pretendidos para tais áreas deverão passar por intensos estudos e um longo debate para averiguar os possíveis impactos aos frágeis ecossistemas. Isso evitará problemas como o que ocorreu nas praias do norte do estado, noticiado nos telejornais e nos periódicos de circulação estadual. O jornal A Notícia, trouxe na sua capa, dia 01 de 11 de 2016 a seguinte manchete: “Ressaca Castiga Praias. Prejuízo em Barra Velha, uma das cidades do litoral de SC atingidas, equipes trabalham sem parar para tirar toneladas de areia de ruas e casas”.  
 O jornal dedicou duas páginas para discorrer sobre o fenômeno climático que trouxe sérios estragos às muitas praias do norte do estado. Além de Barra Velha, São Francisco do Sul e Navegantes, o Balneário Comburiu foi certamente o mais afetado pelas ressacas. Se observarmos as imagens das destruições exibidas pelo jornal, sites e redes sociais há de convir que todos os transtornos poderiam ter sido evitados ou amenizados ao máximo.
   O fato ocorrido no Balneário Camboriú é um exemplo de como o homem ousou desafiar a natureza e cujos reflexos já estão sendo sentidos. Na noite de sábado, 30 de novembro, toneladas de areia foram depositadas na principal avenida beira mar da cidade. O material depositado gerou polêmica por parte dos moradores que responsabilizaram o poder público por não querer descartá-la no mar alegando estar contaminada. Olha que eram centenas de toneladas de areia. Daria um bom dinheiro, não daria? Quem estaria interessado nesse material vindo do mar? Depois de muita polêmica a areia finalmente retornou ao local de origem, a praia. O episódio também ganhou repercussão estadual no dia 02 de novembro quando o jornal do almoço, da RBS, exibiu reportagem sobre o assunto. http://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2016/11/areia-de-ressaca-e-devolvida-praia-de-balneario-camboriu-apos-polemica.html
O que causou estranheza durante os incidentes ocorridos nesses municípios que nenhum jornal escrito ou canal de televisão fez qualquer menção ou reflexão dos estragos abordando aspectos como ocupações e demais infraestruturas nas áreas de riscos suscetíveis às inundações. Poderiam, no mínimo, ter discorrido sobre legislações específicas e planos diretores que tratam sobre ocupação do solo, código de postura, código ambiental, etc. Outro tema importante é a legislação de 1831 que trata sobre áreas de marinha ou preamar.
No entanto, a dúvida que fica é se tal dispositivo sobre a preamar, planos diretores, projeto orla e planos de regularização fundiária relativos à faixa costeira fossem cumpridas, tais ressacas poderiam ter ocorrido sem que a população desse conta. A pergunta que fica é: o que farão as próximas administrações para evitar que episódios climáticos como das ressacas deixe de ocupar as manchetes dos jornais e pivô de conflitos como o que ocorreu no município de Balneário Camboriú?    
Prof. Jairo Cezar