segunda-feira, 14 de novembro de 2016


É PRECISO REPUBLICANIZAR A REPÚBLICA BRASILEIRA

Depois de 127 anos de ocorrência da bizarra Proclamação da República articulada pelos “heroicos” militares vencedores da Guerra do Paraguai e acompanhada bestializada pelo povo que não tinha qualquer noção do que estava ocorrendo, ainda hoje o Brasil está longe de se constituir como nação independente, soberana, de ter assegurado concretamente direitos constitucionais básicos como saúde, educação, segurança, saneamento básico, etc. O fato é que tanto a Independência Política como a Proclamação da República, ambas seguiram caminhos distintos dos demais países de língua espanhola e inglesa do continente americano.
Enquanto aqui o processo se deu seguindo um ritual burguês de transição política sem grandes alardes e rupturas estruturais significativas, nas possessões espanholas houve lutas sangrentas e duradoras, onde milhares de pessoas perderam suas vidas. Como em qualquer revolução ou guerras, geralmente são nos campos de batalhas que certos heróis são constituídos ou forjados e que permanecem no imaginário simbólico social quase que eternamente. O exemplo ou exemplos brasileiros relativos a heróis são passivos de reflexões. Se fosse promovida enquete sobre heróis brasileiros, acredita-se que parcela expressiva dos entrevistados lembraria-se de nomes como Tiradentes, Duque de Caxias, entre outros.
O que ocorreu foi que a figura de Tiradentes como herói brasileiro foi forjada pela própria elite política econômica brasileira após a proclamação da república. Pois para o regime monárquico, Tiradentes e os demais inconfidentes que lideraram o movimento de independência não se configuraram como personalidades que deveriam ser lembradas por suas posições republicanas. O próprio Duque de Caxias, durante décadas se tornaria um dos principais nomes obrigatórios nos livros didáticos de história, sendo proclamado e homenageado durante as comemorações cívicas importantes como a independência, a república e o dia do soldado.
A configuração de herói nacional se deu por ter sido protagonista de inúmeras incursões para desarticular ou abafar movimentos insurrecionais no interior do Brasil. Na Guerra do Paraguai tanto Duque de Caxias quanto o Conde D’Eu considerados nomes importantes na guerra contra o Paraguai. O que muitos desconhecem é que ambos promoveram um dos maiores banhos de sangue conhecidos na história. No livro Genocídio Americano, o autor Júlio José Chiavenato relata essas duas figuras como protagonizadoras do quase genocídio da população paraguaia inteira. Ainda hoje muitas cidades têm ruas e estatuas homenageando essas personalidades.
A imagem, portanto, que temos de personagens como Tiradentes, mitificada e ilustrada em telas a óleo e livros de história seguiram critérios técnicos pensados por profissionais para produzir os efeitos desejados no imaginário social. Se o Brasil é o que é atualmente é porque foi moldado em casa e nas escolas. Pensar outro Brasil se faz necessário repensar quem foram os verdadeiros heróis, onde sacrificaram suas vidas em defesa da coletividade.
Embora a República tenha sido instituída mediante golpe liderado pelo militar Deodoro da Fonseca, sua efetivação se deu de forma atabalhoada, pois nada havia sido preparado para dar seu caráter institucional. A letra que se transformaria mais tarde no hino nacional que hoje conhecemos, a melodia foi a mesma do hino que o exército adotou na campanha da guerra do Paraguai.  Quanto a bandeira, houve quem quisesse adotar o modelo dos estados unidos. No entanto aproveitaram a bandeira do império, substituindo o símbolo do regime por um círculo com os dizeres ordem e progresso.
O golpe de 1889 não foi o único registrado no Brasil. Os registros históricos dão conta de ter ocorrido uma sucessão de golpes e contragolpes a partir da posse de D. Pedro I em 1822 até os dias atuais. Portanto, o ato que resultou na independência do Brasil foi o primeiro deles, vindo na sequência a maioridade de D. Pedro II em 1840. Esse ciclo se encerra em 1889, com a República. Já no ciclo republicano temos a ascensão de Floriano Peixoto em 1891; a tomada do poder por Getúlio Vargas em 1930; o estado novo de 1937; a derrubada de Getúlio em 1945; a tentativa de golpe contra Getúlio em 1954; o contra golpe de novembro de 1955 na tentativa de impedir a posse de Juscelino e João Goulart; o golpe de 31 de março de 1964 e por último o golpe de setembro de 2016, com a posse de Michel Temer.
O impasse do republicanismo não ficou limitado apenas ao hino e ao modelo de bandeira a serem adotados. As discussões se deram também em relação ao modelo de projeto de positivismo que moldaria o ordenamento jurídico e administrativo brasileiro seguindo os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade. Lutar para suas reais efetivações era e é o que deve ser buscado por todos os cidadãos. No entanto, em se tratando de Brasil a luta se torna mais árdua, pelo fato de ter a sociedade se constituído tão desigual, cujos poderes executivo, legislativo e judiciário, estarem fundamentados em princípios constitucionais ainda conservadores.
Outro agravante é a tênue independência e a forte influência de seguimentos políticos e partidários na tentativa de fragilizar os poderes e utilizá-los com exclusividade para forjar privilégios ou encobrir irregularidades de cunho corporativo. São práticas ainda comuns no próprio legislativo com regimentos e normatizações que possibilitam parlamentares livrarem-se de punições por atos de responsabilidade. Voltando a questão dos símbolos do republicanismo brasileiro fundamentado no positivismo de Auguste Comte, o hino, a bandeira nacional, suas cores e o slogan ordem e progresso traçou um caminho tortuoso e cheio de obstáculos trilhados pelo povo até o momento. O nacionalismo de Vargas e o desenvolvimentismo dependente de Kubistchek são dois momentos impares da história política e econômica brasileira.
Quando se imaginava que haveria uma guinada histórica no curso do sistema produtivo brasileiro, com possíveis ganhos e avanços sociais, eclodiu nas ruas e praças a força o conservadorismo das elites representadas pelos militares, censurando, reprimindo e torturando todos que ousassem subverter a ordem institucional.  A experiência de mais de vinte anos de um regime repressor que desconsiderou todos os princípios do republicanismo, serviu nas décadas seguintes de reflexão para os futuros gestores, já inseridos num processo de redemocratização.
No entanto, embora tendo sido promulgada uma das constituições mais progressistas até o momento, o pouco que se avançou nas últimas décadas está se buscando violentá-la, colocando em risco o futuro de gerações inteiras. Se os preceitos do iluminismo clássico são o cientificismo e a razão como pontes para o progresso econômico, as reformas em curso no Brasil, como do ensino médio, seguem caminhos equivocados quando tentam suprimir do currículo áreas do conhecimento importantes para o dito “progresso” como a sociologia, a filosofia e a arte.
Aqui estão alguns paradoxos de governos que assumindo a presidência ou administrações municipais suas primeiras iniciativas foram elaborar slogans que conferissem certo grau de otimismo de suas administrações. Brasil Pátria Educadora que conferiu ao segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff o fortalecimento dos valores cívicos nacionais a partir da valorização da Educação. Deu no que deu.  Já, “Brasil, ordem e progresso”, do governo Michel Temer, é o slogan que tenta ressignificar valores e sentimentos clássicos do republicanismo do final do século XIX e do regime militar, que apregoavam o progresso técnico e econômico como bandeira da “evolução social”. Todos sabem o tamanho do custo social de tal progresso desejado e jamais assegurado a todos.
Em um sistema capitalista é impossível pensar o mercado como princípio de igualdade, de não violência e de liberdade. A repressão e o emprego de golpes se tornam os instrumentos mais apropriados e utilizados para evitar possíveis hegemonizações de direitos e ascensão social à massa trabalhadora. Não estaria ai, portanto, o motivo de tantos golpes e contragolpes ocorridos no Brasil? Querer afirmar que no Brasil sempre reinou a cordialidade que jamais houve guerras civis é desconhecer os fatos que marcaram nossa história como guerra dos farrapos, contestado, cabanagem, sabinada, federalista, entre outras tantas.
O Brasil foi e continua sendo extremamente violento. O que dizer da violência no trânsito, que anualmente mata mais que duas ou três guerras do Vietnã.        Alguém poderia responder o principal motivo da ex-presidente Dilma Rousseff ter sancionado a lei antiterrorismo? Não seria um principio do conservadorismo liberal a ser usada para justificar atos de repressão às manifestações contrárias as reformas que “recolocará” o Brasil nos trilhos do desenvolvimento.  
O 15 (quinze) de novembro é feriado nacional. Uma data tão importante, porém, pouco a celebrar. Deve servir, sim, como dia de reflexão acerca dos motivos que tem levado o Brasil a estar passando por um dos momentos mais conturbados da história. Há de se admitir que herdamos do passado todo um arcabouço cultural e político repleto de vícios que vem se repetindo geração pós geração. Suprimir tais vícios como da corrupção dependeria de uma revolução no campo educacional.
Não seria exatamente o que pretendiam e o que pretendem os grupos hegemônicos que se alojaram e que estão alojados nos interstícios do poder há séculos. O que anseiam é reproduzir tais relações de subordinação de uma classe sobre outra. Para ter certeza disso basta analisar os projetos reformistas em execução que atacam dezenas de dispositivos da própria constituição federal. A LDB, que trata sobre o ensino médio, também não se eximiu dos ataques. Tanto a constituição como a LDB, embora tenham sofrido críticas desde as suas promulgações devido ao seu caráter ainda conservador, as reformas em curso pretendem torná-las mais conservadoras ainda.
O atoleiro político e econômico pelo qual o Brasil está submetido deve ser responsabilizado, entre outros fatores, o projeto político de conciliação com as elites, prática adotada pelos governos Lula e Dilma. Nunca antes na história do Brasil o setor financeiro e empresariado tiveram tantos ganhos com políticas de isenções fiscais bilionárias. No entanto isso não reverteu em ganhos sociais pelo fato de ter sido aplicado tais benefícios para a elevação dos lucros da própria elite. Romper com esse modelo deveria ter sido a principal meta dos governos PT. Não tiveram competência para realizar. É tão estarrecedor que além de promoverem uma desindustrialização galopante nos últimos quatorze anos, conseguiram também fragilizar o sistema SUS e a própria educação, que poderia ter sido o carro chefe da grande revolução social.
É exatamente esse o processo utópico a ser trilhado pela sociedade, isto é, a conquista da cidadania da igualdade republicana. Tem muito mais peso para a sociedade leis que tratam sobre atos antidiscriminatórias e de garantias direitos como foram para as empregadas domésticas que leis que promovem o pleno emprego e salários dignos. Em uma sociedade liberal, extremamente desigual e autoritária, é consenso que as segundas opções são quase que descartadas pelo fato do modelo capitalista tender a se nutrir dessas desigualdades. Garantir bons empregos e salários condizentes à subsistência não condiz o modelo republicanismo em curso no Brasil.   
Pensar em igualdade, liberdade e fraternidade, como apregoa a constituição republicana brasileira e nas paginas da declaração dos direitos humanos, não passa de uma utopia cega, impossível de ser alcançado quando princípios éticos como o trato da coisa pública continuar seguindo o caminho da corrupção. O congelamento de gastos públicos com educação, saúde, entre outros seguimentos dá certeza que o republicanismo concebido em 1889 caminha na contramão da cidadania plena. As mobilizações sociais semelhantes a de 2013 deve ser intensificada como único caminho realmente possível para pressionar ou romper o atual modelo de Estado liberal conservador e promover a republicanização cidadã.  
Prof. Jairo Cezar
                     


       

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