quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

MINERAÇÃO DE CARVÃO PODE AMEAÇAR O ABASTECIMENTO DE ÁGUA E O TURISMO SUSTENTÁVEL NA COMUNIDADE HISTÓRICA DE RIO MOROSINI, TREVISO/SC


Retornando depois de três anos à comunidade tradicional de Rio Morosini, localizada no município de Treviso, o objetivo agora era conhecer em loco as pousadas sustentáveis que estavam sendo concluídos na época pelo proprietário, bem como os trâmites relativos ao complexo processo de uma empresa mineradora que requeria autorização para minerar no subsolo da região. Na época quando lá estivemos tanto Mario Anelli, que também é líder comunitário, parcela da população do município e o MPF(Ministério Público Federal), ambos estavam integrados e contrários a realização de audiência pública com vistas a liberação de licenciamento ambiental para a mineração.

A apreensão dos cidadãos/as que se opunham e se opõem ao projeto é que a área de interesse para exploração é exatamente onde está situada a comunidade de Rio Morosini, com mais de cem anos de história e também onde estão concentradas as principais nascentes da bacia do rio Araranguá. São tais nascentes que abastecem com água centenas de famílias da região. Projeto de mineração semelhante ao pretendido para o subsolo dessa comunidade foi licenciado em outros lugares pelos órgãos ambientais. O resultado, portanto, foi trágico, pois contribuiu para o rebaixamento dos lençóis freáticos e a extinção de todas as vertentes.[1]


Muitas residências sofreram rachaduras, algumas até chegaram ao extremo de sofrerem desmoronamentos, como no centro de Treviso, cuja cobertura do solo minerado ou profundidade varia entre 4 a 5 metros da superfície. Quando Mario Anelli, que também é vice-presidente da ADM de Rio Morosini, afirma que a mineração irá comprometer o abastecimento de água da região, ele fundamenta seu argumento em episódios semelhantes ocorridos no próprio município, como também nos municípios de Forquilhinha e Içara. Desde o momento que a empresa interessada Carbonífera Belluno apresentou o projeto de mineração, já ocorreram três audiências, todas se tornaram inválidas pelo fato do EIA/RIMA apresentar alguma irregularidade.


A quarta audiência pública para tratar sobre o assunto ocorreu no dia 04 de agosto de 2016, na própria comunidade de Rio Morosini. A FATMA e o MPF estiveram presentes e solicitaram prazos para avaliar os processos apresentados pela empresa interessada na mineração. Mario não acredita nos argumentos apresentados pelos representantes da empresa quando afirmam que o projeto é seguro e que não comprometerá os recursos hídricos da região. Informou o representante comunitário que na terceira audiência, realizada em julho de 2016, o RIMA não apresentava qualquer plano de abastecimento humano na hipótese das vertentes secarem.


A mesma empresa que está interessada em minerar a região foi condenada no passado por crime ambiental, cuja medida compensatória foi a construção de uma estação de água para o abastecimento humano nessa comunidade e de Volta Redonda. Esse sistema de captação, que é gerido pela própria comunidade de Rio Morosini, atende atualmente cerca de 150 famílias e tem capacidade suficiente para abastecer quase toda a população do município de Treviso. A água captada pela estação é de excelente qualidade, sendo que até pouco tempo o único processo adotado pela estação era o de filtragem, dispensando a aplicação de cloro. Porém a ADM (Associação de Desenvolvimento da Microbacia) teve que se adequar as legislações vigentes, adicionando cloro na água para remover possíveis impurezas presentes na água.



Quanto as pousadas e o turismo ecológico, citadas acima por Mario, que são opções de renda às famílias residentes no Rio Morosini, na visita ao empreendimento já concluído pode ser comprovado que com criatividade e consciência ambiental é possível se utilizar dos recursos naturais com o mínimo de impacto. Hoje em dia um dos maiores problemas enfrentados pelas cidades brasileiras e especialmente as litorâneas é a questão do esgotamento sanitário. O estado de Santa Catarina é um dos que possui menor percentual de esgotamento tratado e o resultado são os rios, córregos, lagos e praias poluídas.


A inquietação do proprietário das pousadas foi antes de construí-las em um local paradisíaco e extremamente frágil ambientalmente, pesquisar formas alternativas e baratas para a reutilização do esgoto e o aproveitamento da água. O tratamento do esgoto das pousadas ocorre por meio de filtros instalados próximos aos empreendimentos, cujo material sólido é aproveitado como adubo orgânico no cultivo de árvores frutíferas e jardins. Toda a água utilizada nas pousadas é canalizada das nascentes que escorre por gravidade. Além do seu uso doméstico a água também abastece duas piscinas onde os hóspedes podem desfrutá-las em dias quentes.



No lugar das tradicionais telhas ou coberturas artificiais que tornam os ambientes das residências um tanto quanto abafados, o empreendedor procurou ousar. Por que não construir telhados verdes, pois além do aspecto estético agradável, a grama mantém o ambiente interno da residência sempre fresco, não necessitando de ventiladores muito menos ar condicionado. Realmente a intenção do proprietário das pousadas foi fugir definitivamente dos clichês tradicionais na área de hotelaria, oferecendo aos hóspedes, conforto, conhecimento diante de cenários contemplativos.



Um dos inconvenientes possíveis de serem visualizados a partir das pousadas são a presença de espécies exóticas, pinos e eucaliptos, que dominam as encostas e os topos de morros próximos. Segundo Mario, há alguns anos muitos proprietários promoveram a derrubada criminosa da floresta nativa para o cultivo dessas respectivas espécies, bem como de bananais. Atualmente, em decorrência dos valores irrisórios na comercialização dessa madeira associado ao maior rigor das legislações ambientais, tais espécies sua supressão se tornou mais difícil. O que deve ser feio, segundo Mario, é a conscientização dos proprietários para o reflorestamento com espécies nativas e o estímulo em programas de turismo sustentável na região.



Somente os atrativos oferecidos e o cenário contemplativo da paisagem seriam suficientes para perdurar no imaginário por muito tempo. Mas não parou por aí. Subitamente fomos surpreendidos com o convite para conhecermos uma cachoeira. Foram quase duas horas de caminhada, por estrada de terra batida, de subidas e descidas íngremes, entre plantações de banana e mata fechada.   Durante todo o trajeto era possível ouvir o som do rio escorrendo pelas pedras. Descendo com cuidado, finalmente chegamos ao leito do tradicional rio Morosini, que dá nome ao local.


Quando pensávamos que tínhamos superado o trecho mais difícil, a surpresa estava bem a nossa frente. Chegar até a esperada cachoeira exigiu paciência, destreza, coragem e companheirismo. Mais ou menos meia hora depois de caminhada enfim chegamos a cachoeira. O desafio agora era escalar as paredes lisas ou subir por um tronco para poder banhar-se na água fresca que caía do penhasco. Ambas as opções requereram muito cuidado, pois qualquer descuido havia o risco de queda, que embora não fosse tão alto poderia causar algum ferimento.


É de tirar o fôlego. Por alguns minutos ficamos ali contemplando tamanha beleza construída pelo tempo há milhões de anos. Ao mesmo tempo era perceptível no semblante do guia Mario certo ar de preocupação, pois todo aquele cenário paradisíaco, encantador, poderá desaparecer caso seja liberada a extração de carvão no subsolo. Como ele mesmo disse, a quantidade de carvão disponível no local é suficiente para no máximo quatro anos de exploração. Não permitiremos que a irracionalidade e a ganância coloquem em risco aquilo que a natureza demorou tanto tempo para formar. Queremos ser lembrados pelas futuras gerações como bravos lutadores em defesa da água, que enfrentamos grandes tubarões do carvão e vencemos.
Prof. Jairo Cezar                                        



[1]http://morrodosconventos-jairo.blogspot.com.br/2014/12/conselhoconsultivo-do-comite-da-bacia.html










domingo, 22 de janeiro de 2017


MUNICÍPIOS CATARINENSES LITORÂNEOS INVESTEM EM POLITICAS DE MOBILIDADE, MAS CARECEM DE AÇÕES QUE COÍBAM A OCUPAÇÃO DESORDENADA DA ORLA

Em viagem de quatro dias a cidade de Itajaí foi possível constatar embora superficialmente a forte influência da atividade portuária, da BR 101 e do aeroporto na dinamização da economia do município e de toda a região do entorno. O município possui o segundo maior PIB per capto do estado, situação um tanto quanto vantajosa no quesito recursos financeiros disponíveis para investimentos em infraestrutura. O que chama atenção quando se transita pela área urbana é a enorme malha de ciclovias construída que facilita o deslocamento da população, especialmente de trabalhadores que utilizam a bicicleta como meio de transporte.





Muito diferente de cidades como Araranguá que apresentam características geográficas semelhantes a de Itajaí e outras situadas na faixa litorânea, porém, até o presente momento nenhum administrador público teve a ousadia de focar suas gestões em políticas de mobilidade com ênfase no transporte coletivo e ciclovias. E parece, observando o modelo de ciclovias adotado em Itajaí, que não foram necessários vultosos investimentos ou mudanças radicais do trânsito, apenas o recuo das faixas, pintura, fixação de tacões e instalação de sinalização específica. Outro problema ainda não solucionado nos municípios que adotam as ciclovias e ciclo faixas é a inexistência de estacionamentos para esses veículos.


Nas proximidades do porto estão concentrados bares, restaurantes e o famoso mercado público onde durante o dia milhares de pessoas por ali transitam passeando ou adquirindo peixes e outros tantos frutos do mar, muito dos quais ainda fresquinhos.  Durante as noites quentes a principal avenida paralela ao porto se transforma. É uma infinidade de automóveis, pedestres, ciclistas, entre outros transeuntes, que aproveitam toda a infraestrutura disponível para o lazer. São inúmeros play grouds construídos para atender o público infantil, academias ao ar livre, quadra esportiva polivalente, pistas de skates, campo de futebol de areia, e é claro uma longa faixa a beira mar para caminhadas e corridas. No entorno da área dois banheiros com designer moderno foram construídos permanecendo aberto diariamente e gratuito para todos os públicos.



O município de Itajaí também foi agraciado pela natureza, pois embora possua uma curta faixa costeira, o fluxo de turistas e veranistas que freqüentam as belas praias durante a temporada é enorme. Algumas das praias de difícil acesso ainda mantém preservada expressiva parcela da vasta vegetação de restinga e da floresta atlântica que a se estende em direção aos morros que margeiam a faixa costeira. Como vem acontecendo e quase todo litoral catarinense, especialmente no município de Araranguá, a pressão imobiliária sobre esses frágeis ecossistemas litorâneos quase desconhecidos e intocados vem transformando toda a região.



São inúmeras as residências e edifícios de vários compartimentos construídos em áreas de preservação, que comprovam todo o envolvimento dos poderes públicos constituídos na facilitação dos licenciamentos ambientais para a execução das obras. Atualmente as legislações federais em vigor que disciplinam os planos diretores dos municípios são um tanto quanto rigorosas em relação as questões ambientais, especialmente quando se trata de saneamento básico. São compromissos dos municípios brasileiros construírem seus sistemas de tratamento de esgoto como forma de solucionar o problema do esgotamento sanitário, cujo estado de Santa Catarina é o que possui o menor percentual instalado entre os estados brasileiros.



Em 2014, o município de Itajaí concluiu seu sistema de tratamento e destinação do esgoto, tendo capacidade de tratamento de 133 litros por segundo e com capacidade de remover 95% da carga orgânica. No mesmo ano de 2014 foram estendidas tubulações da usina de tratamento até as praias brava, cabeçudas entre outras. Embora em menor grau, na praia de cabeçuda se constata que nem todas as residências têm as suas ligações conectadas à rede geral de esgoto, pois é possível observar o escoamento de esgoto em um córrego que deságua no oceano.


Diferente de cidades como Florianópolis e Balneário Cambo riu onde transitar pelas orlas requer coragem e estômago forte para agüentar o mau cheiro exalado pelos esgotos que escorrem para o mar, em Itajaí, em todo trecho da área central que margeia o porto, é quase inexpressivo o lixo presente nas margens do rio, menos ainda o odor de esgoto escorrendo em direção ao rio. De acordo com relatório apresentado pela http://exame.abril.com.br/brasil/as-praias-improprias-para-banho-no-verao-2017/, Santa Catarina, dos 214 pontos para banho, 71 estão impróprios para o banho devido a presença de poluentes que podem causar algum prejuízo a saúde da população.


A tendência é o aumento progressivo dos pontos impróprios para o banho no litoral catarinense. Isso se deve ao modo como as administrações públicas municipais vêm se comportando frente a pressão do seguimento imobiliário nas faixas costeiras do litoral cada vez mais valorizada. A concessão de licenciamentos ambientais geralmente repletos de vícios pelos órgãos ambientais municipais para novos empreendimentos em APPs são talvez um dos fatores contribuintes no agravamento de áreas contaminadas de praias, rios e mananciais que abastecem com água potável os municípios litorâneos. Muitos dessas fundações ambientais (FAMA) atrelados administrativamente aos municípios foram criados apenas para agilizar processos de licenciamentos para supressão de vegetação e referendar projetos imobiliários.



No dia 17 de janeiro de 2017, o jornal correio do sul, de Sombrio, trouxe reportagem que trata sobre a ação do Gaeco na secretaria do meio ambiente de Passo de Torres, gestão passada, com suspeita de ter havido fraude em documentação de licenciamento ambiental para construção de loteamentos. Acredita-se que práticas semelhantes a de Passo de Torres são comuns em muitas administrações e fundações ambientais e certamente deve estar aí o motivo de existir tantos empreendimentos visivelmente irregulares, construídos em áreas de APP, como encostas de morros, margens de rios, lagos e nas faixas de dunas frontais.  
Prof. Jairo Cezar  









































sábado, 7 de janeiro de 2017

A FACE OCULTA E A FACE CLARA DO GOLPE CONTRA A LDB, LEI N. 9394/96, REFERENTE AO ENSINO MÉDIO PÚBLICO BRASILEIRO


Acredito que é de conhecimento de poucos que desde 2012 tramitava pelo congresso brasileiro o projeto de lei nº 6840 sobre a reforma do ensino médio brasileiro. Segundo os críticos, a proposta mesmo pecando em muitos aspectos importantes já havia sofrido algumas alterações significativas que atendiam em parte as aspirações e pressões das entidades que representavam o seguimento educacional. Dentre elas a substituição do item referente ao ensino noturno facultando matrículas exclusivamente para estudantes a partir dos 18 anos de idade.
Se fosse mantido esse dispositivo, milhares de jovens adolescentes estariam alijados do direito de estudar, pois trabalham durante o dia.  Desde fevereiro de 2015 o projeto de lei estava pronto para votação, porém, permaneceu estagnado por mais de um ano, quando em 2016, depois que o governo Michel Temer obteve os resultados trágicos das provas do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica)  do ano anterior, sem titubear, decidiu colocar por terra o projeto e redigir de forma urgente urgentíssima a medida provisória nº. 746/2016, que despedaçou a LDB (Lei de Diretrizes e Base), lei nº 9394/96, relativa ao ensino médio.
Em outro texto que publiquei, fiz algumas referências a essa decisão equivocada do governo, arguindo que se tivesse que promover alguma reforma não seria o ensino médio e sim o fundamental. Essa afirmação se justifica nos resultados da avaliação em matemática, ciências e leitura, divulgados pelo PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) envolvendo estudantes de 15 anos de idade entre os 70 países diagnosticados da OCDE (Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico), incluindo o Brasil. O dados colocaram o Brasil numa posição lastimável entre os demais, comprovando que a contrariedade da educação brasileira não está exatamente no ensino médio, como alega o governo.   
O imbróglio na educação também não pode ser tratado de forma isolada desconecta do contexto estrutural. Como ocorreu em outros países que superaram suas dificuldades estruturais, a educação foi tratada pelos governos como política estratégica de Estado, ou seja, prioridade das prioridades. Não da maneira como governos e subgovernos de países subdesenvolvidos como o Brasil vem adotando ultimamente. Os governos anteriores a Michel Temer não podem ficar isentos desses descalabros com a educação.  O uso de medida provisória já é uma demonstração de imposição, de excluir o debate do processo, bem ao estilo dos governos militares, para fazer valer prerrogativas do capital.
 Projetos de leis como o que tramitava no congresso há quase quatro anos sobre a reforma do ensino médio não condizem com as filosofias entreguistas dos governos, que vêem nas MP e decretos mecanismos ou instrumentos apropriados para inserção de prerrogativas que não atendam aspirações das classes populares. Portanto, por isso as medidas provisórias. Ficou claro que a MP 746/2016 tinha como principal objetivo quebrar o eixo norteador da LDB relativa ao ensino médio.  A nova redação do Art. 36 da lei 9394/96 ficou evidenciado quando ressalta que O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos específicos, a serem definidos pelos sistemas de ensino, com ênfase nas seguintes áreas de conhecimento ou de atuação profissional: (Redação dada pela Medida Provisória nº 746, de 2016).
Quanto expõe que são os sistemas de ensino que definirão os itinerários formativos, isso significa que os estados e os municípios terão autonomia para definir tais prerrogativas curriculares, de acordo, é claro, com interesses dos segmentos produtivos, que no caso de Santa Catarina, tem a FIESC como fiel parceira do governo na adequação curricular conforme as necessidades do setor produtivo estadual.  A proposta de diversificação curricular em vários eixos já havia sido abolida na década de 1960, pois gerava fragmentação no ensino, além de segregação entre os estudantes. Isso será possível de ser constatado quando um grupo de estudantes decidirem optar, por exemplo, pelo ensino técnico, cuja grade curricular será distinta daqueles que escolherem a formação geral objetivando ingressar no ensino superior.
Esse instrumento contido na MP se contrapõe ao Art. 35 da LDB, quando expressa que o ensino médio, etapa final da educação básica, tem como princípio, com base no inciso primeiro, a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento dos estudos. A diversificação do currículo, formação técnica e geral, como se pretende com a reforma, vem provando em países que o adotaram que os resultados ficaram muito aquém das expectativas. A Alemanha é o exemplo entre os países da OCDE, que adotaram o currículo diversificado, que apresentou um dos piores desempenhos entre países europeus avaliados.
A preocupação se torna ainda maior quando os pequenos municípios brasileiros não proporcionarem opções de currículos diversificados, forçando o jovem a se matricular em um único itinerário oferecido ou tendo que se deslocar para outro município, próximo ou distante, para estudar o itinerário que lhe é de interesse. A supressão de áreas importantes do conhecimento do currículo do ensino médio como artes, educação física, sociologia e filosofia já é uma demonstração que o país está retrocedendo na sua história. E por que razão? A resposta é obvia. A reforma atenderá exatamente aquilo que interessa ao capital, a formação de cidadãos acríticos, indolentes, dóceis e manipuláveis. Imagine um jovem questionador, conhecedor das legislações e de seus direitos? As escolas tradicionais brasileiras, que seguem a matriz reprodutivista, ainda hoje os vêem como um obstáculo à permanência do status quo social.
A tendência, portanto, é num futuro próximo a extinção definitiva das demais disciplinas do currículo, prevalecendo apenas matemática e língua portuguesa. Quem sabe algum iluminado dentro do governo, também queira que seja ressuscita a disciplina EMC, para substituir sociologia e filosofia. Olha que a supressão da Educação Moral e Cívica do currículo ocorreu somente em 1993. Não faz muito tempo.  Já imaginou uma escola sem Educação Física, nesse modelo de ensino ainda tradicional cujos estudantes são mantidos confinados dentro das salas por longas e entediantes horas diárias? Sem contar é claro, artes, filosofia e sociologia. A sociologia tornou-se obrigatória no currículo do ensino médio somente em 2008.  
Quanta importância ela teve e tem para a compreensão critica dos estudantes acerca do mundo em que vivem das contradições e das perversidades resultantes desse sistema de produção no mundo do trabalho e das relações interpessoais. Acredito que muitos devem ter notado que a medida provisória sobre o ensino médio não traz qualquer dispositivo referente à infraestrutura das escolas, valorização do professor, numero de alunos por sala de aula, novas metodologias no modo de lecionar aulas e jornada de trabalho. E por que será que esses itens não foram incluídos?
O que o governo informou no começo quando lançou a MP era que seriam construídas ou adaptadas escolas de período integral em todo país, que esse trabalho seria promovido em parceria com os governos estaduais. Santa Catarina, como já mencionei em artigo anterior, centenas de escolas e ginásios esportivos estaduais apresentam algum problema que há anos o governo vem prometendo recuperá-los. Na região do Vale do Araranguá, das 42 escolas estaduais, apenas três apresentaram condições para prover o ensino médio integral, as demais foram vetadas pelo MEC por não se adequarem as exigências mínimas.
Vamos falar a verdade, muitas dessas escolas que oferecem o ensino médio estão caindo aos pedaços, são verdadeiras cachoeiras em dias de chuvas. E o que fazer? Reclamar as ADRs aos deputados da região, que desenvolveram habilidades de enrolar o povo, de mentir? É preciso articular novas estratégias de luta em defesa da escola pública e o movimento "ocupa escola" de 2016 provou ser eficiente quanto ao processo de mobilização dos estudantes e da própria sociedade. Só assim foi possível ouvi-los, mostrando suas insatisfações em relação ao modo como os governos pensam a educação, não como um direito, mas como um negócio.
No dia a dia corrido da escola, da sala de aula, poucos são os momentos reservados aos professores para reunirem-se e refletirem sobre suas condições de sujeitos do processo educacional onde são explorados por um sistema perverso que é o próprio Estado. Inexpressivos são os profissionais que conseguem dispor de algum tempo para acompanhar o cotidiano político, as tramitações de projetos e as faces ocultas e claras dos inúmeros golpes praticados contra a educação pública.

Prof. Jairo Cezar        

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017


O “CAVALO DE TROIA” DA REFORMA TRABALHISTA BRASILEIRA

Na semana do dia 22 de dezembro de 2016 o Presidente da Republica Michel Temer se reuniu no palácio do planalto com alguns ministros e representantes patronais e dos trabalhadores para apresentar a proposta de reforma trabalhista, onde foi dito pelo próprio anfitrião do encontro que a proposta era um “belíssimo presente de natal”. Se for belíssimo como os projetos já aprovados que tratam sobre as novas regras para o ensino médio; idade limite para a aposentadoria e o teto de gastos públicos, que congela os reajustes salariais por 20 anos, então os trabalhadores brasileiros estão prestes a receber um verdadeiro “presente de grego”, uma alegoria à obra Ilíada e Homero, onde narra o cenário de uma guerra entre gregos e troianos. Como forma de persuadir o inimigo, os gregos (Temer) presentearam os troianos (trabalhadores) com um enorme cavalo de madeira ou Cavalo de Troia (Reforma Trabalhista), cujo interior do “presente” estavam dezenas de soldados (artigos e parágrafos) que arruinaram Troia e do qual foi estabelecido  o domínio grego (capital) sobre a cidade.
Na linha do capitalismo selvagem que converteu o Brasil em uma das nações mais desiguais e corruptas do planeta, pensar que a reforma trabalhista irá proporcionar melhorias à vida de milhões de brasileiros é acreditar em papai Noel, coelhinho de páscoa, duendes, troll, entre outras tantas fábulas do mundo infantil. Outra piada para “boi dormir” é o que a imprensa vem insistentemente fazendo e sem escrúpulo, que é bombardear a cabeça de milhões de brasileiros com inverdades, reafirmando que as reformas em curso são necessárias e inevitáveis para restabelecer os rumos da economia. A corrupção (operação lava a jato), que revelou e ainda vem revelando o envolvendo de centenas de políticos e de importantes empresas, públicas e particulares, em manobras fraudulentas, ambas são cúmplices por expressiva parcela do rombo financeiro que pôs o Brasil num atoleiro sem precedentes já vistos na história recente.
Mas o motivo da crise que assola o Brasil não está somente na “farra” deslavada com o dinheiro público. Você sabia que a sonegação de impostos é sete vezes maior que a corrupção. O Estado brasileiro deixa de recolher por ano de impostos devidos, cerca de 500 bilhões de reais? Além da sonegação bilionária e da corrupção, a imprensa que também se beneficia com essas “patologias” do capital, não divulga as bilionárias isenções fiscais concedidas às empresas, cujo retorno em termos de emprego e renda ao trabalhador é ínfimo.
Como explicar também os mais de 600 bilhões de reais que foram isentos em 2013 do pagamento de Imposto de Renda. Nesse mesmo ano o governo foi declarado somente 115 bilhões de reais. Essas isenções beneficiaram 2,1 milhões pessoas. As 29,9 mil pessoas mais ricas, ou seja, 0,01%, com patrimônio médio de 40 milhões, pagaram somente 1,56% de sua renda total. Afinal quem vai pagar o pato? Lembra do pato gigante em exposição na Avenida Paulista, centro de São Paulo, durante as mobilizações contra a corrupção e pelo impeachment da presidente Dilma? A ação foi coordenada por integrantes da FIESP, entre outros seguimentos que foram beneficiados por generosas benesses dos governos petistas.
Lembra dos benefícios concedidos ao setor automobilístico durante os governos Lula e Dilma. Jamais se vendeu tanto carro no Brasil em tão pouco tempo e toda a história. Agora, com o desemprego em alta, como pagar os financiamentos? Foi só o primeiro sinal de crise no horizonte, que as demissões coletivas ocuparam o cenário. Mas os acordos entre governo e capital não era para assegurar emprego e renda aos trabalhadores? Para tornar a vida mais difícil ainda tem o financiamento da casa própria, minha casa minha vida. Como pagar uma conta quase eterna, mesmo agora sem trabalho? Naquele momento o cenário forjado pela mídia, também beneficiada pelos pomposos patrocínios publicitários do Estado, era pulverizar otimismo pelos quatro cantos do território brasileiro. Quem não se deixou dominar com o fatídico “canto da sereia”? Com 2014 e 2015 veio a revelação de um Brasil que estava caminhando em direção a um profundo precipício financeiro. Pois além do endividamento estratosférico das famílias, da dívida pública bilionária impagável, rondava também o fantasma da corrupção, da roubalheira generalizada do dinheiro público.
O impeachment da ex-presidente Dilma foi mais uma manobra bem articulada pelo grande capital como estratégia de reconquistar os mimos oferecidos pelo Estado durante séculos. Mais dádivas ainda do que vinha obtendo nos últimos anos? Isso mesmo, e as crises cíclicas são estratégias forjadas pelo próprio sistema para lograr mais lucros ainda. Numa situação de tensão social extrema, como agora, a população se vê acuada, fragilizada, receosa de que o pior ainda está por vir. A tendência é o recolhimento, a resignação, de assegurar o que já tem, para não perder mais. É exatamente isso o que o capitalismo faz quando quer elevar às nuvens o seu volume de lucros. Espalha sentimentos de medo, de insegurança e a incerteza por todos os lados.
A reforma trabalhista é uma das inúmeras estratégias adotadas pelos donos do capital para maximizar lucros. Dizer que a reforma irá modernizar as legislações trabalhistas, criando milhões de novos empregos, é mais uma das tantas fábulas monstruosas narradas para assustar crianças. Até pode ser verdade, mas que tipo de emprego e em que condições serão exercidas pelo trabalhador? No momento que saiu a notícia da proposta de reforma, a imprensa ventilou informação de que um dos itens sugeridos pelo patronato seria elevar a jornada de oito para 12 horas de trabalho diário. No momento em que alguém propõe tal absurdo, que por pouco não foi aceito pelo congresso, como acreditar que a proposta só trará benefícios aos trabalhadores?
Um dos itens extremamente polêmico e certamente considerado a “cereja do bolo” da reforma é o que trata sobre as políticas dos reajustes salariais. Atualmente ou tradicionalmente os salariais eram e ainda são discutidos e reajustados mediante acordos coletivos entre sindicatos e segmentos patronais. O que se pretende, portanto, é flexibilizar esse dispositivo, permitindo que os acordos negociados se sobreponham ao legislado, ou seja, se patrões e empregados decidirem reduzir salários pela metade e elevarem a jornada de trabalho de oito para 12 horas/diário, a CLT perde sua validade.
É um preceito muito arriscado, pois sabemos como as lideranças das organizações sindicais que representam os trabalhadores vêm se comportando frente as demais reformas em curso. Quem duvida que durante as negociações salariais não haja alguma forma de cooptação de lideranças para forçar os trabalhadores a acatarem as proposições sob risco de retaliações e demissões. Não há dúvida que a intenção do governo, setores do congresso e do capital é enfraquecer os movimentos de luta dos trabalhadores, como o que o próprio Partido dos Trabalhadores o fez com a combativa CUT durante os 15 anos de mandato.
Enfim, mais uma vez, os trabalhadores passam por mais um dilema em suas vidas. Além de ter de trabalhar por 65 longos anos para ter direito a uma mísera aposentadoria, correm o risco de não ter mais assegurando gratuitamente nos próximos anos, educação, saúde, etc. Porém, tem um detalhe, os impostos continuarão sendo cobrados para remunerar altos salários e outros benefícios a uma pequena parcela de privilegiados, que permanecerão “vampirando” o sangue de milhões enquanto não houver uma ruptura definitiva nesse modelo perverso de produção capitalista.

Prof. Jairo Cezar