sábado, 7 de janeiro de 2017

A FACE OCULTA E A FACE CLARA DO GOLPE CONTRA A LDB, LEI N. 9394/96, REFERENTE AO ENSINO MÉDIO PÚBLICO BRASILEIRO


Acredito que é de conhecimento de poucos que desde 2012 tramitava pelo congresso brasileiro o projeto de lei nº 6840 sobre a reforma do ensino médio brasileiro. Segundo os críticos, a proposta mesmo pecando em muitos aspectos importantes já havia sofrido algumas alterações significativas que atendiam em parte as aspirações e pressões das entidades que representavam o seguimento educacional. Dentre elas a substituição do item referente ao ensino noturno facultando matrículas exclusivamente para estudantes a partir dos 18 anos de idade.
Se fosse mantido esse dispositivo, milhares de jovens adolescentes estariam alijados do direito de estudar, pois trabalham durante o dia.  Desde fevereiro de 2015 o projeto de lei estava pronto para votação, porém, permaneceu estagnado por mais de um ano, quando em 2016, depois que o governo Michel Temer obteve os resultados trágicos das provas do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica)  do ano anterior, sem titubear, decidiu colocar por terra o projeto e redigir de forma urgente urgentíssima a medida provisória nº. 746/2016, que despedaçou a LDB (Lei de Diretrizes e Base), lei nº 9394/96, relativa ao ensino médio.
Em outro texto que publiquei, fiz algumas referências a essa decisão equivocada do governo, arguindo que se tivesse que promover alguma reforma não seria o ensino médio e sim o fundamental. Essa afirmação se justifica nos resultados da avaliação em matemática, ciências e leitura, divulgados pelo PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) envolvendo estudantes de 15 anos de idade entre os 70 países diagnosticados da OCDE (Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico), incluindo o Brasil. O dados colocaram o Brasil numa posição lastimável entre os demais, comprovando que a contrariedade da educação brasileira não está exatamente no ensino médio, como alega o governo.   
O imbróglio na educação também não pode ser tratado de forma isolada desconecta do contexto estrutural. Como ocorreu em outros países que superaram suas dificuldades estruturais, a educação foi tratada pelos governos como política estratégica de Estado, ou seja, prioridade das prioridades. Não da maneira como governos e subgovernos de países subdesenvolvidos como o Brasil vem adotando ultimamente. Os governos anteriores a Michel Temer não podem ficar isentos desses descalabros com a educação.  O uso de medida provisória já é uma demonstração de imposição, de excluir o debate do processo, bem ao estilo dos governos militares, para fazer valer prerrogativas do capital.
 Projetos de leis como o que tramitava no congresso há quase quatro anos sobre a reforma do ensino médio não condizem com as filosofias entreguistas dos governos, que vêem nas MP e decretos mecanismos ou instrumentos apropriados para inserção de prerrogativas que não atendam aspirações das classes populares. Portanto, por isso as medidas provisórias. Ficou claro que a MP 746/2016 tinha como principal objetivo quebrar o eixo norteador da LDB relativa ao ensino médio.  A nova redação do Art. 36 da lei 9394/96 ficou evidenciado quando ressalta que O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos específicos, a serem definidos pelos sistemas de ensino, com ênfase nas seguintes áreas de conhecimento ou de atuação profissional: (Redação dada pela Medida Provisória nº 746, de 2016).
Quanto expõe que são os sistemas de ensino que definirão os itinerários formativos, isso significa que os estados e os municípios terão autonomia para definir tais prerrogativas curriculares, de acordo, é claro, com interesses dos segmentos produtivos, que no caso de Santa Catarina, tem a FIESC como fiel parceira do governo na adequação curricular conforme as necessidades do setor produtivo estadual.  A proposta de diversificação curricular em vários eixos já havia sido abolida na década de 1960, pois gerava fragmentação no ensino, além de segregação entre os estudantes. Isso será possível de ser constatado quando um grupo de estudantes decidirem optar, por exemplo, pelo ensino técnico, cuja grade curricular será distinta daqueles que escolherem a formação geral objetivando ingressar no ensino superior.
Esse instrumento contido na MP se contrapõe ao Art. 35 da LDB, quando expressa que o ensino médio, etapa final da educação básica, tem como princípio, com base no inciso primeiro, a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento dos estudos. A diversificação do currículo, formação técnica e geral, como se pretende com a reforma, vem provando em países que o adotaram que os resultados ficaram muito aquém das expectativas. A Alemanha é o exemplo entre os países da OCDE, que adotaram o currículo diversificado, que apresentou um dos piores desempenhos entre países europeus avaliados.
A preocupação se torna ainda maior quando os pequenos municípios brasileiros não proporcionarem opções de currículos diversificados, forçando o jovem a se matricular em um único itinerário oferecido ou tendo que se deslocar para outro município, próximo ou distante, para estudar o itinerário que lhe é de interesse. A supressão de áreas importantes do conhecimento do currículo do ensino médio como artes, educação física, sociologia e filosofia já é uma demonstração que o país está retrocedendo na sua história. E por que razão? A resposta é obvia. A reforma atenderá exatamente aquilo que interessa ao capital, a formação de cidadãos acríticos, indolentes, dóceis e manipuláveis. Imagine um jovem questionador, conhecedor das legislações e de seus direitos? As escolas tradicionais brasileiras, que seguem a matriz reprodutivista, ainda hoje os vêem como um obstáculo à permanência do status quo social.
A tendência, portanto, é num futuro próximo a extinção definitiva das demais disciplinas do currículo, prevalecendo apenas matemática e língua portuguesa. Quem sabe algum iluminado dentro do governo, também queira que seja ressuscita a disciplina EMC, para substituir sociologia e filosofia. Olha que a supressão da Educação Moral e Cívica do currículo ocorreu somente em 1993. Não faz muito tempo.  Já imaginou uma escola sem Educação Física, nesse modelo de ensino ainda tradicional cujos estudantes são mantidos confinados dentro das salas por longas e entediantes horas diárias? Sem contar é claro, artes, filosofia e sociologia. A sociologia tornou-se obrigatória no currículo do ensino médio somente em 2008.  
Quanta importância ela teve e tem para a compreensão critica dos estudantes acerca do mundo em que vivem das contradições e das perversidades resultantes desse sistema de produção no mundo do trabalho e das relações interpessoais. Acredito que muitos devem ter notado que a medida provisória sobre o ensino médio não traz qualquer dispositivo referente à infraestrutura das escolas, valorização do professor, numero de alunos por sala de aula, novas metodologias no modo de lecionar aulas e jornada de trabalho. E por que será que esses itens não foram incluídos?
O que o governo informou no começo quando lançou a MP era que seriam construídas ou adaptadas escolas de período integral em todo país, que esse trabalho seria promovido em parceria com os governos estaduais. Santa Catarina, como já mencionei em artigo anterior, centenas de escolas e ginásios esportivos estaduais apresentam algum problema que há anos o governo vem prometendo recuperá-los. Na região do Vale do Araranguá, das 42 escolas estaduais, apenas três apresentaram condições para prover o ensino médio integral, as demais foram vetadas pelo MEC por não se adequarem as exigências mínimas.
Vamos falar a verdade, muitas dessas escolas que oferecem o ensino médio estão caindo aos pedaços, são verdadeiras cachoeiras em dias de chuvas. E o que fazer? Reclamar as ADRs aos deputados da região, que desenvolveram habilidades de enrolar o povo, de mentir? É preciso articular novas estratégias de luta em defesa da escola pública e o movimento "ocupa escola" de 2016 provou ser eficiente quanto ao processo de mobilização dos estudantes e da própria sociedade. Só assim foi possível ouvi-los, mostrando suas insatisfações em relação ao modo como os governos pensam a educação, não como um direito, mas como um negócio.
No dia a dia corrido da escola, da sala de aula, poucos são os momentos reservados aos professores para reunirem-se e refletirem sobre suas condições de sujeitos do processo educacional onde são explorados por um sistema perverso que é o próprio Estado. Inexpressivos são os profissionais que conseguem dispor de algum tempo para acompanhar o cotidiano político, as tramitações de projetos e as faces ocultas e claras dos inúmeros golpes praticados contra a educação pública.

Prof. Jairo Cezar        

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