sábado, 27 de janeiro de 2024

 

RAIZ ARTE -  A MÍSTICA ESCONDIDA NAS RAIZES DAS FLORESTAS TRANSFORMADAS EM ARTE MOVIMENTO

A arte sempre fez parte da existência humana. Desde os primórdios grupos humanos expressavam suas opiniões e sentimentos a partir de desenhos nas paredes de cavernas ou esculpidas em pedras. Além desses registros para se comunicarem, esculturas em madeiras, pedras ou amontoados de conchas de crustáceos também eram confeccionadas e usadas em ritos para celebrar a vida, a morte, bem como acalentar os espíritos, os deuses.

A arte ou as artes são formas ou meio simbólicos de expressar sentimentos, emoções, valores, de determinados povos, culturas, no tempo e espaço. Para compreender melhor, são representações arquetípicas, imagens, por exemplo, presentes no inconsciente coletivo, como registros de tudo o que a espécie humana construiu em sua trajetória existencial. A arte, tanto pode ter uma intenção puramente comercial, como também auxiliar na supressão de traumas e transtornos emocionais tanto do público infantil como adultos.

Quanto mais crianças são estimuladas a criação, a representação artística, gerações de cidadãos livres, críticos, felizes estarão sendo forjados e se replicando permanentemente. Como foi destacado em parágrafo anterior, a pintura, a escultura, a música, a dança, o teatro e tantas outras formas culturais, tem a capacidade de curar, de transformar substancialmente a vida de qualquer cidadão.

Tanto é verdade que em 2006 fui acometido por instabilidade emocional me fez abreviar momentaneamente uma série de compromissos profissionais. Devido à intensidade da crise fui forçado a buscar acompanhamento de profissionais da área da psiquiatria e da psicologia. Um ano depois, em 2007, minha companheira me levou a um atelier de pintura em tela onde me apresentou ao professor e artista plástico Abrão Scotti. Foi o contato com a tela, com as tintas, que minha vida foi se transformando dia após dia, pois jamais imaginei que havia dentro de mim elementos desconhecidos relacionados à arte. O incrível é que além de curar o trauma psíquico abriu fronteiras para outras habilidades artísticas ainda desconhecidas.

De 2007 até 2019 foram confeccionadas mais de uma dezena de pinturas em telas, muitas das quais retratando a história de Araranguá a partir de fotografias tiradas no começo do século XX. A ideia foi retratar em cores, dar vida, luz, as imagens fotográficas que revelavam cenários todos em preto em branco. Além de casarios antigos, também fizeram parte do meu arcabouço criativo paisagens parasidíacas dos Balneários Ilhas e Morro dos Conventos. E não parou por aí, trabalhos em mosaicos, esculturas com argilas e trabalhos em bambus incrementaram meu campo de experimentos, mostrando que podemos aprender tudo o queremos, basta pitadas de esforços e perseverança.

Não imaginei que em 2020, no começo da Pandemia do COVID 19, algo novo, um tanto inusitado, viesse a transformar meus dias de reclusão ao vírus em um extraordinário ócio criativo. Descobri em uma das inúmeras caminhadas até a foz do rio Araranguá, Ilhas, que era possível a partir de raízes de árvores secas depositadas pela força das águas às suas margens, transformá-las em figuras, muitas das quais com traços quase perfeitos. O que impressionava foi a quantidade de troncos, de tamanhos absurdos, arrancados das encostas da serra geral, durante as inúmeras enxurradas, dentre elas, a de 1995, que devastou o município de Timbé do Sul. Toda a orla de Araranguá, foi tomada por milhares de metros cúbicos de madeiras, material suficiente para a construção de centenas de residências.

Transportando esse material para meu improvisado atelier, no momento que eu estava cortando era possível identificar e diferenciar os diversos aromas, cores, texturas de um pedaço de madeira, raiz, do outro.  Em três anos de contínuas caminhadas e coletas de materiais espalhados ou discretamente cobertos pelas dunas, somam-se hoje mais de cento e cinquenta peças artísticas.

Não há repetição de peças de artes, cada objeto é único. É possível que muitos até queiram levantar questionamentos sobre a enormidade de peças retratando figuras humanas, bailarinas em especial, cujos corpos demonstram estar em movimento. Essa formação, traços, se deu de forma natural, ou seja, as raízes em seu gravitropismo, movimento gravitacional no solo, no seu movimento de entrelaçamento teve a tendência de moldar desenhos que se confundem com corpos humanos.

Possuo no meu atelier algumas peças que quando as encontrei e comecei a trabalhá-las, ambas me deixaram um tanto intrigado diante da incrível semelhança das raízes às pernas humanas, não um único par de pernas, mas diversos, simetricamente torneadas. Esse extraordinário espetáculo da natureza me fez acreditar que há sim forte interação envolvendo humano e florestas, que existe uma mística, cujos povos das florestas interpretam como sendo espírito, algo sagrado, que media os limites do permissível, do tolerável junto à mãe natureza.  

Prof. Jairo Cesa           

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

 

DONA FÁTIMA SOUZA, A PRIMEIRA PROFESSORA DA COMUNIDADE DA CANJIQUINHA, CUJA CARREIRA INICIOU EM 01 DE AGOSTO DE 1958

Foto - Jairo


O dia 14 de dezembro de 2023 será relembrado como uma data especial para as famílias que habitaram a canjiquinha durante as décadas de 1950 a 1980. Pois foi o dia que mantive contato depois de quase cinqüenta anos com a professora Fátima Souza, a primeira professora da comunidade que começou a lecionar em 1958. Por ter sido também minha professora, alfabetizadora. Tendo completado 90 anos de idade, me senti motivado em visitá-la e ouvir suas histórias, sua trajetória de vida no distrito de Hercílio Luz, onde residia junto com a sua família.

Chegando a sua casa, hoje residindo no bairro Vila Nova, Içara, por volta das 9 horas, quem me recebeu no portão foi a sua cuidadora, que fica com D. Fátima durante as manhãs, realizando os serviços domésticos e o seu almoço. Quando entrei na aconchegante casa fui recebido por um carinhoso abraço. Dona Fátima como era e é ainda conhecida, quando a vi, seu corpo, rosto, olhar límpido e vibrante não refletiam em nada os 90 anos de idade que haviam sido completados há pouco mais de um mês.

A cuidadora, D. Evanir, me confessou que D. Fátima estava um tanto ansiosa durante aquela manhã, pois alimentara expectativas do seu encontro comigo. Informou também que havia preparado um pudim de leite para que fosse servido após a refeição, acreditando que eu almoçaria com ambas. Claro que jamais recusaria convite vindo de alguém como D. Fatima, de poder compartilhar momento tão singular, tão repleto de significados.

 

Foto - Jairo

O fato é que eu estava na casa de alguém que me ensinou a ler, escrever, a dar os primeiros passos de uma carreira também de professor alfabetizador, iniciado aos 18 anos de idade. Foi exatamente o ingresso no magistério que me motivou seguir a carreira docente, primeiro alfabetizador, depois professor de história e por fim mestre em educação pela UDESC. Depois de alguns minutos de conversa, D. Fátima se dirigiu até uma sala e trouxe algumas caixas com fotos e documentos de quando era professora e de seus familiares. O que chamou a atenção em relação as fotos apresentadas foram três que retratavam momentos vividos na escola da canjiquinha.

Foto - Jairo


Uma delas estava trinta e dois estudantes distribuídos lado a lado em frente da escola. Claro que são pessoas que eu as conheci, pois viviam na comunidade da Canjiquinha e cujas idades hoje se aproximam aos sessenta anos. Mas antes de esmiuçar os momentos bons e não tão bons experienciados por D. Fátima na canjiquinha, como professora alfabetizadora, é conveniente discorrer fragmentos de sua vida, seus pais, onde nasceu, estudou, por que escolheu ser professora e as dificuldades enfrentadas na carreira.

Foto - Jairo


Relatou D. Fátima que embora tenha nascido nas Canjicas, como era conhecido no passado o distrito de Hercílio Luz, sendo a mais velha de seis filhos tidos por Danúbio Celúrios de Souza, seu pai, quando tinha cinco anos de idade foram morar no Maracajá/SC. Lá foi para a doutrina e fez a primeira comunhão. Seus pais ergueram uma loja de tecidos e alimentos. Essa foi a época do trem, que sempre usavam esse transporte para se deslocar, para ir a Araranguá, Criciúma e Tubarão.  Afirmou que mais tarde a família se transferiu para o centro de Araranguá, vindo a residir em uma casa que foi de Domício Pereira, que era pais da D. Lia, esposa do seu Severiano, seu primo irmão. A residência situava-se próxima ao colégio Castro Alves, no centro da cidade.

Foto - Jairo


Ficando lá um tempo, seu pai decidiu retornar para as Canjicas, cuja mudança foi realizada de Lancha, embarcação de propriedade do S. Valter Hahn. Foi optado por esse transporte pelo fato de naquele momento não existir outro meio alternativo. Foram morar em uma casa antiga, grande, que pertencia ao seu avô. A residência Possuía seis quartos e uma cozinha espaçosa. O frontal da casa possuía traçado ou estética que se assemelhava a uma igreja. Disse que muita gente quando transitava pela frente tirava o chapéu acreditando que ali era uma igreja.

Relatou que começou a estudar na Canjica, em uma escola de material que também era residência de Titila Baltazar, prima irmã de seu pai, que ficava bem próxima ao rio.  A segunda escola onde estudou estava situada na residência dos seus pais, espaço onde havia um armazém. Mais tarde a escola foi deslocada para uma casinha menor, de material, que segundo ela foi onde havia nascido. Esse espaço, seu avô mais tarde alugou para que fosse instalada uma farmácia, sendo a escola transferida para um paiol, onde finalmente se formou na quarta série. D. Fátima citou os nomes de suas professoras, sendo elas a D. Amália; Dutilíria e Flavia, essa última filha do cidadão Norberto Costa.

Dona Fátima fez questão de discorrer de alguns momentos marcantes dessa época de estudante. Entre tantas lembranças, os versinhos dos quais tinha que decorar e declamar nos eventos festivos da escola, como o sete de setembro. Lembrou também dos cadernos cujas capas eram decoradas com símbolos nacionais, como a bandeira do Brasil e pipas/papagaios tendo criança empinando-as. Um dos versinhos que lembrou foi declamado por um de seus alunos cujo nome era Moacir. Dona Fátima assim declamou: “minha enxadinha trabalha bem, corta os matinhos num vai e vem, minha enxadinha vai descansar para amanha recomeçar”.

 

Foto - Jairo

Quando concluiu o quarto ano na escola começou a dar aula, cuja primeira experiência de magistério foi em um pequeno galpão, contendo uma parta e duas janelas, espaço de propriedade de seu Manoel Domingo Marque, na comunidade da canjiquinha. Fez questão de mostrar um caderno onde estava registrada a data quando começou a lecionar, dia 01 de agosto de 1958.  Comentou que o percurso era um tanto longo, todo realizado a pé. Primeiro tinha que atravessar o rio Araranguá, de balsa ou de canoa, depois caminhar uns três km, cruzar uma “pinguela” até chegar ao local de trabalho. Dona Fátima se lembrou de alguns dos estudantes que lecionou nessa escola, cerca de 18 ao todo. São eles: Avanir, Cléria, Zequinha, Eziquiel, Evinha, Valdecir, Vanoir, Vaninha.  

Na época que começou a lecionar o prefeito era José Rocha, do PTB. Com o fim da gestão do prefeito Rocha, quem o substituiu foi o radialista Osmar Nunes, cuja primeira ação realizada foi demitir D. Fátima. A alegação da demissão, segundo ela foi por razões políticas, pois sua família era do PSD e o prefeito eleito, da UDN. Comentou que frequentemente pessoas iam até a prefeitura fazer fofoca da sua atuação na escola. Diante das denúncias, o Sr Munir Bacha, inspetor municipal de educação, foi até a unidade de ensino onde trabalhava verificar in loco o que de fato estava ocorrendo. Confessou que quando estava escrevendo no quadro um problema para que os estudantes os resolvessem um senhor entrou de súbito pela porta dando bom dia a todos/as. O senhor era o inspetor Munir Bacha.

Disse que ficou muito assustada e com vergonha da presença do inspetor e que suas roupas ficaram encharcadas de suor. Seu Munir conferiu os cadernos dos/as estudantes, conversou com todos/as  e depois foi embora. Que dias depois, em reunião realizada com os/as professores/as, na prefeitura, o inspetor confessou aos presentes que D. Fatima era uma heroína, por todo o esforço desempenhado no cumprimento de sua tarefa de professora.

Relatou que antes da demissão, apareceu em sua residência um senhor a mando do Sr Arnaldo Copetti, com papel em branco para que ela assinasse. Disse que ficou furiosa com aquela atitude, que só assinaria se fosse documento com o timbre da prefeitura e assinado pelo prefeito, na época Osmar Nunes. Osmar relatou que toda a tramóia criada para a sua demissão teria sido articulada pelo cidadão Arnaldo Copeti e não ele.

Quando recebeu o papel da demissão, Dona Fátima e sua colega de profissão, D. Lelausia, atravessaram o rio de balsa e foram até o Morro dos Conventos, pois precisavam se deslocar até a prefeitura protocolar o documento de mandato de segurança. Que quando estavam na faixa/estrada principal esperando um transporte, carona, apareceu um caminhão, do seu Lavino Tavares, morador do bairro, carregado de farinha de mandioca. Embarcaram no caminhão e foram até o centro, pois na época não havia ônibus. Que o processo ou mandato de segurança, depois de protocolado, levou dois anos para retornar.

Tanto D. Fátima quanto sua colega, D. Leláusia, ambas foram indenizadas com a soma de 1,200 cruzeiros cada. Acontece que ambas receberam o pagamento na residência do Seu Osmar, que ficou com a metade do valor. Confessou que passou muitas dificuldades depois que foi demitida, que o dinheiro recebido como professora era insuficiente para sobreviver. Sua casa era bem modesta, não possuía forro, que quando ocorria tormenta o vento carregava as telhas. O salário de professora, seis cruzeiros mensais, não dava para comprar quase nada. Que mais tarde foi reajustado para 12 cruzeiros. Perguntei à ela, o que poderia se comprar com esse valor. Não respondeu, apenas deu gargalhada.

Contou que os pais dela tinham três cabeças de gado, que recebeu uma novilha de presente para que ela pudesse tirar leite e ajudar na renda da casa. Que a novilha cresceu e teve dois filhos. O irmão da D. Fatima negociou as três rezes com uma casa velha, que vendeu mais tarde. Nessa casa começou a dar aula, que seu Lauro Jacinto era presidente da colônia da comunidade, que encontrou uma canoa na Barra Velha, que D. Fatima comprou através de financiamento feito pelo Banco do Brasil. Foi com essa canoa que o esposo de Dona Fátima começou a pescar. O peixe pescado, parte dele era comercializado sendo o dinheiro recebido ajudava na renda da família. Seu genro, muitos anos mais tarde conseguiu resgatá-la, reformá-la e pintá-la, estando hoje guardada em uma residência na Vila Nova, Içara.

Contou que lavava buchada de boi e fazia morcela, popularmente conhecida por murcilha, de porco para vender. Que em sua casa não havia nem bule para fazer café. Confessou que “pobre casada com pobre não tinha direito a essas utilidades”. Afirmou também antes do seu casamento seu pai foi a Porto Alegre comprou um casaco de veludo, tecidos para fazer o vestindo de noiva, bem como um véu e um buquê de flores.

Foto - Jairo


O mandado de segurança fez com que D. Fátima fosse recontratada pelo município, vindo, portanto, a dar aula na comunidade de Morro Agudo. Durante o mandato do prefeito Gercino Pasquali, foi construída uma escola na canjiquinha deixando de funcionar a improvisada que ficava na residência do Sr Manoel Domingos Marques. Nessa escola trabalhou três anos. Com a mudança de prefeito, agora Lino Jovelino Costa, que era o seu tio, o mesmo mandou construir outra escola, em um terreno doado por um morador da comunidade, popularmente conhecido pelo nome de Luiz Manezinho.


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Foto - Jairo

essa escola quem trabalhou primeiro foi a filha adotiva do prefeito Lino, Sra Rozinha. D. Fátima por 18 anos lecionou nessas duas escolas até o momento da aposentadoria durante o prefeito Eduardo Guizzo, inicio da década de 1990. Dona Fátima afirmou que gostava muito de lecionar na canjiquinha, pois a comunidade a tratava com muito carinho. Era habito as famílias fazerem convites à professora para que lanchasse ou almoçasse juntos, e ai dela se recusasse. Quando morreu o seu pai, o mesmo tinha muito dinheiro emprestado a juros. Um tal de Copeti, dentista da comunidade, pagou uma conta e cujo dinheiro deu para comprar um carro zero.

Relatou Dona Fátima que a foto em que aparece com estudantes na escola da canjiquinha, a escrita identificando-a como unidade de ensino municipal da Sangra Negra não condiz com a realidade. Que de fato Sanga Negra ficava na comunidade da volta curta, margem esquerda do rio Araranguá. Discorreu que a comunidade da canjiquinha participava de forma ativa nas atividades da escola. A APP participava junto com os estudantes da horta escolar, cujas verduras e legumes eram diariamente colhidas para o preparo das refeições dos estudantes. Quem era responsável pela merenda e a organização da escola era a D. Rosinha, que permaneceu na escola até a sua aposentadoria.

Foto - Jairo

  

Durante a entrevista com dona Fátima, ela citou alguns de seus estudantes que estudaram nessa primeira escola, instalada em uma varanda anexada a residência de seu Domingos Marques. Entre os citados estava o Eziquiel Rufino, conhecido por Zélio. Para sanar dúvidas advindas da fala de D. Fátima, agendei entrevista com Zélio em sua residência no Morro dos conventos. A entrevista ocorreu, onde por cerca de uma hora o mesmo discorreu fatos e curiosidades que vão ser esmiuçadas em outra oportunidade nesse blog.  

Prof. Jairo Cesa

 

 

domingo, 14 de janeiro de 2024

 

A BALNEABILIDADE IMPRÓPRIA PARA O BANHO NO MORRO DOS CONVENTOS ACENDE A LUZ AMARELA SOBRE O FUTURO  INCERTO DESSE OASIS NATURAL DO SUL DE SANTA CATARINA

A expressão matar a “galinha dos ovos de ouro” se encaixa muito bem para a atual realidade do balneário Morro dos Conventos. Desde a década de 1950 com a construção do hotel e outras benfeitorias como o suntuoso farol para o monitoramento das embarcações no oceano, o Morro dos conventos passou a ser a praia mais venerada, atraindo pessoas de todas as partes do Brasil. É tão verdade essa afirmação que a construção do campo de aviação/ aeroporto, no bairro Mato Alto/Araranguá, com vôos regulares da Varig de SP e RJ, teve como um dos objetivos trazerem passageiros/turistas para se hospedar no Hotel Morro dos Conventos, bem como apreciar as belezas do lugar.

As décadas de 1970 e 1980 houve um novo boom turístico no balneário com a construção de dois campings, sendo um deles instalado as margens do manancial lago dourado. Milhares de pessoas todos os anos a grande maioria do RS e estrangeiros argentinos, uruguaios, paraguaios, se deslocavam em massa de suas cidades para passar a temporada naquilo que foi por longo tempo cantado em verso e prosa como o santuário ecológico Morro dos Conventos. Uma jornalista do O Globo/RJ definiu o balneário como um Oasis do litoral sul catarinense.

Mas as décadas posteriores, a partir da decadência dos campings, um novo cenário para estimular o desenvolvimento começou a ser desenhado para o Morro.  A ideia era elaborar infraestrutura para estimular a ocupação dos espaços vazios, terrenos, lotes, dos quais foram estabelecidos por mapeamento criado durante a década de 1950. No mapeamento é possível constatar que toda a extensão territorial, da barra ao loteamento paiquerê, estava todo recortado por ruas, lotes e outras benfeitorias coletivas.

Quem vê o mapa fica atônito e espantado acerca do comportamento dessas pessoas da época, políticos em especial, em defender a ocupação de áreas tão complexas e sensíveis ambientalmente. O que nos reconfortou foi perceber que o plano de ocupação projetado não se confirmou, ocorrendo apenas nos núcleos centrais da praia, com discretas residências e um ou dois edifícios residenciais. Novas ocupações e o aumento gradual e progressivo de novos moradores, turistas e veranistas, trouxeram consigo problemas, principalmente ambientais.

Para disciplinar a ocupação e quem sabe minimizar ao máximo os impactos ambientais, em 2014 foi executado o Projeto Orla, contendo um relatório com mais de 200 demandas elencadas. O plano teve a participação de representantes da sociedade civil, ONG/OSCIP, segmento econômico e o pode público. Uma das grandes conquistas do projeto foi a assinatura por decreto de três unidades de conservação, a APA, a UC MONA e uma RESEX. Entretanto oito anos depois de sua criação jamais as unidades foram regulamentadas. Para viabilizar as políticas desenvolvimentistas anti ambientais, a atual administração agiu de forma deliberada em desmontar os decretos, começando com a APA, que foi suprimida, e a UC MONA, reduzida a área de abrangência.

Pelas características geomorfológicas do Balneário, o lençol freático se apresenta muito superficial, que em períodos de chuvas com índices mais elevados têm a tendência de extravasar formando pequenos lagos em toda a extensão do balneário. Diante desse complexo cenário geográfico, a construção de um sistema de tratamento de esgoto foi definida como a prioridade das prioridades, antes mesmo de qualquer benfeitoria infraestrutural. Entretanto, não foi de fato o que aconteceu. Oito anos se passaram e todos os projetos pensados para o balneário foi para desenvolver o turismo.

Mais de uma dezena de residências, edifícios foram edificados no balneário, elevando progressivamente o número de novos moradores permanentes lá. Esses novos, somados com os veranistas, turistas e visitantes, a população oscila entre 20 a 30 mil no verão. Claro que todos esses indivíduos precisam fazer diariamente as suas necessidades fisiológicas, tendo que usar os banheiros cujas fossas cépticas estão posicionadas 1 ½ de profundidade.     Se em épocas normais, de pouca chuva, o lençol freático quase extravasa, imaginemos em anos chuvosos como 2023 quando o índice de chuva no balneário foi de 2.300 mm, o segundo maior registrado em 15 anos de monitoramento.

Havia sim expectativa de elevado fluxo de pessoas que teriam o Morro dos Conventos como destino no verão de 2023/2024. Uns dos fatores à visitação seria a água do mar considerada uma das mais limpas de toda a faixa costeira do sul de Santa Catarina. Não se tem notícia de alguma vez o órgão ambiental estadual, FATMA/IMA, ter diagnosticado a presença de poluentes e tornado-a imprópria para o banho. Infelizmente, no dia 26 de dezembro uma triste notícia foi dada pelo IMA, água coletada na frente do guarda vida central do balneário detectaram a presença de elementos poluentes oriundos de excrementos humanos.

Diante da notícia era previsível que o poder público se manifestaria para definir medidas capazes de solucionar o problema. O que se viu nos dias posteriores ao laudo das condições de balneabilidade imprópria foi o silêncio sepulcral das autoridades e também da imprensa, dando a entender que nada fariam para resolver. Para agravar ainda mais, uma semana depois da apresentação dos dados, 03 de janeiro, o IMA lançou novo relatório que manteve o balneário como área imprópria para o banho.

Independente de ter placa informativa acerca do resultado o fato é que estão matando as galinhas dos ovos de ouro de Araranguá, nosso balneário, que sempre foi visto com orgulho pelos moradores locais e pelos visitantes como um verdadeiro santuário do extremo sul de Santa Catarina.  A atual administração desde que assumiu o paço municipal em 2020 sempre procurou agir junto aos ambientalistas e aos demais defensores do Morro com violência, alegando que ambos queriam o Morro dos Conventos somente para si. O próprio legislativo municipal, muitos dos seus membros em sessões ordinárias ou em eventos paralelos também procuraram aplicar terrorismo contra quem se opusesse a atual administração nos seus projetos de infraestrutura no balneário. Expressões do tipo “temos que atropelar os ecologistas” eram corriqueiras nessas sessões.

Como tentativa de jogar a população contra tais anti desenvolvimentistas do Morro, o governo municipal lançou slogan O Morro é de Todos. A intenção era fazer a sociedade acreditar que qualquer um que fosse contrário as ditas benfeitorias no balneário deveria ser rechaçado. Parece que tal campanha de desmoralização promovida pela atual administração deu certa, pois em nenhum momento FAMA, POLÍCIA AMBIENTAL, IMA, atuaram no balneário investigando se todas as obras estavam realmente de acordo com as normas ambientais estabelecidas.

Depois de mais de duas semanas consecutivas de resultados negativas nas análises da água do balneário, porém dados esses tomados de profundos silêncios por parte da administração, na terça feira, 09 de janeiro, finalmente uma notícia alvissareira, novas análises da IMA comprovaram a balneabilidade da praia do Morro dos Conventos. De repente a página oficial da prefeitura e as redes sociais de muitos políticos locais foram tomadas por notícias evidenciando o fato. Mensagens do tipo: agora o Morro está próprio para o banho.  A pergunta que não quer calar é o seguinte: o que de fato contribuiu para que por duas semanas consecutivas a praia do Morro dos Conventos fosse detectada a presença de poluentes que a tornaram imprópria para o banho. Afinal o órgão ambiental municipal procurou investigar as causas e tomou alguma medida efetiva para a supressão do problema?   

Prof. Jairo Cesa