sábado, 27 de janeiro de 2024

 

RAIZ ARTE -  A MÍSTICA ESCONDIDA NAS RAIZES DAS FLORESTAS TRANSFORMADAS EM ARTE MOVIMENTO

A arte sempre fez parte da existência humana. Desde os primórdios grupos humanos expressavam suas opiniões e sentimentos a partir de desenhos nas paredes de cavernas ou esculpidas em pedras. Além desses registros para se comunicarem, esculturas em madeiras, pedras ou amontoados de conchas de crustáceos também eram confeccionadas e usadas em ritos para celebrar a vida, a morte, bem como acalentar os espíritos, os deuses.

A arte ou as artes são formas ou meio simbólicos de expressar sentimentos, emoções, valores, de determinados povos, culturas, no tempo e espaço. Para compreender melhor, são representações arquetípicas, imagens, por exemplo, presentes no inconsciente coletivo, como registros de tudo o que a espécie humana construiu em sua trajetória existencial. A arte, tanto pode ter uma intenção puramente comercial, como também auxiliar na supressão de traumas e transtornos emocionais tanto do público infantil como adultos.

Quanto mais crianças são estimuladas a criação, a representação artística, gerações de cidadãos livres, críticos, felizes estarão sendo forjados e se replicando permanentemente. Como foi destacado em parágrafo anterior, a pintura, a escultura, a música, a dança, o teatro e tantas outras formas culturais, tem a capacidade de curar, de transformar substancialmente a vida de qualquer cidadão.

Tanto é verdade que em 2006 fui acometido por instabilidade emocional me fez abreviar momentaneamente uma série de compromissos profissionais. Devido à intensidade da crise fui forçado a buscar acompanhamento de profissionais da área da psiquiatria e da psicologia. Um ano depois, em 2007, minha companheira me levou a um atelier de pintura em tela onde me apresentou ao professor e artista plástico Abrão Scotti. Foi o contato com a tela, com as tintas, que minha vida foi se transformando dia após dia, pois jamais imaginei que havia dentro de mim elementos desconhecidos relacionados à arte. O incrível é que além de curar o trauma psíquico abriu fronteiras para outras habilidades artísticas ainda desconhecidas.

De 2007 até 2019 foram confeccionadas mais de uma dezena de pinturas em telas, muitas das quais retratando a história de Araranguá a partir de fotografias tiradas no começo do século XX. A ideia foi retratar em cores, dar vida, luz, as imagens fotográficas que revelavam cenários todos em preto em branco. Além de casarios antigos, também fizeram parte do meu arcabouço criativo paisagens parasidíacas dos Balneários Ilhas e Morro dos Conventos. E não parou por aí, trabalhos em mosaicos, esculturas com argilas e trabalhos em bambus incrementaram meu campo de experimentos, mostrando que podemos aprender tudo o queremos, basta pitadas de esforços e perseverança.

Não imaginei que em 2020, no começo da Pandemia do COVID 19, algo novo, um tanto inusitado, viesse a transformar meus dias de reclusão ao vírus em um extraordinário ócio criativo. Descobri em uma das inúmeras caminhadas até a foz do rio Araranguá, Ilhas, que era possível a partir de raízes de árvores secas depositadas pela força das águas às suas margens, transformá-las em figuras, muitas das quais com traços quase perfeitos. O que impressionava foi a quantidade de troncos, de tamanhos absurdos, arrancados das encostas da serra geral, durante as inúmeras enxurradas, dentre elas, a de 1995, que devastou o município de Timbé do Sul. Toda a orla de Araranguá, foi tomada por milhares de metros cúbicos de madeiras, material suficiente para a construção de centenas de residências.

Transportando esse material para meu improvisado atelier, no momento que eu estava cortando era possível identificar e diferenciar os diversos aromas, cores, texturas de um pedaço de madeira, raiz, do outro.  Em três anos de contínuas caminhadas e coletas de materiais espalhados ou discretamente cobertos pelas dunas, somam-se hoje mais de cento e cinquenta peças artísticas.

Não há repetição de peças de artes, cada objeto é único. É possível que muitos até queiram levantar questionamentos sobre a enormidade de peças retratando figuras humanas, bailarinas em especial, cujos corpos demonstram estar em movimento. Essa formação, traços, se deu de forma natural, ou seja, as raízes em seu gravitropismo, movimento gravitacional no solo, no seu movimento de entrelaçamento teve a tendência de moldar desenhos que se confundem com corpos humanos.

Possuo no meu atelier algumas peças que quando as encontrei e comecei a trabalhá-las, ambas me deixaram um tanto intrigado diante da incrível semelhança das raízes às pernas humanas, não um único par de pernas, mas diversos, simetricamente torneadas. Esse extraordinário espetáculo da natureza me fez acreditar que há sim forte interação envolvendo humano e florestas, que existe uma mística, cujos povos das florestas interpretam como sendo espírito, algo sagrado, que media os limites do permissível, do tolerável junto à mãe natureza.  

Prof. Jairo Cesa           

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