sexta-feira, 27 de outubro de 2023

 

PLANO DE ADAPTAÇÃO CLIMÁTICA TERÁ DE SER REALIDADE EM TODOS OS MUNICÍPIOS BRASILEIROS

https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/climaozoniodesertificacao/plano-nacional-de-adaptacao



Outubro de 2023 será lembrado no sul do Brasil como um mês atípico, por confirmar o que alertavam climatologistas e demais estudiosos do tempo, de que o clima da terra estava no seu limite de exaustão e que colapsaria a qualquer momento. As elevadas temperaturas recordes no verão do hemisfério norte, combinadas com os catastróficos incêndios foram dos primeiros indícios de que o planeta clamava por mais atenção. No inverno do hemisfério sul muitas regiões e cidades, principalmente as situadas nas faixas litorâneas sul, sudeste e nordeste sofreram com enxurradas, deslizamentos e dezenas de pessoas mortas e desaparecidas. Foi só iniciar a primavera no hemisfério sul que os efeitos do aquecimento global, associado ao fenômeno EL NINO, dessa vez mais forte, que o sul do Brasil por pouco não virou terra arrasada devido às incidências de ciclones extratropicais com elevados graus de letalidade.  

Os meses de agosto e setembro, no estado do RS, cidades por pouco não foram literalmente riscadas do mapa devido às fortes enxurradas e deslizamentos. Mais de uma centena de pessoas perderam suas vidas, soterradas ou afogadas pela força das águas. Além de perdas humanas o estado deve ter contabilizado prejuízos financeiros milionários, decorrente da destruição de grande parte de sua infraestrutura urbana e rural. Claro que foram inúmeros os alertas divulgados de que importantes bacias do RS  teriam índices pluviométricos recordes e que causariam transtornos sem precedentes à milhares de pessoas. Há informações fidedignas que muitas autoridades do estado gaúcho não deram atenção devida aos inúmeros boletins meteorológicos emitidos pelos órgãos que monitoram o tempo.

Aqueles que acreditaram que a tragédia climática anunciada ficaria restrita apenas ao RS, devem ter ficado embasbacados quando passaram ouvir e assistir os meteorologistas emitindo boletins frequentes prevendo situação semelhante para o estado catarinense. Na “mosca”. Foi só começar o mês de outubro, por mais de dez dias todas as regiões passaram por um pesadelo climático que certamente vai ser lembrado pelas próximas décadas. Chuvas torrenciais com enchentes, deslizamentos e mortes humanas nos quatro cantos do estado, sendo, portanto, o Alto Vale do Rio do Sul, o mais afetado, com destaques aos municípios de Taió e Rio do Sul, ambos decretando estado de calamidade pública. Foram mais de 150 de um total de 295, que decretaram situação de emergência.

O sul do estado também foi seriamente assolado pelas chuvas torrenciais, que também causaram prejuízos milionários em infraestrutura e na agricultura. O que é importante destacar nesses episódios extremos do tempo é que os planos diretores de todos os municípios terão que passar por transformações profundas principalmente no que se refere aos seus sistemas de drenagens e áreas de ocupações. Também deve ser enfatizado aqui o aspecto agrário, a monocultura, por exemplo, que pode ter causa e efeito em todo esse desarranjo macro e microclimático. A progressiva supressão de florestas, como o bioma da Mata Atlântica, para projetos agropecuários e imobiliários, vem resultando em passivos ambientais de proporções gigantescas.  

São as áreas da faixa costeira do estado que tiveram as maiores perdas de cobertura florestal, sendo, portanto, as mais afetadas e impactadas pelas chuvas cada vez mais frequentes, duradouras e violentas. Muitos municípios catarinenses aproveitaram a situação de estado de emergência decretado pelo governo para, literalmente, “passar a boiada”, descumprindo regras ambientais em obras de infraestrutura para minimizar impactos provocados pelas chuvas.

Um dos municípios que possivelmente aproveitou essa brecha legal foi Araranguá com a abertura de canais para o escoamento da água na parte baixa do balneário Morro dos Conventos. Em 2016 essa parte sensível do balneário foi transformada em APA (Área de Proteção Ambiental), devido a sua peculiaridade geográfica e ambiental. Entretanto em 2021, a administração pública suprimiu o decreto que criou a APA, abrindo a “porteira” para o avanço imobiliário. As últimas chuvas que precipitaram sobre o município e o balneário, em especial, deixaram mostras claras que é necessário repensar com atenção as políticas de ocupação daquele frágil ecossistema.

A abertura de uma grande vala para o escoamento da água sobre dunas fixas no lado sul do balneário é um prenuncio de que toda aquela complexa área poderá vir a ser ocupada por residências e condomínios. A não existência de um sistema de tratamento do esgoto, agravado pela superficialidade do lençol freático faz do local um dos mais sensíveis a degradação ambiental no sul do estado de Santa Catarina.

A ligação através de Rua do Paiquere/Balneário Morro dos Conventos comprova o que ambientalistas e moradores presumiam, que a intenção da mesma é também agilizar a expansão imobiliária sobre um complexo de dunas e vegetação de restinga em todo o entorno. O que assusta é o fato de haver tanta aberração por parte do poder público, porém sem qualquer manifestação contrária ou críticas por parte das autoridades, da imprensa e demais segmentos sociais. O sentimento é de que há um explícito consenso coletivo, forjado para dar vazão às políticas de “execuções de obras”, muitas das quais, acredita-se, a revelia das normatizações ambientais.

Em 2018 o poder público de Araranguá realizou obra de drenagem pluvial em área APA no Morro dos Conventos sem licenciamento ambiental. A ação foi passiva de embargo por parte da Policia Ambiental. Agora, a atual administração realizou drenagem nesse mesmo traçado, iniciando nas proximidades do campinho de futebol, indo em direção a foz do córrego que desaguava o antigo “lago do frango”. O estrago praticado pela draga foi infinitamente superior de 2018, porém, não houve nenhuma interferência dos órgãos ambientais, responsabilizando o poder público por crime ambiental. A pergunta é, será que todas essas ações se devem ao fato de o governo do estado ter decretado situação de emergência e que também incluiu Araranguá entre os municípios impactados pelas chuvas? 

 

Foto - Jairo

O que ficou explicito nessas últimas chuvas foi à fragilidade do solo que rapidamente fez extravasar os lençóis freáticos, que são extremamente superficiais mesmo em épocas de chuvas normais.   Se precipitações semelhantes a do mês de outubro de 2023 vier a ocorrer nos meses de janeiro, fevereiro, períodos em que o balneário recebe enorme fluxo de veranistas e turistas, não há dúvida que toda a orla será seriamente impactada pelos esgotos das fossas que irão extravasar. Repito, sem a instalação de um sistema de tratamento dos esgotos, tanto parte baixa como da de cima do balneário, não será conveniente ao poder público e ao órgão ambiental municipal liberar novos licenciamentos para residências e loteamentos em ambos os espaços.

Muitos moradores daquele bairro, parte alta, por exemplo, devem ter ficado perplexos quando perceberam que suas ruas e residências estavam tomadas pelas águas da chuva, realidade que os moradores mais antigos não devem se lembrar de ter ocorrido no passado. Acontece que quando as ruas foram pavimentadas, com lajotas, não houve por parte do poder público, a inserção no projeto de tubulações para o esgotamento pluvial. Se existe alguma canalização já mostra ser ineficiente e precária. Atualmente toda a água acumulada no bairro e do entorno tem como destino o manancial hídrico que abastece o bairro. Por não existir sistema de tratamento do esgoto, os resíduos das fossas se misturam com a água da chuva e escoam em direção ao lago dourado.

Foto - Jairo


Fica a sensação que as técnicas aprendidas pelos engenheiros e outros profissionais nas universidades não estão sendo suficientes para vencer a fúria do tempo. Há casos de obras realizadas e refeitas por duas, três ou mais vezes, pois são repetidamente impactadas pela força das águas. Mais uma vez o Morro dos Conventos serve de exemplo de obras mal sucedidas. Entre o farol e as proximidades do hotel, vem sendo realizada obra de pavimentação do passeio público, com tijolos de cimento. Os trabalhadores já proferiram dois ou três reparos do calçamento do passeio e da própria rua, parcialmente danificadas pelas chuvas. Dessa vez, depois das últimas chuvas, decidiram fazer na lateral do passeio uma minúscula calha, com o cimento.

Foto - Jairo


Até mesmo uma criança sabe que essa medida não resolverá o problema, que é dinheiro jogado fora. Situação semelhante acontece na Rua Aparados da Serra. São incontáveis o número caçambas com pedras já despejadas nessa rua. A cada chuva, um pouquinho mais forte, tudo desce, ficando as pedras depositadas em toda a extensão da rua, trazendo também transtornos. Tanto a Aparados da Serra quanto na Rua Criciúma, essa última que vai até ao farol, somente com a instalação de tubulações pluviais é que poderá minimizar os repetidos impactos e prejuízos financeiros aos cofres públicos do município. A pergunta é, por que não fazem, por que tanta resistência?

Como já havia mencionado em outros textos postados nesse blog, todos os municípios brasileiros deverão rediscutir os planos diretores levando em consideração os aspectos relativos às mudanças climáticas em curso. Essas ações são respaldadas por legislações e resoluções nacionais, dentre elas a Lei n. 12.187/2009 que criou a política nacional sobre mudanças no clima. Entre as diretrizes elencadas no plano, cabe destacar o art. 5°, V, onde salienta o estímulo e o apoio à participação dos governos federal, estadual, distrital e municipal, assim como do setor produtivo, do meio acadêmico e da sociedade civil organizada, no desenvolvimento e na execução de políticas, planos, programas e ações relacionados à mudança do clima.

Além dessa legislação, entre 2013 a 2016 foi construído o Plano Nacional de adaptação climática. É um documento robusto onde constam todos os passos a serem seguidos pelo governo federal, estados e municípios na promoção de gestão e redução do risco climático, bem como construir instrumentos que permitam adaptações dos sistemas naturais, humanos, produtivos e de infraestruturas. Como no Brasil o que mais se tem são leis, sendo que muitas delas são negligenciadas, a exemplo da lei de mudanças climáticas. Desde a criação da lei em 2009, raros são os municípios brasileiros que executaram seus programas de adaptações climáticas.

Parece que quinze anos depois da criação da lei finalmente o congresso nacional tomou a decisão de estabelecer diretrizes com vistas a dar celeridade ao plano para que de fato possa ser aplicado nos estados e municípios brasileiros. Foi em 2021 que veio a proposta de diretrizes por meio de uma PL de n. 4129/2021, de iniciativa da Deputada Federal Tábata Amaral, do PSB/SP.  Depois de aprovada na câmara, a referida lei foi encaminhada para o senado, que continua estagnada na comissão de meio ambiente da casa. Havia a proposta de realização de três audiências públicas para discutir o assunto, tendo a primeira audiência marcada para o dia 06 de junho de 2023, porém, cancelada e sem data marcada para realização.

No inicio do ano foi proposto à criação de um novo plano de adaptação climática por meio de um comitê interministerial, constituído por 19 ministérios. Passado nove meses, somente agora se reuniram quatro ministérios, claro que somente aqueles que já têm compreensão histórico com os problemas que assolaram o Brasil. Agora, fazer uma reunião tão importante sem a presença de ministérios como da agricultura, da fazenda, minas e energia e casa civil, entre outros, é o mesmo que não fazer.

Toda essa passividade, demora de estruturar um plano de adaptação com o mínimo de aplicabilidade resulta o que estamos acompanhando atônitos nos últimos meses, semanas, onde dezenas, centenas de pessoas perderam as vidas devido aos episódios extremos do clima. Sem contabilizar as dezenas de milhares que tiveram suas vidas totalmente desestruturadas. De acordo com o Banco Mundial, de 1995 a 2021, os prejuízos relacionados aos fatores climáticos no Brasil somaram quase 550 bilhões de reais. Se políticas de adaptações já estivessem sendo aplicadas em todos os municípios brasileiros, o número de mortes resultantes das enxurradas, deslizamentos, etc, talvez não tivessem zerado, mas certamente seria muito menor do que o ocorrido.

Prof. Jairo Cesa   

 

https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/ecossistemas-1/biomas/arquivos-biomas/plano-nacional-de-adaptacao-a-mudanca-do-clima-pna-vol-i.pdf

https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2009/lei-12187-29-dezembro-2009-599441-norma-pl.html

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/06/13/cma-debate-normas-para-governos-adaptarem-planos-as-mudancas-climaticas?_gl=1*2j5p6o*_ga*NjUxNTc0NjgxLjE2OTgyODAwMzI.*_ga_CW3ZH25XMK*MTY5ODI4MDAzMi4xLjEuMTY5ODI4MDA1MC4wLjAuMA..

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/06/15/cancelada-reuniao-da-cma-sobre-mudancas-climaticas

https://apublica.org/2023/09/mortes-por-eventos-extremos-se-acumulam-na-falta-de-um-plano-de-adaptacao-no-pais/

 

                    

 

     

sábado, 21 de outubro de 2023

 

O CONGRESSO NACIONAL AFRICANO E O INÍCIO DO APARTHEID EM 1948

 

Embora o CNA (Congresso Nacional Africano) tenha se constituído como organização de resistência e de defesa da igualdade étnica na África do Sul em 1912, a presença de Nelson Mandela, entre outros ativistas que entraram no movimento, se deu em 1942 quando reivindicavam a transformação do CNA em Partido Político. Com a vitória do Partido Nacional, minoria branca, por meio de eleições gerais na África do Sul em 1948, dá início ao regime do Apartheid. Em 1949, centenas de ativistas, dentre eles Nelson Mandela iniciam um movimento de boicote e greves em todo país em resposta às políticas excludentes do regime que se instalou no país.

Estando o CNA reformulado, contendo agora nos seus quadros Walter Sizulo como secretário geral e Mandela como membro do comitê executivo, em 1950, Mandela fez viagem ao país inteiro promovendo campanha de desobediência civil. Como já era previsível, o governo branco instalado, o acusou de atos subversivos contra o Estado. Imediatamente Mandela foi detido em Johanesburgo, porém, mais tarde foi absolvido e mantido em liberdade condicional por seis meses. Nesse período foi impedido de participar de reuniões  públicas.

Em 1955, escreveu uma carta onde expôs seu pensamento quanto ao futuro e seu país. (FILME – MANDELA: O CAMINHO PARA A LIBERDADE) Disse que a África do Sul pertence a todos que lá vivem. Novamente foi preso em 1956 junto com outros 156 ativistas. As condições de vida da população negra e mestiça ficaram piores, quando em 1958, o governo do Apartheid baixou norma instituído a lei da passagem, que restringia o movimento de pessoas negras, ou seja, negros e brancos teriam direitos distintos.

Filme sobre a vida de Nelson Mandela


Movimentos de resistência contra o Apartheid e a eleição de Nelson Mandela em 1994

Contrárias a tais leis ditas absurdas centenas de africanos negros e mestiços saem às ruas em 1960, em protesto. A resposta da política foi violenta com o saldo de 69 pessoas mortas. O governo acusou o CNA de estar por trás das manifestações e a resposta foi torná-lo ilegal, decretando estado de emergência no país. Estando Mandela em liberdade, o mesmo, em resposta a truculência do governo, passa a articular atos violentos pelo país, sabotando empresas, minas, entre outros. Mesmo disfarçado, a polícia conseguiu capturá-lo e o levou a prisão em 1962.

Seu julgamento ocorreu em Pretória, sendo que ele mesmo se encarregou de promover sua defesa, pois era advogado. FILME – MANDELA: LUTA PELA LIBERDADE. Como se previa, mesmo com todos os argumentos e justificativas apresentadas em sua defesa, a corte o condenou a prisão perpétua. Poderia a corte ter sentenciado a pena de morte, não o fez, pois havia certeza que com a sua morte desencadearia convulsão social, guerra civil. Tanto ele quando os demais ativistas presos sofreram todo tipo de tortura. Mandela teve o joelho esquerdo quebrado, e lhe era servido alimento de três em três dias.

Filme onde retrata a vida de Mandela na prisão de Robben Island



Da prisão onde hoje é a  sede da Corte Constitucional, Mandela foi transferido para a prisão de Robben Island, uma pequena ilha próxima a Cidade do Cabo, no qual ficou preso por 18 anos. O espaço da sela onde esteve preso era estreito, tendo direito apenas a um cobertor, uma lata para fazer as necessidades e uma bíblia. No inverno o vento e o frio na ilha eram cortantes que podiam levar uma pessoa a morte em pouco tempo se não estivesse bem agasalhada. Imagine 18 anos preso em um local gélido. Tais condições insalubres, fez com que Mandela contraísse pneumonia e tuberculose, mas não foram suficientes para tirar sua vida. 

Em 1982, Mandela foi transferido para outro presídio e Junto com ele seguiu o carcereiro que se transformou em seu mordomo por nove anos. Essa relação de amizade fez com que o carcereiro lançasse um livro mais tarde com o titulo “A minha amizade com Mandela”. A década de 1980 foi decisiva para o futuro do Apartheid. Dois fenômenos se constituíram como marco decisivo para o regime de repressão e de discriminação racial chegasse ao fim depois de 41 anos. Um desses fenômenos ocorreu fora da África quando várias nações decretaram embargo econômico contra a África do Sul, arruinando a economia do país.


Livro escrito pelo carcereiro de Mandela


O massacre de estudantes em Soweto e as retaliações contra o regime do Apartheid

 

Tudo isso de seu a partir de uma manifestação espontânea de 10 mil  estudantes em Soweto em julho de 1976, que protestaram nas ruas da cidade contra mudanças no ensino que os prejudicariam. Todos os dias, no início das aulas era obrigatório cantar o hino nacional da África do Sul. As crianças se recusaram em cantá-lo, no lugar do hino entoavam canções sul africanas  cujo título de uma delas era “Deus abençoe a áfrica”.

Os professores, percebendo a rebeldia dos estudantes, os disseram que não poderiam se comportar daquela forma, pois poderiam ser repreendidos pela polícia. Quando se dirigiam para o interior das salas, saíram por um portão em direção às ruas do bairro, carregando placas contendo frases como “não queremos o idioma africâner”. Pouco instante depois, a polícia chega e começa a disparar tiros, matando 545 crianças. No instante das manifestações, um fotógrafo, que estava indo para o trabalho, entrou em uma lata de lixo e começou a fotografar, pois se a polícia os visse fotografando, sua máquina seria confiscada e ele poderia ser prisão.[1]

Antes de sair do local, decidiu retirar o filme da máquina com as imagens do massacre e o pôs dentro da cueca, fixando outro filme no local. Já fora recipiente de lixo, a polícia lhe confiscou a maquina, retirou o filme que estava dentro e a quebrou na sua frente. Ao chegar ao trabalho em Lesoto, pegou filme com as imagens e encaminhou para os jornais europeus. No dia seguinte os jornais já estavam divulgando as imagens do massacre para o mundo todo, cujas reações foram imediatas. A própria ONU realizou reunião de emergência para tratar de sansões que seriam aplicadas a África do Sul. A Índia foi o primeiro pais a decretar embargo econômico; o segundo foi a União Soviética e o terceiro a China.

A foto que realmente impactou o mundo foi de uma criança de 13 anos, Heitor Peterson, baleada pelas costas e que estava sendo carregado no colo por um jovem mais velho, um dos organizadores do movimento.  Na imagem também aparece uma menina, irmã de Hector, que também foi baleada nas costas. Hector foi colocado em um carro e transportado a um hospital, porém não resistiu aos ferimentos e veio a falecer. Sua irmã sobreviveu, porém, ficou paraplégica e vive até hoje em cadeira de rodas. Quando chegaram ao hospital, a polícia já os esperavam. O jovem, líder da manifestação foi preso e nunca mais foi visto.

Imagem de criança baleada pela polícia em manifestação ocorrida em escola pública no bairro de Soweto.

Outros países, como Suécia, Finlândia também se aliaram aos demais e decretaram embargo à África. Além dos embargos, na África do Sul os trabalhadores começam a se organizar em sindicatos adotando políticas que resultaria em forte crise na economia do país. Em vez de greve, que era proibido, os trabalhadores adotaram medidas para a redução da produção. O país cada vez enfraquecido economicamente, o governo do apartheid foi forçado a recuar  e propor um plano para por fim ao Apartheid. Em 1990, Nelson Mandela foi solto. Até hoje não se sabe quantas foram as vitimas fatais dos 41 anos do regime do apartheid.

Breve relato dos cinco anos do governo de Nelson Mandela e alguns fatos que marcaram sua vida

 

Somente entre 1990 a 1994 morreram 14 mil pessoas. Com o fim do Apartheid, em 7 de abril de 1994, ocorreram eleições livres na África do Sul sendo que o eleito, com 67% dos votos, foi Nelson Mandela, que se manteve por 05 anos na presidência.  Em cinco anos de governo construiu 2.5 milhões de casas populares, 100 escolas e 50 hospitais. O programa de casas populares continuou mesmo depois do fim do governo de Mandela. Em 2015 foram edificadas 500 mil, sendo que todos os anos 200 a 300 mil novas casas são construídas, contendo água e eletricidade de graça. Quase todas as casas populares possuem equipamentos que transformam a luz solar em energia.

  Fatos curiosos narrados pelo guia durante a viagem de ônibus até a cidade de White City, onde o grupo passaria as duas noites seguintes, pois próximo do hotel estava o Parque Kruger contendo animais selvagens na savana. Contou o guia que quando Mandela foi presidente, recebeu de presente dos trabalhadores da Mercedes bens um veículo Mercedes k-320, um dos mais modernos da fábrica, todo feito manualmente. Durante os cinco anos, Mandela usou o automóvel, porém, quando terminou o mandato fez questão de devolvê-lo aos trabalhadores.  Os trabalhadores se recusaram recebê-lo. Mandela então, em sinal de generosidade, pagou o veículo e ficou com o mesmo.

Também, no início do seu governo, se divorciou da sua segunda esposa, Winne, pois a mesma esteve envolvida em negócios fraudulentos, ou seja, tinha recebido recursos ou doações não contabilizadas. Disse que não seria ético estar casado com alguém com envolvimentos em negócios escusos. No entanto, sua separação foi apenas formal, pois se  mantiveram. Winne, como Mandela, entre outros, teve sua história ligada aos movimentos de luta pela liberdade da África do Sul. Também foi presa, torturada, e outras tantas situações de perversidades como os demais.

Winnie Madikilela – a segunda esposa de Mandela – Militante política contra o Apartheid

Na década de 1950, narrou o guia, que Mandela fez viagens para o interior do país, cujo objetivo era promover a consciência negra, especialmente nas pequenas cidades. Quando chegava nas cidades, reunia as pessoas e discursava como forma de  levantar a auto estima. Dizia que todos tinham direitos e que era necessário para assegurá-los. Pedia que todos escrevessem em papéis, o que eles queriam para a África. Os papeizinhos com as mensagens eram recolhidos e os levava consigo.

Para avaliar o tamanho da sua sensibilidade e defesa pela vida, contou o guia que quando ele viajava para a cidade de Porto Elizabeth, uma das maiores cidades de África do Sul, no caminho o automóvel que viajava atropelou uma cobra. Pediu que parasse o carro, desembarcou e foi ver o animal ferido. Quando chegou perto começou a chorar, pois se sentiu culpado por ter matado o animal. Relatou também que Mandela quando montou um escritório multirracial para atuar em questões ligadas as etnias do país, convidou para trabalhar mulheres representando as principais etnias do país. Para representar a etnia branca, indicou uma mulher Africâner chamada Zelda. Mais tarde, Zelda escreveu um livro sobre a vida com Mandela tendo como título “Bom dia Senhor Mandela”. Bom dia, Sr. MandelaBom dia, Sr. Mandela

 

Livro escrito pela secretária de Mandela onde descreve o cotidiano de um presidente da república


No livro tem uma passagem que narra o instante que ficou sabendo que Mandela queria vê-la. Seu pai, um militar, lhe recomendou que não fosse porque  poderia ser estuprada, violentada, pois Mandela era um terrorista perigoso. Quando entrou no escritório de Mandela, começou a chorar de desespero. Mandela foi até ele, pediu para se acalmar, foi à cozinha fez um chá e lhe deu como forma de respeito e carinho. Conta também o livro que Mandela não conhecia Hambúrguer, CD, não carregava consigo dinheiro e nem caneta.

Disse também o Guia que Mandela quando estava em Nova York para arrecadar fundos para sua fundação, quando estava se dirigindo para assistir um show com o cantor  Mono Vox da banda U2, que não o conhecia inda,  saindo do elevador para encontrar com o músico, a secretaria Zelda o apresentou e ele fez o seguinte comentário: “eu gosto muito de sua música sertaneja”. Disse que Mandela sempre ligava para personalidades da música e da política como Bill Clinton e Michael Jackson, pedindo dinheiro para a fundação.  

Na tradição africana é costume ainda hoje oferecer vacas como dote de casamento. Outro aspecto importante a considerar, na África do Sul a poligamia é legalizada, ou seja, os homens podem ter quantas esposas puderem sustentar. No entanto, o processo não é tão simples assim. Depois do primeiro casamento, caso queira oficializar um segundo matrimônio, o casamento ter o consentimento da primeira esposa, e assim sucessivamente.  Mandela teve 3 esposas, sendo que quando oficializou matrimônio com a última, teve que pagar 85 cabeças de gado para o pais da mesma. O rei da Suazilândia, reinado que fica dentro do território africano, o mesmo possui 18 esposas.

Prof. Jairo Cesa

 

 

 



[1] http://www.resumofotografico.com/2016/06/a-foto-que-colocou-o-mundo-contra-os-horrores-do-apartheid.html

domingo, 15 de outubro de 2023

 

DIA DO PROFESSOR, DATA PARA REFLETIR O QUAO DESPRESTIGIADA É PELAS AUTORIDADES ESSA PROFISSÃO

As demonstrações de carinho e gratidão dedicadas aos professores no dia 15 de outubro geralmente se limitam a essa data, pois os demais 364 dias são agruras, são batalhas para exercer o digno trabalho em ambientes tão desprovidos de infraestruturas mínimas ao satisfatório exercício da profissão.  Hoje, dia quinze, bem como todas as metades de cada mês, com raras exceções, muitos dos trabalhadores em educação já estão desesperados, pensando como chegar ao final do mês, administrando os poucos reais que ainda restam do minguado salário recebido.

Se fosse fazer uma pesquisa mais concisa dos profissionais que atuam na rede pública do estado, se constataria que muitos estão com seus proventos comprometidos por cinco, dez anos, decorrentes dos inúmeros empréstimos consignados contraídos.  É essa a realidade desses/as que se dedicam parcela de tempo de suas vidas à ensinar, educar, tornar mais críticos cidadãos, sendo que muitos, quando assumem cargos importantes de decisão, como de governadores, secretários, deputados, etc, uma de suas primeiras atitudes é criar dispositivos legais para ferrar o professor.

Vou repetir mais uma vez, se os governos, assembleias legislativas municipais e estadual, imprensa e uma infinidade de entidades, impusessem ao magistério a mesma dedicação dada aos atos violentos em creches e escolas, claro que teríamos uma das categorias mais bem pagas e satisfeitas do país. Também insisto em repetir, não lembro nos meus quase quarenta anos de magistério público, tamanha dedicação dada pelo Estado às universidades do sistema ACAFE e particulares, transferindo polpudos recursos públicos para beneficiá-las. Então como comemorar o 15 de outubro diante de tantos obstáculos, tantos ataques, como ao plano de carreira, a lei do piso do magistério, ao PNE, aos aposentados, sequestrando todos os meses 14% dos seus salários, entre outras adversidades.

Pensa que acabou? Nada disso. Uma das últimas investidas do atual governo estadual foi a assinatura de um decreto no qual define as diretrizes do processo de gestão das escolas. Todos sabem que o bom funcionamento de uma escola depende do seu quadro administrativo, a começar pelo gestor/diretor. Atualmente nas escolas da rede estadual de ensino é a comunidade escolar que escolhe por meio de voto o diretor ou diretores. Esse mecanismo conhecido como gestão democrática pôs fim a décadas de interferência político partidária nas escolas. Está no decreto que só será empossado diretor se o mesmo obtiver 50% mais um dos votos de estudantes, professores e pais. O problema, no entanto, não está exatamente ai, está no dia escolhido para a votação, no domingo.

Já que o processo eleitoral é voluntário, ou seja, vota se quiser, é claro que raríssimas serão as escolas que terão quórum nesse dia. Quem acompanhou a eleição do Conselho Tutela no último dia 1 de outubro, deve ter percebido o baixo numero de eleitores que se predispuseram a sair de cada e votar. Teve municípios com Criciúma, com uma população superior a duzentos mil habitantes, cujo numero de votantes pouco superou os seis mil.

Sobre a votação de diretores, o agravante é a intenção explícita do governo do estado em acabar com a gestão democrática e abrir caminho para o retorno da politicagem nas escolas estaduais. Milhares de estudantes catarinenses residem longe das escolas, portanto, que dependem de ônibus para chegar até elas, sendo que aos domingos esse serviço é totalmente indisponível.

Fora todas as adversidades enfrentadas em suas duplas, triplas jornadas diárias, o professor ainda consegue “tirar leite de pedra”, isso mesmo, de uma frágil estrutura pedagógica supri os estudantes com informações e conhecimentos a ponto de capacitá-los à obtenção de bons resultados avaliações como o ENEM. Isso sim deve ser reverenciado, não apenas por votos de gratidão durante todo o dia quinze, mas todos os dias do ano. Se cada pai de aluno, cada cidadão catarinense, todos os dias, enchessem as redes sociais do governo do estado, dos deputados, com manifestos de apoio aos professores e repúdios aos ataques contra direitos adquiridos, certamente os votos de parabéns e gratidão nesse dia teriam outro sentido.

Prof. Jairo Cesa    

                   

sábado, 14 de outubro de 2023

 

PARA ENTENDER A COMPLEXIDADE GEOPOLÍTICA DO ORIENTE MÉDIO E OS DESDOBRAMENTOS ATUAIS

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/10/08/israel-hamas-conflito-faixa-de-gaza-segundo-dia.ghtml


Não é de hoje que as poderosas mídias coorporativas se utilizam com primazia das informações, fatos,  recortando-as e reproduzindo-as segundo interesses de quem os financia, o grande capital. A ação ocorrida em Israel no último sábado quando centenas de mísseis foram disparados da Faixa de Gaza contra o seu território, além de  ataques por terra e mar, ambos reivindicados  pelo grupo político Hamas, a imprensa ocidental mais uma vez se encarregou de construir um discurso maniqueísta, transformando  Israel em mocinho, e a Palestina no bandido.

Claro que se formos ouvir a opinião das pessoas leigas acerca do ocorrido, sem dúvida haverá um consenso, a condenação sumária do Hamas, por considerá-lo “terrorista”, e a canonização de Israel por ter sido agredido, digamos, de “surpresa”. É obvio que ninguém aqui está querendo defender as ações dos militantes Palestinos pelas dezenas, centena de mortes de civis israelenses durante as investidas dos militantes do Hamas. É inadmissível aceitar as mortes brutais de civis inocentes como de fato aconteceu. É preciso investigação e que os culpados, independente de quem o tenha cometido, seja punido com veracidade.

Após o ocorrido em Israel comecei a acompanhar os noticiários dos principais jornais, telejornais, sites,  internacionais e nacionais. O inacreditável é que todos, sem exceção, apresentam narrativas defendendo do estado israelense e a condenação  sumaria da Palestina/Hamas. O que mais se escreveu e se noticiou foi de ter havido um ataque terrorista de surpresa contra civis israelenses. Os mais atentos devem  saber que o território palestino é atacado todos os dias, principalmente a faixa de gaza, cercada e vigiada vinte quatro horas por forças israelenses. O pequeno território do tamanho de Araranguá/Distrito Federal é uma grande prisão a céu aberto.

Lembro-me de que quanto estive em Israel/Palestina em 2014, em visita  a cidade de Jericó, toda murada, guaritas com soldados israelenses  fortemente armadas, diariamente cidadãos/ãs palestinos/as são forçados/as a apresentarem documentos de identificação para entrar e sair do território. Essas  revistas diárias também acontece em Jerusalém antiga, a caminho das Esplanadas das Mesquitas, um dos locais sagrados dos muçulmanos. Nesse lugar está a AL ALQSA, considerada a terceira mesquita mais importante do islamismo. Nessa ocasião toda a região estava sob forte tensão, pois a Faixa de Gaza havia sido fortemente bombardeada pelo exército insraelense há poucos meses.

Para se ter ideia da importância desse local sagrado, para os muçulmanos a presença de qualquer autoridade ou força militar israelense nas esplanadas é interpretado como ato de profanação. Eu mesmo presenciei na época mulheres muçulmanas repudiando autoridades israelenses que transitavam pelas imediações das mesquitas. Raros foram os órgãos noticiosos ocidentais de terem abordado em seus telejornais e colunas escritas que há pouco tempo a mesquita de AL ALQSA vinha sendo alvo de profanação, além é claro o aumento da violência contra cidadãos palestinos.  Somente esse ano foi registrado quase 150 cidadãos palestinos mortos ou por forças militares ou em ataques de judeus extremistas.  

 Acordos no passado haviam sido assinados entre representantes de ambos os territórios para  que fosse respeitadas as fronteiras. Acontece que  Israel com sua determinação de querer criar um estado único vem  incentivado colonos judeus a expandirem suas áreas sobre os territórios palestinos. Muitos críticos interpretam as ações dos colonos sobre possessões palestinas como verdadeiros ataques deliberados.

Embora não vistos como atos violentos, todos os dias os palestinos estão sendo violados, negligenciados pelas potencias ocidentais, se mantendo indiferentes às atrocidades cometidas pelos  governos extremistas de Israel. Outra expressão bastante divulgada pela impressa ocidental nesses últimos dias foi a seguinte: “comunidade internacional condena os ataques terroristas do regime do Hamas a Israel”. Chegaram ao extremo de comparar o 8 de outubro, data da ação do Hamas, ao 11 de setembro, quando houve os ataques ao world traid Center em Nova York por militantes da AL QAIDA.

Também na época dos ataques as Torres Gêmeas, nos Estados Unidos, a imprensa internacional, pró ocidente,  jamais ousou em explicitar toda a complexidade geopolítica do oriente média, as incursões dos Estados Unidos e de seus aliados no Iraque, Afeganistão, Kuwait, usando como justificativa a libertação desses territórios de regimes autoritários. Na realidade o objetivo das ações era remover todos os obstáculos para ter acesso as fontes de petróleo. Todos devem se lembrar do Iraque, quando ocupado pelos americanos, cuja desculpa pela incursão era a remoção do cargo e  prisão de Saddan Rosseain  por estar escondendo um grande suprimento de  armas químicas, porém, jamais encontradas.

Claro que não há outra solução para o problema na região que não seja o reconhecimento do território palestino e o estado judeu, e que ambos possam viver em paz. Porém há problemas entre ambos os lados. Israel que desconhece a legitimidade dos palestinos sobre suas terras, e do lado Palestino, que sofreu uma fratura política entre dois grupos, o Fathar, grupo mais moderado que controla a Cisjordânia, e o Hamas, agrupamento político mais exaltado que tem jurisdição política sobre a faixa de gaza. Porém nem um nem outro tem consenso majoritário entre os palestinos, que divergem de suas estratégias em relação ao que pensam e defendem sobre os territórios.

É possível que com o recrudescimento do conflito, ambas os grupos se aproximem construindo planos conjuntos de ações de resistência. Na hipótese de sucesso de aproximação e na   ocorrência de uma possível ocupação militar israelense na faixa de gaza, a região poderá se transformar em um Vietnã, durante a sua ocupação pelos Estados Unidos.  Estou me referindo aqui o domínio americano desse território do sudeste asiático entre 1965 a 1975, cuja intenção era derrotar forças vietcongues e impor um governo pró ocidente de base capitalista.

O que não imaginavam os americanos era de o Vietnã do norte impor uma resistência brutal contras as forças invasoras, que resultou em uma retirada vaxaminosa  dos soldados e da população civil, permitindo assim a unificação definitiva do território. É possível que a Palestina passe por situação semelhante. Lembre-se que os Estados Unidos eram considerados uma das maiores potências militares da época, assim mesmo foram derrotadas pelas práticas  de guerrilhas adotadas pelos vietcongues. A construção de centenas de km de túneis e o forte conhecimento do território foram um dos motivos da derrota dos invasores.

É possível que na Faixa de Gaza ocorra o mesmo, em uma possível ocupação pelo exército israelense. Talvez pouco ajudará toda a tecnologia disponível à habilidade e astúcia das forças rebeldes e da resistência dos civis nos labirintos e ruas estreitas do pequeno território. Vivendo o cotidiano de Israel e territórios palestinos ocupados, se sabe que os israelenses vem impondo a 75 anos  verdadeiro apartheid aos cidadãos palestinos, visto como sendo mais repressivos que o da África do Sul, por quase cinqüenta anos. Há restrições até de palestinos transitarem em estradas consideradas exclusivas para cidadãos judeus. Outro caso gritante, se uma criança ou adolescente atirar pedras em soldados ou cidadãos israelenses o mesmo será julgado por uma corte militar. Agora se a ação for de uma criança ou adolescente  judaica, o julgamento será realizado por uma corte de civis.

Insisto em reafirmar, tudo que acontece na região do oriente médio não se dá de forma isolada, sempre tem  atores esternos envolvidos, Estados Unidos, União Europeia, Rússia, China, Irã, Arábia Saudita, Turquia, entre outros. O cenário atual, no entanto, é um pouco mais complexo, pois Israel conseguiu construir relações de aproximações diplomáticas com nações árabes historicamente aliados e defensores da causa palestina. Emirados Árabes Unidos foi o primeiro a reatar relações com o país judeu. Também foram reatadas relações com o Marrocos, Sudão e tratativas em curso com Arábia Saudita, que poderá melar com a incursão israelense em gaza.

Esses acordos e reativações diplomáticas têm uma explicação bem clara, enfraquecer ainda mais o projeto de estado palestino. Algo novo surge no cenário do oriente médio ultimamente, que é a presença da china mais ativa na mediação de conflitos. Claro que o que está por trás disso é todo um jogo de cena com propósito de impulsionar ainda mais seu poder comercial na região através das novas rotas comerciais batizadas de Rotas da Seda. Algo que seria inimaginável até algum tempo, tornou-se possível com a intersecção da China, que foi a reaproximação diplomática entre o Irã e a Arábia Saudita.  O governo chinês também há pouco tempo recebeu a visita do representante da autoridade Palestina, cuja discussão foi buscar soluções negociáveis à questão palestina.    Quem sabe agora com esse novo ator no cenário teremos novos desdobramentos na redução das tensões e conflitos nessa região.

Claro que não e exatamente essa a intenção do atual premiê israelense, que demonstra explicitamente sua intenção de varrer os palestinos da região. A Assembleia  Geral da ONU, do dia 22 de setembro último, cujo presidente Lula fez a abertura, o primeiro ministro reafirmou essa intenção. Durante o seu discurso mostrou um mapa do oriente médio onde não aparecia o território  palestino. As mídias corporativas ocidentais não fizeram qualquer menção ou critica ao ocorrido. Essa postura escancara sua posição de manutenção do apartheid contra o povo palestino, além de cometer vários crimes, como a violação da carta da ONU que reconhece o território palestino, bem como o acordo de OSLO, em 1993, onde foi acordada, entre outras proposições, a retirada de forças israelenses da faixa de gaza.

Prof. Jairo Cesa       

               

quarta-feira, 11 de outubro de 2023

 

FRAGMENTOS DOS DESDOBRAMENTOS DOS CONFLITOS ENVOLVENDO ISRAELENSES E PALESTINOS - TEXTO ESCRITO EM 2015


No entanto, o quadro de instabilidade política e social que se instalou tanto dentro como fora das fronteiras do território israelense deve ser analisado considerando a importância geopolítica, que desde o século XIX, é palco de ocupações e disputas, patrocinadas por grandes potências interessadas principalmente nas grandes reservas de petróleo da região. Além dos episódios que marcaram o final do século XX como as guerras do golfo, Iraque e Afeganistão, o século XXI, a região continuou sobre forte tensão social, entrando no circuito dessa vez, países como a Síria, que vive forte convulsão social, e Israel, que sob o guarda chuva protetor dos EUA continua com sua política de ocupação e extermínio dos palestinos que habitam a faixa de gaza.

O problema na faixa de gaza como nas demais cidades que juntas constituem o território palestino, os conflitos que vem se seguindo datam da segunda metade do século XIX quando os judeus espalhados pela Europa e Rússia, devido às políticas antissemitas, passaram a ocupar Israel constituindo colônias agrícolas. Antes da criação do Estado Judeu em 1947, a região esteve sob o domínio do império Otomano e britânico, isso proporcionou uma maior ou menor leva de emigrantes judeus para a região. Na época dos otomanos, território governado pelos palestinos, dos 3.177 milhões que lá chegaram apenas 60 mil foi para palestina. Realidade essa que em nada se compara à época do domínio britânico, dos 1.750 milhão que emigraram 487 mil se deslocou para palestina.

Com o fim do domínio britânico da região e com o holocausto do pós-guerra, a ONU intercedeu na região tomando partido na partilha do território, fundando o estado judeu, sem consultar a população árabe. O modo como foi dividido o território em nada agradou os palestinos que ali habitavam há séculos. A partilha favoreceu escancaradamente os judeus, com uma população muito menor que a palestina. As tensões entre os dois povos a cada dia ficavam mais violentas, cujo resultado foi a guerra dos seis dias quando Israel incorpora ao território a península do Sinai, faixa de gaza, a Cisjordânia e as colinas de Golã, que pertenciam a Síria.

Diante dessa situação vexaminosa para os palestinos, surgem movimentos tanto dentro como fora de Israel em defesa da criação do estado palestino. Dentre o mais importante foi o FATAH, partido criado pelo líder Yasser Arafat que defendia luta armada contra os israelenses. Em 1964, surgiu a OLP (Organização de Libertação da Palestina). Os impasses e as tentativas de negociações não avançavam. A situação ficou ainda pior, quando em 1982 milicianos cristãos invadiram campos de refugiados de Sabra e Chatila, matando cerca de dois mil pessoas. Segundo informações confirmadas na época, o responsável pela abertura dos campos de refugiado for Ariel Sharon, que se tornaria mais tarde primeiro ministro de israel.

Durante a década de 1990, as negociações que rumavam para um possível acordo de criação de um estado palestino, chancelado pelo presidente Ytzhak Rabin, voltaram a estaca zero quando um extremista ultradireitista judeu assassina Rabin. As revoltas de palestinos se estendem por toda parte, porém, por não possuir armamentos capazes de combater em pé de igualdade com o exército israelense, como alternativa utilizam pedras atirando-as contra os solados. Esse levante foi batizado de Intifada, sendo a primeira ocorrida em 1987.

Na época quando vinha se discutindo a possibilidade da criação de um estado palestino, na verdade, tudo não passou de um simples jogo de cena criado pelos israelenses para continuar promovendo os assentamentos. Jamais foram colocadas em prática acordos como a retirada de assentados de áreas palestinas. O que aconteceu e vem acontecendo é o aperto do cerco, com o bloqueio das estradas e a construção de enormes muros mantendo os palestinos confinados como na faixa de gaza, uma área de aproximadamente 400 km quadrados, onde cerca de dois milhões de pessoas vivem em condições subumanas. Durante quase um mês a região foi alvo de ataques aéreos israelenses, matando cerca de duas mil pessoas, na maioria crianças, cujo objetivo de destruir lideranças pertencentes ao grupo armado Hamas, pró-estado palestino independente. 

A Síria é também outro país que como Israel sempre esteve envolto em disputas internas ou de potencias econômicas. A partir do início do século XX quando o império otomano perdeu sua hegemonia sobre a região, a chancela de divisão dos territórios antes dominados ficou entre Inglaterra e França. A França passou a tutelar a Síria e o Líbano desconsiderando aspectos importantes desses dois países como suas histórias e culturas. Em 1946, finalmente a Síria conquista sua independência, porém, continuou envolvida em guerras contra seus vizinhos, pois sua intenção era conquistar a supremacia da região, num momento que a região estava sendo alvo de influência das duas superpotências EUA e URSS interessadas nas grandes reservas de petróleo da região.

As tensões aumentaram ainda mais quando na guerra dos sete dias Israel anexa ao seu território as colinas de Golã. No entanto tais ofensivas israelenses na região eram respaldadas pelos EUA, que naquele momento mantinham uma política de amizade com o Irã. Com a revolução cultural iraniana, e a deposição do governo pró-EUA, o tabuleiro geopolítico da região muda completamente, a Síria passa a receber apoio dos países que se opõem aos EUA - pró-Israel, como Rússia, Irã, e hoje, a própria China.   

Em 1963 o partido Baath de tendência socialista conquista o poder na Síria contribuindo ainda mais para uma aproximação com os soviéticos. Oito anos depois da criação do partido, o poder político na Síria é conquistado por Hafez Al Hassad, pai do atual presidente Bashar Al Hassad. O governo de Hafez já começou conturbado quando instalou um governo cujos postos administrativos passou a ser controlados por representantes da minoria Xiita, 10% da população Síria. Além da aproximação com o Irã, procurou estreitar os laços políticos com o Hezbollah, grupo armado do sul do Líbano, que faz oposição a Israel. A partir de 2001, com os atentados das Torres Gêmeas, o panorama geopolítico do oriente médio muda radicalmente. Os EUA lançam uma ofensiva contra os países ditos pertencentes ao eixo do mal, ficando de fora a Síria.

Com a primavera árabe que alterou os regimes de países como Tunísia, Egito, entre outros, a esperança agora das potências era fazer com que a revolução atingisse outras monarquias como a da Síria, acreditando que com a queda de Bashar Al Assad, poderia enfraquecer o regime iraniano, mantendo-o isolado.  A tentativa de derrubar Al Assad do poder se manteve mediante disponibilização de recursos e armamentos para as milícias contrárias ao governo que vem se defrontando com as forças do governo.

Uma possível intervenção armada na Síria já foi descartada com o veto da Rússia e da China no conselho de segurança da ONU. A própria China vem se eximindo de lançar apoio aos movimentos contras às monarquias, pois pode incitar reações da população chinesa contra o próprio regime. Atacar militarmente a Síria, como se pretende, poderá resultar no apoio iraniano, russo e Chinês à AL Assad, bem como expandir o conflito para a Turquia e Israel contando com o apoio do Hezbollah. 

Prof. Jairo Cesa

 

sábado, 7 de outubro de 2023

 

AGROECOLOGIA NÃO É POP, MAS É QUASE TUDO, É O QUE GARANTE A SOBREVIVÊNCIA DO PLANETA

https://fld.com.br/todas/2021/agroecologiacaminho/


Há poucos dias um jornal de circulação regional trouxe a seguinte manchete de capa, destacada com letras em negrito: Agronegócio forte e em crescimento põe o Sul catarinense em destaque. Até ai nada a contestar, porém, o que causou certo desconforto foi o fato de que acima da manchete estar destacado, em tamanho ampliado, a imagem de um produtor agroecológico, reconhecido como um sistema produtivo oposto ao modelo convencional, destacado no jornal.

A crítica se faz pelo fato não se poder colocar no mesmo cenário agronegócio e agroecologia, pois ambos são movidos por princípios e metodologias distintas, ou seja, enquanto o primeiro o foco é o mercado, o lucro, o segundo, preza pela ressignificação da relação entre sujeitos e tudo que compõe o ambiente natural, o solo, a biótica, as plantas, os elementos místicos, etc.

É importante aqui destacar que a região sul de Santa Catarina vem se destacando no estado como um dos principais polos na agroecologia, e pouca gente sabe disso. Atualmente são cerca cinco mil famílias, que somam mais ou mesmo quinze mil pessoas que sobrevivem diretamente dessa atividade autossustentável. São famílias que cultivam uma diversidade de produtos, comercializados em supermercados e feiras da região. Muitos dos legumes, verduras e frutas que alimentam as crianças e adolescentes das creches e escolas da região sul são advindas desses produtores.

Do mesmo modo que os produtores convencionais se utilizam das cooperativas para comercializar o que plantam, a agroecologia também tem as suas. E importante destacar que para ser considerado um produtor agroecológico é necessário cumprir requisitos obrigatórios, que geralmente um longo tempo de transição até estar qualificado e certificação. No sul do Brasil a Rede ECOVIDA é a entidade responsável pela gestão das famílias envolvidas nesse modelo alternativo de produção. A diferença é que o processo de gestão da mesma é participativo, ou seja, cada membro que integra o grupo ou núcleo de produtores é corresponsável por si e pelos demais. Há, portanto, uma relação de confiabilidade intrínseca entre ambos, pois qualquer um que venha infringir as regras comprometerá a complexa rede.

Infelizmente para se alcançar o difícil grau de produtor agroecológico existe inúmeras barreiras a serem enfrentadas, muitas das quais impostas pelo próprio sistema convencional que adotam sementes transgênicas, insumos químicos, agrotóxicos, monopolizados por poderosas corporações transnacionais. Se observarmos o programa do atual governo estadual para essa área, vamos notar um enorme apagão, dando a entender à população que esse sistema é inexistente. Mas não é, é bem relevante e cuja existência e permanência se devem a perseverança dessas aguerridas famílias e de um segmento importante de técnicos da EPAGRI, que quase se despem do seu vínculo estatal em prol da causa agroecológica.

Quando alguém vai à feira de produtores familiares ou no próprio supermercado e compra frutas, legumes, hortaliças em embalagens com a estampa da rede ECOVIDA deve saber que aquele produto passou por um rigoroso controle de inspeção. Falo isso porque me incluo nessa rede há três anos, porém ainda não certificado por estar no processo de transição. Uma das grandes dificuldades enfrentadas por quem atua nesse segmento não convencional são os riscos de contaminação pela deriva de agrotóxicos e transgênicos. Frente a isso os produtores concentram muito tempo e esforço criando barreiras naturais para evitar o contágio com espécies convencionais.

Pense, qualquer vestígio de contaminação num produto comercializado como agroecológico, o produtor é penalizado com a perda da certificação, sendo que toda a rede é impactada. Isso não acontece com culturas convencionais. Ninguém vai questionar se o milho, feijão, arroz, hortaliças, comprado no mercado, se tem ou não resíduos de agrotóxicos. É injusto o agricultor que preza pela qualidade do alimento, pela proteção dos solos, florestas, água, animais, ter que se dispor a erguer barreiras para que o vizinho não contamine seu sítio, chácara. É exatamente isso o que acontece atualmente.

O importante aqui é que todas as demandas e dificuldades envolvendo a agroecologia e produção orgânica são discutidas nos pequenos grupos de produtores, que por sua vez são levadas aos núcleos. No último dia 03 de outubro o município de Maracajá/SC recebeu membros do núcleo agroecológico SerraMar, cuja área de extensão vai de Garopaba a Içara, composto por aproximadamente cinquenta famílias. Portanto, de Florianópolis a Passo de Torres, no extremo sul do estado, existe três núcleos organizados e dezenas de grupos totalizando mais ou menos cinco mil famílias.

Perceberam a complexidade desse segmento econômico na região, que de hipótese alguma pode ser confundido com o sistema produtivo convencional, primado na lógica do mercado. Surpreende o fato de, no Maracajá, se o encontro fosse para reunir produtores der matriz convencional, arroz, fumo, milho, soja, etc, não há dúvida que as mídias locais estariam lá dando o máximo de cobertura, não é mesmo? Já que o assunto é agroecologia, que confronta com o agro, que diz ser tudo, o que se faz é silenciar, como se não existisse de fato.

O que se vislumbra no horizonte é um cenário um tanto otimista para quem se dedica a essa atividade. No dia 28 de junho de 2023, o presidente Lula reeditou o decreto 7.798/2012, que regulamente a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO). A ideia é construir uma política nacional para esse setor visando o desenvolvimento sustentável, bem como melhorar a qualidade de vida da população. É bom que se diga que esse plano foi completamente apagado no governo anterior. Representantes da sociedade civil e do governo vão se reunir para a elaboração ou revisão do plano para a sua aplicabilidade a partir de 2024, com duração de três anos, ou seja, até 2027.

Prof. Jairo Cesa