sexta-feira, 27 de outubro de 2023

 

PLANO DE ADAPTAÇÃO CLIMÁTICA TERÁ DE SER REALIDADE EM TODOS OS MUNICÍPIOS BRASILEIROS

https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/climaozoniodesertificacao/plano-nacional-de-adaptacao



Outubro de 2023 será lembrado no sul do Brasil como um mês atípico, por confirmar o que alertavam climatologistas e demais estudiosos do tempo, de que o clima da terra estava no seu limite de exaustão e que colapsaria a qualquer momento. As elevadas temperaturas recordes no verão do hemisfério norte, combinadas com os catastróficos incêndios foram dos primeiros indícios de que o planeta clamava por mais atenção. No inverno do hemisfério sul muitas regiões e cidades, principalmente as situadas nas faixas litorâneas sul, sudeste e nordeste sofreram com enxurradas, deslizamentos e dezenas de pessoas mortas e desaparecidas. Foi só iniciar a primavera no hemisfério sul que os efeitos do aquecimento global, associado ao fenômeno EL NINO, dessa vez mais forte, que o sul do Brasil por pouco não virou terra arrasada devido às incidências de ciclones extratropicais com elevados graus de letalidade.  

Os meses de agosto e setembro, no estado do RS, cidades por pouco não foram literalmente riscadas do mapa devido às fortes enxurradas e deslizamentos. Mais de uma centena de pessoas perderam suas vidas, soterradas ou afogadas pela força das águas. Além de perdas humanas o estado deve ter contabilizado prejuízos financeiros milionários, decorrente da destruição de grande parte de sua infraestrutura urbana e rural. Claro que foram inúmeros os alertas divulgados de que importantes bacias do RS  teriam índices pluviométricos recordes e que causariam transtornos sem precedentes à milhares de pessoas. Há informações fidedignas que muitas autoridades do estado gaúcho não deram atenção devida aos inúmeros boletins meteorológicos emitidos pelos órgãos que monitoram o tempo.

Aqueles que acreditaram que a tragédia climática anunciada ficaria restrita apenas ao RS, devem ter ficado embasbacados quando passaram ouvir e assistir os meteorologistas emitindo boletins frequentes prevendo situação semelhante para o estado catarinense. Na “mosca”. Foi só começar o mês de outubro, por mais de dez dias todas as regiões passaram por um pesadelo climático que certamente vai ser lembrado pelas próximas décadas. Chuvas torrenciais com enchentes, deslizamentos e mortes humanas nos quatro cantos do estado, sendo, portanto, o Alto Vale do Rio do Sul, o mais afetado, com destaques aos municípios de Taió e Rio do Sul, ambos decretando estado de calamidade pública. Foram mais de 150 de um total de 295, que decretaram situação de emergência.

O sul do estado também foi seriamente assolado pelas chuvas torrenciais, que também causaram prejuízos milionários em infraestrutura e na agricultura. O que é importante destacar nesses episódios extremos do tempo é que os planos diretores de todos os municípios terão que passar por transformações profundas principalmente no que se refere aos seus sistemas de drenagens e áreas de ocupações. Também deve ser enfatizado aqui o aspecto agrário, a monocultura, por exemplo, que pode ter causa e efeito em todo esse desarranjo macro e microclimático. A progressiva supressão de florestas, como o bioma da Mata Atlântica, para projetos agropecuários e imobiliários, vem resultando em passivos ambientais de proporções gigantescas.  

São as áreas da faixa costeira do estado que tiveram as maiores perdas de cobertura florestal, sendo, portanto, as mais afetadas e impactadas pelas chuvas cada vez mais frequentes, duradouras e violentas. Muitos municípios catarinenses aproveitaram a situação de estado de emergência decretado pelo governo para, literalmente, “passar a boiada”, descumprindo regras ambientais em obras de infraestrutura para minimizar impactos provocados pelas chuvas.

Um dos municípios que possivelmente aproveitou essa brecha legal foi Araranguá com a abertura de canais para o escoamento da água na parte baixa do balneário Morro dos Conventos. Em 2016 essa parte sensível do balneário foi transformada em APA (Área de Proteção Ambiental), devido a sua peculiaridade geográfica e ambiental. Entretanto em 2021, a administração pública suprimiu o decreto que criou a APA, abrindo a “porteira” para o avanço imobiliário. As últimas chuvas que precipitaram sobre o município e o balneário, em especial, deixaram mostras claras que é necessário repensar com atenção as políticas de ocupação daquele frágil ecossistema.

A abertura de uma grande vala para o escoamento da água sobre dunas fixas no lado sul do balneário é um prenuncio de que toda aquela complexa área poderá vir a ser ocupada por residências e condomínios. A não existência de um sistema de tratamento do esgoto, agravado pela superficialidade do lençol freático faz do local um dos mais sensíveis a degradação ambiental no sul do estado de Santa Catarina.

A ligação através de Rua do Paiquere/Balneário Morro dos Conventos comprova o que ambientalistas e moradores presumiam, que a intenção da mesma é também agilizar a expansão imobiliária sobre um complexo de dunas e vegetação de restinga em todo o entorno. O que assusta é o fato de haver tanta aberração por parte do poder público, porém sem qualquer manifestação contrária ou críticas por parte das autoridades, da imprensa e demais segmentos sociais. O sentimento é de que há um explícito consenso coletivo, forjado para dar vazão às políticas de “execuções de obras”, muitas das quais, acredita-se, a revelia das normatizações ambientais.

Em 2018 o poder público de Araranguá realizou obra de drenagem pluvial em área APA no Morro dos Conventos sem licenciamento ambiental. A ação foi passiva de embargo por parte da Policia Ambiental. Agora, a atual administração realizou drenagem nesse mesmo traçado, iniciando nas proximidades do campinho de futebol, indo em direção a foz do córrego que desaguava o antigo “lago do frango”. O estrago praticado pela draga foi infinitamente superior de 2018, porém, não houve nenhuma interferência dos órgãos ambientais, responsabilizando o poder público por crime ambiental. A pergunta é, será que todas essas ações se devem ao fato de o governo do estado ter decretado situação de emergência e que também incluiu Araranguá entre os municípios impactados pelas chuvas? 

 

Foto - Jairo

O que ficou explicito nessas últimas chuvas foi à fragilidade do solo que rapidamente fez extravasar os lençóis freáticos, que são extremamente superficiais mesmo em épocas de chuvas normais.   Se precipitações semelhantes a do mês de outubro de 2023 vier a ocorrer nos meses de janeiro, fevereiro, períodos em que o balneário recebe enorme fluxo de veranistas e turistas, não há dúvida que toda a orla será seriamente impactada pelos esgotos das fossas que irão extravasar. Repito, sem a instalação de um sistema de tratamento dos esgotos, tanto parte baixa como da de cima do balneário, não será conveniente ao poder público e ao órgão ambiental municipal liberar novos licenciamentos para residências e loteamentos em ambos os espaços.

Muitos moradores daquele bairro, parte alta, por exemplo, devem ter ficado perplexos quando perceberam que suas ruas e residências estavam tomadas pelas águas da chuva, realidade que os moradores mais antigos não devem se lembrar de ter ocorrido no passado. Acontece que quando as ruas foram pavimentadas, com lajotas, não houve por parte do poder público, a inserção no projeto de tubulações para o esgotamento pluvial. Se existe alguma canalização já mostra ser ineficiente e precária. Atualmente toda a água acumulada no bairro e do entorno tem como destino o manancial hídrico que abastece o bairro. Por não existir sistema de tratamento do esgoto, os resíduos das fossas se misturam com a água da chuva e escoam em direção ao lago dourado.

Foto - Jairo


Fica a sensação que as técnicas aprendidas pelos engenheiros e outros profissionais nas universidades não estão sendo suficientes para vencer a fúria do tempo. Há casos de obras realizadas e refeitas por duas, três ou mais vezes, pois são repetidamente impactadas pela força das águas. Mais uma vez o Morro dos Conventos serve de exemplo de obras mal sucedidas. Entre o farol e as proximidades do hotel, vem sendo realizada obra de pavimentação do passeio público, com tijolos de cimento. Os trabalhadores já proferiram dois ou três reparos do calçamento do passeio e da própria rua, parcialmente danificadas pelas chuvas. Dessa vez, depois das últimas chuvas, decidiram fazer na lateral do passeio uma minúscula calha, com o cimento.

Foto - Jairo


Até mesmo uma criança sabe que essa medida não resolverá o problema, que é dinheiro jogado fora. Situação semelhante acontece na Rua Aparados da Serra. São incontáveis o número caçambas com pedras já despejadas nessa rua. A cada chuva, um pouquinho mais forte, tudo desce, ficando as pedras depositadas em toda a extensão da rua, trazendo também transtornos. Tanto a Aparados da Serra quanto na Rua Criciúma, essa última que vai até ao farol, somente com a instalação de tubulações pluviais é que poderá minimizar os repetidos impactos e prejuízos financeiros aos cofres públicos do município. A pergunta é, por que não fazem, por que tanta resistência?

Como já havia mencionado em outros textos postados nesse blog, todos os municípios brasileiros deverão rediscutir os planos diretores levando em consideração os aspectos relativos às mudanças climáticas em curso. Essas ações são respaldadas por legislações e resoluções nacionais, dentre elas a Lei n. 12.187/2009 que criou a política nacional sobre mudanças no clima. Entre as diretrizes elencadas no plano, cabe destacar o art. 5°, V, onde salienta o estímulo e o apoio à participação dos governos federal, estadual, distrital e municipal, assim como do setor produtivo, do meio acadêmico e da sociedade civil organizada, no desenvolvimento e na execução de políticas, planos, programas e ações relacionados à mudança do clima.

Além dessa legislação, entre 2013 a 2016 foi construído o Plano Nacional de adaptação climática. É um documento robusto onde constam todos os passos a serem seguidos pelo governo federal, estados e municípios na promoção de gestão e redução do risco climático, bem como construir instrumentos que permitam adaptações dos sistemas naturais, humanos, produtivos e de infraestruturas. Como no Brasil o que mais se tem são leis, sendo que muitas delas são negligenciadas, a exemplo da lei de mudanças climáticas. Desde a criação da lei em 2009, raros são os municípios brasileiros que executaram seus programas de adaptações climáticas.

Parece que quinze anos depois da criação da lei finalmente o congresso nacional tomou a decisão de estabelecer diretrizes com vistas a dar celeridade ao plano para que de fato possa ser aplicado nos estados e municípios brasileiros. Foi em 2021 que veio a proposta de diretrizes por meio de uma PL de n. 4129/2021, de iniciativa da Deputada Federal Tábata Amaral, do PSB/SP.  Depois de aprovada na câmara, a referida lei foi encaminhada para o senado, que continua estagnada na comissão de meio ambiente da casa. Havia a proposta de realização de três audiências públicas para discutir o assunto, tendo a primeira audiência marcada para o dia 06 de junho de 2023, porém, cancelada e sem data marcada para realização.

No inicio do ano foi proposto à criação de um novo plano de adaptação climática por meio de um comitê interministerial, constituído por 19 ministérios. Passado nove meses, somente agora se reuniram quatro ministérios, claro que somente aqueles que já têm compreensão histórico com os problemas que assolaram o Brasil. Agora, fazer uma reunião tão importante sem a presença de ministérios como da agricultura, da fazenda, minas e energia e casa civil, entre outros, é o mesmo que não fazer.

Toda essa passividade, demora de estruturar um plano de adaptação com o mínimo de aplicabilidade resulta o que estamos acompanhando atônitos nos últimos meses, semanas, onde dezenas, centenas de pessoas perderam as vidas devido aos episódios extremos do clima. Sem contabilizar as dezenas de milhares que tiveram suas vidas totalmente desestruturadas. De acordo com o Banco Mundial, de 1995 a 2021, os prejuízos relacionados aos fatores climáticos no Brasil somaram quase 550 bilhões de reais. Se políticas de adaptações já estivessem sendo aplicadas em todos os municípios brasileiros, o número de mortes resultantes das enxurradas, deslizamentos, etc, talvez não tivessem zerado, mas certamente seria muito menor do que o ocorrido.

Prof. Jairo Cesa   

 

https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/ecossistemas-1/biomas/arquivos-biomas/plano-nacional-de-adaptacao-a-mudanca-do-clima-pna-vol-i.pdf

https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2009/lei-12187-29-dezembro-2009-599441-norma-pl.html

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/06/13/cma-debate-normas-para-governos-adaptarem-planos-as-mudancas-climaticas?_gl=1*2j5p6o*_ga*NjUxNTc0NjgxLjE2OTgyODAwMzI.*_ga_CW3ZH25XMK*MTY5ODI4MDAzMi4xLjEuMTY5ODI4MDA1MC4wLjAuMA..

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/06/15/cancelada-reuniao-da-cma-sobre-mudancas-climaticas

https://apublica.org/2023/09/mortes-por-eventos-extremos-se-acumulam-na-falta-de-um-plano-de-adaptacao-no-pais/

 

                    

 

     

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