sábado, 7 de outubro de 2023

 

AGROECOLOGIA NÃO É POP, MAS É QUASE TUDO, É O QUE GARANTE A SOBREVIVÊNCIA DO PLANETA

https://fld.com.br/todas/2021/agroecologiacaminho/


Há poucos dias um jornal de circulação regional trouxe a seguinte manchete de capa, destacada com letras em negrito: Agronegócio forte e em crescimento põe o Sul catarinense em destaque. Até ai nada a contestar, porém, o que causou certo desconforto foi o fato de que acima da manchete estar destacado, em tamanho ampliado, a imagem de um produtor agroecológico, reconhecido como um sistema produtivo oposto ao modelo convencional, destacado no jornal.

A crítica se faz pelo fato não se poder colocar no mesmo cenário agronegócio e agroecologia, pois ambos são movidos por princípios e metodologias distintas, ou seja, enquanto o primeiro o foco é o mercado, o lucro, o segundo, preza pela ressignificação da relação entre sujeitos e tudo que compõe o ambiente natural, o solo, a biótica, as plantas, os elementos místicos, etc.

É importante aqui destacar que a região sul de Santa Catarina vem se destacando no estado como um dos principais polos na agroecologia, e pouca gente sabe disso. Atualmente são cerca cinco mil famílias, que somam mais ou mesmo quinze mil pessoas que sobrevivem diretamente dessa atividade autossustentável. São famílias que cultivam uma diversidade de produtos, comercializados em supermercados e feiras da região. Muitos dos legumes, verduras e frutas que alimentam as crianças e adolescentes das creches e escolas da região sul são advindas desses produtores.

Do mesmo modo que os produtores convencionais se utilizam das cooperativas para comercializar o que plantam, a agroecologia também tem as suas. E importante destacar que para ser considerado um produtor agroecológico é necessário cumprir requisitos obrigatórios, que geralmente um longo tempo de transição até estar qualificado e certificação. No sul do Brasil a Rede ECOVIDA é a entidade responsável pela gestão das famílias envolvidas nesse modelo alternativo de produção. A diferença é que o processo de gestão da mesma é participativo, ou seja, cada membro que integra o grupo ou núcleo de produtores é corresponsável por si e pelos demais. Há, portanto, uma relação de confiabilidade intrínseca entre ambos, pois qualquer um que venha infringir as regras comprometerá a complexa rede.

Infelizmente para se alcançar o difícil grau de produtor agroecológico existe inúmeras barreiras a serem enfrentadas, muitas das quais impostas pelo próprio sistema convencional que adotam sementes transgênicas, insumos químicos, agrotóxicos, monopolizados por poderosas corporações transnacionais. Se observarmos o programa do atual governo estadual para essa área, vamos notar um enorme apagão, dando a entender à população que esse sistema é inexistente. Mas não é, é bem relevante e cuja existência e permanência se devem a perseverança dessas aguerridas famílias e de um segmento importante de técnicos da EPAGRI, que quase se despem do seu vínculo estatal em prol da causa agroecológica.

Quando alguém vai à feira de produtores familiares ou no próprio supermercado e compra frutas, legumes, hortaliças em embalagens com a estampa da rede ECOVIDA deve saber que aquele produto passou por um rigoroso controle de inspeção. Falo isso porque me incluo nessa rede há três anos, porém ainda não certificado por estar no processo de transição. Uma das grandes dificuldades enfrentadas por quem atua nesse segmento não convencional são os riscos de contaminação pela deriva de agrotóxicos e transgênicos. Frente a isso os produtores concentram muito tempo e esforço criando barreiras naturais para evitar o contágio com espécies convencionais.

Pense, qualquer vestígio de contaminação num produto comercializado como agroecológico, o produtor é penalizado com a perda da certificação, sendo que toda a rede é impactada. Isso não acontece com culturas convencionais. Ninguém vai questionar se o milho, feijão, arroz, hortaliças, comprado no mercado, se tem ou não resíduos de agrotóxicos. É injusto o agricultor que preza pela qualidade do alimento, pela proteção dos solos, florestas, água, animais, ter que se dispor a erguer barreiras para que o vizinho não contamine seu sítio, chácara. É exatamente isso o que acontece atualmente.

O importante aqui é que todas as demandas e dificuldades envolvendo a agroecologia e produção orgânica são discutidas nos pequenos grupos de produtores, que por sua vez são levadas aos núcleos. No último dia 03 de outubro o município de Maracajá/SC recebeu membros do núcleo agroecológico SerraMar, cuja área de extensão vai de Garopaba a Içara, composto por aproximadamente cinquenta famílias. Portanto, de Florianópolis a Passo de Torres, no extremo sul do estado, existe três núcleos organizados e dezenas de grupos totalizando mais ou menos cinco mil famílias.

Perceberam a complexidade desse segmento econômico na região, que de hipótese alguma pode ser confundido com o sistema produtivo convencional, primado na lógica do mercado. Surpreende o fato de, no Maracajá, se o encontro fosse para reunir produtores der matriz convencional, arroz, fumo, milho, soja, etc, não há dúvida que as mídias locais estariam lá dando o máximo de cobertura, não é mesmo? Já que o assunto é agroecologia, que confronta com o agro, que diz ser tudo, o que se faz é silenciar, como se não existisse de fato.

O que se vislumbra no horizonte é um cenário um tanto otimista para quem se dedica a essa atividade. No dia 28 de junho de 2023, o presidente Lula reeditou o decreto 7.798/2012, que regulamente a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO). A ideia é construir uma política nacional para esse setor visando o desenvolvimento sustentável, bem como melhorar a qualidade de vida da população. É bom que se diga que esse plano foi completamente apagado no governo anterior. Representantes da sociedade civil e do governo vão se reunir para a elaboração ou revisão do plano para a sua aplicabilidade a partir de 2024, com duração de três anos, ou seja, até 2027.

Prof. Jairo Cesa          

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