domingo, 29 de abril de 2018


REGATA VOLVO OCEAN RACE, EM ITAJAÍ, E A ASSINATURA DA CARTA COMPROMISSO, MARES LIMPOS


Tive a feliz oportunidade de visitar o município de Itajaí quando da realização da primeira edição no território catarinense da regata Volvo Ocean Race, em 2012, considerada a fórmula um dos mares.  Cinco anos depois, o estado novamente é contemplado com mais uma etapa da edição, sendo outra vez o município Itajaí escolhido como sede, reunindo milhares de pessoas do Brasil e do exterior. Diferente das edições anteriores, a regata 2018, chamou a atenção por um aspecto peculiar, que talvez, tenha sido fator decisivo por atrair maior público que as edições anteriores. Estamos nos referindo ao barco da equipe Turn The Tide on Plastic, patrocinada por uma Organização Não Governamental Ambiental Portuguesa, Mirpuri Fundation,[1] que participa da regata com objetivo de promover campanha despertando a atenção da população e das autoridades acerca dos impactos provocados pelos plásticos nos oceanos.
Quem tem o hábito de frequentar as praias durante o verão, já deve ter constatado a grande quantidade de resíduos  plásticos, vidros, metais, entre outros rejeitos, espalhados pela orla. Com a elevação da maré todo esse material é transportado e depositado nos fundos dos oceanos causando impactos irreversíveis as frágeis cadeias de  ecossistemas. Embora campanhas de limpeza das praias sejam realizadas por ONGs e voluntários, não são suficientes para frear  o enorme descarte de lixo ano após ano.  Quase todos comungam com a mesma opinião de que campanhas de sensibilização não são suficientes para combater essa terrível “praga” que está transformando o planeta (oceanos e continentes) em um grande lixão a céu aberto.
Durante as três semanas, período em que as embarcações da regata ficaram estacionadas no porto de Itajaí,  dentre as atividades realizadas e que despertaram a atenção do público, foi o seminário técnico-científico “o futuro dos oceanos”. Por não ter  participado do evento e acompanhado de perto as explanações dos inúmeros palestrantes representando diferentes organizações governamentais e do terceiro setor, muito do que está escrito nesse artigo são informações obtidas por meio do blog foro de itajai e outros sites importantes como o da ONU-BR (ONU Brasil Ambiental).
Segundo o que está descrito no relatório do foro, todos os palestrantes discorreram sobre o envolvimento das entidades que representam na luta pela proteção do planeta.  Além da presença de integrantes do governo federal (Ministério do Meio Ambiente), Ministério Público Federal e do terceiro setor, todos expondo os problemas do lixo e destacando iniciativas para reduzir os impactos ao ambiente, chamou a atenção o que disse o membro da ONU - Meio Ambiente Brasil, afirmando que o governo Brasileiro havia lançado em setembro de 2017 a Campanha Mares Limpos.[2]
Sobre a campanha, é de se presumir que poucos/as brasileiros/as, exceto integrantes do MMA (Ministério do Meio Ambiente), devem ter informações mais detalhadas da mesma. Acessando o site ONU-BR encontrei outras informações sobre o tema oceano, contendo informações sobre eventos importantes já ocorridos e programados; acordos assinados e participação do governo brasileiro em campanhas de combate a degradação da sua costa marítima com descarte de plástico. A decisão do Brasil de aderir a campanha mares limpos aconteceu em reunião de Cúpula da ONU, em 2017, em Nova Iorque.
Em Nova Iorque, o Ministro do Meio Ambiente se comprometeu  junto com os demais participantes em criar plano de combate ao lixo do mar, como também formalizar a criação do santuário das baleias do atlântico sul e de áreas protegidas marinhas.   Talvez poucos brasileiros também saibam que em fevereiro de 2017, ocorreu em Bali, a conferência mundial sobre os oceanos. Que no encontro foram deliberadas ações emergenciais para minimizar os impactos negativos gerados pelos plásticos nos oceanos. Dentre as várias iniciativas elencadas, se destacaram a políticas de  redução de plásticos; minimizar ao máximo a fabricação de embalagens plásticos por parte das indústrias e mudanças de hábitos de consumo.[3]
No Brasil essa campanha foi lançada em junho de 2017. Se o plano nacional de saneamento básico, lançado em 2007 a lei sobre resíduos sólidos, em 2010, ambos continuam anos luz para se tornar uma realidade em todo território nacional, imaginemos propostas como essas de combate uso de plásticos, num cenário político tão conturbado, de políticos corruptos, de fragilidades expostas em todos os setores da sociedade. Um exemple de iniciativa interessante que poderia ser adotada no Brasil, foi implantada no Chile, onde o governo federal sancionou legislação banindo sacolas plásticas em  cidades costeiras.[4]
A expectativa agora é que o evento realizado em Itajaí possa despertar mais interesses da sociedade brasileira acerca do problema dos plásticos e outros detritos descartados nos oceanos.  A cidade de Itajaí saiu na frente das demais, se tornando a primeira a redigir carta compromisso, mares limpos. O documento discorre sobre inúmeras ações que o município deve desenvolver em parceria com os demais municípios vizinhos, elaborando leis, promoção de seminários, palestras, atividades de sensibilização ambiental. A intenção é que tudo isso contribua para mudanças de comportamentos e atitudes sobre o manejo de ecossistemas e consumo saudável, excluindo sacolas plásticas.   
O prefeito do município de Itajaí mostrou ser um dos grandes entusiastas da carta compromisso. Em entrevista proferida em uma das rádios do município de Araranguá, relatou a importância de ter sido escolho Itajaí para sediar uma das etapas da regata oceânica volta o mundo, que além de fomentar a economia da região, deixou um grande legado cultural e ambiental.
Mas nem tudo são rosas como mostrou o prefeito no seu discurso, pintando um cenário um tanto romantizado do município, e do seu desejo torná-lo referência em políticas ambientais sustentáveis para o restante do país. A provável impressão que levaram consigo os integrantes das equipes e da organização do evento, foi de que tudo que foi dito e está descrito na carta serão cumpridas. No blog foro de Itajaí, num dos parágrafos está escrito que o governo brasileiro vem desrespeitando tratados internacionais sobre vários temas, que no  município de Itajaí não é diferente. Recentemente foram realizadas alterações de dispositivos do plano diretor para  permitir a construção de condomínios de grande porte em locais não permitidos.
São esses episódios negativos que, talvez, os organizadores do evento não ficaram sabendo. Até que ponto uma carta compromisso de tamanha importância e complexidade que é a sua execução, seja realmente cumprida, se questões legais elementares no município são violadas a bel prazer de grupos poderosos que ditam as regras do jogo do tabuleiro político local e estadual?
Prof. Jairo Cezar    
           


[1] http://mirpurifoundation.org/mirpuri-news/volvo-ocean-race-2017-18/turn-the-tide-on-plastic-out-of-itajai-to-newport/ 

[2] http://forodeitajai.org.br/itajai-assina-a-carta-de-compromisso-mares-limpos-da-onu-meio-ambiente/
[3] http://www.ecodesenvolvimento.org/posts/2017/posts/brasil-adere-a-campanha-mares-limpos-da-onu-meio?tag=economia-e-politica
[4] https://nacoesunidas.org/governo-brasileiro-adere-a-campanha-mares-limpos-da-onu-meio-ambiente/


quinta-feira, 26 de abril de 2018


A REFORMA DO ENSINO MÉDIO É UM ATAQUE FRONTAL AO CURRÍCULO, A DEMOCRATIZAÇÃO DO CONHECIMENTO


Atualmente não tenho dúvidas que a decisão por mim tomada há mais de trinta anos em escolher história como carreira docente, teve como motivação as aulas de sociologia oferecidas no terceiro ano do ensino médio.  Seguramente o processo de maturação, criticidade e compreensão dos fenômenos sociais, poderia ter se processado mais precocemente, se no ensino infantil e fundamental o currículo tivesse sido incluídas as disciplinas de sociologia e filosofia. Terminando a universidade e de imediato ingressando como docente na rede pública estadual, todos os finais de bimestres ou ano letivo, parcela expressiva dos/as professores/as compartilhavam da mesma opinião, afirmando que as dificuldades dos/as estudantes na análise crítica dos episódios históricos, bem como interpretação dos conceitos matemáticos, físicos e químicos, se deviam a ausência das disciplinas sociologia e filosofia nas primeiras fases do processo educativo.
Com a inclusão dessas respectivas áreas do conhecimento no currículo do ensino médio, que se deu em 2009, houve mudanças significativas no processo comportamental e social do estudante, porém, os resultados no campo avaliativo global das instituições não demonstraram ser tão contundentes, pelo fato do modelo pedagógico permanecer impregnado de vícios históricos. Os maus resultados, porém, não devem ser atribuídos aos profissionais ou as instituições de ensino, como insistem apregoar os governos e as mídias conservadoras atreladas aos detentores do poder.
Infelizmente quando é pensado e montado um currículo, seus mentores costumeiramente dão mais ênfase a certas disciplinas que outras, contendo cargas horárias maiores. Esse fracionamento desigual e discriminatório corrobora para o desencadeamento de atritos e tensões entre os profissionais.   Em sociedades repressoras excludentes como a brasileira, a construção do currículo segue sempre um viés funcional anti-rupturas. A construção de cidadãos/ãs críticos e comprometidos com a transformação social são prerrogativas que embora estejam inseridas nos PPPS e Propostas Curriculares, se configuram como conceitos vazios frente ao modelo tradicional de educação que insiste permanecer.
É claro que a sociologia e a filosofia têm as suas próprias epistemologias, pautadas em metodologias de desconstrução de praticas burgueses de dominação e controle social. A escola deve ser concebida como estrutura que converge todas as manifestações e tensões sociais.  Não há como impedir ou achar que construindo enormes muros ou instalando câmaras de vigilância, torne as escolas protegidas da violência, das injustiças que contaminam todo cenário nacional.   Não devemos ser ingênuos ao ponto de acreditar que a sociologia, matemática, biologia, física, etc., são áreas do saber neutras dentro de qualquer contexto político social. A própria neutralidade no campo pedagógico já tende a se caracterizar como um ato político, a favor ou contra o modelo vigente estrutura.
Aqui está, talvez, um dos tantos motivos que estão despertando a ira de movimentos políticos conservadores como o arque-conservador “Escola Sem Partido”, que, insistentemente, vem pressionando o congresso nacional e o poder executivo para agilizar reformas como a do ensino médio.  O desejo é enorme para erradicar disciplinas do currículo como sociologia e filosofia, que chegam ao extremo de utilizar as mídias para convencer a opinião pública de que os baixos rendimentos em matemática, português, entre outras, sobretudo nos exames do ENEM, são devidos ao elevado volume de disciplinas desnecessárias, que sobrecarregam o currículo.
E olha que tais postulados toscos lançados são respaldados por jornais como Folha de São Paulo, que publicou em 16 de abril de 2018 reportagem contendo o seguinte título: filosofia e sociologia obrigatórias derrubam notas em matemática.[1] Quem está distante do cotidiano das salas de aula ou tem dificuldade de refletir criticamente reportagens como essa publicada pela folha, avaliada como tendenciosa, passa a acreditar, criando sentimentos de demonização contra disciplinas e profissionais dessas áreas.
Pode ser que o argumento manifestado pelo jornal em defender a publicação da reportagem, se fundamente por conter dados obtidos por pesquisadores/as, membros de organizações e universidades. Num dos parágrafos do texto, os/as pesquisadores/as foram unânimes em afirmar que em decorrência da reduzida carga horária no ensino médio, a inserção de novas disciplinas (sociologia e filosofia) refletiu negativamente no ensino das demais áreas, como matemática e linguagens. O que é curioso nessa publicação é que em nenhum momento o jornal se prestou a ouvir algum integrante ou representante dessas duas disciplinas, para ouvir suas argumentações sobre o que afirmaram os pesquisadores.
Oito dias depois da Folha de São Paulo ter publicado a bombástica reportagem sobre os impactos negativos da filosofia e sociologia no desempenho das demais disciplinas, a revista digital Carta Capital, rebate acintosamente o texto do jornal paulista, contendo a seguinte manchete: qual o interesse em retirar Sociologia e Filosofia do currículo? A autora do texto argumenta que o material publicado pelo jornal peca em vários aspectos, especialmente no metodológico, pois os dados ou resultados obtidos por estudantes são fundamentados em exames do Enem. Ficou excluída da pesquisa aspecto importante como a precariedade do sistema público de ensino, enraizado em um modelo tradicional, fragmentado, conteudista e excludente de aprendizagem.[2]
Enquanto as legislações e planos educacionais dão relevância a uma aprendizagem integral, interdisciplinar, com temas e metodologias que estimulem a investigação e a contextualizarem, o que acontece no dia a dia da escola, com raras exceções, são aulas guiadas por livros didáticos ou apostilas, apresentando uma única finalidade, os exames do ensino médio. É claro que baseado nesse modelo de ensino e avaliação, os resultados no desempenho não poderiam ser diferentes. Agora alegar o excesso de disciplinas ou a incipiente carga horária do currículo do ensino médio às baixas notas obtidas no ENEM em disciplinas como matemática, é de certo modo um argumento malicioso.           
Quando pesquisas são publicadas por instituições e profissionais de renomada competência técnica, costumeiramente nem se questiona o método aplicado, muito menos os resultados. No caso da pesquisa realizada sobre maus resultados nas avaliações do ENEM alegando o excesso de disciplinas, poderia até passar despercebida e dar como verdadeira, inquestionável, se não houvesse elementos suspeitos na mesma. Estamos nos referido a um dos envolvidos no trabalho, que segundo informações divulgadas, é apoiador do movimento escola sem partido e, também, conselheiro econômico do pré-candidato à presidência da República, Jair Bolsonaro.
Esse dado faz sim muita diferença no conjunto da pesquisa. É sabido que a reforma do ensino médio tende a ajustar o currículo do ensino básico seguindo os preceitos do sistema capitalista de produção. Até aqui isso não é mais segredo para ninguém. O fato é que a prevalência de disciplinas focadas no campo da lógica e da tecnologia são partes importantes desse programa reformista em curso no Brasil.
A tendência é as escolas públicas brasileiras tornarem-se extensões das empresas (Sistema 5-S) formando trabalhadores, técnicos, como mão-de-obra barata e descartável.  Portanto, para o mercado, o modelo de escola vigente é incompatível com os preceitos modernistas exigidos pelos donos do capital. A promoção de reformas pontuais, compatibilizando baixa disponibilidade de recursos, eficiência técnica e qualidade na produção, são princípios norteadores desse complexo sistema chamado capitalismo.
A diminuição da oferta de disciplinas faz parte desse contraditório e conturbado arcabouço produtivo patrocinado pelo sistema financeiro global. Os estados, pressionados para a quitação de suas dívidas públicas, executam seus programas de reformas estruturais. O ajuste fiscal é uma dessas medidas, limitando investimentos em setores estratégicos como saúde e educação. A pesquisa apresentada pelo jornal pode estar condicionada a fins específicos, ou seja, convencer a opinião pública de que um problema (notas baixas em matemática nos exames do ENEM) pede ter relação com o número elevado de disciplinas no currículo, e não o modelo de escola e de ensino ultrapassados.
Já que o reforma do ensino médio está na sua fase conclusiva, os governos aproveitam de artifícios espúrios para fazer valer uma reforma à luz do mercado, que não ficou imune às críticas e aos protestos, tamanho o retrocesso que provocará à educação. Se não houver uma pressão mais consistente dos/as profissionais das áreas que estão no centro do epicentro do desmonte, desconstruindo o aparte de inverdades disseminadas, é provável que o texto final do documento, as mesmas (filosofia e sociologia) já estejam excluídas.
Para o movimento Escola Sem Partido, composto por integrantes e apoiadores, um ensino médio o mais enxuto possível é a porta do sucesso para suas pretensões políticas e econômicas. Os governos estaduais torcem para que as investidas desses seguimentos conservadores tenham sucesso. A aprovação de um documento do ensino médio, que minimize ao máximo a oferta de disciplinas e a carga horária, irá contemplar com os programas reformistas em curso.  A PEC (Proposta de Emenda Constitucional 95) que congela investimentos em educação e saúde por cerca de 20 anos são uns dos itens desse pacato de maldades. Terceirização, assinatura de convênios, flexibilização dos contratos, ensino a distância, redução da oferta de disciplinas nos currículos, são alguns exemplos de maldades contidos no grande pacote de ajustes neoliberais.
 Tanto no decurso de implantação da BNCC, como no decreto de reforma do ensino médio, ínfima foram as manifestações de resistência de toda a categoria em escala nacional, onde deveria ter redundado em paralisação por tempo indeterminado. Houve, no entanto, manifestações isoladas, que pouco ou nada alterou as diretrizes liberais descritas nos planos.
Nessa faze de tramitação da base curricular comum para o ensino médio, o que está em jogo é a oferta ou não de disciplinas no currículo como Artes, História, Educação Física, Sociologia e Filosofia. Em nenhum momento, profissionais dessas respectivas áreas se propuseram fazer algum tipo de manifestação, repudiando as aberrações e os ataques contra o currículo e a carreira docente. A possível supressão de disciplinas no currículo, como da sociologia e filosofia, é conseqüência da pressão dos movimentos ultraconservadores infiltrados nas instâncias de decisões dos poderes constituídos.
As bancadas conservadoras no congresso, o movimento escola sem partido, MEC, associações empresariais, entre outras entidades de caráter privatista como o todos pela educação, estão à frente desse violento processo de desmonte da escola pública, afetando milhões de pessoas. Resistir a tudo isso é necessário, é urgente. A articulação de encontros com profissionais das áreas afetadas, junto com outros, solidários à causa, pode se constituir em excelente estratégia para o debate e tomada de decisões. A elaboração de manifestos e a coleta de milhares de assinaturas, contrários a exclusão de áreas no currículo, pode se configurar em um extraordinário instrumento de luta em defesa de um currículo mais democrático e transformador.
Prof. Jairo Cezar
     


[1] https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2018/04/filosofia-e-sociologia-obrigatorias-derrubam-notas-em-matematica.shtml
[2] https://www.cartacapital.com.br/politica/qual-o-interesse-em-retirar-sociologia-e-filosofia-do-curriculo

sábado, 21 de abril de 2018


LIXO ELETRÔNICO –  SEM RECICLAGEM O PLANETA NÃO SUPORTARÁ TODO LIXO DESCARTADO



Se as legislações em vigor das quais exigem dos governos o cumprimento de metas sociais elementares como a universalização do abastecimento de água potável e o tratamento dos esgotos que estão longe de se tornarem realidade, imaginemos, então, outros dispositivos importantes das leis como os planos de resíduos sólidos, em especial o que trata sobre os lixos eletrônicos.   Muita gente talvez, nem tem noção do problema que resultará o gigantesco volume de eletrônicos comercializados e os que estão virando sucata, onde não estão sendo prestados os devidos cuidados conforme estabelece a lei n. 12.305/2010 sobre Política Nacional de Resíduos Sólidos.
O que mais preocupa é o fato de os poucos municípios que implantaram seus planos de saneamento básico, alguns, muito precariamente, cumpriram um ou dois itens do programa, como distribuição de água potável e construção de estação de tratamento de esgoto. É possível contar nos dedos os municípios que avançaram além dessas demandas básicas.  Ainda hoje quase a totalidade o lixo recolhido nos grandes e pequenos municípios são destinados aos aterros sanitários e lixões a céu aberto. São milhares de postos de trabalho que poderiam ser abertos somente com a reciclagem, sem contar outras demandas que se multiplicariam junto com essa cadeira de transformação. 
O Brasil ainda peca no aspecto reciclagem, como em outros tantos programas sociais, resultantes de uma cultura política míope, cujos programas de governo, quando existem, não duram mais do que quatro anos.  No campo da reciclagem, não são processos complexos e irrealizáveis, bastam comprometimentos e cumprimentos de legislações. São poucos os brasileiros que sabem que a legislação sobre políticas de resíduos sólidos obriga empresas que comercializam agrotóxicos, pilhas, baterias, lâmpadas, óleos, pneus e eletro-eletrônicos a dar um destino correto ao produto descartado pelo cliente.  
Os veículos de comunicação e o próprio poder público não estão informando a população acerca dessas obrigações legais, muito menos dos riscos à saúde e o meio ambiente a manipulação e o descarte incorreto desses rejeitos. O ecoponto é uma das poucas iniciativas importantes implantadas em Araranguá. Entretanto, desde a sua criação é mantido quase no anonimato, poucas sabem onde fica localizado, quem coordena e quais os produtos descartáveis que são recolhidos. Do mesmo modo que existem campanhas quase permanentes para prevenir o contágio com o mosquito da dengue, o empenho também deveria ser o mesmo com o lixo eletrônico devido aos riscos de contaminação aos ecossistemas.


Muitos estudos comprovam que o aumento da incidência de doenças degenerativas, câncer, Alzheimer, Parkinson, entre outras, resultam do consumo de alimentos e água contaminados com metais pesados. Todos os anos são despejados no mercado milhões e milhões de novos equipamentos eletrônicos. Somente em 2016, somente 20% de lixo eletrônico descartado no Brasil foi recolhido e reciclado. Dos 80% restante, 4% tiveram como destino os lixões, e os outros 76% restante foram incinerados, despejados em aterros, reciclados informalmente ou outros destinos desconhecidos. Se nesse mesmo ano todo o lixo eletrônico descartado indevidamente no planeta fosse reciclado, poderia ter gerado 55 bilhões de dólares. Valores dos quais superam em muito os PIBs de dezenas de países. É inacreditável imaginar que diante de um problema tão grave e presente na vida de bilhões de pessoas no mundo todo, pouco mais de 40 países desenvolvem políticas de quantificação de dejetos eletrônicos.
O que se vê no Brasil, mesmo com a política de resíduos sólidos em vigor, são programas isolados acontecendo em alguns municípios apoiados pelos poderes constituídos ou, que é mais comum, através de iniciativas próprias de empresas de reciclagem.[1] O Estado do Rio Grande do Sul, em 2017 se destacou nacionalmente por lançar programa estadual que propõe descartar corretamente equipamentos eletrônicos utilizados pelos órgãos públicos.  
A proposta batizada de SUSTENTARE tende a recolher equipamentos que serão encaminhados a uma entidade de ressocialização de detentas em Porto Alegre, que se encarregarão de reciclar e recuperar eletrônicos a serem reutilizados. O programa SUSTENTARE teve outros desdobramentos como a instalação de cinqüenta ecopontos distribuídos em escolas estaduais nos municípios da região metropolitana da grande Porto Alegre[2]. A comunidade e os estudantes foram inseridos no projeto, com atividades curriculares e extracurriculares que contribuem para o esclarecendo da importância do descarte correto desses materiais.  
Em Santa Catarina, dos 294 municípios, apenas 64 delas tem algum tipo de coleta seletiva. Das seis regiões pólos do estado catarinense, menos Criciúma, Chapecó se destaca no recolhimento de descartáveis com mais de 1000 toneladas por mês. Porém, o maior problema enfrentado por esses municípios e nos demais que promovem a reciclagem é o desconhecimento acerca do manejo eficiente das embalagens recicladas. Se no estado mais de 30% do material reciclado acabam inda para os aterros, imaginemos agora os absurdos que devem ocorrer com os eletrônicos[3]   
No sul de Santa Catarina, estudantes do curso de engenharia ambiental da UNESC, desenvolveram aplicativo que auxilia as pessoas a identificar pontos de recolhimentos de eletrônicos. O usuário escolhe o produto que quer reciclar, seleciona a empresa mais próxima de sua residência e encaminha o produto.[4] São iniciativas que vem fazendo a diferença nesse conturbado mundo onde quase tudo que é produzido pela indústria tem o tempo de vida útil reduzido, decorrente da pressão do mercado.
 No município de Araranguá, estudantes, professores e demais funcionários de uma escola pública estadual, há dois anos vem participando de um projeto ambiental pioneiro voltado à contenção dos desperdícios de energia elétrica e água. No entanto, o projeto, a cada etapa vem sofrendo desdobramentos, com a inclusão de outras demandas como o reaproveitamento do lixo orgânico. No transcurso do projeto o grupo percebeu que a questão do lixo eletrônico também deveria ter atenção especial.
No início do ano letivo de 2018, foi mantido contato com o proprietário de uma empresa que realiza a coleta e reciclagem de lixo eletrônico no município de Araranguá, onde se firmou pareceria entre a mesma e a EEBA. A proposta inicial é mobilizar toda a comunidade escolar, envolvendo-os/as na campanha de coleta de lixo eletrônico. Além de estimular a economia da região através da geração de emprego e renda na comercialização dos produtos, a ação também visa sensibilizar a sociedade acerca do modo correto de descartar tais equipamentos.


Durante os contraturnos, estudantes que integram o projeto se reúnem na biblioteca da escola, onde desenvolvem estratégias para viabilizar a proposta. A construção de cartazes contendo frases de sensibilização são uma delas. Os mesmos, depois de confeccionados, são distribuídos em pontos estratégicos da escola, fazendo com que todos se sintam motivados a participar. Foi disponibilizado no interior da escola um recipiente, onde estão sendo alocados os equipamentos já recolhidos na escola e os que estão sendo trazidos pelos estudantes.




O que se pretende com essa iniciativa é despertar o interesse da comunidade e dos poderes constituído acerca do tema lixo eletrônico. Alertá-los/as sobre os direitos e obrigações de quem produz e dos consumidores, bem como a inclusão nos PPPs e currículos da escola de temáticas que auxiliem na reflexão sobre o mundo do consumo irracional e os efeitos perversos no equilíbrio do planeta.
Prof. Jairo Cazar                




[1] http://www.susepe.rs.gov.br/conteudo.php?cod_conteudo=3284&cod_menu=4
[2] http://www.sustentare.rs.gov.br/projeto-ecoponto-na-escola
[3] http://dc.clicrbs.com.br/sc/estilo-de-vida/noticia/2017/06/um-terco-do-lixo-destinado-a-coleta-seletiva-de-sc-nao-e-aproveitado-por-descarte-incorreto-9823641.html
[4] http://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2015/08/estudantes-de-sc-criam-aplicativo-para-auxiliar-descarte-correto-do-lixo.html












segunda-feira, 16 de abril de 2018


O II SIMPÓSIO ÍBERO-AMERICANO DE TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS (UFSC – ARARANGUÁ) MOSTROU  O ABISMO QUE SE ENCONTRA O BRASIL NESSE SEGUIMENTO



As novas tecnológicas como computadores, internet os smarts fones, dia após dia vem se transformando em ferramentas indispensáveis em todos os seguimentos da sociedade. São esses novos dispositivos fixos e móveis de comunicação e de trabalho que proporcionam agilidade e eficiência em tarefas simples e complexas, que tornaram realidade projetos  impensáveis no passado. Tornar disponível e habilitar a sociedade ao uso eficiente de toda essa maquinaria digital requerem profundas mudanças de paradigmas conceituais, que envolverá governos, universidades, centros de pesquisa e a sociedade civil.
Entretanto, para alguns países o desafio ainda é superar barreiras primárias do atraso institucional, cujas políticas para o setor são pífias, descontínuas e de fraca influência no setor produtivo. Na tentativa de reverter esse atraso quase crônico das tecnologias no campo da educação, algumas iniciativas isoladas por parte de universidades estão sendo oferecidas ao público, como o II Simpósio Ibero-Americano de Tecnologias Educacionais, promovido pela UFSC, Campus Araranguá. O encontro se caracterizou como um importante marco da instituição para a região de Araranguá, que deu os primeiros passos para a superação do atraso estrutural que permeia o cenário econômico e social regional há décadas.
Como não poderia ser diferente, os organizadores do simpósio tiveram como prerrogativa escolher temas e expositores que assegurasse ao público a compreensão geral das tecnologias educacionais e suas políticas em âmbito dos países ibero-americano.  Tanto na primeira como na segunda mesa redonda, os debatedores se deteram em abordar laboratórios tecnológicos virtuais; projetos; experiências e programas de fomentos à pesquisa para o aprimoramento da educação nos níveis básico e superior. Em se tratando de Brasil, as políticas públicas em vigor, dentre elas a BNCC (Base Nacional Curricular Comum) prioriza as unidades de ensino como ambiente apropriado para estimular os estudantes a resolverem problemas complexos a partir das ferramentas tecnológicas disponíveis.
É ilusório pensar numa transformação social consistente, sustentável e duradoura sem políticas de Estado para o seguimento. O processo, portanto, precisa estar devidamente articulado com outras políticas e governos, combinando disponibilidade de recursos e formação continuada dos profissionais da educação. Sobre a experiência do uso da tecnologia nas escolas de Portugal, a palestrante Dr. Neuza Pedro fez alguns apontamentos destacando que no país europeu a transição do modelo clássico de educação para o mundo digital vem se dando de forma lenta, pois tudo se traduz como experimento.
Os próprios governos se posicionam um tanto arredios às tecnologias, justificando a fragilidade do setor à escassez de recursos para investimentos em laboratórios de experimentos. O Estado português, porém, embora inflexível quanto ao financiamento, abre as portas das universidades públicas e instituições às parcerias com setor privado, com a instalação de laboratórios no interior de seus espaços.  Todo fomento, compra e manutenção, deverá partir das parcerias público privado e do empenho dos profissionais da educação.
Outro tema apresentado no encontro foram as políticas do CNPq, (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) instituição criada no Brasil na década de 1950, cujo papel estratégico foi e é criar e financiar programas para o desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro. A porta voz do órgão presente no encontro expôs os fluxos de recursos oriundos do governo e de parcerias para a pesquisa. Ressaltou que não houve cortes significativos de verbas pelo atual governo que poderiam comprometer o funcionamento do órgão.
O que causou mais apreensão, segundo a palestrante, foram os cortes de bolsas aos pesquisadores que estão desenvolvendo seus trabalhos no exterior, forçando o CNPq a fazer alguns ajustes para não comprometer projetos de pesquisa em execução. No Brasil, segundo a representante do órgão, o setor de pesquisa em tecnologia se depara com gargalos a serem superados para alcançar níveis satisfatórios de desenvolvimento. Dentre as inúmeras demandas elencadas, a precária formação de professores e a resistência à utilização de mídias se colocam como entraves de difícil solução.
Para romper tais barreiras, o CNPq defende que os governos invistam mais em programas de formação continuada de professores, que lhe garanta uma leitura crítica da aplicação das tecnologias nos ambientes de ensino. Também se deve priorizar no Brasil uma formação docente acompanhada de políticas, elaboração de projetos pedagógicos atualizados e a multidisciplinaridades das abordagens no cotidiano dos espaços escolares. 
O professor José Armando Valente, da Universidade Estadual de Campinas, fez uma breve exposição da trajetória histórica dos programas governamentais voltados a impulsionar a educação através do emprego de tecnologias. Destacou algumas iniciativas importantes ainda nos governos militares, como o projeto EDUCOM, início da década de 1980, que introduziu a informática nas escolas, utilizando algumas instituições de ensino superior como laboratórios de experimentos.
A intenção era a partir desses centros de referência disseminar a cultura digital em escala nacional, desenvolvendo pesquisas e preparando multiplicadores para a disseminação  dessas inovações às escolas brasileiras. É importante ressaltar que o aporte tecnológico na educação teve, no início, um viés político-militar, ou seja, vinculado à segurança nacional. Os   protagonistas do plano corroboravam com o mesmo pensamento, acreditando que tal iniciativa  impulsionaria a aprendizagem tecnológica no Brasil a partir das escolas, dinamizando a economia com um parque industrial mais eficiente e trabalhadores qualificados.     
Outros programas posteriores receberam atenção dos governos como o PRONINFE (Programa Nacional de Informática Educativa), lançado em 1989, cujo propósito era expandir os projetos de educação digital a todos os níveis de ensino. Havia a intenção também de promover e incentivar a capacidade de recursos humanos no domínio das tecnologias.  Naquele momento, o conceito filosófico que permeava os idealizadores dos programas tecnológicos estava tracejado numa visão de que a internet por ser um bem cultural teria de estar disponível à toda a sociedade. Em 1997, o PRONINFO foi encerrado, sendo que no seu lugar foi criado o PROINFO (Programa Nacional de Tecnologia Educacional), onde se mantém até os dias atuais, com inclusão e exclusão de iniciativas, cujos resultados estão muito longe ainda de retirar o Brasil da lista dos mais atrasados no mundo nesse setor.
Embora o PROINFO tenha se dividido em duas etapas, de 1997/2006 e de 2007/2016, esse último decênio por meio do PROINFO INTEGRADO, ambos, inquestionavelmente, com inúmeras ações prometidas em termos educacionais, como a formação e capacitação de profissionais, distribuição de computadores, lep tops, tablets, banda larga, etc, o que constata nas milhares de escolas públicas básicas distribuídas por todo território é um quadro desolador. O que mais se vê nessas instituições são salas, antes chamados  laboratórios, transformados em depósitos de sucatas de equipamentos inutilizados por falta de manutenção e peças de reposição. 
O que é mais estarrecedor é que mesmo com os bilhões em investimentos nesses quarenta anos de caminhada tecnológica, estados como Santa Catarina foi aprovada lei de n. 14.363/2008 que impede o uso de celulares em sala de aula. Quanto à banda larga, são raras as escolas que não se obrigam a fazerem campanha de arrecadação de dinheiro para tornar mais eficiente à internet, pois a potência disponível pelo governo não é suficiente para suprir a demanda mínimia de obrigações nas unidades de ensino público estadual.
Não há dúvida que o Brasil, permanece ano luz de distância em eficiência tecnológica em comparação a dezenas de países espalhados nos cinco continentes, entre eles os sul-americanos Chile e Uruguai. O Uruguai é o primeiro país do globo a universalizar a tecnologia na educação, ferramenta disponível em todas as escolas públicas, com participação ativa do Estado. O que chama atenção no Uruguai é que independentemente dos governos ou partidos que se revezam em quatro em quatros anos, o projeto permanece funcionando.   
  A experiência no Uruguai é considerada tão exitosa que o país não poderia ficar excluído do simpósio. Para expor a experiência no país vizinho ao Brasil foi convidado o Professor Dr. José Miguel Garcia, que é coordenador de Educação, Ciência e Tecnologia da Faculdade Latino-Americana e Ciências Sociais (FLACSO). Antes de expor o que relatou o professor Miguel acerca da atual situação do programa no Uruguai, é conveniente fazer um breve relato histórico do plano hoje conhecido CEIBAL que foi instituido em 2007. 
A idéia, no inicio, era concentrar todos os esforços possíveis na disseminação de ferramentas tecnológicas, Leptops, em todos os centros educacionais públicos espalhados pelo território Uruguaio. Era consenso por parte dos governantes e dos setores ligados à pesquisa, que a universalização  da TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação) seria possível em curto espaço tempo promover transformações significativas no país.  A criação de riquezas; a melhoria da qualidade de vida; o desenvolvimento humano e a inclusão social seriam umas das pretensões iniciais do plano.
Tanto estudantes quanto professores teriam direito a um leptop, bem como a rede WIFI disponível internamente e no entorno das instituições de ensino. Em 2011, os estudantes das escolas infantis também foram beneficiados com a distribuição de computadores.  Conforme relatório apresentado por organizações internacionais, o Uruguai obteve melhoria no desempenho dos seus estudantes, sendo elogiado até pelo relator especial da ONU onde afirmou ser o Uruguai um grande exemplo para o mundo.
Nos quase trinta minutos de explanação, o professor Dr. Miguel demonstrou ser um grande entusiasta do projeto CEIVAL, afirmando que já é visível uma mudança cultural significativa no país. Que a proposta do governo foi inicialmente atender as escolas do interior e por fim todas as escolas públicas da capital Montevidéu. Que o sistema foi desenvolvido para atender crianças, servindo como ferramenta de apoio ao processo pedagógico. Tanto a infraestrutura, formação de professores, entre outros, são concepções que permeiam o programa, ambos estão integrados, caminham juntos e estão incorporados aos planos estratégicos de Estado, independente dos governos que assumem o comando político do país.              
No momento dos debates o público presente lançara questionamentos acerca das Políticas Públicas relativa à TIC no Brasil. O professor Valente foi enfático em afirmar que no Brasil esse seguimento caminha em passos de tartaruga, que nenhum programa tem continuidade, que morre na praia a cada mudança de governo. O processo de formação de professores é decadente, agravado ainda mais pela situação calamitosa das escolas públicas cujos laboratórios, quando existem, os aparelhos disponíveis estão desativados por falta de manutenção.
A TIC nas escolas públicas poderia desencadear um salto de qualidade tanto educacional quanto cultural, se os governos incluíssem a educação tecnológica como política estratégica de Estado. Com tais ferramentas disponíveis os estudantes poderiam se tornar autores de projetos, desempenhando sua capacidade criativa, tendo o apoio permanente dos professores, mediando os passos dos estudantes.
A última e a mais esperada das palestras foi a proferida pelo professor Alberto Cupani, no qual abordou a relação entre inteligência e tecnologia no processo de construção humana.  Afirmou que durante a sua existência o ser humano passou por diversas fases importantes, sendo elas a fase do homo fabers e homo sapiens. Foi nessa segunda etapa, que ocorreu o aprimoramento da inteligência humana, capaz de construir instrumentos mais complexos com o aprimoramento das técnicas. A linguagem, principalmente a escrita, se caracterizou como um recurso técnico importante, permitindo exteriorizar o pensamento. São as tecnologias que fazem expandir nossa mente, bem como modificar nossa inteligência.
Além da inteligência inter-humana, os avanços das técnicas vêm permitindo a criação de ferramentas mais sofisticadas ao ponto delas adquirirem quase vida própria, independente, estamos nos referindo à inteligência artificial. Está tão presente no dia a dia das pessoas, ao ponto de assumir um papel um tanto preocupante, pois, além de poder salvar vidas, diagnóstico médico, tende também a nos vigiar, nos comandar, nos substituir e nos derrotar.  
Entre técnica e tecnologia, a primeira é a mais importante, pois ela se dá a partir de um componente intelectual que acompanha o grau de consciência, onde resulta em ferramenta, que vai se aprimorando quanto mais usamos a inteligência. O que não acontece hoje é a tecnologia ou recurso tecnológico não ser uma decisão coletiva, que depende de pequeno agrupamento de pessoas ou companhias decidindo sobre uma e não outra tecnologia.
Até que ponto a tecnologia é considerada como elemento primordial ao desenvolvimento econômico e à felicidade humana. Diariamente os meios de comunicação vêm bombardeando o pensamento coletivo com publicidades afirmando que o mundo está melhor hoje por causa da tecnologia. Não produzimos apenas por necessidade, portanto, o que é produzido é determinado por uma rede de interesses diversos, que nos fazem acreditar que nos tornaremos mais incluídos, felizes, livres e evoluídos se adquirirmos tecnologias, computadores, celulares, TV, etc. Na realidade, cada vez mais o ser humano está ficando refém do que produz, escravo passivo das máquinas que ditam o ritmo de vida diária.
Não é plausível pensar que tudo pode ser respondido como um problema técnico. Alguma resposta a certos problemas como na saúde pode vir de um aconselhamento espiritual. A ciência não é a deusa do universo. Ao mesmo tempo em que deixamos de acreditar nos dogmas, como respostas às dúvidas existenciais, nos tornamos incondicionalmente confiantes na tecnologia (Google). Não seria esse um dogma da contemporaneidade humana?
Prof. Jairo Cezar

sábado, 7 de abril de 2018

20 ANOS DE COMITÊ ARARANGUÁ E AS DEMANDAS DA BACIA HIDROGRÁFICA CONTINUAM CADA VEZ MAIORES


O tema recursos hídricos, nos últimos tempos, vem se formatando como campo estratégico de debate obrigatório em todo planeta, pelo fato de que a cada dia a água está se tornando um recurso cada vez mais escasso, desencadeador de dezenas, centenas de conflitos pelo seu controle. A escolha do Brasil como sede para o oitavo (FAMA) Fórum Mundial da Água, deve ter sido influenciado pela grande reserva de água acumulada no subsolo e superfície do território, e os riscos de contaminação decorrentes das fragilidades das políticas de execução dos planos de gestão.  Fazendo um recorte em escala menor da problemática hídrica, é impossível deixar de fora dessa amostra a bacia hidrográfica do rio Araranguá, uma das mais degradadas no Brasil.
Desde 1998 a respectiva bacia é administrada por um comitê gestor, constituído de uma comissão executiva e conselho consultivo, onde discutem e deliberam ações elencadas nos planos. No entanto, o próprio comitê não consegue sozinho, dar conta de concretizar a infinidade de demandas que se avolumam a cada nova gestão. O fato é que os comitês, estrategicamente, se configuraram em programas de descentralização das gestões hídricas. No entanto, embora a responsabilidade e o compromisso pela elaboração dos planos e suas execuções fiquem sob a tutela do comitê, além, é claro, de todo o imbróglio ambiental, a mesma coisa não acontece os recursos financeiros, permanecendo sob a tutela e vontade política do chefe do poder executivo.
Demandas ambientais do tipo disputas por água, extração de seixos e despejo de efluentes poluidores, todo o encargo de responsabilidade está agora sobre o comitê. Convém salientar, que não é exatamente esse o objetivo principal do comitê ou dos comitês, porém, os fatos dão evidências de que quando os governos decidiram pela descentralização do controle das bacias hidrográficas, a intenção era minimizar ao máximo a pressão sobre si e empurrar para a sociedade. Na primeira assembléia ordinária do comitê da bacia hidrográfica do Araranguá de 2018, ocorrida no dia 05 de abril, ficou bem visível o desinteresse dos governos, principalmente de Santa Catarina, com a eficiência dos comitês.
Em 2015, depois de quase dois anos de intermináveis reuniões, debates e oficinas, finalmente se concluiu o tão esperado plano de recursos hídricos para a bacia do rio Araranguá. Havia a expectativa de que após sua homologação por meio de audiências públicas, os objetivos e metas elencadas imediatamente fossem executados. Já se passaram quase três anos e o plano continua estagnado por falta de recursos. Algumas das metas elencadas, consideradas de caráter emergenciais, se fossem executadas, poderiam contribuir para minimizar ou solucionar demandas que hoje estão ocupando quase todo o tempo da equipe executiva do comitê, na solução de conflitos decorrentes do uso da água.
Segundo informou a presidente do comitê, são sete os impasses desencadeados por disputas de água, cujo comitê está mediando. Se as pendências fossem unicamente por questões hídricas, não sobrecarregaria tanto o comitê, o fato é que outras diligências estão ocupando muito tempo das reuniões, como denúncias de extração de seixos e despejos de elementos poluidores na bacia, cujas soluções dependeriam das mudanças de comportamentos de seguimentos empresariais, órgãos licenciadores, gestores públicos e da própria sociedade, num todo. A retirada de pedras dos leitos dos afluentes do Rio Araranguá está se tornando um problema quase incontrolável, impactando todo o ecossistema, cujos efeitos já estão sendo sentidos em dezenas de comunidades do interior devido ao rebaixamento dos lençóis freáticos, comprometendo a recarga dos aqüíferos.
Órgãos ambientais que deveriam estar sintonizados como as políticas do comitê, vêm se transformando em verdadeiros imbróglios de resistência, como exemplo a FATMA, acusada de liberar licenças autorizando a mineração, porém, não executa seu trabalho primordial que é a fiscalização nesse seguimento. Essa é, também, outra questão conflitante que já poderia ter tido alguma solução se o plano estivesse em andamento. Parece que existem forças obscuras atuando nos bastidores dos poderes de decisão, trabalhando para que o plano de gestão da bacia não tenha êxito.  
O setor da mineração de carvão continua atraindo a atenção dos membros dos comitês em quase todas as reuniões ou assembléias ordinárias realizadas. Claro, sempre com denúncias relatadas por algum membro do comitê, de algum crime ambiental cometido ou prestes a ocorrer. Dessa vez, um integrante do comitê da região de Treviso, denunciou que uma empresa carbonífera teria lançado rejeito de carvão em um dos afluentes do Rio Araranguá. Relatou outros crimes ambientais praticados por empresas do seguimento, onde os infratores são isentos de qualquer tipo de punição. Criticou a impunidade dos criminosos ambientais, bem como a parcialidade dos órgãos ambientais, que se tornam cúmplices dos crimes por autorizarem licenças tanto para extração como para depósitos de rejeitos de carvão em áreas de proteção permanente.
No comitê, o próprio setor carbonífero tem uma cadeira, representado pelo sindicato das mineradoras, o SIECESC. Depois de ouvir o apelo emocionado do representante de Treviso, o integrante das mineradoras respondeu que o setor já vem cumprindo sentenças de reparos ao passivo ambiental desde 2003. Que a intenção é resgatar a imagem do seguimento carbonífero arranhando por infrações cometidas. Que todos os projetos apresentados para o setor são viáveis, porém, não são infalíveis. Que defende a fiscalização do crime ambiental ocorrido no Treviso para comprovar se foi criminoso ou acidental.
Um cidadão que passou a integrar o corpo de delegados do comitê, que representa a SIDASC, lançou críticas acirradas ao modelo energético que utiliza o carvão como matéria prima, e que são necessários maiores investimentos em energias renováveis, como eólica, solar, etc. A resposta do representante do carvão foi imediata, afirmando que é necessário explorar todas as fontes de energias possíveis, que quanto mais eólicas, fotovoltaicas forem construídas, mais termelétricas deverão existir para reparar a intermitência do setor. Quis informar o cidadão que os sistemas ou residências atendidas com energia eólica ou solar ficam instáveis, dependendo da oferta de ventos ou luz solar.
Defendeu o carvão, afirmando que é um produto “nosso”, que as tecnologias em vigor atualmente permitem sua extração e beneficiamento sem qualquer risco de impactos ambientais. Vários países estão interessados em conhecer a tecnologia que reaproveita as cinzas do carvão para produzir energia. Que esse sistema é conhecido como sintetizador de cinzas.
Outro cidadão, que atua no comitê, desde o começo, há vinte anos, aproveitou para fazer um desabafo e também denunciar, como o fez o cidadão de Treviso. Disse que estava encerrando sua participação no comitê, devido a sua idade, que estava um tanto triste por não ter visto sair do papel algumas propostas elencadas há anos como a represa do Rio do Salto, no Timbé do Sul. Nunca imaginava chegar à reunião do comitê e ouvir de membros da entidade de que o pleno de gestão da bacia corre o risco de ser engavetado, pelo fato de recursos não terem sido ainda repassados pelo governo do estado.
Denunciou ao comitê que em Araranguá vários crimes ambientais vêm sendo cometidos. O primeiro trata do licenciamento para construção de prédios, cuja água do subsolo ou do lençol freático, é bombeada 24 horas utilizando bombas. O segundo crime, por ele narrado, trata do uso do manancial lagoa da serra para a prática de Jet ski, que tem dias que são vistos 20 embarcações no local. Como pode a liberação dessa prática no município se para pescar no rio é proibido, desabafou o cidadão.

Prof. Jairo Cezar        


sexta-feira, 6 de abril de 2018



A ÁGUA DEVERÁ SER A PRINCIPAL AGENDA GLOBAL PELA PAZ

Desenho - cartunista Paulo Caruso 


Na segunda quinzena do mês de março de 2018, foi realizado em Brasília o 8° Fórum Mundial da Água e o Fórum Mundial Alternativo da água, onde foi debatida entre outros assuntos uma agenda global que transforme a água numa das principais bandeiras das pautas dos governos em todas as instâncias de poder. Em relação ao fórum, centenas de notícias, reportagens, documentários, etc., foram divulgadas durante os dias do evento, fazendo com que milhões de pessoas do mundo inteiro compreendessem que o cenário hídrico global é extremamente preocupante. Em se tratando de Brasil, embora o território continental possua 12% de toda reserva mundial de água doce, milhares de brasileiros já enfrentam escassez, devido às estiagens prolongadas ou por contaminação decorrente de   esgotamentos sanitários.  
Diante de um cenário cada vez mais preocupante e que, infelizmente, não está ainda incluía nas agendas das metas dos governos, o programa Roda Viva, da TV Cultura, no dia 02 de abril de 2018, trouxe para o centro do debate a questão hídrica no Brasil e no mundo. Os debatedores levantaram questões importantíssimas que devem ser replicadas e disponibilizadas ao publico em geral como forma de despertar a atenção acerca das demandas hídricas.  Um item polêmico na pauta do programa e que mediou todas as falas foi o fato de no Brasil ainda permanecer a cultura da abundância de água, que é considerado um dos principais vetores dos desleixos para a preservação. 
Um caso emblemático, relatado por um dos debatedores, foi com relação à Amazônia, onde milhares de pessoas não têm acesso à água de qualidade, devido à contaminação por esgotos. Outro drama que perdeu sua característica de episódio climático localizado, de exclusividade de regiões do semi-árido do nordestino, foi o das estiagens prolongadas, que estão se tornando cada vez mais freqüentes e com ciclos cada vez mais curtos em regiões densamente povoadas como São Paulo, Campinas, Brasília, Fortaleza, Recife, etc. Esses episódios extremos do clima resultam em transtornos sociais e prejuízos econômicos incalculáveis.
O problema, portanto, das estiagens, está se convertendo em evento climático planetário, afetando regiões economicamente importantes e densamente povoadas como São Paulo, Califórnia e a Cidade do Cabo, entre outras.  Na cidade do Cabo o governo está adotando medidas severas como a disponibilização de 50 litros/dia de água por habitante. A não ocorrência de chuvas nos próximos dias poderá levar o governo a adotar o Plano B conhecido como o Dia Zero, quando a população deixará de ser abastecida por água.  
O representante da ANA (Agência Nacional de Águas), Oscar Cordeiro, presente no debate, destacou o problema hídrico na cidade de São Paulo durante as estiagens de 2014 e 2015, onde a população precisou se adaptar a escassez de água. Segundo informações repassadas pelo diretor da SABESP para a região metropolitana de São Paulo, Paulo Massato, embora a ONU recomende 1.500 metros cúbicos de água por habitante/ano, na cidade de São Paulo, proporcionalmente, a oferta de água/habitante pouco supera os 146 metros cúbicos/ano, devido à densa concentração populacional. A vazão do Rio Tietê, um dos principais rios do estado paulista, é cerca de 80 metros cúbicos por segundo. Para abastecer a capital paulista se faz necessária a reversão de outros rios como o Piracicaba, Paraíba, juquiá, etc. Se não bastasse o problema da poluição, o sistema hídrico de São Paulo, incluindo as principais represas que abastecem o município, ambas perderam mais de 70% da cobertura vegetal, relatou o gerente nacional de água da ONG TNC (The Nature  Conservancy), Samuel Barreto.
Para o dia mundial da água de 2018, a ONU definiu como tema: Soluções Baseadas na Natureza, ou seja, encontrar na própria natureza metodologias que revertam o drama da escassez de água. São processos simples baseadas na gestão de vegetações, solos, mangues, pântanos, rio e lagos, onde ambos podem ser utilizados por suas capacidades naturais para o armazenamento e limpeza da água. Na visão do representante da Agência Nacional de Águas, é imprescindível pensar alternativas à questão da água de forma conjunta, integrando as bacias hidrográficas, por meio de seus comitês gestores. Fazendo um contraponto mais crítico ao debate, o Geógrafo e Professor Titular do Departamento de Geografia da USP, Wagner Ribeiro, alertou que o fenômeno da estiagem na cidade de são Paulo, entre 2014 e 2015, não deve ser interpretado como um episódio climático isolado. De 10 em 10 anos, esse fenômeno vem se repetindo, com impactos violentos à dinâmica dos ecossistemas e à população.
 Diferente do modo como se sucedia no passado, atualmente as precipitações estão mais concentradas e com intensidades maiores, produzindo alagamentos e prejuízos generalizados. O argumento consensual entre os debatedores foi relativo ao item investimentos público para minimizar os efeitos de estiagens. Ambos admitiram que a água não é ainda compreendida como um bem social pelos gestores públicos, vista atualmente como um produto disponível no mercado, que visa lucro.  Incessantemente os serviços de tratamento e distribuição da água são transferidos em forma de concessões às companhias privadas que pouco ou nada investem em programas de recuperação de mananciais, muito menos ainda em campanhas de sensibilização ambiental para evitar desperdícios e contaminação por rejeitos sanitários.
Ultimamente, muitos dos contratos de concessões pelos serviços relativos à água foram cancelados, retornando a gestão às mãos do estado, a exemplo de Paris, Berlin, Buenos Aires, etc. A representante da ONG SOS Mata Atlântica, que é especialista em águas, Malu Ribeiro, revelou que somente 12 rios dos quase trezentos que constituem o complexo ecossistêmico mata atlântica estão em condições satisfatórias de consumo. Um dos principais imbróglios enfrentados por essas bacias diz respeito aos desmatamentos, cada ano reduzindo mais áreas florestadas e o fluxo das águas que abastecem os rios e aqüíferos. O estado que vem liderando por cerca de 10 anos consecutivo o ranque de desmatamento do bioma Mata Atlântica é Minas Gerais. O que inquieta as organizações ambientais e comunidades científicas é o fato de o estado mineiro concentrar as nascentes dos principais rios brasileiros, como o São Francisco, Rio Doce e Paraíba do Sul.
Explicou o geógrafo da USP que os transtornos resultantes da estiagem no semi-árido nordestino têm relação com a própria geografia da região. No entanto, embora a região tenha uma precipitação de chuva anual de 600 milímetros, os ciclos de estiagens prolongadas estão se tornando mais freqüentes. Para minimizar os obstáculos da falta de chuva mais de um milhão de cisternas estão sendo construídas para atender a demanda populacional. Diferente de outras partes do planeta com clima semelhante, o semi-árido brasileiro se caracteriza como um dos mais densamente povoados do mundo.  UM exemplo é a cidade paraibana de Campina Grande, com quase 500 mil habitantes.
A transposição do Rio São Francisco tenderá a amenizar os efeitos da escassez de água nessa região. Segundo o geógrafo, o projeto de transposição somente saiu do papel a partir do falecimento do político baiano Antônio Carlos Magalhães, pois o mesmo tinha compreensão, bem como outros políticos tradicionais, que com a transposição, modificaria drasticamente toda a geografia política da região, da qual, historicamente, sempre favoreceu as oligarquias arcaicas que capitalizavam eleitoralmente com a falta de água. Hoje em dia 70% de toda a água disponível no Brasil são desperdiçadas. O seguimento que mais vem enfrentando problemas com a escassez desse recurso é o da agricultura. Esse drama vem sendo sentido no mundo inteiro, pois mais de 70% de toda água potável é destinada a agricultura. A representante da SOS Mata Atlântica, comentou sobre a lei das águas que está completando 20 anos em 2018.
A criação dessas leis está ajudando a equacionar a demanda e oferta desse recurso, bem como o empoderamento da sociedade nos planos de gestão dos recursos hídricos por meio dos comitês das bacias hidrográficas.  A cobrança pelo uso da água tenderá a resolver alguns conflitos hoje evidenciados em muitas bacias hidrográficas brasileiras. Embaraços como desperdícios e poluição da água, resultaram em punições aos infratores, que terão que pagar por tais irresponsabilidades. As legislações em vigor obrigam que os planos de bacias hidrográficas estabeleçam o enquadramento dos rios de acordo com a qualidade da água. Somente no estado de São Paulo são mais de 300 rios que estão enquadrados na cota quatro, ou seja, o nível mais dramático de poluição. Foram citados alguns exemplos de políticas bem sucedidas de recuperação de rios no estado de São Paulo, como o rio Jundiaí, que voltou a ter vida.
Sobre a Agência Nacional de Águas, explicou seu representante que há vinte anos não havia qualquer regulação sobre os recursos hídricos no Brasil. Que em decorrência da grande demanda de trabalho, a agência atua com exclusividade na normatização e fiscalização dos grandes rios federais e estaduais. O controle dessas bacias, portanto, fica sob a tutela dos comitês gestores e dos conselhos municipais. Esclareceu Samuel Barreto, da ONG TNC, que as legislações brasileiras que regulam os sistemas hidrográficos são reconhecidamente uma das mais sofisticadas do mundo. São mais de 300 comitês de bacias atuantes em todo território brasileiro. No entanto, o percentual de pessoas conhecedoras dos comitês e dos trabalhos realizados é ínfimo. Das quatro mil médias e grandes metrópoles espalhadas no mundo, 40% apresentam níveis moderados ou elevados de degradação hídrica.
Nesse sentido, o século XXI está se evidenciando como sendo o da crise hídrica, da mediação de conflitos pela disputa da mesma. A ONU, segundo a representante da SOS Mata Atlântica, incluiu a água como uma das estratégias do seu programa global. Com destaque ao aqüífero guarani, que vem sendo ameaçado e, agora, mais ainda com a quebra da moratória do governo brasileiro que poderá autorizar a exploração do gás de xisto. Outro grave retrocesso e que redundou no agravamento da crise hídrica brasileira foi a aprovação do novo código florestal que flexibilizou inúmeros dispositivos relativos à proteção das nascentes, entre outros. Durante o processo de elaboração do código florestal o parlamento brasileiro desconsiderou as recomendações e os alertas das comunidades científicas e organizações ambientais sobre os possíveis riscos ao meio ambiente se modificações não fossem promovidas no código.
De acordo com o pesquisador e professor da USP, Wagner Ribeiro, é preciso pensar uma geografia em escala local, sendo necessário, também, incorporar a água como uma das principais bandeiras nos planos estratégicos de governo. O comitê das bacias se configura como proposta inovadora de procurar resolver as demandas hídricas. No entanto, o Brasil não conseguiu ainda configurar os próprios comitês. Barcelona e Sevilha, por exemplo, conseguiram reduzir a demanda por água sem comprometer a qualidade de vida das pessoas. O turismo se configura como um das principais matrizes econômicas dessas duas metrópoles espanholas.
No final do debate, a representante da SOS Mata Atlântica enfatizou que a sociedade não deixou a água fora da agenda das prioridades, citou o Papa Francisco que lançou a encíclica Casa Comum, onde aborda os problemas ambientais que afetam o planeta. Uma das principais fragilidades no cenário nacional são as políticas públicas voltadas às soluções ambientais. Tais carências de gestão forçam as pessoas a assumirem compromissos que não são delas e sim do poder público. É preciso, portanto, a promoção de um saneamento ético urgente no país, construindo uma agenda cuja água deverá ser a mediadora da paz global. 
Prof. Jairo Cezar