sexta-feira, 6 de abril de 2018



A ÁGUA DEVERÁ SER A PRINCIPAL AGENDA GLOBAL PELA PAZ

Desenho - cartunista Paulo Caruso 


Na segunda quinzena do mês de março de 2018, foi realizado em Brasília o 8° Fórum Mundial da Água e o Fórum Mundial Alternativo da água, onde foi debatida entre outros assuntos uma agenda global que transforme a água numa das principais bandeiras das pautas dos governos em todas as instâncias de poder. Em relação ao fórum, centenas de notícias, reportagens, documentários, etc., foram divulgadas durante os dias do evento, fazendo com que milhões de pessoas do mundo inteiro compreendessem que o cenário hídrico global é extremamente preocupante. Em se tratando de Brasil, embora o território continental possua 12% de toda reserva mundial de água doce, milhares de brasileiros já enfrentam escassez, devido às estiagens prolongadas ou por contaminação decorrente de   esgotamentos sanitários.  
Diante de um cenário cada vez mais preocupante e que, infelizmente, não está ainda incluía nas agendas das metas dos governos, o programa Roda Viva, da TV Cultura, no dia 02 de abril de 2018, trouxe para o centro do debate a questão hídrica no Brasil e no mundo. Os debatedores levantaram questões importantíssimas que devem ser replicadas e disponibilizadas ao publico em geral como forma de despertar a atenção acerca das demandas hídricas.  Um item polêmico na pauta do programa e que mediou todas as falas foi o fato de no Brasil ainda permanecer a cultura da abundância de água, que é considerado um dos principais vetores dos desleixos para a preservação. 
Um caso emblemático, relatado por um dos debatedores, foi com relação à Amazônia, onde milhares de pessoas não têm acesso à água de qualidade, devido à contaminação por esgotos. Outro drama que perdeu sua característica de episódio climático localizado, de exclusividade de regiões do semi-árido do nordestino, foi o das estiagens prolongadas, que estão se tornando cada vez mais freqüentes e com ciclos cada vez mais curtos em regiões densamente povoadas como São Paulo, Campinas, Brasília, Fortaleza, Recife, etc. Esses episódios extremos do clima resultam em transtornos sociais e prejuízos econômicos incalculáveis.
O problema, portanto, das estiagens, está se convertendo em evento climático planetário, afetando regiões economicamente importantes e densamente povoadas como São Paulo, Califórnia e a Cidade do Cabo, entre outras.  Na cidade do Cabo o governo está adotando medidas severas como a disponibilização de 50 litros/dia de água por habitante. A não ocorrência de chuvas nos próximos dias poderá levar o governo a adotar o Plano B conhecido como o Dia Zero, quando a população deixará de ser abastecida por água.  
O representante da ANA (Agência Nacional de Águas), Oscar Cordeiro, presente no debate, destacou o problema hídrico na cidade de São Paulo durante as estiagens de 2014 e 2015, onde a população precisou se adaptar a escassez de água. Segundo informações repassadas pelo diretor da SABESP para a região metropolitana de São Paulo, Paulo Massato, embora a ONU recomende 1.500 metros cúbicos de água por habitante/ano, na cidade de São Paulo, proporcionalmente, a oferta de água/habitante pouco supera os 146 metros cúbicos/ano, devido à densa concentração populacional. A vazão do Rio Tietê, um dos principais rios do estado paulista, é cerca de 80 metros cúbicos por segundo. Para abastecer a capital paulista se faz necessária a reversão de outros rios como o Piracicaba, Paraíba, juquiá, etc. Se não bastasse o problema da poluição, o sistema hídrico de São Paulo, incluindo as principais represas que abastecem o município, ambas perderam mais de 70% da cobertura vegetal, relatou o gerente nacional de água da ONG TNC (The Nature  Conservancy), Samuel Barreto.
Para o dia mundial da água de 2018, a ONU definiu como tema: Soluções Baseadas na Natureza, ou seja, encontrar na própria natureza metodologias que revertam o drama da escassez de água. São processos simples baseadas na gestão de vegetações, solos, mangues, pântanos, rio e lagos, onde ambos podem ser utilizados por suas capacidades naturais para o armazenamento e limpeza da água. Na visão do representante da Agência Nacional de Águas, é imprescindível pensar alternativas à questão da água de forma conjunta, integrando as bacias hidrográficas, por meio de seus comitês gestores. Fazendo um contraponto mais crítico ao debate, o Geógrafo e Professor Titular do Departamento de Geografia da USP, Wagner Ribeiro, alertou que o fenômeno da estiagem na cidade de são Paulo, entre 2014 e 2015, não deve ser interpretado como um episódio climático isolado. De 10 em 10 anos, esse fenômeno vem se repetindo, com impactos violentos à dinâmica dos ecossistemas e à população.
 Diferente do modo como se sucedia no passado, atualmente as precipitações estão mais concentradas e com intensidades maiores, produzindo alagamentos e prejuízos generalizados. O argumento consensual entre os debatedores foi relativo ao item investimentos público para minimizar os efeitos de estiagens. Ambos admitiram que a água não é ainda compreendida como um bem social pelos gestores públicos, vista atualmente como um produto disponível no mercado, que visa lucro.  Incessantemente os serviços de tratamento e distribuição da água são transferidos em forma de concessões às companhias privadas que pouco ou nada investem em programas de recuperação de mananciais, muito menos ainda em campanhas de sensibilização ambiental para evitar desperdícios e contaminação por rejeitos sanitários.
Ultimamente, muitos dos contratos de concessões pelos serviços relativos à água foram cancelados, retornando a gestão às mãos do estado, a exemplo de Paris, Berlin, Buenos Aires, etc. A representante da ONG SOS Mata Atlântica, que é especialista em águas, Malu Ribeiro, revelou que somente 12 rios dos quase trezentos que constituem o complexo ecossistêmico mata atlântica estão em condições satisfatórias de consumo. Um dos principais imbróglios enfrentados por essas bacias diz respeito aos desmatamentos, cada ano reduzindo mais áreas florestadas e o fluxo das águas que abastecem os rios e aqüíferos. O estado que vem liderando por cerca de 10 anos consecutivo o ranque de desmatamento do bioma Mata Atlântica é Minas Gerais. O que inquieta as organizações ambientais e comunidades científicas é o fato de o estado mineiro concentrar as nascentes dos principais rios brasileiros, como o São Francisco, Rio Doce e Paraíba do Sul.
Explicou o geógrafo da USP que os transtornos resultantes da estiagem no semi-árido nordestino têm relação com a própria geografia da região. No entanto, embora a região tenha uma precipitação de chuva anual de 600 milímetros, os ciclos de estiagens prolongadas estão se tornando mais freqüentes. Para minimizar os obstáculos da falta de chuva mais de um milhão de cisternas estão sendo construídas para atender a demanda populacional. Diferente de outras partes do planeta com clima semelhante, o semi-árido brasileiro se caracteriza como um dos mais densamente povoados do mundo.  UM exemplo é a cidade paraibana de Campina Grande, com quase 500 mil habitantes.
A transposição do Rio São Francisco tenderá a amenizar os efeitos da escassez de água nessa região. Segundo o geógrafo, o projeto de transposição somente saiu do papel a partir do falecimento do político baiano Antônio Carlos Magalhães, pois o mesmo tinha compreensão, bem como outros políticos tradicionais, que com a transposição, modificaria drasticamente toda a geografia política da região, da qual, historicamente, sempre favoreceu as oligarquias arcaicas que capitalizavam eleitoralmente com a falta de água. Hoje em dia 70% de toda a água disponível no Brasil são desperdiçadas. O seguimento que mais vem enfrentando problemas com a escassez desse recurso é o da agricultura. Esse drama vem sendo sentido no mundo inteiro, pois mais de 70% de toda água potável é destinada a agricultura. A representante da SOS Mata Atlântica, comentou sobre a lei das águas que está completando 20 anos em 2018.
A criação dessas leis está ajudando a equacionar a demanda e oferta desse recurso, bem como o empoderamento da sociedade nos planos de gestão dos recursos hídricos por meio dos comitês das bacias hidrográficas.  A cobrança pelo uso da água tenderá a resolver alguns conflitos hoje evidenciados em muitas bacias hidrográficas brasileiras. Embaraços como desperdícios e poluição da água, resultaram em punições aos infratores, que terão que pagar por tais irresponsabilidades. As legislações em vigor obrigam que os planos de bacias hidrográficas estabeleçam o enquadramento dos rios de acordo com a qualidade da água. Somente no estado de São Paulo são mais de 300 rios que estão enquadrados na cota quatro, ou seja, o nível mais dramático de poluição. Foram citados alguns exemplos de políticas bem sucedidas de recuperação de rios no estado de São Paulo, como o rio Jundiaí, que voltou a ter vida.
Sobre a Agência Nacional de Águas, explicou seu representante que há vinte anos não havia qualquer regulação sobre os recursos hídricos no Brasil. Que em decorrência da grande demanda de trabalho, a agência atua com exclusividade na normatização e fiscalização dos grandes rios federais e estaduais. O controle dessas bacias, portanto, fica sob a tutela dos comitês gestores e dos conselhos municipais. Esclareceu Samuel Barreto, da ONG TNC, que as legislações brasileiras que regulam os sistemas hidrográficos são reconhecidamente uma das mais sofisticadas do mundo. São mais de 300 comitês de bacias atuantes em todo território brasileiro. No entanto, o percentual de pessoas conhecedoras dos comitês e dos trabalhos realizados é ínfimo. Das quatro mil médias e grandes metrópoles espalhadas no mundo, 40% apresentam níveis moderados ou elevados de degradação hídrica.
Nesse sentido, o século XXI está se evidenciando como sendo o da crise hídrica, da mediação de conflitos pela disputa da mesma. A ONU, segundo a representante da SOS Mata Atlântica, incluiu a água como uma das estratégias do seu programa global. Com destaque ao aqüífero guarani, que vem sendo ameaçado e, agora, mais ainda com a quebra da moratória do governo brasileiro que poderá autorizar a exploração do gás de xisto. Outro grave retrocesso e que redundou no agravamento da crise hídrica brasileira foi a aprovação do novo código florestal que flexibilizou inúmeros dispositivos relativos à proteção das nascentes, entre outros. Durante o processo de elaboração do código florestal o parlamento brasileiro desconsiderou as recomendações e os alertas das comunidades científicas e organizações ambientais sobre os possíveis riscos ao meio ambiente se modificações não fossem promovidas no código.
De acordo com o pesquisador e professor da USP, Wagner Ribeiro, é preciso pensar uma geografia em escala local, sendo necessário, também, incorporar a água como uma das principais bandeiras nos planos estratégicos de governo. O comitê das bacias se configura como proposta inovadora de procurar resolver as demandas hídricas. No entanto, o Brasil não conseguiu ainda configurar os próprios comitês. Barcelona e Sevilha, por exemplo, conseguiram reduzir a demanda por água sem comprometer a qualidade de vida das pessoas. O turismo se configura como um das principais matrizes econômicas dessas duas metrópoles espanholas.
No final do debate, a representante da SOS Mata Atlântica enfatizou que a sociedade não deixou a água fora da agenda das prioridades, citou o Papa Francisco que lançou a encíclica Casa Comum, onde aborda os problemas ambientais que afetam o planeta. Uma das principais fragilidades no cenário nacional são as políticas públicas voltadas às soluções ambientais. Tais carências de gestão forçam as pessoas a assumirem compromissos que não são delas e sim do poder público. É preciso, portanto, a promoção de um saneamento ético urgente no país, construindo uma agenda cuja água deverá ser a mediadora da paz global. 
Prof. Jairo Cezar                                      

Nenhum comentário:

Postar um comentário