quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

MINERAÇÃO DE CARVÃO PODE AMEAÇAR O ABASTECIMENTO DE ÁGUA E O TURISMO SUSTENTÁVEL NA COMUNIDADE HISTÓRICA DE RIO MOROSINI, TREVISO/SC


Retornando depois de três anos à comunidade tradicional de Rio Morosini, localizada no município de Treviso, o objetivo agora era conhecer em loco as pousadas sustentáveis que estavam sendo concluídos na época pelo proprietário, bem como os trâmites relativos ao complexo processo de uma empresa mineradora que requeria autorização para minerar no subsolo da região. Na época quando lá estivemos tanto Mario Anelli, que também é líder comunitário, parcela da população do município e o MPF(Ministério Público Federal), ambos estavam integrados e contrários a realização de audiência pública com vistas a liberação de licenciamento ambiental para a mineração.

A apreensão dos cidadãos/as que se opunham e se opõem ao projeto é que a área de interesse para exploração é exatamente onde está situada a comunidade de Rio Morosini, com mais de cem anos de história e também onde estão concentradas as principais nascentes da bacia do rio Araranguá. São tais nascentes que abastecem com água centenas de famílias da região. Projeto de mineração semelhante ao pretendido para o subsolo dessa comunidade foi licenciado em outros lugares pelos órgãos ambientais. O resultado, portanto, foi trágico, pois contribuiu para o rebaixamento dos lençóis freáticos e a extinção de todas as vertentes.[1]


Muitas residências sofreram rachaduras, algumas até chegaram ao extremo de sofrerem desmoronamentos, como no centro de Treviso, cuja cobertura do solo minerado ou profundidade varia entre 4 a 5 metros da superfície. Quando Mario Anelli, que também é vice-presidente da ADM de Rio Morosini, afirma que a mineração irá comprometer o abastecimento de água da região, ele fundamenta seu argumento em episódios semelhantes ocorridos no próprio município, como também nos municípios de Forquilhinha e Içara. Desde o momento que a empresa interessada Carbonífera Belluno apresentou o projeto de mineração, já ocorreram três audiências, todas se tornaram inválidas pelo fato do EIA/RIMA apresentar alguma irregularidade.


A quarta audiência pública para tratar sobre o assunto ocorreu no dia 04 de agosto de 2016, na própria comunidade de Rio Morosini. A FATMA e o MPF estiveram presentes e solicitaram prazos para avaliar os processos apresentados pela empresa interessada na mineração. Mario não acredita nos argumentos apresentados pelos representantes da empresa quando afirmam que o projeto é seguro e que não comprometerá os recursos hídricos da região. Informou o representante comunitário que na terceira audiência, realizada em julho de 2016, o RIMA não apresentava qualquer plano de abastecimento humano na hipótese das vertentes secarem.


A mesma empresa que está interessada em minerar a região foi condenada no passado por crime ambiental, cuja medida compensatória foi a construção de uma estação de água para o abastecimento humano nessa comunidade e de Volta Redonda. Esse sistema de captação, que é gerido pela própria comunidade de Rio Morosini, atende atualmente cerca de 150 famílias e tem capacidade suficiente para abastecer quase toda a população do município de Treviso. A água captada pela estação é de excelente qualidade, sendo que até pouco tempo o único processo adotado pela estação era o de filtragem, dispensando a aplicação de cloro. Porém a ADM (Associação de Desenvolvimento da Microbacia) teve que se adequar as legislações vigentes, adicionando cloro na água para remover possíveis impurezas presentes na água.



Quanto as pousadas e o turismo ecológico, citadas acima por Mario, que são opções de renda às famílias residentes no Rio Morosini, na visita ao empreendimento já concluído pode ser comprovado que com criatividade e consciência ambiental é possível se utilizar dos recursos naturais com o mínimo de impacto. Hoje em dia um dos maiores problemas enfrentados pelas cidades brasileiras e especialmente as litorâneas é a questão do esgotamento sanitário. O estado de Santa Catarina é um dos que possui menor percentual de esgotamento tratado e o resultado são os rios, córregos, lagos e praias poluídas.


A inquietação do proprietário das pousadas foi antes de construí-las em um local paradisíaco e extremamente frágil ambientalmente, pesquisar formas alternativas e baratas para a reutilização do esgoto e o aproveitamento da água. O tratamento do esgoto das pousadas ocorre por meio de filtros instalados próximos aos empreendimentos, cujo material sólido é aproveitado como adubo orgânico no cultivo de árvores frutíferas e jardins. Toda a água utilizada nas pousadas é canalizada das nascentes que escorre por gravidade. Além do seu uso doméstico a água também abastece duas piscinas onde os hóspedes podem desfrutá-las em dias quentes.



No lugar das tradicionais telhas ou coberturas artificiais que tornam os ambientes das residências um tanto quanto abafados, o empreendedor procurou ousar. Por que não construir telhados verdes, pois além do aspecto estético agradável, a grama mantém o ambiente interno da residência sempre fresco, não necessitando de ventiladores muito menos ar condicionado. Realmente a intenção do proprietário das pousadas foi fugir definitivamente dos clichês tradicionais na área de hotelaria, oferecendo aos hóspedes, conforto, conhecimento diante de cenários contemplativos.



Um dos inconvenientes possíveis de serem visualizados a partir das pousadas são a presença de espécies exóticas, pinos e eucaliptos, que dominam as encostas e os topos de morros próximos. Segundo Mario, há alguns anos muitos proprietários promoveram a derrubada criminosa da floresta nativa para o cultivo dessas respectivas espécies, bem como de bananais. Atualmente, em decorrência dos valores irrisórios na comercialização dessa madeira associado ao maior rigor das legislações ambientais, tais espécies sua supressão se tornou mais difícil. O que deve ser feio, segundo Mario, é a conscientização dos proprietários para o reflorestamento com espécies nativas e o estímulo em programas de turismo sustentável na região.



Somente os atrativos oferecidos e o cenário contemplativo da paisagem seriam suficientes para perdurar no imaginário por muito tempo. Mas não parou por aí. Subitamente fomos surpreendidos com o convite para conhecermos uma cachoeira. Foram quase duas horas de caminhada, por estrada de terra batida, de subidas e descidas íngremes, entre plantações de banana e mata fechada.   Durante todo o trajeto era possível ouvir o som do rio escorrendo pelas pedras. Descendo com cuidado, finalmente chegamos ao leito do tradicional rio Morosini, que dá nome ao local.


Quando pensávamos que tínhamos superado o trecho mais difícil, a surpresa estava bem a nossa frente. Chegar até a esperada cachoeira exigiu paciência, destreza, coragem e companheirismo. Mais ou menos meia hora depois de caminhada enfim chegamos a cachoeira. O desafio agora era escalar as paredes lisas ou subir por um tronco para poder banhar-se na água fresca que caía do penhasco. Ambas as opções requereram muito cuidado, pois qualquer descuido havia o risco de queda, que embora não fosse tão alto poderia causar algum ferimento.


É de tirar o fôlego. Por alguns minutos ficamos ali contemplando tamanha beleza construída pelo tempo há milhões de anos. Ao mesmo tempo era perceptível no semblante do guia Mario certo ar de preocupação, pois todo aquele cenário paradisíaco, encantador, poderá desaparecer caso seja liberada a extração de carvão no subsolo. Como ele mesmo disse, a quantidade de carvão disponível no local é suficiente para no máximo quatro anos de exploração. Não permitiremos que a irracionalidade e a ganância coloquem em risco aquilo que a natureza demorou tanto tempo para formar. Queremos ser lembrados pelas futuras gerações como bravos lutadores em defesa da água, que enfrentamos grandes tubarões do carvão e vencemos.
Prof. Jairo Cezar                                        



[1]http://morrodosconventos-jairo.blogspot.com.br/2014/12/conselhoconsultivo-do-comite-da-bacia.html










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