A EDUCAÇÃO PÚBLICA VIVE UMA DE SUAS PIORES CRISES HISTÓRICAS
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Os
profissionais da educação mais antigos, que tiveram participação nas lutas em
defesa da educação pública no estado de Santa Catarina, acredito que devem se
lembrar do professor Nilson Matos Pereira, um dos mais respeitados ativistas da educação, que
profetizava nas reuniões e assembleias do SINTE que muito breve a educação
pública seria totalmente privatizada. Lembro de colegas muitas vezes de lutas
presentes nesses encontros que desdenhavam do professor, que o consideravam um
tanto catastrófico o futuro cenário da educação pública.
O
professor Nilson faleceu em 2005, momento em que o Brasil estava sob a gestão
petista. Não teve tempo de acompanhar o fatídico impeachment de Dilma Rousseff
em 2016 que pôs fim ao ciclo pouco virtuoso de 15 anos de petismo sem, ao menos,
ter cumprido metas importantes e históricas redigidas no estatuto do partido,
dentre elas a radical transformação da educação pública brasileira. O professor
Nilson, um dos fundadores do partido dos trabalhadores em Araranguá, sempre foi
um incansável conciliador, radical defensor do diálogo, até mesmo com
adversários ideológicos históricos.
Acreditava
que o radicalismo, o sectarismo, pouco ou nada contribuía para o avanço pessoal
e coletivo. Manteve-se firme, fiel até momento final de sua morte, de radical
defensor de uma educação pública de qualidade a todos/as os cidadãos/as
brasileiros/as. Para ele, o modelo desejável era a federalização da educação,
com um projeto pedagógico e plano de carreira profissional unificados. Com
certeza, se estivesse ainda vivo, o professor Nilson teria sofrido decepções,
especialmente com as políticas de ajustes fiscais implementadas no segundo
mandato do governo Dilma, quando penalizou drasticamente a educação pública, auferindo
cortes orçamentários milionários.
Se
nas quase duas décadas que o PT esteve à frente do governo construísse uma base
educacional sólida, empoderando a sociedade para cuidar e zelar das escolas
como se fosse parte integrante da família, hoje, talvez, não estaríamos vivendo
o drama de um governo opressor, insensível diante do sofrimento de milhões de
brasileiros. Foi com a constituição promulgada
de 1988 que a educação pública brasileira adquiriu um caráter de maior
amplitude e responsabilidade dos gestores públicos.
A
própria LDB, sancionada em 1996, embora não contemplasse os anseios dos
movimentos ligados a educação, é consenso da maioria de que o documento avançou
em muitos aspectos, principalmente no que se refere ao financiamento com a
criação do FUNDEF/FUNDEB. Com o impeachment de Dilma Rousseff, a ofensiva
neoliberal avançou de forma feroz sob as conquistas históricas dos
trabalhadores. As reformas trabalhista e previdenciária abriram as porteiras
para o avanço rápido das privatizações e o encolhimento do Estado na cobertura
de serviços básicos essenciais como saúde, educação e saneamento básico.
A
nova Base Nacional Comum Curricular e a reforma do ensino médio de caráter
tecnicista, ambas efetivadas durante o governo Michel Temer, davam mostras de
dias muito difíceis no futuro para os profissionais da educação. Se nos anos
posteriores a homologação da LDB uma das pautas dos movimentos dos professores
foi lutar pela valorização profissional, que culminou com a aprovação da lei do
piso nacional, agora, 25 anos depois, o que atormenta os docentes e a sociedade
é o fantasma cada vez mais próximo da privatização da educação pública
brasileira.
A
chegada ao poder do ultraconservador Jair Bolsonaro, foi a concretização de um
plano de poder articulado pelo grande capital. Para o capital, um dos segmentos
que estariam na mira das grandes corporações ligadas ao ensino seria a educação
pública, que detém um orçamento anual de quase 300 bilhões de reais. E por que
será? Em qualquer sociedade desenvolvida, a educação sempre foi tratada como
prioridade pelas instituições. Foi por meio da educação que países da Europa e
da Ásia conseguiram superar crises estruturais históricas. Os resultados das
avaliações do PISA, que é um sistema de avaliação internacional de estudantes
do ensino médio, comprovam que os países da OCDE que mais investiram em
educação obtiveram as melhores classificações e estão no topo do ranque.
O
Brasil, nas várias edições da PISA, briga para sair das últimas posições e não
consegue. A reforma do ensino médio, sancionada no governo Temer, teve como prerrogativa
tornar o currículo mais “flexível”, priorizando saberes como matemática e
língua portuguesa, pondo as demais áreas do saber em segundo plano. O projeto
de reforma pouca ou nenhuma ênfase deu ao financiamento da educação e ao
fortalecimento da carreira profissional. Mas se o horizonte descortinado para
educação na gestão Temer vislumbrava um cenário tempestuoso, com Bolsonaro
presidente da República, a tempestade se transformou em um “furacão” categoria cinco,
deixando rastros de destruição irreparável à educação publica brasileira.
A
letalidade desse fenômeno tempestuoso para a educação tornou-se mais letal com
a Pandemia do Corona Vírus, que devassa vidas no mundo e no Brasil. Se o ambiente
dito normal da educação pública brasileira já era, bem dizer, trágico, antes o
Corona Vírus, escancarou o quão desigual e miserável é a sociedade brasileira. Com o cancelamento das aulas presenciais, uma
das alternativas paliativas para dar continuidade à “rotina” escolar foi o uso
de ferramentas tecnológicas, internet, TV, etc.
Um
país com tantas desigualdades e injustiças sociais, essa estratégia de ensino remoto
escancarou o tamanho do buraco social provocado por anos, décadas de governos
inescrupulosos. O caos educacional descortinado poderia, quem sabe, ter sido
minimizado se à frente do executivo nacional estivesse alguém que demonstrasse
alguma afeição e capacidade intelectual para buscar e adotar soluções sensatas
ao não aprofundamento do abismo educacional.
Como
imaginar o não aprofundamento do abismo educacional quando em menos de dois
anos de governo Bolsonaro, três ministros da educação já desfilaram pelos
corredores do MEC sem apresentar o mínimo de capacidade intelectual à altura do
cargo. São erros cometidos que reverterão em prejuízos irreparáveis à educação
num curto e médio espaço de tempo.
Do
mesmo modo que numa escola o cargo de gestor deve ser assumido por indivíduos que
apresentem mínimas habilidades técnicas e pedagógicas, em âmbito mais geral, no
MEC, por exemplo, o cargo de ministro deveria seguir o mesmo critério. No
entanto, no atual governo esse critério não é seguido. O aspecto partidário,
bem como o alinhamento com as políticas ideológicas do governo são atributos
fortes, determinantes na escolha dos postulados ao cargo. Foi o que aconteceu
na indicação do primeiro nome à pasta, Ricardo Veléz Rodrigues; do segundo,
Abraham Weintraub; e do terceiro, Carlos Alberto Tecotelli, que nem chegou a
assumir.
Os
três ministros demonstraram na condução de seus trabalhos à frente do MEC total
falta de capacidade, a exemplo de outras pastas importantes como o da saúde e
meio ambiente. Agora, o segundo nome indicado à pasta do MEC, Abraham
Weintraub, o mesmo é passivo de uma produção cinematográfica, um documentário
ou mesmo de um “filme pastelão”, contendo cenas bizarras.
Sem
o mínimo de preparo ou capacidade à altura do cargo, desfilou no ministério por
mais de um ano, com o único intuito de desqualificar a educação pública. O ato bizarro
que, certamente, o teria nocauteado e levando a perda do cargo de ministro foi o
episódio por ele protagonizado na reunião ordinária dos ministros com o
presidente Bolsonaro na sede do palácio do planalto, no dia 22 de maio de 2020.
Na
ocasião, em alto e bom tom, destilou toda a sua ira e fragilidade ao posto de
ministro contra a suprema corte, o STF, afirmando que são uns vagabundos, que
deveriam ser os primeiros a serem presos. Para um ministro da educação que
deveria ser exemplo de cordialidade e respeito às instituições, tal afirmação
soou como uma bomba. Durante uma ou duas semanas os noticiários nacionais e
internacionais reproduziram a cena de sua enfadonha fala, que virilizou tão
rápido como um rastilho de pólvora.
As
expectativas de outro nome à vaga de Waintraub, com melhores qualificações, não
despertava tanto otimismo dos setores mais progressistas da educação pública
brasileira. De repente, os noticiários divulgaram o nome de Carlos Alberto Decotelli,
um cidadão também alinhado às políticas ultraconservadores de Bolsonaro, que
poderia ser o primeiro negro a ocupar o posto de ministro da educação.
De
repente, escancararam nos noticiários, denúncias de que o futuro ministro da
educação estava envolto de irregularidades em seu currículo, a não conclusão do
doutorado e plágio na dissertação de mestrado, foram algumas delas. Mais uma
bomba programada explodiu no colo do presidente. Dar posse a uma pessoa que foi
capaz de fraudar o próprio Currículo Vítae não sairia bem na foto para um
ministério da importância como é o da educação. Nem chegou a assumir o cargo, Decotelli
pediu demissão, saindo do cenário com uma terrível mancha que carregará para
sempre.
A
pergunta que muitos gostariam de fazer é o seguinte: como uma pessoa indicada a
um cargo tão importante como o da educação, desconhecia que a farsa detectada
no seu currículo não passaria em puni aos olhares da sociedade? O que é mais
intrigante é a presença no currículo de Docatelli do posto de professor na FGV
(Fundação Getúlio Vargas) que não se confirmou. Isso denigre a imagem de uma
instituição reconhecida no Brasil e no exterior.
Mais
uma página manchada para a história da educação brasileira que será deixada por
um presidente da República. A renúncia de Docatelli ao cargo de ministro da
educação escancara ainda mais uma crise sem precedentes na educação. O
agravamento da crise põe em questionamento o futuro da educação, no ano em que
finda o FUNDEB (Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação Básica).
Para
tentar, quem sabe, reparar os terríveis erros cometidos a tão arranhada pasta
educacional, o presidente teria que desafiar suas bases de apoio político, como
os olavistas, os militares, e escolher um nome não alinhado a essa corrente.
Dito e feito. De repente, a fumaça branca na chaminé do planalto começa a sair:
temos um novo ministro da educação, o nome era Renato Feder. Divulgado o nome
do novo ministro, bastou concluir a informação e já havia um relatório completo
do novo postulante a pasta.
As
primeiras informações que chegaram ao público era alguém que atuava na
secretaria da educação no estado do Paraná, que havia anteriormente havia sido
cogitado à pasta do MEC, porém, o presidente decidiu pelo nome de Docatelli. A
comunidade acadêmica e setores mais progressistas da educação ficaram
aterrorizados quando tiveram informações dos seus planos junto ao ministério.
Por ter ligação com setores do ensino a distância, em livro editado no passado junto
com outro colega, havia escrito que toda a educação brasileira deveria ser
privatizada, começando do jardim ao ensino superior. Para ele cada criança
deveria receber certa quantia em dinheiro, um Woucher.
Por
estar alinhado ao grupo do Centrão no congresso nacional, gerou profundo
descontentamento de correntes contrárias, os militares e os Olavistas. Como aconteceu
com Docatelli, Feder desistiu do convite ao posto de ministro no domingo, 05 de
julho. E agora, façam as suas apostas. Teremos
ou não um ministro da educação? Ou será que se repetirá na educação o mesmo
episódio ocorrido na saúde, a posse de um ministro interino, sem qualificação
técnica ao posto? O que se sabe é que a novela chamada ministro da educação tem
o enredo final conhecido por todos, o próximo nome a ocupar a vaga não terá,
com certeza, um perfil diferente do pensamento ultraconservador do presidente
Bolsonaro.
Retornando
ao lendário professor Nilson Matos Pereira que deixou um enorme legado para a
educação do estado. Seu pensamento e
discurso sempre mostravam estar à frente do seu tempo. Apresentando uma fala clara
e eloquente, era imbatível quanto as suas abordagens conjunturais. Deixava explícito
que era imprescindível aos profissionais da educação que aprimorassem o
discurso crítico, que deixassem de ser ingênuos acreditando que os governos de
plantão fariam as transformações necessárias sem resistência da categoria.
É
a falta da politização, compreensão crítica da realidade e a perda paulatina
das bandeiras de luta históricas dos movimentos dos trabalhadores são as causas,
entre outras, do atual cenário conjuntural brasileiro e estadual. Ainda há
tempo para resistir e destruir o monstro do capital que insiste abocanhar o que
conquistamos com tanto sangue, suor e lágrimas, nosso sagrado direito a uma
educação pública, gratuita e de qualidade.
Prof.
Jairo Cezar
O que eu vejo em um futuro muito próximo será o modelo chileno implementado em terras brasileiras... Fim da gratuidade da educação superior, ensino médio gratuito porém não presencial, entre os maldades que devem vir... Lembro do professor Nílson ao qual tive o privilégio de ser seu aluno.
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