terça-feira, 7 de julho de 2020


A EDUCAÇÃO PÚBLICA VIVE UMA DE SUAS PIORES CRISES HISTÓRICAS

Prestes A Ressurgir: Escolas "Charter": a fórmula norte-americana ...
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Os profissionais da educação mais antigos, que tiveram participação nas lutas em defesa da educação pública no estado de Santa Catarina, acredito que devem se lembrar do professor Nilson Matos Pereira, um dos mais  respeitados ativistas da educação, que profetizava nas reuniões e assembleias do SINTE que muito breve a educação pública seria totalmente privatizada. Lembro de colegas muitas vezes de lutas presentes nesses encontros que desdenhavam do professor, que o consideravam um tanto catastrófico o futuro cenário da educação pública.  
O professor Nilson faleceu em 2005, momento em que o Brasil estava sob a gestão petista. Não teve tempo de acompanhar o fatídico impeachment de Dilma Rousseff em 2016 que pôs fim ao ciclo pouco virtuoso de 15 anos de petismo sem, ao menos, ter cumprido metas importantes e históricas redigidas no estatuto do partido, dentre elas a radical transformação da educação pública brasileira. O professor Nilson, um dos fundadores do partido dos trabalhadores em Araranguá, sempre foi um incansável conciliador, radical defensor do diálogo, até mesmo com adversários ideológicos históricos.
Acreditava que o radicalismo, o sectarismo, pouco ou nada contribuía para o avanço pessoal e coletivo. Manteve-se firme, fiel até momento final de sua morte, de radical defensor de uma educação pública de qualidade a todos/as os cidadãos/as brasileiros/as. Para ele, o modelo desejável era a federalização da educação, com um projeto pedagógico e plano de carreira profissional unificados. Com certeza, se estivesse ainda vivo, o professor Nilson teria sofrido decepções, especialmente com as políticas de ajustes fiscais implementadas no segundo mandato do governo Dilma, quando penalizou drasticamente a educação pública, auferindo cortes orçamentários milionários.
Se nas quase duas décadas que o PT esteve à frente do governo construísse uma base educacional sólida, empoderando a sociedade para cuidar e zelar das escolas como se fosse parte integrante da família, hoje, talvez, não estaríamos vivendo o drama de um governo opressor, insensível diante do sofrimento de milhões de brasileiros.  Foi com a constituição promulgada de 1988 que a educação pública brasileira adquiriu um caráter de maior amplitude e responsabilidade dos gestores públicos.
A própria LDB, sancionada em 1996, embora não contemplasse os anseios dos movimentos ligados a educação, é consenso da maioria de que o documento avançou em muitos aspectos, principalmente no que se refere ao financiamento com a criação do FUNDEF/FUNDEB. Com o impeachment de Dilma Rousseff, a ofensiva neoliberal avançou de forma feroz sob as conquistas históricas dos trabalhadores. As reformas trabalhista e previdenciária abriram as porteiras para o avanço rápido das privatizações e o encolhimento do Estado na cobertura de serviços básicos essenciais como saúde, educação e saneamento básico.
A nova Base Nacional Comum Curricular e a reforma do ensino médio de caráter tecnicista, ambas efetivadas durante o governo Michel Temer, davam mostras de dias muito difíceis no futuro para os profissionais da educação. Se nos anos posteriores a homologação da LDB uma das pautas dos movimentos dos professores foi lutar pela valorização profissional, que culminou com a aprovação da lei do piso nacional, agora, 25 anos depois, o que atormenta os docentes e a sociedade é o fantasma cada vez mais próximo da privatização da educação pública brasileira.
A chegada ao poder do ultraconservador Jair Bolsonaro, foi a concretização de um plano de poder articulado pelo grande capital. Para o capital, um dos segmentos que estariam na mira das grandes corporações ligadas ao ensino seria a educação pública, que detém um orçamento anual de quase 300 bilhões de reais. E por que será? Em qualquer sociedade desenvolvida, a educação sempre foi tratada como prioridade pelas instituições. Foi por meio da educação que países da Europa e da Ásia conseguiram superar crises estruturais históricas. Os resultados das avaliações do PISA, que é um sistema de avaliação internacional de estudantes do ensino médio, comprovam que os países da OCDE que mais investiram em educação obtiveram as melhores classificações e estão no topo do ranque.
O Brasil, nas várias edições da PISA, briga para sair das últimas posições e não consegue. A reforma do ensino médio, sancionada no governo Temer, teve como prerrogativa tornar o currículo mais “flexível”, priorizando saberes como matemática e língua portuguesa, pondo as demais áreas do saber em segundo plano. O projeto de reforma pouca ou nenhuma ênfase deu ao financiamento da educação e ao fortalecimento da carreira profissional. Mas se o horizonte descortinado para educação na gestão Temer vislumbrava um cenário tempestuoso, com Bolsonaro presidente da República, a tempestade se transformou em um “furacão” categoria cinco, deixando rastros de destruição irreparável à educação publica brasileira.      
A letalidade desse fenômeno tempestuoso para a educação tornou-se mais letal com a Pandemia do Corona Vírus, que devassa vidas no mundo e no Brasil. Se o ambiente dito normal da educação pública brasileira já era, bem dizer, trágico, antes o Corona Vírus, escancarou o quão desigual e miserável é a sociedade brasileira.  Com o cancelamento das aulas presenciais, uma das alternativas paliativas para dar continuidade à “rotina” escolar foi o uso de ferramentas tecnológicas, internet, TV, etc.
Um país com tantas desigualdades e injustiças sociais, essa estratégia de ensino remoto escancarou o tamanho do buraco social provocado por anos, décadas de governos inescrupulosos. O caos educacional descortinado poderia, quem sabe, ter sido minimizado se à frente do executivo nacional estivesse alguém que demonstrasse alguma afeição e capacidade intelectual para buscar e adotar soluções sensatas ao não aprofundamento do abismo educacional.
Como imaginar o não aprofundamento do abismo educacional quando em menos de dois anos de governo Bolsonaro, três ministros da educação já desfilaram pelos corredores do MEC sem apresentar o mínimo de capacidade intelectual à altura do cargo. São erros cometidos que reverterão em prejuízos irreparáveis à educação num curto e médio espaço de tempo.
Do mesmo modo que numa escola o cargo de gestor deve ser assumido por indivíduos que apresentem mínimas habilidades técnicas e pedagógicas, em âmbito mais geral, no MEC, por exemplo, o cargo de ministro deveria seguir o mesmo critério. No entanto, no atual governo esse critério não é seguido. O aspecto partidário, bem como o alinhamento com as políticas ideológicas do governo são atributos fortes, determinantes na escolha dos postulados ao cargo. Foi o que aconteceu na indicação do primeiro nome à pasta, Ricardo Veléz Rodrigues; do segundo, Abraham Weintraub; e do terceiro, Carlos Alberto Tecotelli, que nem chegou a assumir.
Os três ministros demonstraram na condução de seus trabalhos à frente do MEC total falta de capacidade, a exemplo de outras pastas importantes como o da saúde e meio ambiente. Agora, o segundo nome indicado à pasta do MEC, Abraham Weintraub, o mesmo é passivo de uma produção cinematográfica, um documentário ou mesmo de um “filme pastelão”, contendo cenas bizarras.
Sem o mínimo de preparo ou capacidade à altura do cargo, desfilou no ministério por mais de um ano, com o único intuito de desqualificar a educação pública. O ato bizarro que, certamente, o teria nocauteado e levando a perda do cargo de ministro foi o episódio por ele protagonizado na reunião ordinária dos ministros com o presidente Bolsonaro na sede do palácio do planalto, no dia 22 de maio de 2020.
Na ocasião, em alto e bom tom, destilou toda a sua ira e fragilidade ao posto de ministro contra a suprema corte, o STF, afirmando que são uns vagabundos, que deveriam ser os primeiros a serem presos. Para um ministro da educação que deveria ser exemplo de cordialidade e respeito às instituições, tal afirmação soou como uma bomba. Durante uma ou duas semanas os noticiários nacionais e internacionais reproduziram a cena de sua enfadonha fala, que virilizou tão rápido como um rastilho de pólvora.
As expectativas de outro nome à vaga de Waintraub, com melhores qualificações, não despertava tanto otimismo dos setores mais progressistas da educação pública brasileira. De repente, os noticiários divulgaram o nome de Carlos Alberto Decotelli, um cidadão também alinhado às políticas ultraconservadores de Bolsonaro, que poderia ser o primeiro negro a ocupar o posto de ministro da educação.
De repente, escancararam nos noticiários, denúncias de que o futuro ministro da educação estava envolto de irregularidades em seu currículo, a não conclusão do doutorado e plágio na dissertação de mestrado, foram algumas delas. Mais uma bomba programada explodiu no colo do presidente. Dar posse a uma pessoa que foi capaz de fraudar o próprio Currículo Vítae não sairia bem na foto para um ministério da importância como é o da educação. Nem chegou a assumir o cargo, Decotelli pediu demissão, saindo do cenário com uma terrível mancha que carregará para sempre.
A pergunta que muitos gostariam de fazer é o seguinte: como uma pessoa indicada a um cargo tão importante como o da educação, desconhecia que a farsa detectada no seu currículo não passaria em puni aos olhares da sociedade? O que é mais intrigante é a presença no currículo de Docatelli do posto de professor na FGV (Fundação Getúlio Vargas) que não se confirmou. Isso denigre a imagem de uma instituição reconhecida no Brasil e no exterior.
Mais uma página manchada para a história da educação brasileira que será deixada por um presidente da República. A renúncia de Docatelli ao cargo de ministro da educação escancara ainda mais uma crise sem precedentes na educação. O agravamento da crise põe em questionamento o futuro da educação, no ano em que finda o FUNDEB (Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação Básica). 
Para tentar, quem sabe, reparar os terríveis erros cometidos a tão arranhada pasta educacional, o presidente teria que desafiar suas bases de apoio político, como os olavistas, os militares, e escolher um nome não alinhado a essa corrente. Dito e feito. De repente, a fumaça branca na chaminé do planalto começa a sair: temos um novo ministro da educação, o nome era Renato Feder. Divulgado o nome do novo ministro, bastou concluir a informação e já havia um relatório completo do novo postulante a pasta.
As primeiras informações que chegaram ao público era alguém que atuava na secretaria da educação no estado do Paraná, que havia anteriormente havia sido cogitado à pasta do MEC, porém, o presidente decidiu pelo nome de Docatelli. A comunidade acadêmica e setores mais progressistas da educação ficaram aterrorizados quando tiveram informações dos seus planos junto ao ministério. Por ter ligação com setores do ensino a distância, em livro editado no passado junto com outro colega, havia escrito que toda a educação brasileira deveria ser privatizada, começando do jardim ao ensino superior. Para ele cada criança deveria receber certa quantia em dinheiro, um Woucher.
Por estar alinhado ao grupo do Centrão no congresso nacional, gerou profundo descontentamento de correntes contrárias, os militares e os Olavistas. Como aconteceu com Docatelli, Feder desistiu do convite ao posto de ministro no domingo, 05 de julho.  E agora, façam as suas apostas. Teremos ou não um ministro da educação? Ou será que se repetirá na educação o mesmo episódio ocorrido na saúde, a posse de um ministro interino, sem qualificação técnica ao posto? O que se sabe é que a novela chamada ministro da educação tem o enredo final conhecido por todos, o próximo nome a ocupar a vaga não terá, com certeza, um perfil diferente do pensamento ultraconservador do presidente Bolsonaro.
Retornando ao lendário professor Nilson Matos Pereira que deixou um enorme legado para a educação do estado.  Seu pensamento e discurso sempre mostravam estar à frente do seu tempo. Apresentando uma fala clara e eloquente, era imbatível quanto as suas abordagens conjunturais. Deixava explícito que era imprescindível aos profissionais da educação que aprimorassem o discurso crítico, que deixassem de ser ingênuos acreditando que os governos de plantão fariam as transformações necessárias sem resistência da categoria.
É a falta da politização, compreensão crítica da realidade e a perda paulatina das bandeiras de luta históricas dos movimentos dos trabalhadores são as causas, entre outras, do atual cenário conjuntural brasileiro e estadual. Ainda há tempo para resistir e destruir o monstro do capital que insiste abocanhar o que conquistamos com tanto sangue, suor e lágrimas, nosso sagrado direito a uma educação pública, gratuita e de qualidade.
Prof. Jairo Cezar         



Um comentário:

  1. O que eu vejo em um futuro muito próximo será o modelo chileno implementado em terras brasileiras... Fim da gratuidade da educação superior, ensino médio gratuito porém não presencial, entre os maldades que devem vir... Lembro do professor Nílson ao qual tive o privilégio de ser seu aluno.

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