domingo, 12 de julho de 2020


O EXTREMO SUL DE SANTA CATARINA SOFRE AS CONSEQUÊNCIAS DO AQUECIMENTO GLOBAL

Força dos ventos do ciclone bomba provoca destruição no litoral ...
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Em dezembro de 1995 a região do Extremo Sul do Estado de Santa Catarina foi violentamente acometida por uma enxurrada que devastou municípios das encostas da serra geral, com destaques Timbé do Sul e Nova Veneza. De acordo com estudos feitos na região, o volume de chuva precipitando em poucas horas no alto da escarpa da serra foi superior a 500 mm. Esse gigantesco volume de água, derramado em pouco tempo, foi suficiente para provocar uma forte erosão nas encostas da serra, arrastando toneladas de pedras e árvores em direção a planície.
Residências, lavouras e animais foram devastados pela força da água.  Foram contabilizados 16 indivíduos mortos nessa enxurrada, sendo que quatro jamais foram encontrados. A quantidade de árvores arrancadas pela violência da enxurrada foi de tal intensidade que cobriu toda a orla marítima, entre a barra do rio Araranguá ao Balneário Arroio do Silva, ambos localizados a mais de 60 km do local do ocorrido.
 As ocorrências desses fenômenos climáticos como de outros tantos, vendavais, estiagens prolongadas, ciclones extratropicais, ambos de maiores ou menores intensidades, não são acontecimentos desconhecidos da sociedade. O fato é que estão nos últimos anos estão se tornando mais e mais freqüentes e com elevada carga de energia destrutiva.
O furacão Catarina, que assolou o sul do estado em 2004, mudou definitivamente o equivocado conceito de território brasileiro livre de furacões, tornados, etc., visão romantizada pelas mídias tradicionais e governantes, que perdeu sentido. Os próprios meteorologistas são categóricos em afirmar, se as médias de temperatura global continuar subindo, acreditam que há reais possibilidades da região sul ser afetados por novos furacões, talvez mais violentos que o Catarina.  
  O que traz apreensão quando o assunto é fenômenos climáticos desse porte, é que existem protocolos no estado de Santa Catarina para instruir a população acerca de medidas que deverão ser tomadas para se protegerem. Porém, a população desconhece esses protocolos. Existem outros agravantes como a redução ou corte de recursos para programas de monitoramento e prevenção de desastres ambientais, bem como a descontinuidade de ações institucionais motivado por trocas de governos.  Na hipótese de um novo furacão se abater sobre a região, pode, sim, provocar perdas de vidas humanas.
Quase vinte anos depois da passagem do Catarina, houve, de certo modo, o avanço nos sistemas de monitoramento climático em toda a extensão do território catarinense.  Três potentes radares meteorológicos foram instalados em pontos estratégicas do estado. Mesmo com todo esse aparato técnico a disposição e de elevado custo financeiro aos cofres públicos, a população se mantém desprotegida dos perigos do tempo.
O que se percebe a cada nova tempestade sobre o estado, é o elevado número de vítimas fatais. São mortes que poderiam ter sido poupadas se as vítimas tivessem tomado as precauções devidas. Também não dá para culpar exclusivamente o governo por fragilidades nos protocolos. A própria população tem responsabilidade, pois não tem levado muito a sério os alertas sobre tempestades que são emitidos por meteorologistas ou órgãos do governo.  
Esse comportamento negacionista também é constatado quando o assunto é aquecimento global. Isso é fato e merecedor de todos os créditos. Tanto o Furacão Catarina, as longas estiagens e os seguidos ciclones extratropicais, como o “bomba”, que causou a morte de 12 pessoas e deixando um prejuízo de quase um bilhão de reais, um e outro têm relação direta com o que está se sucedendo no clima global. O Brasil é, sem dúvida, um dos protagonistas da elevação da temperatura média do planeta, que por conseqüência está se traduzindo em mais gastos com ações reparatórios de estiagens, tempestades, que ações preventivas.
Com a posse do presidente Jair Bolsonaro, o que se vê é a contenção vertiginosa de recursos para a área ambiental. Só o plano Nacional de Mudanças Climáticas, teve corte brutal dos aportes financeiros, reduzindo de 436 milhões em 2019 para 247 milhões em 2020.  Esse plano tem por finalidade a implementação das medidas acordadas na COP 15, realizada em Paris. Dentre elas, reduzir o desmatamento ilegal para nível zero até 2030 e a restauração de 12 milhões de hectares de floresta na próxima década, ou seja, 2020 em diante.
O cenário descortinado nos quase dois anos de governo está sendo catastrófico na área ambiental. Não há em um horizonte próximo qualquer sinal de garanta que essas metas e outras acordadas na COP-15 terão os prazos cumpridos. Além da redução de recursos públicos para a execução do plano de mudanças climáticas, países como Noruega e Alemanha prometeram cancelar o repasse de quase dois bilhões de reais para o Fundo da Amazônia em resposta ao descaso do governo federal com a preservação da Amazônia.
Diante da forte pressão sofrida pelo governo federal para o combate imediato das queimadas criminosas na Amazônia, o Vice Presidente Hamilton Mourão, criou uma força tarefa enviando para a Amazônia centenas de militares para atuar no combate dos incêndios ilegais.  Para essa ação, o governo federal está desembolsando dos cofres públicos nada menos que 60 milhões de reais ao mês para o financiamento do plano. Em termos comparativos, o orçamento anual do IBAMA pouco supera a 80 milhões de reais. O causa estranheza é que mesmo com plano amazonas, com o envio de um grande contingente de militares para coibir o desmatamento e as queimadas, estudos apresentados no mês de julho de 2020 confirmam que o mês anterior, junho, bateu novo recorde em desmatamento.
O acordo assinado em 2015 na COP 23 em Paris, que foi referendado pelo governo brasileiro, era para que fosse reduzida em 3,990km quadrados a área desmatada. A conclusão que se chegou foi, em vez de ter reduzido o desmatamento, o que houve foi o aumento vertiginoso. Os relatórios mostraram que foi três vezes superior ao acordado, ou seja, 10 mil km quadrados de floresta tombada. Mas há algo estranho nisso tudo. O programa GLO (Garantia da Lei e da Ordem), que é o Plano Amazonas, instituído em agosto de 2019 e coordenado pelo Vice Presidente Mourão, não era para fiscalizar e punir os desmatadores e incendiários da floresta amazônica?
Como explicar o aumento da devastação recorde com todo esse aparato humano e gastos milionários. O que é revoltante é saber que essa força tarefa tem poder de emitir autos de infração, confiscar e tornar sem uso equipamentos como tratores de esteiras e outros maquinários.  Essas condutas administrativas são conferidas ao IBAMA e ao ICMBio. Com a GLO, esses órgãos federais perderam tais competências, sendo agora subordinados aos militares.
Muitos devem se lembrar das operações empreendidas pelo IBAMA, apreendendo e incendiando equipamentos usados nos desmatamentos pelos infratores. O governo federal tomou medidas severas contra os profissionais do IBAMA, por ter agido de acordo com o que determina as legislações ambientais. Além da demissão de chefias executivas do órgão, provocou um profundo desmantelamento, tornando quase impossíveis a execução dos serviços de fiscalização e autuação.     
Quem acreditava que com a GLO haveria o controle definitivo das invasões e destruições da floresta amazônica, se equivocou. A sensação que permanece é que o envio das forças armadas para a Amazônia foi para proteger os criminosos, para que prosseguissem a todo vapor a extração de madeira em terras públicas, a grilagem e o garimpo. A certeza de que há algo muito sinistro nessa ação do exército na Amazônia é revelado na postura favorável do Vice Presidente na PL 910/2019 da grilagem. Essa PL tem por finalidade regulamentar áreas públicas invadidas na Amazônia.
As notícias da devastação do bioma da Amazônia correram o mundo provocando indignação tanto das entidades que atuam na contenção do aquecimento global, como de países onde a população tem uma compreensão mais critica, sensata dos impactos da perda desse ecossistema ao equilíbrio do clima do planeta. As respostas dos governantes europeus vieram com ameaças, como o possível rompimento dos acordos de integração entre o MERCOSUL e a Comunidade Econômica Européia.
Diante da forte pressão vinda de todos os lados, principalmente de grandes importadores de commodities que poderá impactar o agronegócio, Mourão prometeu agir com mais severidade, implantando outro instrumento de combate aos incêndios, batizado de “moratória do fogo”.  A moratória do fogo será adotada por meio de decreto que proíbe, por 120 dias, todas as queimadas legais na Amazônia.  
É mais uma daquelas regulamentações para inglês ver, ou seja, não terá qualquer resultado positivo. Se com todo o arcabouço de leis e material humano disponibilizado para tal fim, não obteve resultado desejado, será que agora o criminoso ambiental, incendiário, vai se sensibilizar e acatar o decreto por 120 dias? Não há qualquer dúvida que no próximo ano, no mês de julho, as notícias que teremos serão de mais um recorde de desmatamento.  Se o governo Bolsonaro não for freando em tempo, o clima do Brasil e o Planeta Terra estarão sobre sérios riscos.
Não havendo como já era esperando a execução das metas relativas à redução do aquecimento global, há sinais evidentes que a temperatura média do planeta ultrapassará os dois graus centígrados antes do tempo previsto. Os desleixos do governo federal no enfrentamento das mudanças climáticas já estão revertendo em elevados prejuízos à infraestrutura e a economia de muitos estados e municípios brasileiros em decorrência de episódios climáticos extremos.
Na última década do século XX o professor Carlos Afonso Nobre, um dos mais respeitados estudiosos do clima global, com ênfase no aquecimento global, escreveu que se o desmatamento continuar ocorrendo na Amazônia, aquele bioma ficará de 5% a 20% mais seco, com a prorrogação de até dois meses do período de estiagem. Na mesma linha, a temperatura média também se elevará entre 1,5 graus a 2,5 graus, com a redução dos ciclos de chuva em até 20%.
Parece que as previsões do professor Nobre estão se confirmando. Trinta anos depois de ter feito tais alertas, é exatamente isso o que está ocorrendo na Amazônia. Nada disso sensibiliza o governo federal e setores do agronegócio. A pouca umidade produzida pela floresta, limitará o fluxo de água transportado pelos “rios voadores” às regiões centro oeste e sul, ambas grandes produtoras de grãos. O centro oeste depende exclusivamente das florestas da Amazônia para garantir a germinação das plantas. Sem o ciclo normal das chuvas, não tem como a região produzir. O uso de técnicas de irrigação dificilmente poderá ser adotado para áreas tão extensas, constituídas de grandes latifúndios.   
Nesse sentido caberão aos estados, a exemplo do estado de Santa Catarina, desenvolver estratégias para, pelo menos, tentar minimizar os efeitos negativos dos fenômenos extremos, que estão conduzindo a um novo normal na cultura do estado.  Desenvolver planos mais eficientes para assegurar o empoderamento da população na condução correta de ações frente à divulgação de alertas provenientes de órgãos oficiais.
Outra medida, que talvez pudesse ser adotada nos municípios mais suscetíveis a desastres naturais, é a instalação de sirenes sonoras. Esse recurso mostrou-se eficiente e é amplamente difundido em países acometidos por terremotos, a exemplo do Japão. Mas, de modo prático, o que é possível de execução hoje é a formação de força tarefa integrada, coordenada pelas defesas civis municipais e estaduais, oferecendo à população informações básicas para se proteger das tempestades extremas. Também, seria salutar a criação de uma lei obrigando que todos os smarts fone fossem instalados aplicativos de órgãos que monitoram o clima para que todo cidadão recebesse informações de alertas sobre tempestades severas.
Frente a tais fenômenos climáticos no extremo sul de Santa Catarina, estudos comprovam que toda essa mudança da dinâmica comportamental do micro clima local tem relação também com a atuação humana sobre a região. O desmatamento vertiginoso para dar lugar às extensas áreas com arroz irrigado pode estar influenciando toda a dinâmica microclimática local. A extração de seixos rolados nos leitos dos rios da região também são fatores agravantes dos problemas. Com a ocorrência mais freqüente de enxurradas, a falta dos seixos que amortecem a velocidade das águas, podem ser um agravante a mais na soma dos prejuízos. 
Projetos como construção de barragens a montante dos rios próximos as encostas das escarpas da serra geram devem ser avaliadas como empreendimentos de alto risco às populações que vivem a jusante. A enxurrada de 1995, e outras tantas de menor ou igual intensidade, ocorridas após essa data, são fatores que devem ser considerados na tomada de decisões para obras estruturantes na região.
Prof. Jairo Cezar      



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