sexta-feira, 24 de julho de 2020



A APROVAÇÃO DO FUNDEB ESCANCARA A PERVERSIDADE DO ATUAL GOVERNO FEDERAL PARA COM A EDUCAÇÃO PÚBLICA

NÃO VAMOS PERMITIR O DESMONTE DO NOVO FUNDEB - Sindicato APEOC

Depois do longo e tenebroso período do regime militar, o começo conturbado da redemocratização política, finalmente uma nova constituição mais cidadã foi promulgada trazendo esperança de dias melhores para milhões de brasileiros. O primeiro passo, naquele momento, era reestruturar a combalida educação destroçada pelo sanguinário regime militar. Teve início, portanto, uma densa luta envolvendo  inúmeros segmentos da sociedade esperançosos por um projeto de educação que fosse capaz de tirar o Brasil da histórica condição de subserviência aos mandos do capital internacional.

Para um  país como o Brasil dominado  por poderosas oligarquias que sempre estiveram no comando das decisões, seria quase que inimaginável almejarmos outro modelo de educação que pudesse fragilizar as estruturas desse poderoso sistema. Foram anos de intensos debates e mobilizações da categoria dos professores para que fosse assegurada no texto final garantias mínimas à uma educação digna à todos/as os brasileiros/as.

 No instante em que o tema LDB estava sendo discutido no Congresso Nacional, eu fazia parte da coordenação do SINTE ( Regional de Araranguá). Para resistir e se opor aos possíveis “jabotis” embutidos no texto base da proposta, era necessário mobilizar a categoria, instrumentalizando-os com o máximo de informações técnicas acerca do novo modelo de educação pretendido para o Brasil. Foram inúmeras reuniões, palestras, nas escolas e em outros ambientes, contendo dezenas, centenas de participantes, ansiosos para entender como ficaria a educação e a vida dos professores a partir da aprovação do projeto.

Em dezembro de 1996, o documento conclusivo da LDB foi sancionado pelo governo federal, que resultou na lei n. 9394/96. Não foi um texto esperado pela categoria, revolucionário, porém avançara em alguns aspectos,  como definir a educação como um direito universal. Antes da aprovação da  lei, em setembro de 1996 uma emenda constitucional foi sancionada , a EC n. 14, que determinou a criação do FUNDEF (Fundo Para o Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização dos Professores).  Essa emenda foi regulamentada em dezembro do mesmo ano, com a lei n. 9394/96. O fundo se tornou um dispositivo importante, pois asseguraria  o equilíbrio no financiamento da educação fundamental, dos seis aos 14 anos.

Cada município, estado, seria criado um fundo com recursos provenientes de vários impostos. Esse valor seria rateado proporcionalmente ao número de estudantes matriculados nas redes de ensino público. Os estados e municípios mais ricos, com maior arrecadação de impostos, financiariam os mais pobres. Esse modelo reduziu os profundos desníveis educacionais no território brasileiro. Não significa que com o FUNDEF os  problemas das desigualdades sociais tenham desaparecidos.

Nada disso. O que vale ressaltar é que pela primeira vez no Brasil foi criada uma lei  que abriria caminhos para  uma possível transformação social e econômica.  24 anos depois da  homologação da LDB, o que se vê ultimamente é um espantoso ataque à legislação, quase que um esquartejamento, trazendo à luz o fantasma de um retrocesso de dimensões catastróficas.  Desde a sua homologação da LDB, o documento sofreu alterações substanciais através de emendas inclusivas e supressivas.

Dentre os itens   incluídos na legislação podemos destacar: 1) a aprovação da lei n. 10.639/2003 que tornava obrigatória a inserção no currículo das redes de ensino a temática história e cultura afro-brasileira; 2) a ampliação do ensino fundamental para nove anos, sendo obrigatório a partir dos seis anos; 3)na criação do FUNDEB, por meio da EC 53, que estendeu o direito ao financiamento, estudantes do ensino infantil ao médio.

Outras normatizações foram elaboradas, entretanto, a que gerou longos e frenéticos embates foi, sem dúvida, o PNE (Plano Nacional de Educação), aprovado em 2014. Esse plano, com prazo de conclusão em 2024, apresentou um complexo conjunto de metas e ações que  afetaria  toda a estrutura educacional, do pré ao ensino superior. Entre os vários tópicos contidos no plano, que possivelmente não se concretizará, como outros tantos itens, é a transferência de 10% do PIB para a educação, hoje não chegando a 5%. 

Mas, o desmonte traiçoeiro na educação pública brasileira se descortinou mesmo, com o famoso golpe arquitetado pela elite entreguista, que levou ao poder Michel Temer. Bastaram dois anos de governo para que um verdadeiro desarranjo se sucedesse na educação. A aprovação da nova BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e a reforma do Ensino Médio, ambos se qualificaram como verdadeiros golpes a legislação que trouxe expectativas para milhões de brasileiros, acreditando na possibilidade de um Brasil menos desigual e mais justo.

O início do mandato  de Jair Bolsonaro já dava sinais de que teríamos dias muito difíceis pela frente. A todo instante o presidente protagonizava fatos polêmicos, deixando explícito o seu interesse em fragilizar as instituições republicanas, hábito corriqueiro de governos autoritários. Não seria diferente o comportamento do presidente no trato de assuntos complexos como diversidade de gênero e sexualidade,  que sempre buscou classificá-los como tabus,  criminalizando todos que defendessem a causa.

Parcela dos ministros escolhidos por Bolsonaro apresentaram um perfil similar ao seu, despreparo e protagonizadores atos confusões e constrangedores. No ranque da lista dos ministros evolvidos em episódios nada convencionais à altura do cargo estiveram: a ministra Damares Alves, que ocupa a pasta do ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos; o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, e Abraham Weintraub, da Educação. Cada um a seu modo, provaram que somente num governo do perfil do atual, poderiam fazer o que fizeram.

Mas é na educação que daremos mais destaques nesse texto. O ano de 2020 se descortinou como sendo decisivo para o futuro da educação pública, pelo fato de que em dezembro do corrente ano, expiraria a validade do FUNDEB. Desde o início do governo Bolsonaro, em 2019, era compromisso do ministério da educação e do próprio governo promover discussões com a sociedade sobre esse fundo tão importante e decisivo para o futuro da educação brasileira.

Um governo em que em menos de dois anos de mandato, quatro ministros sucederam a pasta do MEC, não é surpresa de não ter havido qualquer debate ou proposta por parte dos integrantes da pasta. Ricardo Vélez, desde o começo do mandato, que durou três meses, se deteve em assuntos fúteis como recomendar o canto do Hino Nacional nas escolas, bem como a leitura de uma carta contendo o slogan de Bolsonaro. Outra pérola protagonizada pelo ministro foi quando afirmou que a universidade foi criada para uma elite intelectual.

Mas, o campeão em absurdos cometidos em um ano e meio de ministério foi, sem dúvida, o substituto de Vélez, o cidadão Abraham Weintraub, mostrando incapacidade de gestão de um ministério tão importante como o da educação. Não há como em um simples artigo discorrer tamanha quantidade de fatos bizarros cometidos, que poderia também servir de roteiro para um filme pastelão. Entretanto, o estopim decisivo que resultou na sua demissão foi o pronunciamento feito em uma reunião ministerial no dia 22 de abril de 2020, quando afirmou que os ministros do STF são uns vagabundos, que deveriam ir para a cadeia.

Para tentar apaziguar os ânimos com o STF, quem sabe até garantir a permanência no cargo, frente às denúncias que tramitam na corte suprema de possíveis envolvimentos em crimes políticos, decidiu exonerar o ministro da educação. Para seu lugar escolheu outro nome, porém, não foi empossado. O motivo foi fraude no currículo. O postulante ao cargo descreveu no currículo que possuía doutorado, informação que foi refutada pelo reitor de uma universidade argentina, onde estudou. A verdade é que embora tenha concluído os créditos obrigatórios do doutoramento, o mesmo não defendeu a tese.  Esse episódio gerou um clima de constrangimento no palácio do planalto, gerando críticas de todos os lados, ao ponto do presidente cancelar a posse.

Era preciso, portanto, e com urgência, procurar um novo nome à altura da importância do cargo. Havia suspeita de que pudesse ocorrer no ministério da educação algo similar ao ministério da saúde, cuja pasta foi entregue a um interino, sem formação e experiência na área da saúde. Depois de tantas turbulências e incertezas envolvendo o ministério da educação, finalmente um quarto nome foi escolhido para a cadeira do MEC. Tratava-se de um pastor da igreja presbiteriana, com mestrado e doutorado e professor da Universidade Mackenzie.

No instante que o nome do quarto ministro foi divulgado, as redes sociais e outros sites jornalísticos não pouparam criticas ao ministro por vídeos divulgados, onde o mesmo defendia argumentos ultrapassados no processo pedagógico. Dos inúmeros argumentos polêmicos defendidos pelo ministro, o que merece ser destacado é quanto à educação das crianças, que para ele “a dor deve ser usada para educar crianças”.

Como forte defensor das políticas ultraconservadoras do presidente Jair Bolsonaro, na paste do ministério da Educação, o novo ministro tenderá a executar tudo o que for conveniente ao programa de desmanche da educação pública. A posse coincidiu com as tratativas para a votação do novo FUNDEB. Na mesma semana em que foi empossado ao ministro da educação, o mesmo foi excluído do papel de coordenador dos debates do novo FUNDEB. Paulo Guedes, ministro da economia, foi quem fez a interlocução do executivo com o congresso nacional.

Desde o momento em que Jair Bolsonaro assumiu o posto de Presidente da República, todos os integrantes do governo sabiam que o FUNDEB iria expirar em dezembro de 2020. Nenhum dos ministros que estiveram à frente da educação, bem como o próprio presidente da república, ambos procuraram negligenciar ao máximo o tema. No entanto, os debates no congresso e em outros segmentos sobre o fundo vêm acontecendo desde 2015. Uma das principais proposições para o FUNDEB era torná-lo permanente, além, é claro, elevar o fundo de 10% para 20%.

Como já é costumeiro nesse governo de irresponsáveis, faltando uma semana para a sessão de votação na câmara, o presidente enviou proposta para tentar fragilizar ainda mais o Fundeb. Defendeu até que o fundo fosse implantado somente em 2022. Se essa proposta fosse acatada, a educação pública sofreria um apagão em 2021, isso porque milhares de municípios não teriam condições para gerir suas escolas, pois dependem de repasses do FUNDEB.

A expectativa agora era como se comportariam os parlamentares governistas durante a votação. O resultando do painel surpreendeu a todos, 499 parlamentares votaram a favor do projeto da relatora professora Dorinha, do DEM, Tocantins. Sete foram os deputados que votaram contra a educação pública. O projeto aprovado em primeiro turno na câmara definiu que o FUNDEB será agora permanente, que passará de 10% para 23% até 2026. Isso significa que em 2026 o gasto mínimo por aluno/ano passará de 3.427 reais para 5.508 reais, um acréscimo de 61%.

O governo propunha que parcela do fundo, 5%, equivalente a 6 bilhões de reais, fosse transferido para um programa assistencial que criaria para substituir ao bolsa família.  Essa proposta foi refutada. No plano aprovado, há um dispositivo no qual determina a transferência de recursos extras na ordem de 2,5% para os municípios que obtiverem bons resultados nas avaliações.  O programa estabelece um prazo de dois anos para os estados aprovarem legislações específicas que definirão estratégias de repasses de parcelas do ICMS para os municípios, com base nos resultados.

Além dos sete deputados que votaram contra a elevação do fundo à melhoria da educação, outros sete governadores, incluindo o do estado de Santa Catarina, assinaram termo se opondo ao projeto da professora deputada Dorinha. Agora é esperar. Quem tinha alguma dúvida acerca do mau-caratismo desse governo, com a tentativa frustrada de inviabilizar a aprovação do texto do FUNDEB que favorecerá a educação pública, escancarou a terrível obscuridade que todos estamos expostos nos próximos dois anos.

Prof. Jairo Cezar     

                     

https://jornal.usp.br/atualidades/apos-20-anos-ldb-nao-trouxe-avanco-pleno-para-educacao-no-brasil/

https://www.cartacapital.com.br/politica/maia-critica-proposta-do-governo-para-fundeb-sao-ideias-soltas/

https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2020/07/camara-aprova-em-1o-turno-texto-base-de-fundeb-com-aumento-de-recursos-da-uniao.shtml

https://www.redebrasilatual.com.br/educacao/2020/07/videos-ministro-educacao-educar-crianca-dor-paixao-louca-feminicidio/

https://revistaforum.com.br/politica/paixao-louca-disse-novo-ministro-da-educacao-para-justificar-feminicidio-de-adolescente/

 

 


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