segunda-feira, 29 de outubro de 2012


Breves Reflexões Acerca dos  Efeitos dos Vetos do Código Florestal Para o Município de Araranguá

Está chegando ao fim a saga de um Código Florestal que era compreendido por expressiva parcela da comunidade científica nacional e internacional, ambientalistas e demais setores da sociedade civil como uma das leis mais avançadas do mundo. No entanto, desde a sua promulgação no começo do regime militar, a certeza da sua aplicabilidade começou a ser questionada, pois, motivada pelo “espírito” desenvolvimentista, coube aos governos militares limitar ao máximo as barreiras que restringissem o boom econômico.
Por ser a agricultura um dos  pilares da economia, uma legislação como o código florestal não seria capaz de  limitar a fúria do capital predatório impedindo a destruição progressiva dos biomas brasileiros, especialmente a mata atlântica  e a floresta amazônica, que no início da década de 1970,  se transformou em área cobiçada pelo governo para implantação de projetos de custos milionários como a  construção da rodovia transamazônica que jamais foi concluída. Além da construção da rodovia transamazônica, é oficializada a política de expansão da fronteira agrícola em direção  norte dos pais, ou seja, milhões de hectares de terras ocupadas por florestas são transformadas em áreas agricultáveis, atraindo milhares de pessoas das regiões sudeste e sul para o novo eldorado.  
Décadas mais tarde, já com a redemocratização política, os programas desenvolvimentistas, agora com um escopo mais “humanístico”, continuaram ocupando as páginas dos programas de governo. Aquela velha máxima de “Crescer o Bolo para depois distribuir” recheava os discursos de governos conservadores e de neo-progressistas de base popular.  Embora o “bolo” tenha crescido em proporções elevadas, sua distribuição não ocorreu seguindo o mesmo patamar. O  Brasil continuou sendo uma das nações mais desiguais do planeta, com graves problemas sociais e cujos reflexos são percebidos no campo educacional, que coloca o país num posto ridículo de 88º entre as nações com pior desempenho educacional.
O duvidoso boom econômico que passa nação brasileira abriria expectativa para um desenvolvimento verdadeiro se a mesma não tivesse sido alicerçada numa política de consumo e exploração exacerbada dos recursos naturais. Expandir ao máximo as fronteiras agrícolas similar à época dos militares, associada à fragilização das barreiras que restringe o progresso passou a ser quase que unanimidade entre os congressistas brasileiros representantes do agronegócio, que defendem a reformulação imediata do Código Florestal Brasileiro.
Para atingir os objetivos desejados, o primeiro passo foi conquistar a opinião pública lançando uma falsa ideia de que o atraso  agrícola estava condicionado ao código florestal que estabelecia excessivas  restrições ao progresso. O que não foi explicitada à população quando da apresentação do projeto é que o verdadeiro objetivo da sua criação era anistiar, inocentar aqueles que estavam na ilegalidade, que não respeitaram a legislação em vigor. De acordo com o Código Florestal de 1965 as regras eram muito claras quanto aos limites permitidos para ocupação urbana, produção agrícola e o percentual de vegetação de Reservas Legais e APPs que deveriam ser conservados.
Se o código florestal que estava em vigor fosse realmente cumprido na sua integridade, muitas das tragédias climáticas ocorridas no Brasil nas últimas décadas, como as enchentes de Tubarão e Araranguá, em 1974; vale do Itajaí em 1983, e outras catástrofes mais recentes na região serrana do Rio de janeiro, litoral de São Paulo e no próprio estado de Santa Catarina, os impactos poderiam ter sido amenizados, com o mínimo de perdas humanas.
Os efeitos dessas tragédias, como se notou, foram ainda maiores em áreas em que o código florestal deixava explícito a não permissão da ocupação, como as margens de rios e encostas de morros.  A fragilidade das administrações públicas, alimentada por  processos eleitorais viciados e corruptos, com a eleição de prefeitos e vereadores descompromissados com as causas sociais e ambientais, contribuiu e vem contribuindo para o agravamento dos problemas em quase todos os municípios brasileiros, e cuja solução, que deveria ser o respeito às leis orgânicas e planos diretores, seguem o cominho inverso, que é legalização de ilegalidade.
Levando em consideração o município de Araranguá, cuja expressiva a área do território é cortada por um rio com uma largura média 100 metros, a legislação de 1965, não deixava dúvidas quanto à ocupação imobiliária e agrícola em suas margens. O código estabelecia que fossem consideradas áreas de APPs,  toda área de várzea sujeita a inundações, sendo permitida a ocupação humana e agrícola a partir do limite máximo da maior enchente ocorrida. Se analisarmos as imagens da enchente de  1974, considerada uma das maiores da história do município, toda extensão coberta pela águas se caracteriza como várzea, portanto deveria ser evitada sua ocupação.
Porém, por ser uma área com boa fertilidade em decorrência das inúmeras cheias que vem se repetindo ao longo do tempo, que permite a deposição de humos em toda área que margeia o Rio Araranguá, quase toda floresta nativa existente foi removida dando lugar à rizicultura mecanizada, um tipo de agricultura que aproveita tanto a topografia do local como também da própria água do rio para a irrigação. Nesse aspecto, a legislação do Código Florestal foi totalmente desconsiderada em prol do econômico. Em relação a esse tema, a postura da Presidente da República, quanto encaminhou os vetos, foi sancionar o Art. 4 e  § 9  que não considera Área de Preservação Permanente as várzeas fora dos limites previstos.
O Art. 61-A do novo código florestal considerará área de várzeas em Araranguá a partir do limite de 15 metros da borda do rio. Esse cálculo que determina as APPs das margens de rios recebeu a denominação de escadinha, que vai aumentando as áreas de mata ciliar, proporcionalmente ao tamanho da propriedade. A unidade de medida adotada para avaliar a extensão da propriedade será sob a forma de Módulos Fiscais. Quanto maior  a fertilidade do menor será o número de hectares necessários para o cálculo do módulo rural. O solo do município de Araranguá, por apresentar uma satisfatória fertilidade, ficou definido que o tamanho de cada módulo fiscal terá uma área aproximada de 10 hectares. Diferente das regiões centro oeste e norte, devido às características do solo, os módulos fiscais atingem cifras superiores a 100 hectares.
Admitindo que expressiva parcela das propriedades rurais do município de Araranguá abrange cifras equivalentes a 4 módulos fiscais para cima, ou seja, 40 a 100 hectares, o novo código florestal obriga o proprietário a recomposição da mata ciliar numa faixa de 15 metros, a partir da borda do rio, podendo estar integradas com espécies nativas e exóticas originárias do mesmo bioma. Porém, esse dispositivo certamente gerará um impasse de complexa solução para o poder público municipal. Como ficam os proprietários que respeitaram a legislação mantendo preservada a mata ciliar muitas delas acima dos limites exigidos? Aproximadamente 98% de toda extensão do Rio Araranguá, a mata ciliar foi quase que totalmente retirada, aquelas que foram mantidas, estão abaixo do limite estabelecido que seja de  15m.  
Que medidas deverão serão tomadas para fazer com essa lei seja cumprida, exigindo do proprietário a reposição da mata ciliar estabelecida por lei e ao mesmo tempo criar instrumentos que beneficie aquele proprietário que cumpriu a legislação? Há casos em Araranguá onde duas propriedades vizinhas são cortadas pelo mesmo rio, porém, uma delas manteve uma fina faixa de vegetação que não ultrapassa os 5m, enquanto que a vizinha, supera os quinze metros. A lógica do bom senso define que o proprietário  irregular deverá, pelo menos, recuperar a vegetação até o limite dos 15 metros.
Fazer cumprir a legislação será tarefa do poder público municipal com a participação do órgão ambiental e demais entidades em especial o Comitê da Bacia do Rio Araranguá que poderá dar assessoria. A dúvida, porém, é em relação à imparcialidade dos órgãos cuja função é a aplicação da lei. Ou será que, mais uma vez, estaremos diante de uma legislação de faz de conta, que pouco ou nada contribuirá para reverter à progressiva degradação de nossas florestas. Acredita-se que essa possibilidade será a mais provável diante da fraca cobertura da imprensa ao tema, esclarecendo detalhadamente os pontos principais da legislação.
Um dos caminhos possíveis para viabilizar a aplicabilidade da legislação, é a estruturação o sistema de registro fundiário, uma espécie de detalhadamente detalhado do campo, identificando os limites de cada propriedade, tipo de vegetação, área preservada e o que deve ser recuperada. Evitar o que vem acontecendo em estados como o Pará, situado na região norte do país, onde foram constatados, com base em investigações feitas em cartórios do estado, números absurdos de registros fictícios de terras que somados ultrapassam a dois Parás.  Para tentar reverter tais anormalidades estruturais no campo, o Código Florestal institui o CAR (Cadastro Ambiental Rural), um levantamento eletrônico e fidedigno das propriedades, coordenado pelo governo federal, que dará garantia de controle sobre as mesmas, evitando situações como a que vem ocorrendo no estado do Pará. Além do CAR, o Código Florestal, por meio do Art. 59, cria também o Programa de Regularização Ambiental, que autoriza  os donos de terras, num prazo de um ano após a promulgação da lei, a regularizarem suas propriedades, cujo documento deverá constar estratégias de reposição da vegetação das áreas de reserva legal e Apps, sob pena da não observância da lei, incorrer sanções como dificuldade de proferir empréstimos de bancos oficiais.      
No município de Araranguá, acredita-se que as atribuições do CAR e PRA, sejam de responsabilidade do poder público estadual – EPAGRI (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Santa Catrina)  e municipal, FAMA (Fundação Ambiental do Município de Araranguá). Tendo em mão a radiografia fiel das propriedades, localização, tamanho e áreas destinadas à agricultura, Reserva Legal e APPs,  o poder público municipal terá facilidade para coordenar e monitorar as ações dos produtores agrícolas, acompanhando passo a passo todas as etapas e alertando-os caso não estejam respeitando os prazos estabelecidos. Durante os cinco anos, contado da data da entrega do Programa de Regularização Rural, o proprietário será monitorado, alertando-o da sua obrigação ambiental evitando desse modo às penas da lei que poderá ser o cancelamento imediato de seu cadastro aos órgãos financeiros. É importante ressaltar que no relatório o proprietário poderá combinar junto com as espécies nativas, as exóticas, excluindo do texto, as frutíferas, pois, segundo argumentação do governo, não haveria possibilidade de controlar as espécies, impactando o ambiente.     
Por ser o Brasil um país que apresenta uma estrutura geológica irregular, terrenos ondulados, cortado por grandes, médios e pequenos rios e riachos, a polêmica da vegetação nas encostas de morros e principalmente às margens dos cursos d’água vem se arrastando há quase um  século, quando foi criação do primeiro código floresta em 1934. Nesse momento já se tinha clareza da necessidade de manter preservados esses ecossistemas. Porém, o que se notou décadas mais tarde foi o total descumprimento da legislação, cujas justificativas utilizadas são inúmeras, prevalecendo, é claro, o econômico. Em relação à Bacia do Rio Araranguá, por estar à mesma situada numa planície interconectada por dezenas de afluentes ligados ao principal afluente cujo nome é Rio Araranguá, um dos principais problemas que essa região vem enfrentando atualmente são as inundações freqüentes causando sérios prejuízos à população e à economia regional. É unânime entre os habitantes da região em afirmarem que tais ciclos de cheias vêm se repetindo há milênios e que os problemas são mais recentes, principalmente a partir da chegada dos imigrantes que estabeleceram seus povoados e plantações às margens dos rios, removendo toda a vegetação protetora existente.
Embora seja quase  impossível deslocar a população situada nas áreas de riscos, o que é possível fazer para amenizar os impactos é recuperar parcela da floresta ciliar destruída, transformando em barreira natural contra a sedimentação do solo e assoreamento dos rios. O processo pode ocorrer por meio de projetos de educação ambiental, que poderá ser coordenado pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Araranguá. No entanto, essas políticas devem ter abrangência em toda região de abrangência da bacia e devem ser contínuas envolvendo toda população. Não há outro caminho a seguir que não seja o da conscientização. Que a adoção de práticas sustentáveis de culturas, protegendo parcela significativa das florestas trará equilíbrio ao ecossistema e certeza de que a futuras gerações poderão dar continuidade ao ciclo produtivo.
Prof. Jairo Cezar           

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