POR
QUE É NECESSÁRIO CONTEXTUALIZAR O QUE ESTÁ ACONTECENDO ENTRE A UCRÂNIA E A RÚSSIA?
Para
os historiadores o papel que lhes são reservados é abordar fatos avaliando seus
desdobramentos e resultados. De fato, importantes acontecimentos como as
guerras, ditaduras e golpes que se sucederam no mundo, suas causas e
consequências são objetos de investigações desses profissionais. A partir
dessas explanações, teoricamente seria possível lançar opiniões sobre quem
foram os vilões e as vítimas desses episódios. O perigo quando se vasculha
documentos, livros, ou outras fontes historiográficas é analisar e descrever
fatos inverídicos ou distorcidos, com o nítido propósito de ocultar aberrações
ou crimes humanitários.
Tanto
na segunda guerra quando no pós guerra fria, há bem pouco tempo acervos de
documentos, diários, livros e filmes, por exemplo, foram disponibilizados trazendo
novas versões sobre fatos que se acreditavam como sendo verdadeiros. Hoje em
dia, com os avanços das tecnologias, a internet, por exemplo, um vasto acervo
de documentos e informações passou a ser acessíveis à população. Entretanto, o
risco continua o mesmo do passado, acessar apressadamente esses sites, blogs,
sem consultar as fontes e os históricos intelectuais dos seus autores.
Embora
as mídias digitais já superem em público as tradicionais redes de radio,
televisão e jornais, o fato é que não podemos subestimar o poder desses
impérios da comunicação, onde parcela deles são controlados por poderosas
famílias e corporações. São jornais, canais de TV ou emissoras de rádios, cujos
proprietários sempre tiveram vínculos com os donos do capital. São forças
nacionais e internacionais que manipularam informações, patrocinam golpes
políticos, assassinatos, etc. Nos últimos dias o mundo vem acompanhando os
desdobramentos dos conflitos entre a Ucrânia e a Rússia.
O
que chama mais atenção é o fato de as notícias e imagens que chegam aos olhos e
aos ouvidos da população ocidental são provenientes de uma ou mais fontes, que
meticulosamente selecionam as que mais lhes convém. O maior risco disso é de a
população acreditar que tais informações são verídicas, inquestionáveis. Quem se
lembra dos filmes exibidos pelos canais ocidentais retratando a guerra fria? Exceto
alguns, expressivo número trazia uma visão maniqueísta, ou seja, de um lado o
vilão, de certo modo o comunismo soviético, e do outro, o bom mocinho, o super
herói, capitaneado pelos Estados Unidos. Parece que mais uma vez estamos
revivendo esses filmes de mocinhos e vilões.
O
que venho observando nos noticiários é a explícita tentativa da mídia ocidental
blindar países como os Estados Unidos e seus aliados, eximindo-os de
responsabilidade pelo o que está acontecendo na Ucrânia, invadida pelo exército
Russo. O que os órgãos noticiosos
ocidentais insistem em publicar são noticias ou reportagens mostrando o
presidente russo como um impiedoso sanguinário, que invadiu a Ucrânia com sua
poderosa força militar. Outra vez reafirmo que não estou defendendo a invasão
da Ucrânia pela Rússia e as atrocidades cometidas contra civis.
Não
há dúvida que o governo russo cometeu um crime violento, pois invadir outro
território é um ato de desrespeito a tratados internacionais. O fato é que há
muito tempo a Rússia vinha se sentindo incomodada com a expansão da OTAN em
direção a suas fronteiras. A situação começou a se agravar ainda mais quando Estados
Unidos começou articular planos de integrar a Ucrânia ao Tratado do Atlântico
Norte.
Essa
proposta dos Estados Unidos de inserir a Ucrânia é interpretada pelos Russos
como um ato de traição aos acordos assinados no passado de que bases militares
americanas jamais seriam instaladas nas suas fronteiras. Descumprindo o acordo,
em 1997 houve a inclusão de mais quatorze países fronteiriços a Rússia à OTAN.
Com essa nova integração, a Rússia se sentiu cada vez mais ameaçada. O que veio
a mente das lideranças russas foram lembranças de erros cometidos por governos
passados, a exemplo do acordo assinado com Hitler de não invasão ao território
soviético.
O
fim da URSS a partir da década de 1990 fez recrudescer o modelo estatal de produção,
abrindo caminho à disseminação do sistema neoliberal no país. Tais políticas
desestatizantes ou de “Estado Mínimo” também geraram caos entre as demais
nações europeias, criando conflitos ou disputas por mercados e capitais entre
ambas. Esse modelo produtivo de redução do papel do Estado aguçou mais a
subordinação desse bloco de países aos pomposos fluxos de capitais norte
americanos.
Com
a desestatização, o governo e o sistema produtivo na Rússia foram entregues às
máfias, cujo PIB teve queda assombrosa de mais de 30%. Ao mesmo tempo em que a
crise econômica assolava o país culminando com a sua fragmentação territorial,
o presidente alcoólatra Boris Yeltsin protagonizava cenas grotescas por onde
passava, elevando ainda mais o grau de humilhação do povo russo.
Um
país que freou as investidas em seu território do poderoso exército de Napoleão
e a derrocada do exército Nazista na Batalha de Stalingrado era muita
humilhação ter que conviver com um presidente que se apresentava bêbado em encontros
oficiais, a exemplo do que ocorreu nos EUA no governo Clinton. A chegada ao poder
de Putin abriu caminho para a restauração do nacionalismo russo, o mesmo vivido
durante a era soviética. Essa guinada desenvolvimentista do país se deu
motivada pela elevação dos preços do petróleo, sendo a Rússia um dos principais
produtores mundiais de gás.
Fatos
como esse e além de outros foram motivos para despertar preocupação de países
como os Estados, que no período do presidente Oba ma, enormes reservas de gás
foram descobertas no País. Tornou-se muito mais vantajoso aos países europeus a
importação desses combustíveis da Rússia. Atualmente quase 50% do gás consumido
na região vêm da ex-potência soviética. Parcela expressiva desse combustível chega
a Europa por tubos que cruzam à Ucrânia. Com vistas a não depender mais desses
antigos dutos, um complexo sistema de novos dutos foi instalado no Mar Báltico,
que leva o gás direto da Rússia à Alemanha. Vale lembrar que o grosso dos
investimentos dessa gigantesca infraestrutura veio da própria Alemanha.
Ao
mesmo tempo em que a Rússia se desponta como nação fortalecida economicamente,
a China trilha o mesmo caminho expansionista de sua economia, hoje batizada de Nova
Rota da Seda. O que o ocidente não acreditava era o estreitamento político
econômico entre essas duas super potências. Novos cenários geopolíticos começam
a se configurar no mundo, dando nítida clareza o modelo neoliberal capitaneado
pelos Estados Unidos estava cada vez mais se enfraquecendo. E o epicentro desse
enfraquecimento aconteceu na crise de 2008, crise que arruinou as economias no
mundo inteiro.
Dois
novos blocos econômicos se despontam de um lado os Estados Unidos, cada vez
mais enfraquecidos, e do outro o Bloco CinoRusso, formado pela Rússia e China. Os Governos da China e da Rússia construíram
juntos planos audaciosos de desenvolvimento multilateral, ou seja, estratégias
que lhes darão liderança sobre os mercados mundiais. Entre os planos estão
temas relacionados a redução das emissões de gases do efeito estufa, políticas
educacionais e sociais.
A
proposta desenvolvimentista de ambos é bem diferente do que vem sendo
abertamente pronunciado pelo governo Baden dos Estados Unidos, que prega um discurso
ufanista de voltar a liderar o mundo. Essa ideia de liderança teve início com a
criação da OTAN em 1949. A intenção da OTAN era criar uma espécie de escudo
militar na Europa para limitar a expansão soviética sobre aquela região. Analisando o mapa mundial, os Estados Unidos
tem bases militares espalhadas por 80 países, sendo que somente 118 estão na
Alemanha e outras 119 no Japão.
Há
poucos meses a mídia mundial noticiou forte impasse envolvendo o governo chinês
e os Estados Unidos que incidiram em retaliações econômicas de ambos os lados.
O impasse se deu quando os Estados Unidos/Inglaterra anunciaram o envio de
tecnologias para a construção de submarinos nucleares ao governo australiano. A China recebeu a notícia com certa preocupação,
pois sabe que a intenção do plano é intensificar ainda mais seu controle
militar sobre o mar da china, região estratégica para a economia do país.
Com
os atentados as Torres Gêmeas em 2001, os Estados Unidos criaram novo plano de
defesa conhecido por Guerra Justa ou Doutrina Bush. O plano era atacar qualquer
país suspeito de estar protegendo terroristas, tudo isso a revelia de decisões
multilaterais como a ONU. A ação militar norte americana no Iraque em 2003 com
a alegação de que Saddan Hussein estava armazenando armas químicas, que jamais
foram encontradas, colocou o país oriente médio em uma guerra civil
interminável. Na realidade o argumento que justificou as ações bélicas dos
Estados Unidos ao Iraque, Kuwait, Afeganistão, Síria, Líbia, etc, sempre foi a
derrubada de ditadores e a instalação de democracias. Claro que com democracias
é mais fácil controlar o país, pois a rigor os novos líderes escolhidos por
eleições forjadas, manipuladas, são transformados em fantoches a serviço desses
impérios.
Não
há dúvida que com Putin a frente do poder na Rússia produziu uma nova
reconfiguração no sistema capitalista global. A realidade é que Europa
ocidental tem muito mais a perder com o conflito na Ucrânia do que com os
acordos comerciais com os Estados Unidos. A construção de gasodutos para levar
gás ao Japão, China, Índia, entre outros países orientais vem, de certo modo,
tirando o sono do governo norte americano e das grandes corporações do segmento
petrolífero mundial.
Nas
sansões impostas pelos Estados Unidos à Rússia em resposta a invasão na Ucrânia
não está incluído o impedimento do fornecimento do gás à Europa ocidental.
Observe que durante a reunião sobre as sansões o peso do G7 foi decisivo, alegando
que um possível rompimento do envio do gás da Rússia arruinaria de vez a
economia da região. Claro que a justificativa por uma não intervenção ocidental
à Ucrânia se deve ao fato de o país não integrar a OTAN. Porém, não é só isso.
Uma ação militar generalizada devastaria por completo os dutos gás.
Outro
equívoco que vem sendo cometido nos inúmeros comentários referentes ao conflito
na Ucrânia é tentar comparar o presidente Putin a Hitler. Hitler foi um genocida,
segregacionista étnico, onde pregava a supremacia do povo alemão às demais
culturas. O plano também de Hitler era expandir a Alemanha para tora a Europa e
o Mundo. O certo é que não podemos ser ingênuos e acreditar que o Putin foi e é
uma referência de estadista a ser seguido. O fato é que Putin se coloca como um
fervoroso defensor do território russo, ou seja, um conservador, anticomunista,
nacionalista, que enfrenta os Estados Unidos.
O
problema é que a Ucrânia está no meio desse imbróglio geopolítico. É um país
extremamente pobre, que piorou ainda mais a partir dos anos 1990 e 2000 com as
políticas neoliberais impostas pelo Banco Mundial, FMI. Tem a sua economia baseada na produção e
exportação de commodities, agricultura e mineração. Com a crise econômica avassaladora
o país sofreu uma dos maiores êxodos rurais da Europa. Em 2014 um governo pró
ocidente articulado por grupos neonazistas foi instalado na Ucrânia. A reação
da Rússia à eleição de um governo pró-ocidente se deu de forma violenta com a
anexação da península da Criméia ao seu território. Na realidade Volodymyr Zelensk cai de paraquedas
no governo, sem nenhuma capacidade para o exercício do cargo.
Prof.
Jairo Cesa
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