terça-feira, 1 de março de 2022

 

POR QUE É NECESSÁRIO CONTEXTUALIZAR O QUE ESTÁ ACONTECENDO ENTRE A UCRÂNIA E A RÚSSIA?

Para os historiadores o papel que lhes são reservados é abordar fatos avaliando seus desdobramentos e resultados. De fato, importantes acontecimentos como as guerras, ditaduras e golpes que se sucederam no mundo, suas causas e consequências são objetos de investigações desses profissionais. A partir dessas explanações, teoricamente seria possível lançar opiniões sobre quem foram os vilões e as vítimas desses episódios. O perigo quando se vasculha documentos, livros, ou outras fontes historiográficas é analisar e descrever fatos inverídicos ou distorcidos, com o nítido propósito de ocultar aberrações ou crimes humanitários.  

Tanto na segunda guerra quando no pós guerra fria, há bem pouco tempo acervos de documentos, diários, livros e filmes, por exemplo, foram disponibilizados trazendo novas versões sobre fatos que se acreditavam como sendo verdadeiros. Hoje em dia, com os avanços das tecnologias, a internet, por exemplo, um vasto acervo de documentos e informações passou a ser acessíveis à população. Entretanto, o risco continua o mesmo do passado, acessar apressadamente esses sites, blogs, sem consultar as fontes e os históricos intelectuais dos seus autores.  

Embora as mídias digitais já superem em público as tradicionais redes de radio, televisão e jornais, o fato é que não podemos subestimar o poder desses impérios da comunicação, onde parcela deles são controlados por poderosas famílias e corporações. São jornais, canais de TV ou emissoras de rádios, cujos proprietários sempre tiveram vínculos com os donos do capital. São forças nacionais e internacionais que manipularam informações, patrocinam golpes políticos, assassinatos, etc. Nos últimos dias o mundo vem acompanhando os desdobramentos dos conflitos entre a Ucrânia e a Rússia.

O que chama mais atenção é o fato de as notícias e imagens que chegam aos olhos e aos ouvidos da população ocidental são provenientes de uma ou mais fontes, que meticulosamente selecionam as que mais lhes convém. O maior risco disso é de a população acreditar que tais informações são verídicas, inquestionáveis. Quem se lembra dos filmes exibidos pelos canais ocidentais retratando a guerra fria? Exceto alguns, expressivo número trazia uma visão maniqueísta, ou seja, de um lado o vilão, de certo modo o comunismo soviético, e do outro, o bom mocinho, o super herói, capitaneado pelos Estados Unidos. Parece que mais uma vez estamos revivendo esses filmes de mocinhos e vilões.

O que venho observando nos noticiários é a explícita tentativa da mídia ocidental blindar países como os Estados Unidos e seus aliados, eximindo-os de responsabilidade pelo o que está acontecendo na Ucrânia, invadida pelo exército Russo.  O que os órgãos noticiosos ocidentais insistem em publicar são noticias ou reportagens mostrando o presidente russo como um impiedoso sanguinário, que invadiu a Ucrânia com sua poderosa força militar. Outra vez reafirmo que não estou defendendo a invasão da Ucrânia pela Rússia e as atrocidades cometidas contra civis.

Não há dúvida que o governo russo cometeu um crime violento, pois invadir outro território é um ato de desrespeito a tratados internacionais. O fato é que há muito tempo a Rússia vinha se sentindo incomodada com a expansão da OTAN em direção a suas fronteiras. A situação começou a se agravar ainda mais quando Estados Unidos começou articular planos de integrar a Ucrânia ao Tratado do Atlântico Norte.

Essa proposta dos Estados Unidos de inserir a Ucrânia é interpretada pelos Russos como um ato de traição aos acordos assinados no passado de que bases militares americanas jamais seriam instaladas nas suas fronteiras. Descumprindo o acordo, em 1997 houve a inclusão de mais quatorze países fronteiriços a Rússia à OTAN. Com essa nova integração, a Rússia se sentiu cada vez mais ameaçada. O que veio a mente das lideranças russas foram lembranças de erros cometidos por governos passados, a exemplo do acordo assinado com Hitler de não invasão ao território soviético.

O fim da URSS a partir da década de 1990 fez recrudescer o modelo estatal de produção, abrindo caminho à disseminação do sistema neoliberal no país. Tais políticas desestatizantes ou de “Estado Mínimo” também geraram caos entre as demais nações europeias, criando conflitos ou disputas por mercados e capitais entre ambas. Esse modelo produtivo de redução do papel do Estado aguçou mais a subordinação desse bloco de países aos pomposos fluxos de capitais norte americanos.

Com a desestatização, o governo e o sistema produtivo na Rússia foram entregues às máfias, cujo PIB teve queda assombrosa de mais de 30%. Ao mesmo tempo em que a crise econômica assolava o país culminando com a sua fragmentação territorial, o presidente alcoólatra Boris Yeltsin protagonizava cenas grotescas por onde passava, elevando ainda mais o grau de humilhação do povo russo.

Um país que freou as investidas em seu território do poderoso exército de Napoleão e a derrocada do exército Nazista na Batalha de Stalingrado era muita humilhação ter que conviver com um presidente que se apresentava bêbado em encontros oficiais, a exemplo do que ocorreu nos EUA no governo Clinton. A chegada ao poder de Putin abriu caminho para a restauração do nacionalismo russo, o mesmo vivido durante a era soviética. Essa guinada desenvolvimentista do país se deu motivada pela elevação dos preços do petróleo, sendo a Rússia um dos principais produtores mundiais de gás.

Fatos como esse e além de outros foram motivos para despertar preocupação de países como os Estados, que no período do presidente Oba ma, enormes reservas de gás foram descobertas no País. Tornou-se muito mais vantajoso aos países europeus a importação desses combustíveis da Rússia. Atualmente quase 50% do gás consumido na região vêm da ex-potência soviética. Parcela expressiva desse combustível chega a Europa por tubos que cruzam à Ucrânia. Com vistas a não depender mais desses antigos dutos, um complexo sistema de novos dutos foi instalado no Mar Báltico, que leva o gás direto da Rússia à Alemanha. Vale lembrar que o grosso dos investimentos dessa gigantesca infraestrutura veio da própria Alemanha.    

Ao mesmo tempo em que a Rússia se desponta como nação fortalecida economicamente, a China trilha o mesmo caminho expansionista de sua economia, hoje batizada de Nova Rota da Seda. O que o ocidente não acreditava era o estreitamento político econômico entre essas duas super potências. Novos cenários geopolíticos começam a se configurar no mundo, dando nítida clareza o modelo neoliberal capitaneado pelos Estados Unidos estava cada vez mais se enfraquecendo. E o epicentro desse enfraquecimento aconteceu na crise de 2008, crise que arruinou as economias no mundo inteiro.

Dois novos blocos econômicos se despontam de um lado os Estados Unidos, cada vez mais enfraquecidos, e do outro o Bloco CinoRusso, formado pela Rússia e China.  Os Governos da China e da Rússia construíram juntos planos audaciosos de desenvolvimento multilateral, ou seja, estratégias que lhes darão liderança sobre os mercados mundiais. Entre os planos estão temas relacionados a redução das emissões de gases do efeito estufa, políticas educacionais e sociais.

A proposta desenvolvimentista de ambos é bem diferente do que vem sendo abertamente pronunciado pelo governo Baden dos Estados Unidos, que prega um discurso ufanista de voltar a liderar o mundo. Essa ideia de liderança teve início com a criação da OTAN em 1949. A intenção da OTAN era criar uma espécie de escudo militar na Europa para limitar a expansão soviética sobre aquela região.  Analisando o mapa mundial, os Estados Unidos tem bases militares espalhadas por 80 países, sendo que somente 118 estão na Alemanha e outras 119 no Japão.

Há poucos meses a mídia mundial noticiou forte impasse envolvendo o governo chinês e os Estados Unidos que incidiram em retaliações econômicas de ambos os lados. O impasse se deu quando os Estados Unidos/Inglaterra anunciaram o envio de tecnologias para a construção de submarinos nucleares ao governo australiano.  A China recebeu a notícia com certa preocupação, pois sabe que a intenção do plano é intensificar ainda mais seu controle militar sobre o mar da china, região estratégica para a economia do país.

Com os atentados as Torres Gêmeas em 2001, os Estados Unidos criaram novo plano de defesa conhecido por Guerra Justa ou Doutrina Bush. O plano era atacar qualquer país suspeito de estar protegendo terroristas, tudo isso a revelia de decisões multilaterais como a ONU. A ação militar norte americana no Iraque em 2003 com a alegação de que Saddan Hussein estava armazenando armas químicas, que jamais foram encontradas, colocou o país oriente médio em uma guerra civil interminável. Na realidade o argumento que justificou as ações bélicas dos Estados Unidos ao Iraque, Kuwait, Afeganistão, Síria, Líbia, etc, sempre foi a derrubada de ditadores e a instalação de democracias. Claro que com democracias é mais fácil controlar o país, pois a rigor os novos líderes escolhidos por eleições forjadas, manipuladas, são transformados em fantoches a serviço desses impérios.

Não há dúvida que com Putin a frente do poder na Rússia produziu uma nova reconfiguração no sistema capitalista global. A realidade é que Europa ocidental tem muito mais a perder com o conflito na Ucrânia do que com os acordos comerciais com os Estados Unidos. A construção de gasodutos para levar gás ao Japão, China, Índia, entre outros países orientais vem, de certo modo, tirando o sono do governo norte americano e das grandes corporações do segmento petrolífero mundial.

Nas sansões impostas pelos Estados Unidos à Rússia em resposta a invasão na Ucrânia não está incluído o impedimento do fornecimento do gás à Europa ocidental. Observe que durante a reunião sobre as sansões o peso do G7 foi decisivo, alegando que um possível rompimento do envio do gás da Rússia arruinaria de vez a economia da região. Claro que a justificativa por uma não intervenção ocidental à Ucrânia se deve ao fato de o país não integrar a OTAN. Porém, não é só isso. Uma ação militar generalizada devastaria por completo os dutos gás.

Outro equívoco que vem sendo cometido nos inúmeros comentários referentes ao conflito na Ucrânia é tentar comparar o presidente Putin a Hitler. Hitler foi um genocida, segregacionista étnico, onde pregava a supremacia do povo alemão às demais culturas. O plano também de Hitler era expandir a Alemanha para tora a Europa e o Mundo. O certo é que não podemos ser ingênuos e acreditar que o Putin foi e é uma referência de estadista a ser seguido. O fato é que Putin se coloca como um fervoroso defensor do território russo, ou seja, um conservador, anticomunista, nacionalista, que enfrenta os Estados Unidos.

O problema é que a Ucrânia está no meio desse imbróglio geopolítico. É um país extremamente pobre, que piorou ainda mais a partir dos anos 1990 e 2000 com as políticas neoliberais impostas pelo Banco Mundial, FMI.  Tem a sua economia baseada na produção e exportação de commodities, agricultura e mineração. Com a crise econômica avassaladora o país sofreu uma dos maiores êxodos rurais da Europa. Em 2014 um governo pró ocidente articulado por grupos neonazistas foi instalado na Ucrânia. A reação da Rússia à eleição de um governo pró-ocidente se deu de forma violenta com a anexação da península da Criméia ao seu território.  Na realidade Volodymyr Zelensk cai de paraquedas no governo, sem nenhuma capacidade para o exercício do cargo.

Prof. Jairo Cesa

     

   

                     

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