sábado, 21 de maio de 2022

 

ESCOLA EM CASA OU HOMESCHOOLING – UMA PROPOSTA DE ENSINO QUE RATIFICARÁ A ELETIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Placar da votação - Câmara Federal


Renomados intelectuais, estudiosos da educação como Piaget e Vigotsky construíram suas teorias afirmando categoricamente que o desenvolvimento das potencialidades cognitivas das crianças acontece a partir das interações com outras crianças. Nas décadas de 1980 e 1990 os métodos construtivistas e sócio-interacionistas dominaram os debates e tiveram fortes influências nos currículos das licenciaturas em geral. Raro era o/a professor/a que desconhecia algumas das ferramentas pedagógicas, desenvolvidas por um desses dois intelectuais além de outros, como o brasileiro Paulo Freire.  

Quase todos os estados da federação construíram suas propostas curriculares inserindo nelas capítulos e parágrafos de obras importantes de intelectuais Russos, Franceses e de outras nacionalidades. A constituição de 1988, a LDB de 1996 e o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, ambos deixam claro em seus inúmeros parágrafos que a educação é um direito, sendo de responsabilidade do Estado e da Família. Portanto, é na escola que a criança se constrói integralmente. Com extensa legislação criada em favor da educação pública, o que se vê hoje são demandas antigos não consolidados como escolas com boa infraestrutura e professores bem remunerados.

Se essas demandas ainda se mostravam embrionárias em pleno século XXI, a situação veio a se agravar nos últimos quatro ou cinco anos com a intensificação das políticas ultraliberais de desmonte do aparato estatal.  A breve passagem de Michel Temer no posto de presidente da república foi o primeiro capítulo de um processo de fraturas expostas do sistema estatal, tendo como principal alvo a educação pública.

A eleição de Bolsonaro à presidência do Brasil minou definitivamente qualquer expectativa de continuidade das etapas de construção das bases de um novo cenário social e educacional pós-regime militar. A ascensão de um ex-capitão do exército como candidato a presidente da república fez acender a luz amarela de um cenário extremamente confuso nos anos seguintes.  Não deu outra, eleito no segundo turno, algumas semanas após sua posse em 2019, Bolsonaro iniciou seu desastroso governo de desmonte do estado republicano.

A formação de uma base de apoio/centrão, no congresso nacional, conjuntamente com segmentos do exército, de uma elite econômica, grupos conservadores e fundamentalistas religiosos, ambos conferiram ao presidente o insano símbolo-imagético mito. Muitos até acreditam, tamanha bizarrice, que o presidente é a reencarnação do messias, detentor prometido por deus para redimi-lo, retratado nos livros sagrados. Convencer as pessoas de que Bolsonaro é o messias, ajudou a formar uma espessa neblina das inúmeras falcatruas cometidas até o momento.

 Um exemplo de pilantragem envolvendo o presidente e o ministro da educação foram os desvios milionários de recursos do MEC para prefeitos, intermediados por pastores deputados federais em troca de propina.  No momento em a educação pública passa por uma profunda crise, agravada com o Covic 19, se esperava que o governo federal adotasse conjuntamente com os estados e municípios ações emergenciais na tentativa de recuperar o tempo perdido. Nada disso aconteceu ou ocorrerá até 31 de dezembro quando certamente Bolsonaro deixará a presidência da república.

Correntes políticas ultraconservadoras e reacionárias também se alojaram no congresso e em setores importantes do executivo federal. Pressões e mais pressões foram e continuam sendo desferidas contra educadores na tentativa de intimidá-los no seu árduo exercício de construção saberes e consciência crítica. Comunistas, arruaceiros, agentes do mal, foram expressões repetidas por extremistas bolsonaristas em redes sociais em relação aos professores. O aparecimento de uma horda de fanáticos idealizando um modelo de escola “sem partido” também teve espaço nesse desgoverno. Embora essa proposta tenha sido sepultada pelo STF, seus defensores permaneciam atuantes atiçando seus pares no congresso para a aprovação de uma lei similar.

O que almejavam era criar algum modelo alternativo de ensino que dispensasse a obrigatoriedade do estudante ir à escola. A proposta era tolher ao máximo o convívio com professores e conteúdos ditos ideologizadores, ou seja, saberes que levassem o estudante refletir sobre a sua condição de sujeito social explorado. O ensino doméstico ou homeschooling passou a ser uma obstinação das castas elitizadas representadas no congresso nacional, assembléias legislativas e câmaras municipais. Direta ou indiretamente esse tipo de agenda sempre teve um articulador que representa as bancadas ultraconservadoras nessas casas legislativas.  

O argumento manifestado a favor desse modelo de ensino teve a pandemia como fato motivador, além de outros fatores pouco convincentes é claro. Milhões de crianças foram privadas de ir à escola, cujas aulas aconteceram remotamente sem a presença física do professor.  É importante ter clareza que a proposta de ensino doméstico está recheada de ingredientes nada compatíveis ao desenvolvimento integral da criança.  Há, portanto, por trás dessa proposta jogos de interesses envolvendo grupos fundamentalistas, governos e grupos editoriais que se beneficiarão comercializando materiais didáticos e equipamentos pedagógicos.

Umas das criticas a essa categoria de ensino é que aumentará as taxas de crianças abusadas sexualmente.  A certeza se deve ao fato de pesquisas realizadas onde se concluiu que parcela significativa das crianças que sofreram algum abuso teve seus autores, país e outros membros da família como responsáveis. Na escola, essas crianças poderão estar aparentemente protegidas dos abusadores, sendo também local de denúncia. Embora muitos municípios brasileiros já ofereçam essa norma de ensino à população, o primeiro estado que transformou em lei foi o Paraná. Diante do exposto e de uma polêmica que se arrasta há décadas acerca do ensino domiciliar, a câmara dos deputados debateu e aprovou no dia 18 de maio, às 21:05 minutos o projeto de lei n. 3179/2021que regulamenta o ensino domiciliar no Brasil.

Por cerca de duas horas acompanhei os debates acerca do tema na câmara federal, onde ficou explicito que o projeto de lei interessava sim à base governista, maioria na câmara. Os argumentos elencados pela oposição solicitando o adiamento das votações tinham como fundamento o pouco tempo para a apreciação do projeto. Infelizmente esse pedido foi vencido pela base governista.   Explicitamente, os parlamentares defensores da proposta alegavam que as famílias têm direito de decidir o destino de seus filhos, que é necessário limitarem o Estado como mentor exclusivo do processo educacional. Também usavam do argumento de que muitos países já adotam esse modelo de ensino há muito tempo. O temor dos opositores à proposta é a fragilidade do próprio Estado na condução desse modelo de ensino, principalmente no que concerne a fiscalização, que será de responsabilidade do Ministério Público, ECA, entre outros.

 

Como acreditar que o MEC agora exercerá esse papel de maneira isenta quando o próprio ministério está envolvido em uma série de atos ilícitos envolvendo recursos da educação favorecendo parlamentares ligados a grupos religiosos. Santa Catarina também teve projeto sobre educação domiciliar aprovado pela ALESC em 2019. No entanto a proposta sofreu ação na justiça por considerá-la inconstitucional. A justificativa da justiça tinha como fundamento a inexistência de uma lei geral que conferisse a legalidade a pratica nos estados e municípios.

O parlamentar autor desse projeto no estado foi Bruno de Souza, do partido Novo, o mesmo que votou favorável a insana reforma da previdência dos servidores públicos estaduais. Uma das injustiças dentre tantas outras cometidas nessa reforma, que teve a participação ativa do respectivo deputado foi a inserção de dispositivos no projeto seqüestrando 14% a mais do salário dos servidores aposentados.   Se prestarmos atenção em alguns pontos do projeto aprovado na Câmara Federal, perceberemos que recairá às respectivas unidades de ensino compromissos adicionais aos excessos já vivenciados diariamente. Isso se deve ao fato do estudante que desejar ingressar à homeschooling de estar matriculado em uma escola oficial, obrigatoriamente ser monitorado periodicamente por um docente da própria instituição de ensino.

Vale repetir aqui de alto e bom som que todo o ônus do ponto de vista administrativo e financeiro recairá aos estados e municípios. No instante em que uma família decidir ingressar na homeschooling, a casa do estudante se converterá em uma escola, cabendo ao próprio Estado o papel de gestor. União nacional dos dirigentes municipais, secretários estaduais de educação, Ministério Público, Conselhos Tutelares e outras 400 entidades já se manifestaram assinando documento criticando essa absurda lei.

Muito se ouviu entre os deputados favoráveis ao projeto que muitos países já adotam essa modalidade de ensino, a exemplo da França. No entanto, não disseram nesse e outros países o ensino público é assegurado a toda população estudantil. La a adoção do Homeschooling não aconteceu de forma abrupta como aqui, saindo da estaca zero à regulamentação. Na França, Portugal, etc, foram anos de debates com forte participação social.

Vale acrescentar também que OCDE, UNESCO, UNICEF, não há qualquer relatório dessas entidades manifestando qualquer apresso a essa modalidade de ensino, como sendo o caminho para melhorar a educação. Aqui devemos deixar bem claro que educação domiciliar ou Homeschooling é uma pauta prioritária do governo Bolsonaro para a educação. É um projeto nitidamente ideológico e não pedagógico, que visa atacar os pressupostos da educação pública. Bolsonaro desde que assumiu a presidência da república vem repetindo em forma de mantra frases do tipo: direito à liberdade individual, o indivíduo é mais importe que o Estado, além de atacar frontalmente as instituições públicas.

Por fim, quem defende esse projeto de educação/domesticação são as milhares de famílias que já aplicam esses modelo, embora ilegalmente. Com raras exceções, as famílias que aprovam essa modalidade de educação comungam com as agendas conservadoras do presidente da república. Para esses não há local mais apropriado, a residência, a família, a religião, para poder forjar pensamentos e valores individualistas, de segregação social.

Prof. Jairo Cesa

Segue em baixo a lista de alguns parlamentares que se pronunciaram favoráveis e contra o projeto de lei sobre Homeschooling  

 

Relatora - Favorável

Favorável 


Favorável

Favorável
Favorável

Favorável

Favorável

Favorável

Favorável

Contrario

Contrario

Contrario

Contrario

Contrario

Contrario

Contrario

Contrario

Contrario

Contrario

Contrario





















     

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