ESCOLA
EM CASA OU HOMESCHOOLING – UMA PROPOSTA DE ENSINO QUE RATIFICARÁ A ELETIZAÇÃO
DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Placar da votação - Câmara Federal |
Renomados
intelectuais, estudiosos da educação como Piaget e Vigotsky construíram suas
teorias afirmando categoricamente que o desenvolvimento das potencialidades
cognitivas das crianças acontece a partir das interações com outras crianças.
Nas décadas de 1980 e 1990 os métodos construtivistas e sócio-interacionistas
dominaram os debates e tiveram fortes influências nos currículos das licenciaturas
em geral. Raro era o/a professor/a que desconhecia algumas das ferramentas
pedagógicas, desenvolvidas por um desses dois intelectuais além de outros, como
o brasileiro Paulo Freire.
Quase
todos os estados da federação construíram suas propostas curriculares inserindo
nelas capítulos e parágrafos de obras importantes de intelectuais Russos,
Franceses e de outras nacionalidades. A constituição de 1988, a LDB de 1996 e o
Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, ambos deixam claro em seus
inúmeros parágrafos que a educação é um direito, sendo de responsabilidade do Estado
e da Família. Portanto, é na escola que a criança se constrói integralmente.
Com extensa legislação criada em favor da educação pública, o que se vê hoje
são demandas antigos não consolidados como escolas com boa infraestrutura e
professores bem remunerados.
Se
essas demandas ainda se mostravam embrionárias em pleno século XXI, a situação veio
a se agravar nos últimos quatro ou cinco anos com a intensificação das
políticas ultraliberais de desmonte do aparato estatal. A breve passagem de Michel Temer no posto de
presidente da república foi o primeiro capítulo de um processo de fraturas
expostas do sistema estatal, tendo como principal alvo a educação pública.
A
eleição de Bolsonaro à presidência do Brasil minou definitivamente qualquer
expectativa de continuidade das etapas de construção das bases de um novo
cenário social e educacional pós-regime militar. A ascensão de um ex-capitão do
exército como candidato a presidente da república fez acender a luz amarela de
um cenário extremamente confuso nos anos seguintes. Não deu outra, eleito no segundo turno,
algumas semanas após sua posse em 2019, Bolsonaro iniciou seu desastroso
governo de desmonte do estado republicano.
A
formação de uma base de apoio/centrão, no congresso nacional, conjuntamente com
segmentos do exército, de uma elite econômica, grupos conservadores e
fundamentalistas religiosos, ambos conferiram ao presidente o insano símbolo-imagético
mito. Muitos até acreditam, tamanha bizarrice, que o presidente é a
reencarnação do messias, detentor prometido por deus para redimi-lo, retratado
nos livros sagrados. Convencer as pessoas de que Bolsonaro é o messias, ajudou
a formar uma espessa neblina das inúmeras falcatruas cometidas até o momento.
Um exemplo de pilantragem envolvendo o
presidente e o ministro da educação foram os desvios milionários de recursos do
MEC para prefeitos, intermediados por pastores deputados federais em troca de
propina. No momento em a educação
pública passa por uma profunda crise, agravada com o Covic 19, se esperava que
o governo federal adotasse conjuntamente com os estados e municípios ações
emergenciais na tentativa de recuperar o tempo perdido. Nada disso aconteceu ou
ocorrerá até 31 de dezembro quando certamente Bolsonaro deixará a presidência
da república.
Correntes
políticas ultraconservadoras e reacionárias também se alojaram no congresso e em
setores importantes do executivo federal. Pressões e mais pressões foram e
continuam sendo desferidas contra educadores na tentativa de intimidá-los no
seu árduo exercício de construção saberes e consciência crítica. Comunistas,
arruaceiros, agentes do mal, foram expressões repetidas por extremistas
bolsonaristas em redes sociais em relação aos professores. O aparecimento de
uma horda de fanáticos idealizando um modelo de escola “sem partido” também
teve espaço nesse desgoverno. Embora essa proposta tenha sido sepultada pelo
STF, seus defensores permaneciam atuantes atiçando seus pares no congresso para
a aprovação de uma lei similar.
O
que almejavam era criar algum modelo alternativo de ensino que dispensasse a obrigatoriedade
do estudante ir à escola. A proposta era tolher ao máximo o convívio com
professores e conteúdos ditos ideologizadores, ou seja, saberes que levassem o
estudante refletir sobre a sua condição de sujeito social explorado. O ensino
doméstico ou homeschooling passou a ser uma obstinação das castas elitizadas
representadas no congresso nacional, assembléias legislativas e câmaras
municipais. Direta ou indiretamente esse tipo de agenda sempre teve um
articulador que representa as bancadas ultraconservadoras nessas casas
legislativas.
O
argumento manifestado a favor desse modelo de ensino teve a pandemia como fato
motivador, além de outros fatores pouco convincentes é claro. Milhões de
crianças foram privadas de ir à escola, cujas aulas aconteceram remotamente sem
a presença física do professor. É importante
ter clareza que a proposta de ensino doméstico está recheada de ingredientes
nada compatíveis ao desenvolvimento integral da criança. Há, portanto, por trás dessa proposta jogos de
interesses envolvendo grupos fundamentalistas, governos e grupos editoriais que
se beneficiarão comercializando materiais didáticos e equipamentos pedagógicos.
Umas
das criticas a essa categoria de ensino é que aumentará as taxas de crianças abusadas
sexualmente. A certeza se deve ao fato
de pesquisas realizadas onde se concluiu que parcela significativa das crianças
que sofreram algum abuso teve seus autores, país e outros membros da família como
responsáveis. Na escola, essas crianças poderão estar aparentemente protegidas
dos abusadores, sendo também local de denúncia. Embora muitos municípios
brasileiros já ofereçam essa norma de ensino à população, o primeiro estado que
transformou em lei foi o Paraná. Diante do exposto e de uma polêmica que se
arrasta há décadas acerca do ensino domiciliar, a câmara dos deputados debateu
e aprovou no dia 18 de maio, às 21:05 minutos o projeto de lei n. 3179/2021que
regulamenta o ensino domiciliar no Brasil.
Por
cerca de duas horas acompanhei os debates acerca do tema na câmara federal,
onde ficou explicito que o projeto de lei interessava sim à base governista, maioria
na câmara. Os argumentos elencados pela oposição solicitando o adiamento das
votações tinham como fundamento o pouco tempo para a apreciação do projeto. Infelizmente
esse pedido foi vencido pela base governista. Explicitamente,
os parlamentares defensores da proposta alegavam que as famílias têm direito de
decidir o destino de seus filhos,
que é necessário limitarem o Estado como mentor exclusivo do processo
educacional. Também usavam do argumento de que muitos países já adotam esse
modelo de ensino há muito tempo. O temor dos opositores à proposta é a
fragilidade do próprio Estado na condução desse modelo de ensino,
principalmente no que concerne a fiscalização, que será de responsabilidade do
Ministério Público, ECA, entre outros.
Como
acreditar que o MEC agora exercerá esse papel de maneira isenta quando o
próprio ministério está envolvido em uma série de atos ilícitos envolvendo
recursos da educação favorecendo parlamentares ligados a grupos religiosos.
Santa Catarina também teve projeto sobre educação domiciliar aprovado pela
ALESC em 2019. No entanto a proposta sofreu ação na justiça por considerá-la
inconstitucional. A justificativa da justiça tinha como fundamento a
inexistência de uma lei geral que conferisse a legalidade a pratica nos estados
e municípios.
O
parlamentar autor desse projeto no estado foi Bruno de Souza, do partido Novo,
o mesmo que votou favorável a insana reforma da previdência dos servidores públicos
estaduais. Uma das injustiças dentre tantas outras cometidas nessa reforma, que
teve a participação ativa do respectivo deputado foi a inserção de dispositivos
no projeto seqüestrando 14% a mais do salário dos servidores aposentados. Se
prestarmos atenção em alguns pontos do projeto aprovado na Câmara Federal,
perceberemos que recairá às respectivas unidades de ensino compromissos
adicionais aos excessos já vivenciados diariamente. Isso se deve ao fato do
estudante que desejar ingressar à homeschooling de estar matriculado em uma
escola oficial, obrigatoriamente ser monitorado periodicamente por um docente
da própria instituição de ensino.
Vale
repetir aqui de alto e bom som que todo o ônus do ponto de vista administrativo
e financeiro recairá aos estados e municípios. No instante em que uma família
decidir ingressar na homeschooling, a casa do estudante se converterá em uma
escola, cabendo ao próprio Estado o papel de gestor. União nacional dos
dirigentes municipais, secretários estaduais de educação, Ministério Público,
Conselhos Tutelares e outras 400 entidades já se manifestaram assinando
documento criticando essa absurda lei.
Muito
se ouviu entre os deputados favoráveis ao projeto que muitos países já adotam
essa modalidade de ensino, a exemplo da França. No entanto, não disseram nesse
e outros países o ensino público é assegurado a toda população estudantil. La a
adoção do Homeschooling não aconteceu de forma abrupta como aqui, saindo da
estaca zero à regulamentação. Na França, Portugal, etc, foram anos de debates
com forte participação social.
Vale
acrescentar também que OCDE, UNESCO, UNICEF, não há qualquer relatório dessas
entidades manifestando qualquer apresso a essa modalidade de ensino, como sendo
o caminho para melhorar a educação. Aqui devemos deixar bem claro que educação
domiciliar ou Homeschooling é uma pauta prioritária do governo Bolsonaro para a
educação. É um projeto nitidamente ideológico e não pedagógico, que visa atacar
os pressupostos da educação pública. Bolsonaro desde que assumiu a presidência
da república vem repetindo em forma de mantra frases do tipo: direito à
liberdade individual, o indivíduo é mais importe que o Estado, além de atacar frontalmente
as instituições públicas.
Por
fim, quem defende esse projeto de educação/domesticação são as milhares de
famílias que já aplicam esses modelo, embora ilegalmente. Com raras exceções, as
famílias que aprovam essa modalidade de educação comungam com as agendas
conservadoras do presidente da república. Para esses não há local mais
apropriado, a residência, a família, a religião, para poder forjar pensamentos
e valores individualistas, de segregação social.
Prof.
Jairo Cesa
Segue em baixo a lista de alguns parlamentares que se pronunciaram favoráveis e contra o projeto de lei sobre Homeschooling
Relatora - Favorável |
Favorável |
Favorável Favorável Favorável Favorável Favorável Favorável Favorável Contrario Contrario Contrario Contrario Contrario Contrario Contrario Contrario Contrario Contrario Contrario |
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