sábado, 28 de maio de 2022

 

PESCA NO BRASIL – A ESCULHAMBAÇÃO TOTAL


Nas últimas semanas a imprensa e as redes sociais vêm mostrando reportagens, vídeos e imagens de pescadores entusiasmados recolhendo suas redes repletas de tainhas. Eu mesmo conferi essa cena misturada de empolgação e apreensão no último domingo, 21 de maio, na orla do Morro dos Conventos, quando um único barco capturou aproximadamente de dez mil quilos dessa espécie em um único arrastão. Reitero minha preocupação pelo fato de existir relatórios que confirmam redução acentuada dessa espécie anos após anos.

É interessante aqui relatar que a captura da tainha é uma atividade secular praticada bem antes da chegada dos europeus. Entretanto ela se dava de maneira rudimentar voltada exclusivamente à subsistência das populações indígenas envolvidas. Há relatos que confirmam que os Tupinambás quando um grupo pescasse peixes das necessidades o excedente era dividido entre os pescadores com baixa captura. Com o passar do tempo a pesca da tainha e de outras espécies foi adquirindo caráter de profissionalismo. Para disciplinar essa atividade um complexo arcabouço de legislações e resoluções foram criadas, que doravante tornaram-se insuficientes para conter os abusos praticados, como uso de equipamentos de pesca proibidos, pesca em período de defeso, etc. 

Em relação à pesca da tainha, o que preocupa pesquisadores e ambientalistas é o fato dessa atividade acontecer exatamente no período da desova. Enormes cardumes saem dos estuários de rios e lagoas da Argentina, Uruguai e do Rio Grande do Sul aproveitando as correntes oceânicas frias, vindo até o sul e o sudeste para lançar os seus ovos. Durante um ano esses alevinos permanecem no oceano, vindo posteriormente se dirigir até os estuários para concluir o seu ciclo de desenvolvimento de mais quatro ou cinco anos. Embora existam legislações e órgãos fiscalizadores para regrar a atividade pesqueira no Brasil, o que acontece de fato é uma explicita esculhambação nesse setor, agravado mais a partir do governo Bolsonaro.

Embora a atividade pesqueira não tenha um ministério específico e sim uma secretaria executiva vinculada ao ministério da agricultura, a escolha do secretário dessa pasta sempre incorre em expectativas aos milhões de pescadores no Brasil inteiro. Sendo ou não cargo político o que prevalece de fato no momento da escolha do gestor é que no mínimo o titular tenha alguma qualificação técnica e isenção de atos ilícitos.  

Não é o que aconteceu durante os três anos de governo Bolsonaro na secretaria executiva da pesca onde foi indicado um cidadão de Santa Catarina ligado a indústria pesqueira com uma extensa lista de denúncias de crimes ambientais cometidos pela empresa de sua família. A lista vai desde a pesca de espécies em extinção, pesca em períodos de defeso e navegar por uma semana com o sinal de rastreamento desligado da embarcação.

Conforme relatórios de estudos divulgados sobre a tainha, a população total dessa espécie atualmente no planeta é de 16,5 mil toneladas. Anualmente são capturadas nove mil toneladas, o dobro do que seria considerado sustentável para a preservação da espécie. Se o ritmo de captura permanecer nesse patamar em dez anos mais ou menos essa prática secular no sudeste e sul do Brasil permanecerá somente na memória da população. 

Portanto todas as informações aqui explanadas confirmam minha e de muita gente quanto ao risco da atividade pesqueira da tainha. As legislações determinam que haja um rigoroso controle durante o processo de captura do pescado. O que é sabido é que o controle, fiscalização são exercido pelo IBAMA. Acontece que o órgão vem sofrendo um processo de desmonte desde a posse de Jair Bolsonaro. Atualmente o IBAMA tem três barcos para monitorar 7.300 km de costa.

O que é um tanto estranho quando o assunto é pesca da tainha é que todos os comentários sobre arrastos ou outros meios com dezenas de toneladas capturadas são só positivos. É explicito que há algo confuso e pouco esclarecido nesse cenário festivo refletido pelos pescadores no instante que suas redes quase quilométricas cercam milhares de tainhas.  As portarias assinadas confirmam que não há limites de peixes a serem pescados por pescadores que usam barcos para o cerco dos cardumes.

No município de Araranguá centenas de famílias praticam a pesca artesanal através do uso de pequenas embarcações, principalmente canoas movida a remos. Por ser a barra do rio Araranguá um estuário acredita-se que muitas das espécies de tainhas que transitam pela costa tendem a entrar no rio para lançar seus ovos. O fato é que aqueles peixes/tainhas que poderiam adentrar a barra são cercados e aprisionados pelas inúmeras redes distribuídas em todo o trecho de praia.

Mais de 90% das embarcações que varrem o fundo do oceano na orla de Araranguá são de outros municípios. Nenhum comentário é feito sobre quais os impactos dessas pesadas redes à fauna oceânica. É possível que quando ocorre o arrasto todo o fundo do oceano é removido, destruindo ovos e larvas de espécies endêmicas como a papa terra. É visível o número pequeno dessa espécie pescada a cada ano no litoral sul de Santa Catarina.

Quando se afirma que a pesca no Brasil é uma esculhambação não precisamos ir muito longe para confirmar tal certeza. Aqui bem pertinho de nós, boca da barra do rio Araranguá, pescadores de bem, sem licenciamentos, lançaram suas redes desrespeitando os limites de um quilômetro da foz. Feita a denúncia, polícia ambiental e um helicóptero do SAER foram até o local e apreenderam todos os equipamentos de pesca, um caminhão e aplicaram multa de 200 mil reais aos infratores.

Assa apreensão e multa aconteceu por sorte também, pois a polícia ambiental, cuja sede é maracajá, tem um plantel bem reduzido de profissionais para atender uma extensa área de atuação, de Laguna a Praia Grande, extremo sul do estado. Não tem como o órgão fiscalizar estar todos os dias monitorando toda a extensa orla. Posso estar enganado, mas acredito que poucas são as embarcações realmente em condições legais para o exercício da atividade.  No dia posterior a ação da polícia na foz do rio Araranguá nenhum caminhão com barcos na carroceria foi visto transitando pela orla do Morro dos Conventos, muito menos pescadores com suas pequenas redes de correr. Por que será?  

Também cabe aqui algumas reflexões sobre o elevado número de atos ilícitos na captura da tainha em menos de um mês do começo da temporada. Se temos um governo que desde a posse vem, insistentemente, dando maus exemplos de desrespeito as legislações, é claro que essa atitude seria replicada por muitos, principalmente por seus apoiadores. A crença na impunidade, no enfraquecimento dos órgãos fiscalizadores, IBAMA, ICMbio, Policia Ambiental, etc, são combustíveis suficientes para alimentar  o desejo de subversão as regras da pesca da tainha e de outros pescados.

Prof. Jairo Cesa          

 

https://brasil.elpais.com/brasil/2021-08-21/brasil-naufraga-no-controle-da-pesca-de-arrasto.htmlhttps://brasil.elpais.com/brasil/2021-08-21/brasil-naufraga-no-controle-da-pesca-de-arrasto.html

https://agoralaguna.com.br/2022/05/toneladas-de-tainha-sao-apreendidas-e-multa-ultrapassa-r-200-mil/

https://tnsul.com/2022/geral/tainhas-pescadas-irregularmente-sao-apreendidas-em-ararangua/

 

      

 

 

 

 

 

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