sexta-feira, 3 de junho de 2022

 

DEZ ANOS DE CÓDIGO FLORESTAL COM CRESCIMENTO ABSURDO DOS DESMATAMENTOS

Dez anos depois da aprovação do código florestal, a área de desmatamento somente na Amazônia legal foi três vezes superior a anterior a 2012, ou seja, passou de 4.571 ha para 13.235 ha. Na época, lembro que um dos argumentos favoráveis ao novo código era a criação de uma legislação mais flexível que a anterior. Admitiam os seus defensores, representantes das bancadas do agronegócio, por exemplo, que uma legislação muito rígida, como alegava ser a existente, estava estimulando ao aumento das infrações ambientais.

De fato uma das maiores aberrações cometidas no novo código foi o capítulo que anistiou as infrações ambientais como desmatamentos cometidos até 2008. Esse agrado fez com que o governo federal deixasse de arrecadar quase 10 bilhões de reais em multas. Durante esse período escrevi alguns artigos expondo minha indignação e ao mesmo ceticismo acerca do novo código, alertando que os crimes ambientais jamais cessariam. Afirmei também que num prazo máximo de dez anos, novas resoluções ou emendas ao código seriam aprovadas no congresso nacional para mais uma vez isentar novos crimes ambientais cometidos.

O que vem sendo feito desde então é um intenso desmonte do código como, por exemplo, a lei aprovada que flexibiliza as APPs situadas em áreas urbanas. Alguns itens do código podem sim ser visto como avanço substancial, porém desde a sua implantação já demonstrava que seria pouco efetivo e sujeito a fraudes generalizadas. Refiro-me ao CAR - Cadastro Ambiental Rural, onde cada proprietário deveria fazer, de forma autodeclaratória, levantamento da área florestal de sua propriedade, mensurando as Reservas Legais, as APPs, etc. Todos esses dados seriam encaminhados ao governo federal para uma compreensão definitiva de toda a estrutura rural brasileira. Entretanto o compromisso de checar os dados relatados no CAR deveria ser e é dos estados.

Até hoje, dez anos depois, apenas 7,6% dos dados do CAR foram analisados pelos estados, desse total, somente 0,4% foram validados. Isso quer dizer que não se sabe exatamente a realidade dessas propriedades dez anos depois da homologação do código. Claro que toda essa lentidão nas analises são propositais e tem caráter político, pois permite ao proprietário continuar avançando sobre áreas de proteção. De acordo com o andar da carruagem ninguém acredita que os 92% das propriedades que aguardam validação do CAR serão mesmo analisadas.

O que vai acontecer e já temos exemplos concretos disso é a elaboração de projetos no legislativo federal e nas assembleias estaduais para descaracterizar completamente o código florestal, de tal modo que o CAR tenderá a perder definitivamente sua importância.  Por que dessa certeza? Dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia comprovaram que somente na Amazônia 56,5 milhões de hectares de áreas não destinadas, ou seja, espaços com florestas públicas que deveriam ser foco de conservação ou de uso sustentável foram ou estão sendo griladas.

É uma área equivalente a 7.5% do território nacional, muito maior que a de qualquer país europeu, exceto a Rússia. Se forem terras ainda não destinadas, que não deveriam estar inseridas nos CAR por ser públicas, estão se tornando alvos fáceis dos grileiros que as ocupam, registrando-as como áreas particulares. Somente na Amazônia foram 18 milhões de hectares identificados em 2020. Desse total de áreas destinadas que se tornaram particulares, 49% estavam ocupadas por grandes proprietários.

O que é mais gritante nisso é que até o ano passado, 2021, cerca de 3 milhões de hectares de florestas destinadas na Amazônia tinham sido desmatadas, sendo que 60% foram em propriedades com o CAR concluído. Afinal qual a função do Cadastro Ambiental Rural? Todos sabem que o cadastro é um sistema eletrônico que, teoricamente, teriam que conter  dados pormenorizados de todas as propriedades rurais, incluindo APPs, reservas legais, etc. Com esses dados em mão fica fácil para os governos monitorarem todas as propriedades, avaliar se os dados contidos no registro são fidedignos.

No momento que somente uma fração insignificante de cadastros foram analisados em todo o território nacional se subtende que a mão do poderoso segmento do agronegócio vem influenciando seus apadrinhados parlamentares no congresso para promover mudanças no código.  A certeza se deve pelo fato de nos últimos quatro anos o Brasil obteve recorde de desmatamento em quase todos os biomas, com ênfase maior no bioma Amazônico. A mata atlântica também sofre as investidas dos criminosos ambientais. O último relato apresentado relativo ao biênio 2020-2021 mostrou uma elevação de 66% do desmatamento em comparação ao biênio anterior, 2019-2020. A extensão de floresta desmatada foi de 21.642 ha, quase o dobro da anterior, de 13.053 hectares. Agora se for comparado com o relatório de 2017-2018, o percentual chega a 90%.

O que é curioso em relação aos dados do aumento progressivo dos desmatamentos da mata atlântica é que o mesmo acontece a partir do governo Temer, se intensificando assustadoramente nos anos subsequentes, gestão Jair Bolsonaro. No último relatório, o estado de Minas Gerais foi campeão em floresta tombada, com 9.209 há; em segundo ficou a Bahia, com 4.968 há; em terceiro lugar ficou o Paraná, com 3.299 ha; em quarto o estado do Mato Grosso do sul, com 1008 ha, e na quinta posição Santa Catarina, com 750 ha.

Na realidade o código florestal brasileiro além do descumprimento explicito dos seus inúmeros artigos, vem sendo paulatinamente desfigurado com novas resoluções e emendas. A intenção de expandir a data de anistia aos crimes cometidos contra as florestas para 25 de maio de 2012 têm exatamente a escancarada intenção de isentar de multa os infratores que desmataram e queimaram milhares de hectares de florestas, principalmente nesses ultimas quatro ou cinco anos.  

Sobre a desfiguração permanente do código florestal, o ato considerado como um dos maiores retrocessos históricos foi a aprovação no congresso em 2021 da lei 14.285 que transfere aos municípios as responsabilidades para gerir suas APPs Urbanas. Claro que a aprovação dessa lei absurda se deu por intermédio de pressões advindas do segmento imobiliário interessado em expandir seus negócios nessas áreas, restingas e mangues, por exemplo. De certo modo essa lei se caracteriza como inconstitucional, pois cabe a união definir regras gerais para áreas de interesse público. Essa lei pode gerar uma colcha de retalhos de decisões distintas dentro de uma mesma bacia hidrográfica, onde cada município definirá as extensões de suas APPs.

Quando falamos de APPs urbana estamos nos referindo às margens de rios, riachos, lagos e encostas de morros. Quem acompanha os noticiários diários deve ter observado o elevado número de tragédias que estão ocorrendo em todo território nacional ocasionado por enxurradas e deslizamentos de encostas de morros. Cidades como Petrópolis, Ilhéus, Itabuna, Angra dos Reis e Recife, são os casos mais recentes de desastres provocados por chuvas intensas que ceifaram a vida de mais de uma centena de pessoas.

Todos esses municípios os desastres se deram em áreas de APP ocupadas por famílias pobres e com o consentimento do próprio poder público. O congresso nacional e o governo federal jamais deveriam ter sancionado essa e outras leis similares, pois se sabe que em muitos municípios brasileiros, prevalece o lobby das elites econômicas junto ao legislativo, votando projetos que mais se adéquam aos seus interesses.

O caso da tragédia em Recife merece atenção e reflexão sobre o modo como as cidades estão sendo pensadas para um futuro que será repleto de anomalias climáticas. Muitos governantes, políticos e parcela da população ainda são céticos quanto ao aquecimento global. Entre as cidades brasileiras que serão mais afetadas com o aquecimento está exatamente a cidade de Recife. Devido a sua localização, sua planície costeira será em breve retomada pela água do mar devido ao aumento do nível dos oceanos. Esse problema não é exclusividade de Recife, outras cidades litorâneas, capitais densamente povoadas, também serão afetadas, com impactos devastadores às populações mais carentes que habitam áreas de riscos desassistidas pelo Estado.

Santa Catarina não está livre dessas anomalias climáticas, não só das investidas da água do atlântico como também de outras intempéries: tornados, enxurradas, deslizamentos, ciclones bombas, estiagens frequentes e prolongadas. São esses alguns episódios extremos do clima que estão se tornando rotina no estado, impactando a economia e provocando perdas de vidas humanas.

Era de se imaginar que diante de tantas demonstrações de que as mudanças do clima global estavam afetando mais efetivamente os estados do sul do Brasil, que haveria uma ação mais efetiva dos governos no cumprimento das legislações ambientais. No entanto a realidade não essa. O maior exemplo de irresponsabilidade foi o estado de Santa Catarina de tomar a decisão de reformular o código ambiental do estado, tornando-o mais flexível no que tange a fiscalização de crimes ambientais. O modo como se deu a mudança excluindo do debate ONG, Universidades e a própria Polícia Ambiental, gerou apreensões e dúvidas quanto ao futuro ambiental do estado.

Prof. Jairo Cesa

  

https://congressoemfoco.uol.com.br/blogs-e-opiniao/colunistas/dez-anos-do-codigo-florestal-o-que-comemorar/

https://outraspalavras.net/outrasmidias/codigo-florestal-dez-anos-sem-muito-a-comemorar/

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/05/25/nos-dez-anos-do-codigo-florestal-debatedores-apontam-fraudes-no-car

https://climainfo.org.br/2022/05/25/desmatamento-cresce-66-na-mata-atlantica/

https://cms.sosma.org.br/wp-content/uploads/2022/05/Sosma-Atlas-2022-1.pdf

https://sc.movimentoods.org.br/2021/05/26/desmatamento-sobe-e-sc-e-o-4-estado-do-ranking-segundo-atlas-da-mata-atlantica/

https://www.dw.com/pt-br/dez-anos-de-falhas-e-descumprimento-do-c%C3%B3digo-florestal/a-61924342

https://www.youtube.com/watch?v=9YdNQc692Vc

https://www.climatepolicyinitiative.org/pt-br/publication/senado-presenteia-os-10-anos-do-codigo-florestal-com-mais-anistia-aos-desmatadores/

https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9136722&ts=1651506581033&disposition=inline

https://ipam.org.br/fraude-no-car-responde-por-65-do-desmatamento-em-terras-publicas-da-amazonia/

https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Meio-Ambiente/noticia/2021/03/o-que-sao-florestas-publicas-nao-destinadas-e-por-que-elas-importam.html

https://www.sosma.org.br/artigos/diminuir-faixas-de-preservacao-permanente-e-potencializar-tragedias-nas-cidades/

 

 

 

 

 

 

 

 

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