DEZ ANOS DE CÓDIGO
FLORESTAL COM CRESCIMENTO ABSURDO DOS DESMATAMENTOS
Dez
anos depois da aprovação do código florestal, a área de desmatamento somente na
Amazônia legal foi três vezes superior a anterior a 2012, ou seja, passou de
4.571 ha para 13.235 ha. Na época, lembro que um dos argumentos favoráveis ao
novo código era a criação de uma legislação mais flexível que a anterior.
Admitiam os seus defensores, representantes das bancadas do agronegócio, por
exemplo, que uma legislação muito rígida, como alegava ser a existente, estava
estimulando ao aumento das infrações ambientais.
De
fato uma das maiores aberrações cometidas no novo código foi o capítulo que anistiou
as infrações ambientais como desmatamentos cometidos até 2008. Esse agrado fez
com que o governo federal deixasse de arrecadar quase 10 bilhões de reais em
multas. Durante esse período escrevi alguns artigos expondo minha indignação e
ao mesmo ceticismo acerca do novo código, alertando que os crimes ambientais jamais
cessariam. Afirmei também que num prazo máximo de dez anos, novas resoluções ou
emendas ao código seriam aprovadas no congresso nacional para mais uma vez isentar
novos crimes ambientais cometidos.
O
que vem sendo feito desde então é um intenso desmonte do código como, por
exemplo, a lei aprovada que flexibiliza as APPs situadas em áreas urbanas.
Alguns itens do código podem sim ser visto como avanço substancial, porém desde
a sua implantação já demonstrava que seria pouco efetivo e sujeito a fraudes
generalizadas. Refiro-me ao CAR - Cadastro Ambiental Rural, onde cada
proprietário deveria fazer, de forma autodeclaratória, levantamento da área
florestal de sua propriedade, mensurando as Reservas Legais, as APPs, etc.
Todos esses dados seriam encaminhados ao governo federal para uma compreensão
definitiva de toda a estrutura rural brasileira. Entretanto o compromisso de checar
os dados relatados no CAR deveria ser e é dos estados.
Até
hoje, dez anos depois, apenas 7,6% dos dados do CAR foram analisados pelos
estados, desse total, somente 0,4% foram validados. Isso quer dizer que não se
sabe exatamente a realidade dessas propriedades dez anos depois da homologação
do código. Claro que toda essa lentidão nas analises são propositais e tem
caráter político, pois permite ao proprietário continuar avançando sobre áreas
de proteção. De acordo com o andar da carruagem ninguém acredita que os 92% das
propriedades que aguardam validação do CAR serão mesmo analisadas.
O
que vai acontecer e já temos exemplos concretos disso é a elaboração de
projetos no legislativo federal e nas assembleias estaduais para
descaracterizar completamente o código florestal, de tal modo que o CAR tenderá
a perder definitivamente sua importância.
Por que dessa certeza? Dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da
Amazônia comprovaram que somente na Amazônia 56,5 milhões de hectares de áreas
não destinadas, ou seja, espaços com florestas públicas que deveriam ser foco
de conservação ou de uso sustentável foram ou estão sendo griladas.
É
uma área equivalente a 7.5% do território nacional, muito maior que a de
qualquer país europeu, exceto a Rússia. Se forem terras ainda não destinadas,
que não deveriam estar inseridas nos CAR por ser públicas, estão se tornando
alvos fáceis dos grileiros que as ocupam, registrando-as como áreas
particulares. Somente na Amazônia foram 18 milhões de hectares identificados em
2020. Desse total de áreas destinadas que se tornaram particulares, 49% estavam
ocupadas por grandes proprietários.
O
que é mais gritante nisso é que até o ano passado, 2021, cerca de 3 milhões de
hectares de florestas destinadas na Amazônia tinham sido desmatadas, sendo que
60% foram em propriedades com o CAR concluído. Afinal qual a função do Cadastro
Ambiental Rural? Todos sabem que o cadastro é um sistema eletrônico que,
teoricamente, teriam que conter dados
pormenorizados de todas as propriedades rurais, incluindo APPs, reservas
legais, etc. Com esses dados em mão fica fácil para os governos monitorarem
todas as propriedades, avaliar se os dados contidos no registro são fidedignos.
No
momento que somente uma fração insignificante de cadastros foram analisados em
todo o território nacional se subtende que a mão do poderoso segmento do
agronegócio vem influenciando seus apadrinhados parlamentares no congresso para
promover mudanças no código. A certeza
se deve pelo fato de nos últimos quatro anos o Brasil obteve recorde de
desmatamento em quase todos os biomas, com ênfase maior no bioma Amazônico. A
mata atlântica também sofre as investidas dos criminosos ambientais. O último
relato apresentado relativo ao biênio 2020-2021 mostrou uma elevação de 66% do
desmatamento em comparação ao biênio anterior, 2019-2020. A extensão de
floresta desmatada foi de 21.642 ha, quase o dobro da anterior, de 13.053
hectares. Agora se for comparado com o relatório de 2017-2018, o percentual
chega a 90%.
O
que é curioso em relação aos dados do aumento progressivo dos desmatamentos da
mata atlântica é que o mesmo acontece a partir do governo Temer, se intensificando
assustadoramente nos anos subsequentes, gestão Jair Bolsonaro. No último
relatório, o estado de Minas Gerais foi campeão em floresta tombada, com 9.209
há; em segundo ficou a Bahia, com 4.968 há; em terceiro lugar ficou o Paraná,
com 3.299 ha; em quarto o estado do Mato Grosso do sul, com 1008 ha, e na
quinta posição Santa Catarina, com 750 ha.
Na
realidade o código florestal brasileiro além do descumprimento explicito dos
seus inúmeros artigos, vem sendo paulatinamente desfigurado com novas resoluções
e emendas. A intenção de expandir a data de anistia aos crimes cometidos contra
as florestas para 25 de maio de 2012 têm exatamente a escancarada intenção de
isentar de multa os infratores que desmataram e queimaram milhares de hectares
de florestas, principalmente nesses ultimas quatro ou cinco anos.
Sobre
a desfiguração permanente do código florestal, o ato considerado como um dos
maiores retrocessos históricos foi a aprovação no congresso em 2021 da lei
14.285 que transfere aos municípios as responsabilidades para gerir suas APPs
Urbanas. Claro que a aprovação dessa lei absurda se deu por intermédio de
pressões advindas do segmento imobiliário interessado em expandir seus negócios
nessas áreas, restingas e mangues, por exemplo. De certo modo essa lei se
caracteriza como inconstitucional, pois cabe a união definir regras gerais para
áreas de interesse público. Essa lei pode gerar uma colcha de retalhos de decisões
distintas dentro de uma mesma bacia hidrográfica, onde cada município definirá
as extensões de suas APPs.
Quando
falamos de APPs urbana estamos nos referindo às margens de rios, riachos, lagos
e encostas de morros. Quem acompanha os noticiários diários deve ter observado
o elevado número de tragédias que estão ocorrendo em todo território nacional
ocasionado por enxurradas e deslizamentos de encostas de morros. Cidades como
Petrópolis, Ilhéus, Itabuna, Angra dos Reis e Recife, são os casos mais
recentes de desastres provocados por chuvas intensas que ceifaram a vida de
mais de uma centena de pessoas.
Todos
esses municípios os desastres se deram em áreas de APP ocupadas por famílias
pobres e com o consentimento do próprio poder público. O congresso nacional e o
governo federal jamais deveriam ter sancionado essa e outras leis similares,
pois se sabe que em muitos municípios brasileiros, prevalece o lobby das elites
econômicas junto ao legislativo, votando projetos que mais se adéquam aos seus
interesses.
O
caso da tragédia em Recife merece atenção e reflexão sobre o modo como as
cidades estão sendo pensadas para um futuro que será repleto de anomalias
climáticas. Muitos governantes, políticos e parcela da população ainda são
céticos quanto ao aquecimento global. Entre as cidades brasileiras que serão
mais afetadas com o aquecimento está exatamente a cidade de Recife. Devido a
sua localização, sua planície costeira será em breve retomada pela água do mar
devido ao aumento do nível dos oceanos. Esse problema não é exclusividade de Recife,
outras cidades litorâneas, capitais densamente povoadas, também serão afetadas,
com impactos devastadores às populações mais carentes que habitam áreas de
riscos desassistidas pelo Estado.
Santa
Catarina não está livre dessas anomalias climáticas, não só das investidas da
água do atlântico como também de outras intempéries: tornados, enxurradas,
deslizamentos, ciclones bombas, estiagens frequentes e prolongadas. São esses alguns
episódios extremos do clima que estão se tornando rotina no estado, impactando
a economia e provocando perdas de vidas humanas.
Era
de se imaginar que diante de tantas demonstrações de que as mudanças do clima
global estavam afetando mais efetivamente os estados do sul do Brasil, que
haveria uma ação mais efetiva dos governos no cumprimento das legislações
ambientais. No entanto a realidade não essa. O maior exemplo de
irresponsabilidade foi o estado de Santa Catarina de tomar a decisão de reformular
o código ambiental do estado, tornando-o mais flexível no que tange a
fiscalização de crimes ambientais. O modo como se deu a mudança excluindo do
debate ONG, Universidades e a própria Polícia Ambiental, gerou apreensões e
dúvidas quanto ao futuro ambiental do estado.
Prof.
Jairo Cesa
https://outraspalavras.net/outrasmidias/codigo-florestal-dez-anos-sem-muito-a-comemorar/
https://climainfo.org.br/2022/05/25/desmatamento-cresce-66-na-mata-atlantica/
https://cms.sosma.org.br/wp-content/uploads/2022/05/Sosma-Atlas-2022-1.pdf
https://www.dw.com/pt-br/dez-anos-de-falhas-e-descumprimento-do-c%C3%B3digo-florestal/a-61924342
https://www.youtube.com/watch?v=9YdNQc692Vc
https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9136722&ts=1651506581033&disposition=inline
https://ipam.org.br/fraude-no-car-responde-por-65-do-desmatamento-em-terras-publicas-da-amazonia/
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